AS MÚLTIPLAS FACES DO MOVIMENTO FEMINISTA NAS DÉCADAS DE 60 e 70 NO BRASIL Érika Teline Rocha Barbosa1 Rebeca Barros de Almeida Brandão2 Rafaela Ferreira Telecio3 Resumo O presente estudo constitui-se numa pesquisa bibliográfica, tendo como eixo de discussão os movimentos feministas nas décadas de 60 e 70 no Brasil, e sua influência nas relações de gênero, tomando-se por base o autoritarismo político e as desigualdades existentes no seio da sociedade brasileira, analisando estudos acerca de valores culturais e morais que emergiram na sociedade da época, pretendendo entender as construções discursivas, acerca da feminilidade e do papel da mulher no âmbito social. O enfoque principal da revolução cultural nas relações entre os indivíduos é a mudança de pensamento e de atitudes por parte das mulheres, que passaram a pensar mais na idéia de controle dos métodos conceptivos, de liberdade individual e sexual, a maneira de vestir-se e comportar-se, buscando o equilíbrio de direitos entre os gêneros. Trata-se de uma evolução nos modos e costumes, na forma de lazer no cenário social. Torna-se clara a liberação pessoal do indivíduo, promovendo uma imensa diversidade de comportamentos, cultura e modos de vida. Contudo, o que chama mais atenção, nesta época, é a atuação das mulheres perante a sociedade, promovendo mudanças, avançando na emancipação econômica e social, fato que contribuiu decisivamente para que as mulheres buscassem cada vez mais lutar pela igualdade de direitos. Palavras-chave: Movimento Feminista; Relações de Gênero; Décadas de 60 e 70. 1 Graduanda do curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba Graduanda do curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba 3 Graduanda do curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba 2 2 Introdução Com base em pesquisas bibliográficas, o presente trabalho se destina a analisar os movimentos feministas nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil, e sua influência nas relações de gênero. Buscaremos identificar também quais os efeitos oriundos das transformações político-sociais surgidas neste período e de que forma eles influenciaram o modo de pensar das mulheres. No Brasil o movimento feminista ganha notoriedade apenas em meados da década de 1970. Isso mostra o quanto nós estávamos atrasados nesta discussão, se comparado a alguns países da Europa como a Inglaterra e a França, e dos Estados Unidos onde o movimento ganha destaque no início dos anos 60. O contexto histórico-social abordado no presente estudo toma por base as décadas de 1960 e de 1970 no Brasil, períodos em que o país se encontrava em uma Ditadura Militar. A partir das informações adquiridas na bibliografia utilizada para elaboração desse estudo, mostraremos de que forma as mulheres que conviviam direta ou indiretamente com o autoritarismo político da época, se opuseram ao regime imposto pelos militares. O período ditatorial pelo qual o Brasil passou influenciou a sociedade de tal forma que fez com que surgissem novas maneiras de pensar e de agir por parte de seus cidadãos que se encontravam diante de enormes desigualdades sociais. As transformações sociais ocorridas principalmente a partir dos anos 60 despertaram nas mulheres não apenas o desejo de conquistar seu espaço nas universidades e no mercado de trabalho, como também fez emergir uma consciência política feminina. Dentro dessa visão, discutiremos a relação existente entre as mulheres e a política. Os homens sempre ocuparam espaços onde nunca antes se poderia sequer imaginar uma mulher ocupando, como o palco político, por exemplo. Às mulheres restavam apenas os papéis de filhas, esposas, mães e donas-de-casa. Essas novas formas de pensar e agir impulsionaram as mulheres a pensar mais na ideia de controle dos métodos conceptivos, de liberdade individual e sexual, a maneira de vestir-se e comportar-se, buscando o equilíbrio de direitos entre os gêneros. 1. Gênero e feminismo 3 A questão em torno do termo “gênero” relacionada com as diferenças sexuais tomou forma a partir da década de 1970 ao mesmo tempo em que o movimento feminista se fortalecia no Brasil. Desde então, vem sendo interpretado de diversas formas pelas várias correntes do feminismo. Anteriormente em 1949, Simone de Beauvoir no seu livro O Segundo Sexo afirmava categoricamente que não se nasce mulher, torna-se mulher. Sem sombra de dúvidas, tal constatação veio a contribuir imensamente para os estudos de gênero, pois ela distingue o componente biológico do social na formação da mulher, sem fazer uma conceituação de gênero. O processo de ruptura dos paradigmas advindo das transformações sociais ocorridas durante a década de 1960 trouxe à tona diversos movimentos sociais que colocaram em evidência novas vozes que contribuíram decisivamente para a desconstrução de um sujeito único universal bem como para a emergência da criação de um campo de estudos relacionado à questão do gênero. Este rompimento dos paradigmas pré-estabelecidos aconteceu ao mesmo tempo em que novas teorias surgiam em total harmonia com os movimentos sociais. Para Lucila Scavone, o campo de estudos sobre gênero teve a sua consolidação concomitantemente à fase contemporânea do feminismo “... emerge paralelamente a eclosão