Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Medicina Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia O AUTOCONCEITO DE IDOSOS E SUA RELAÇÃO COM NÍVEIS DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO Autora: Lenice Maria Oliveira de Carvalho Orientadora: Profa. Dra. Carmen Jansen de Cárdenas Brasília - DF 2015 LENICE MARIA OLIVEIRA DE CARVALHO O AUTOCONCEITO DE IDOSOS E SUA RELAÇÃO COM NÍVEIS DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, como requisitoparcial para a obtenção do Título de Mestre em Gerontologia. Orientadora: Profa. Dra. Carmen Jansen de Cárdenas Brasília – DF 2015 C331a 7,5cm Carvalho, Lenice Maria Oliveira de. O autoconceito de idosos e sua relação com níveis de ansiedade e depressão. / Lenice Maria Oliveira de Carvalho – 2015. 75 f.; il.: 30 cm Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2015. Orientação: Profa. Dra. Carmen Jansen de Cárdenas 1. Gerontologia. 2. Idosos. 3. Autoconceito. 4. Depressão. 5. Ansiedade. I. Cárdenas, Carmen Jansen de, orient. II. Título. CDU 613.98 Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB A minha dindinha - Teodora, que me ensinou o que é o amor ao próximo e fez da sua existência em si um ato de puro amor. Amor incondicional que nada espera em troca. Afeto desmedido e incontido. Mesmo sem gerar, cuidou, nutriu, amou, amou, amou... AGRADECIMENTOS A Deus por me guiar e iluminar em todos os meus caminhos. A minha família, meus irmãos Luiz e Lena, em especial a minha mãe e ao meu pai, Leni e Livio, e a minha filha, Tayná, pelo amor e apoio incondicional em todos os momentos. Aos idosos que possibilitaram esta pesquisa. A todos os professores do curso, em especial a Profa Carmem e a Profa Gislane pela paciência e orientação para a conclusão deste trabalho. A todos os meus amigos de curso e “as poderosas” por partilharem alegrias e tristezas, em especial a Leila, Débora, Angela e Mercia pelo apoio, carinho e atenção. A todos aqueles que acreditam em mim e tornam minha vida maravilhosa simplesmente por fazerem parte dela. How old would you be if you didn’t know how old you are? Satchel Paige RESUMO CARVALHO, Lenice Maria Oliveira de; CÁRDENAS, Carmen Jansen de. O autoconceito de idosos e sua relação com níveis de ansiedade e depressão – Brasil. 66 págs. (Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu Mestrado em Gerontologia, Universidade Católica de Brasília, 2015). O autoconceito é um construto multidimensional e se refere a percepção que o sujeito tem de si mesmo. Esta percepção, se positiva ou negativa, pode afetar de maneira significativa outras dimensões psicológicas. O objetivo deste estudo foi avaliar o autoconceito em idosos atendidos no Sistema Único de Saúde do Distrito Federal e investigar as possíveis relações deste com níveis de ansiedade e depressão. Trata-se de uma pesquisa com características quantitativas, transversal do tipo descritiva. Para tanto, a amostra foi constituída por 81 idosos, sua maioria mulheres (72,8%), casados (42%), com média de idade igual a 68,38 ±6,8. O autoconceito foi avaliado por meio do Instrumento de Vaz Serra (1986), a Depressão pela Escala de Depressão de Beck (1979) e a ansiedade pela Escala de Ansiedade de Beck (1993).Os resultados demonstraram que em relação ao autoconceito, não houve diferença significativa entre homens (70,00 ±8,77) e mulheres (71,56±11,07), sendo o p= 0, 55. A pontuação no Inventário Clinico de Vaz Serra revela um nível elevado de autoconceito dos idosos desta amostra. Os fatores do autoconceito: aceitação/rejeição social, autoeficácia e impulsividade/atividade possuem correlação negativa com depressão e os fatores aceitação/rejeição social, autoeficácia e o autoconceito geral possuem correlação negativa com ansiedade. Os resultados evidenciaram relação estatisticamente significativa entre fatores do autoconceito e os níveis de ansiedade e depressão nos idosos. Palavras-chave: Idosos. Autoconceito. Depressão. Ansiedade. ABSTRACT The self-concept is a multidimensional construct and refers to the perception that the person has of itself. This perception, whether positive or negative, can significantly affect other psychological dimensions. The objective of this study was to evaluate the self in elderly patients in the Unified Health System of the Federal District and to investigate possible connections of this with levels of anxiety and depression. This is a survey of quantitative characteristics, cross descriptive. Therefore, the sample consisted of 81 elderly, women majority (72.8%), married (42%), mean age: 68.38 ± 6.8. The self-concept was assessed by Vaz Serra Instrument (1986), the Beck Depression by Depression Scale (1979) and anxiety by Beck Anxiety Scale (1993) .The results showed that In relation to self, no significant difference between men (70.00 ± 8.77) and women (71.56 ± 11.07), with p = 0, 55. The score in Clinical Inventory Vaz Serra reveals a high level of self-concept of the elderly in this sample. The self-concept factors: acceptance / social rejection, self-efficacy and impulsivity / activity have a negative correlation with depression and the factors acceptance / social rejection, self-efficacy and general self-concept have negative correlation with anxiety. The results indicated a significant association between self-concept factors and levels of anxiety and depression in the elderly. Keywords: Elderly. Self. Depression. Anxiety. