Empregado doméstico: requisitos específicos

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Prof. Ricardo Resende
www.ricardoresende.com.br - Estudos Jurídicos Aplicados
Empregado doméstico: requisitos específicos para
caracterização (1ª parte)
No tocante ao estudo da relação de emprego, uma das questões mais exploradas em
concursos públicos é a caracterização da relação de emprego doméstico. Com efeito, o
vínculo de emprego do doméstico é peculiar, nos termos do art. 1º da Lei nº
5.859/1972:
Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza
contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas,
aplica-se o disposto nesta lei.
Portanto, o doméstico é aquele empregado qualificado pelos requisitos específicos,
quais sejam:
a) continuidade da prestação dos serviços;
b) finalidade não lucrativa dos serviços prestados à pessoa ou à família, no âmbito
residencial destas.
Como empregado que é, o vínculo do doméstico depende dos requisitos gerais
caracterizadores da relação de emprego, que são a pessoalidade, a onerosidade e a
subordinação. O requisito da não eventualidade, extraído do disposto no art. 3º da
CLT, é substituído, no caso do doméstico, pela continuidade. Tratarei deste requisito
no próximo artigo, para fins didáticos, ou seja, para não desviar o foco daquilo que
realmente pretendo abordar neste artigo.
Vejamos então a questão da finalidade não lucrativa dos serviços.
Em primeiro lugar, há que se tomar especial cuidado para não confundir finalidade não
lucrativa dos serviços e ausência de onerosidade. Os serviços domésticos não têm
finalidade lucrativa para o empregador. Isto não significa que tais serviços não
tenham repercussão econômica para o empregado doméstico, ao passo que o
trabalhador presta serviços com vistas à contraprestação, consubstanciada na
remuneração. Do contrário, não teríamos o preenchimento do requisito onerosidade
e, consequentemente, ausente estaria o liame empregatício.
Desse modo, ao mencionar que o empregado doméstico é aquele que presta serviços
de finalidade não lucrativa, quis o legislador dizer que a atividade do empregador
doméstico não pode envolver qualquer tipo de lucro. Em esclarecedora lição, diz-se
que a relação de emprego doméstico deve se limitar ao uso/consumo dos serviços,
jamais podendo produzir valor de troca.
Imaginemos um exemplo: um caseiro de sítio de veraneio trabalha tomando conta da
casa e arredores, bem como realizando tarefas de manutenção em geral. Neste caso,
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será doméstico. Em outra hipótese, em que este caseiro, além de tomar conta da casa
e realizar a manutenção das instalações, cultiva hortaliças e cria animais destinados à
venda, não há que se falar em vínculo doméstico, eis que presente a atividade
lucrativa. Da mesma forma, se um profissional liberal, um advogado, por exemplo, tem
seu local de trabalho anexo à sua residência, e um empregado se encarrega da limpeza
dos dois ambientes (a casa e o escritório), este não poderá ser considerado doméstico,
dada a finalidade lucrativa da atividade profissional ali desenvolvida.
Intrinsecamente ligada a tal requisito está a circunstância de o empregado doméstico
prestar serviços à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.
A principal decorrência desta parte do dispositivo (art. 1º da Lei nº 5.859/1972) é a
impossibilidade de prestação de trabalho doméstico a pessoa jurídica. Com efeito,
somente pessoa física pode ser empregadora doméstica. Por este motivo não são
aceitáveis os famosos “diaristas” que prestam serviços a empresas, de forma que a
faxineira que trabalha para empresa uma vez por semana é empregada em geral, e
não doméstica/diarista1.
Também a questão do âmbito residencial deve ser interpretada de forma sistemática,
e não literal. Na lição de Maurício Godinho Delgado, “o que se considera essencial é
que o espaço de trabalho se refira ao interesse pessoal ou familiar, apresentando-se
aos sujeitos da relação de emprego em função da dinâmica estritamente pessoal ou
familiar do empregador2” (grifos no original).