da fase contemporânea do feminismo, especialmente na Europa pós-68 e nos EUA.” (SCAVONE, 2008, p. 175). Como podemos ver, foi só a partir de então que o campo de estudos científicos sobre as mulheres foi ampliado, mostrando sua estreita ligação com a eclosão dos movimentos sociais. Os ideais difundidos pelas lutas sociais criaram condições para o surgimento de uma teoria crítica feminista, o que influenciou - dentro e fora da academia – estudos e pesquisas científicas sobre gênero. Esses estudos tinham como objetivo compreender os problemas que constituem as relações de gênero na sociedade, a partir de reflexões políticas e sociais amplas. Os estudos sobre gênero contribuíram de forma a evidenciar o alcance da disparidade social, política, econômica, cultural e científica que estavam relacionadas com o tema. 4 O conceito sobre gênero mais amplamente utilizado pelas feministas é o que prega a diferença. Para esta corrente, o conceito remete a traços culturais masculinos ou femininos, criados socialmente tomando por base a questão biológica. De forma diversa temos o feminismo da igualdade, que defende a ideia de que as reais diferenças existentes entre homens e mulheres são aquelas determinadas pela biologia, sendo as demais, apenas uma questão cultural advindas de relações de opressão. O feminismo da igualdade defende também que, para haver a relação de igualdade entre os sexos, devemos eliminar as forças opressoras. Ao lado dessas correntes temos também a corrente pós-estruturalista, que destaca que existe o caráter histórico da diferença entre os gêneros, como também a ideia de que a percepção da diferença sexual está intimamente ligada com a construção social. Essa vertente atenta para a necessidade de se reconhecer que existe a diversidade dentro de cada um – homens e mulheres – e que para isso tem de haver uma análise das dimensões das relações sociais, a exemplo da raça, classe e geração. O conceito de gênero provoca a percepção das desigualdades entre os sexos, envolvendo como seu principal responsável as desigualdades de poder, na medida em que enfatiza as relações sociais entre os gêneros. Ao colocar em discussão a questão sobre gênero, é preciso que se tenha a compreensão de que esse termo é constituído baseado nas relações de poder, e que por isso, determina a vida de homens e mulheres. A visão da complexa relação da categoria gênero com outras categorias opressoras num país tão cheio de desigualdades como o Brasil termina por abrir caminhos para a construção de uma sociedade onde todos possam viver melhor. 2. Mulheres e resistência O feminismo enquanto movimento social é um movimento moderno. Surgiu em meio aos ideais Iluministas e das ideias revolucionárias propostas pela Revolução Francesa e pela Revolução Americana. Daí em diante foi tomando forma acrescentando seus próprios ideais, como os direitos sociais e políticos. Nesse contexto, o movimento ganhou espaço e conquistou mulheres de vários países da Europa, dos EUA e da América Latina no auge das lutas pelo direito ao voto. 5 Após o que podemos chamar de nascimento do movimento, podemos dizer que ele ficou latente por um tempo, até que em 1960 ressurge em meio aos movimentos contestatórios que surgiram neste período, como por exemplo, as lutas pacificadoras contra a Guerra do Vietnã e o movimento hippie, que provocou mudanças significativas nos costumes. O período ditatorial brasileiro foi de 1964 a 1985. Este foi um período marcado pela supressão dos direitos constitucionais, pela censura, perseguições políticas e forte repressão aos que ousassem se opor ao regime. Este cenário propiciou mudanças significativas no seio da sociedade brasileira, fazendo com que surgissem grandes disparidades sociais, políticas, culturais e econômicas. Este momento da história brasileira proporcionou o surgimento de vários movimentos que pregavam, além da liberdade de pensamento, a igualdade entre os gêneros. Nos anos 60 o feminismo militante, que brotou nas ruas, surge como uma consequência da resistência das mulheres à Ditadura, colocando em evidência a questão da mulher. Esse movimento tinha como um de seus objetivos contestar o poder tanto no mundo privado das relações entre homem e mulher, quanto dentro da sociedade. Neste sentido, merece destaque a afirmação da autora Ana Alice Alcantara Costa: Com o golpe militar de 1964 no Brasil, e posteriormente nos anos 1970 em vários outros países latino-americanos, os movimentos de mulheres, juntamente com os demais movimentos populares, foram silenciados e massacrados. Não obstante, não se pode esquecer que os movimentos de mulheres burguesas e de classe média, organizados por setores conservadores, tiveram papel importante no apoio aos golpes militares nesse período e aos regimes militares instalados.. (COSTA, 2005, p. 13) A presença das mulheres na luta armada representou uma transgressão ao papel que sempre lhes foi designado, como o de dona-de-casa, esposa, mãe. Neste momento as militantes assumem um comportamento sexual que põe em xeque a instituição do casamento e a virgindade. Passaram a agir da forma que antes jamais se poderia pensar que uma mulher pudesse agir, como por exemplo, pegar em armas junto com os homens e conseguir obter sucesso com este