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11 2 REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 14 2.1 O ENVELHECIMENTO .................................................................................................. 14 2.1.1 Envelhecimento e Depressão ...................................................................................... 15 2.2 DA MELANCOLIA À DEPRESSÃO: UMA BREVE HISTÓRIA ................................. 17 2.3 AVALIAÇÃO DA DEPRESSÃO EM IDOSOS .............................................................. 20 2.4 ANSIEDADE .................................................................................................................... 23 2.4.1 Envelhecimento e ansiedade ...................................................................................... 25 2.5 AUTOCONCEITO ............................................................................................................ 27 2.5.1 Autoconceito e envelhecimento .................................................................................. 31 3 OBJETIVOS .................................................................................................................... 34 3.1 OBJETIVO GERAL.......................................................................................................... 34 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................................ 34 4 HIPÓTESE ...................................................................................................................... 34 MATERIAIS E MÉTODO ....................................................................................................... 39 5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 50 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 52 APÊNDICE A ......................................................................................................................... 61 APENDICE B.......................................................................................................................... 63 ANEXO A ............................................................................................................................... 65 ANEXO B ................................................................................................................................ 66 ANEXO C ............................................................................................................................... 68 ANEXO D ................................................................................................................................ 69 ANEXO E ................................................................................................................................ 73 ANEXO F ................................................................................................................................ 74 ANEXO G................................................................................................................................ 75 11 1 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas o Brasil tem se deparado com uma combinação entre o declínio da fecundidade e a diminuição da mortalidade, o que influenciou e influencia significativamente no crescimento da população idosa (ALVES et al., 2007). Dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012) demonstram que número de idosos saltou de 7,3 milhões em 1980 para 14,5 milhões em 2000 e no ultimo senso o numero de idosos chega a 22,9 milhões (11,34% da população). De acordo com os dados da Coordenação de Planejamento Do Distrito Federal - CODEPLAN (2012) a população de idosos do Distrito Federal chega a 200 mil pessoas contabilizadas em todas as regiões administrativas. Não só em número populacional os idosos têm apresentado alterações, mas observa-se também um aumento na expectativa de vida destes. Idades médias de 70 anos e 182 dias eram observadas em 2000. Atualmente, esta média é de 74,6 anos de idade, com diferenças entre homens e mulheres que variam de 71 anos para os homens e 78,3 anos para as mulheres. Apesar do crescimento acelerado e do aumento na expectativa de vida desta população, Costa e Ciosak (2010) afirmam que a desinformação sobre a saúde do idoso ainda é grande e precisa ser melhorada, já que se trata de uma fase de vida em que alguns processos de perdas, sejam físicas, sociais ou psicológicas se tornam mais freqüentes (CHAIMOWICZ, 1998). O processo de envelhecer deve ser compreendido em toda sua amplitude e totalidade como um fenômeno universal, o qual pode variar de indivíduo para indivíduo, sendo mais gradativo para uns e mais rápido para outros. Fatores dependentes relacionados ao gênero, estilo de vida, condições socioeconômicas, doenças crônicas, dentre outros, são determinantes nesta faixa etária (CAETANO, 2006; FIGUEIREDO, 2007). Cabe ressaltar que o inverso também ocorre já que o estado de saúde e doença depende muito da forma como cada um percebe seu processo de envelhecer. Desta maneira, falar de envelhecimento é abrir o leque de interpretações que se entrelaçam ao cotidiano e as diferentes perspectivas pessoais e