Finalmente, embora a lei se refira à prestação de serviços à pessoa ou família, a
doutrina e a jurisprudência amplamente majoritárias admitem a contratação de
doméstico por um determinado grupo unitário de pessoas físicas, cujo exemplo
clássico é o da república de estudantes, desde que a energia de trabalho seja
meramente consumida pelo grupo, sem qualquer finalidade lucrativa.
A título de exemplo, a FCC cobrou recentemente esta noção, na prova do TRT da 14ª
Região, realizada em abril/2011. Vejamos a questão:
(AJAJ – TRT da 14ª Região – FCC – 2011)
Karina e Mariana residem no pensionato de Ester, local em que dormem e realizam as suas refeições, já
que Gabriela, proprietária do pensionato, contratou Abigail para exercer as funções de cozinheira.
Jaqueline reside em uma república estudantil que possui como funcionária Helena, responsável pela
limpeza da república, além de cozinhar para os estudantes moradores. Abigail e Helena estão grávidas.
Neste caso,
(A) nenhuma das empregadas são domésticas, mas ambas terão direito a estabilidade provisória
decorrente da gestação.
(B) ambas são empregadas domésticas e terão direito a estabilidade provisória decorrente da gestação.
(C) somente Helena é empregada doméstica, mas ambas terão direito a estabilidade provisória
decorrente da gestação.
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A questão da diarista será tratada no próximo artigo, neste mesmo blog.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 9. ed. – São Paulo : LTr, 2010, p. 362.
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(D) somente Abigail é empregada doméstica, mas ambas terão direito a estabilidade provisória
decorrente da gestação.
(E) ambas são empregadas domésticas, mas não terão direito a estabilidade provisória decorrente da
gestação.
Abigail, que trabalha no pensionato de Gabriela, não é doméstica, tendo em vista a
finalidade lucrativa da atividade desenvolvida pela empregadora.
Helena, por sua vez, é doméstica, pois trabalha em uma república de estudantes, em
atividades de mero consumo por parte dos tomadores de serviço (limpeza do local e
preparo das refeições para os estudantes moradores da república).
A resposta é letra “C”, pois tanto as empregadas em geral quanto as domésticas têm
direito à garantia de emprego decorrente de gestação, respectivamente por força do
art. 10, II, “b”, do ADCT da CRFB/88, e do art. 4º-A da Lei nº 5.859/1972.
Nas minhas aulas sempre mencionei este exemplo clássico da república de estudantes
e do pensionato. Caso ainda reste alguma dúvida acerca do entendimento aqui
defendido, mencionem-se, a título de exemplo, as seguintes fontes:
“A lei refere-se à pessoa ou família. Contudo, evidentemente que certo grupo unitário de
pessoas físicas, atuando estritamente em função de interesses individuais de consumo
pessoal, pode também tomar trabalho doméstico, nos moldes da Lei n. 5.859/72. É o que se
passa, por exemplo, com uma informal república estudantil e sua faxineira/cozinheira (caso
que não se confunde, por óbvio, com o pensionato, em que alguém explora a oferta ao
mercado de serviços de moradia e alimentação).3” (grifos no original)
“O serviço doméstico pode ser prestado a pessoa que reside só, a família ou até mesmo a
pessoas que se reúnem para viver comunitariamente, como em uma república de estudantes,
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por exemplo, onde não se explora qualquer atividade lucrativa. ”
“O trabalho prestado para um grupo de pessoas que se reúne de forma espontânea e
coabitam no mesmo local, cujo serviço se destina ao consumo pessoal de cada membro do
grupo, sem natureza lucrativa, pode tomar a forma de relação doméstica, desde que
caracterizados os requisitos contidos na Lei nº 5.859/72. Tal situação pode ocorrer na
informal república estudantil, com uma faxineira ou cozinheira contratada para trabalhar para
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o grupo. ”
No próximo artigo tratarei do primeiro requisito para caracterização da relação de
emprego doméstico (continuidade), donde emerge a figura do diarista.
Abraços e bons estudos!
Ricardo Resende
3
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 9. ed. – São Paulo : LTr, 2010, p. 361.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. – 6. ed. – São Paulo : LTr, 2010, p. 345.
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CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. – 4. ed. – Niterói : Impetus, 2010, p. 351.
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