tipo de comportamento. Vários fatores contribuíram para o surgimento do movimento feminista no Brasil na década de 1970. Dentre estes fatores podemos citar o reconhecimento pela ONU da questão da mulher, tendo a Organização declarado no ano de 1975 o Ano Internacional da 6 Mulher, graças ao impacto do movimento feminista dentro do cenário internacional. O movimento feminista, já na década de 1970 surgiu, como afirma Costa, [...] sob o impacto do movimento feminista internacional e como conseqüência do processo de modernização que implicou uma maior incorporação das mulheres no mercado de trabalho e a ampliação do sistema educacional.. (COSTA, 2005, p. 13) O reconhecimento da causa pela ONU favoreceu, segundo Cynthia Andersen Sarti, [...] a criação de uma fachada para um movimento social que ainda atuava nos bastidores da clandestinidade, abrindo espaço para a formação de grupos políticos de mulheres que passaram a existir abertamente, como o Brasil Mulher, o Nós Mulheres, o Movimento Feminino pela Anistia, para citar apenas os de São Paulo.. (SARTI, 2004) O feminismo brasileiro tem como característica marcante o fato de ter sido um movimento articulado com as camadas populares e com as organizações de bairro, por esse motivo pode ser entendido como um movimento interclasses. Essa característica do movimento envolveu uma relação delicada com a Igreja Católica, na época considerada uma grande opositora ao regime. Ainda segundo Sarti, essa relação delicada com a Igreja Católica dava às discussões, um tom de uma política de alianças, conforme podemos ver abaixo: O tom predominante, entretanto, foi o de uma política de alianças entre o feminismo, que buscava explicitar as questões de gênero, os grupos de esquerda e a Igreja Católica, todos navegando contra a corrente do regime autoritário. Desacordos sabidos eram evitados, pelo menos publicamente. O aborto, a sexualidade, o planejamento familiar e outras questões permaneceram no âmbito das discussões privadas, feitas em pequenos "grupos de reflexão", sem ressonância pública.. (SARTI, 2004) A característica inter-classial do movimento feminista brasileiro, remete-se à década de 1970. Nesse sentido podemos ver que a pluralidade de culturas e raças – traço marcante do Brasil – teve papel fundamental na construção da militância feminina em prol de seus direitos. Assumir-se como feminista durante o período ditatorial atraía para as militantes uma visão pejorativa. Para os militantes da direita, tratava-se de um movimento imoral, 7 sendo por isso considerado perigoso. Para os de esquerda, o movimento não passava de um reformismo burguês e para a maioria de homens e mulheres, ser feminista era não ser feminina. 3. Considerações finais O conceito de gênero envolve mais do que a distinção entre os sexos. Trata-se de uma categoria que é baseada nas relações de poder e é através desse conceito que as reais diferenças, não só sexuais, se tronam visíveis. A partir do momento em que as disparidades iam se tronando mais evidentes, surgiram, lado a lado com o movimento feminista, os estudos sobre gênero, que contribuíram de forma a evidenciar o alcance da disparidade social, política, econômica, cultural e científica que estavam relacionadas com o tema. Ao falarmos sobre o feminismo brasileiro nas décadas em que o país se encontrava sob um regime militar autoritário, percebemos que a luta das mulheres se deu em busca de direitos iguais aos dos homens. Elas queriam ter amplo acesso à educação, igualdade no mercado de trabalho, liberdade individual e sexual. Passaram a pensar mais na ideia do controle dos métodos conceptivos, na maneira de vestir-se e comportar-se, buscando o equilíbrio de direitos entre os gêneros. Trata-se de uma evolução nos modos e costumes, na forma de lazer no cenário social. Torna-se clara a liberação pessoal do indivíduo, promovendo uma imensa diversidade de comportamentos, cultura e modos de vida. A atuação das mulheres perante a sociedade promoveu mudanças, bem como o avanço no que diz respeito à emancipação econômica e social, fato que contribuiu decisivamente para que as mulheres buscassem cada vez mais lutar pela igualdade de direitos. REFERÊNCIAS AZERÊDO, Sandra. Teorizando sobre gênero e relações raciais. Revista Estudos Feministas, ano 2, 1994. BASTOS, Natália de Souza. Mulheres em armas: memória da militância feminina contra o regime militar brasileiro. Rio de Janeiro, 2004. Monografia (Bacharel em História) — Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais — Departamento de História, 2004. 8 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960. BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960. COSTA, Ana Alice Alcantara. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas de uma intervenção política. Revista Gênero, vol. 5, n° 2, Niterói, 2005. SARTI, Cynthia. Feminismo no Brasil: uma trajetória particular. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1988, caderno de pesquisas n° 64. SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro desde 1970: revisitando uma trajetória. Revista Estudos Feministas, vol. 12, n° 2, Florianópolis, 2004. OTTO, Claricia. O feminismo no Brasil: suas múltiplas faces. Revista Estudos Feministas, vol. 12, n° 2, Florianópolis, 2004.