culturais (FECHINI; TROMPIERE, 2012). Como qualquer etapa do desenvolvimento humano, o envelhecimento possui uma dimensão existencial que interfere na relação da pessoa com o tempo e espaço, a qual gera modificações em suas relações com o mundo e com a sua própria história (FREITAS et al., 2010). Neste contexto, o processo de envelhecimento, numa perspectiva bio-psico-sociocultural, gera demandas complexas e exige atenção diferenciada, não significando afirmar que 12 envelhecer é estar em um processo de doenças. Pelo contrário, o idoso deve vivenciar esta etapa do desenvolvimento com características e valores próprios, os quais possibilitam novas intercorrências, tanto na sua estrutura orgânica, como nos aspectos profissionais, nas relações familiares e, consequentemente, em suas redes sociais (OPAS, 1993). Esse processo de mudanças pode exigir, por parte do idoso, um esforço para adaptar-se às novas situações. No caso de não haver esta adaptação ao novo ciclo vital, os resultados podem conduzir ao aparecimento de perturbações comportamentais reativas que surgem com intensidade, como por exemplo, a depressão (FIGUEIREDO, 2007). Para Santos (2008), situações como a diminuição da capacidade funcional, a dependência de terceiros, a aposentadoria, a perda de entes queridos, as dificuldades socioeconômicas, o uso de medicamentos podem influenciar consideravelmente a probabilidade da depressão se desenvolver nesta fase da vida. Entretanto, ressalta o autor, a presença de fatores de risco não significa que todos os idosos desenvolverão a depressão, pois esses fatores se correlacionam com a predisposição e com a história de vida de cada indivíduo. As teorias que defendem ser a depressão no idoso distinta da depressão em outras faixas etárias apoiam-se entre outros aspectos, nas diferenças sintomatológicas apresentadas em cada caso. Um estudo de Cohen e Eisdorfer (2007) demonstra que os idosos apresentam, na sua maioria, depressões atípicas, não se encaixando com isso nos padrões das classificações existentes no CID 10 e DSM IV. Na opinião desses autores, as depressões atípicas podem ser caracterizadas pela falta de episódios de tristeza claramente distintos, mostrando-se o doente apático, com queixas subjetivas de comportamento cognitivo (eventos privados percebidos somente por eles) ansiedade proeminentes, somatização e excesso de preocupação com a saúde e o corpo. A ocorrência de depressão pode estar ligada as limitações naturais do indivíduo inserido em um contexto que não favorece o seu desenvolvimento para estratégias de enfrentamento às dificuldades ao longo da vida. A essas limitações podem ser acrescidas aquelas colocadas pela sociedade, fruto de preconceitos e estereótipos sociais, o que os tornam ainda mais vulneráveis (CAMARANO, 1999). A idade avançada é um fenômeno social atrelado, na maioria das vezes, a preconceitos, estereótipos e imagens negativas mediante o velho e a própria velhice (RON, 2007). Segundo Silva (2005) os estereótipos negativos favorecem que as experiências dos idosos tenham caráter negativo, o que contribui para a vivência de emoções desfavoráveis ou ainda a desvalorização dessas experiências, contribuindo ainda mais com o estigma da velhice 13 como um período negativo. Apesar dos avanços das pesquisas em relação ao envelhecimento bem-sucedido, observa-se o início de um movimento no sentido de se construir uma visão mais positiva em relação aos idosos e a velhice, mas infelizmente há ainda o predomínio da visão negativa em todos os grupos etários, inclusive entre os próprios idosos (RON, 2007). Por conseqüência, estes fatores interferem no conceito que essa pessoa terá de si mesma – o autoconceito (OKUMA, 1999). Para Rocha (2007), as funções do autoconceito são essencialmente criar a identidade no processamento da informação, regulação emocional, além da adaptação do comportamento social que influenciam diretamente em outras variáveis psicológicas como a depressão e a ansiedade. Para a análise de contingências que afetam o indivíduo, o autoconceito é uma parte importante na avaliação do comportamento operante e pode nos dar uma noção de como uma pessoa se vê e se descreve. Trata-se de um dos construtos mais importantes no estudo do comportamento humano, pois refere-se ao conceito que o indivíduo faz de si como um ser físico, social e espiritual ou moral (GECAS, 1982). O autoconceito como um dos componentes básicos da autoestima faz parte da nossa personalidade. Rocha (2007) infere que tanto o autoconceito como a autoestima são fundamentais na nossa vida, porque estão relacionados ao nosso sucesso e ao bem estar. Para Mello e Teixeira (2011) a sociedade contemporânea valoriza muito o consumo e a produção, o que pode afetar a percepção que a pessoa tem de si, caso esta não produza resultados condizentes com o que é valorizado por esta sociedade. Como resultado dessa desvalorização, o autoconceito tende-se a tornar-se negativo, indicando um sentimento de impotência perante sua nova situação. Ainda de acordo com os autores, o autoconceito quando baixo, aliado a outros fatores, podem levar o idoso a evoluir para um quadro mais grave de ansiedade e depressão. Diante do exposto, acredita-se que investigar as possíveis relações entre o autoconceito do idoso com seus níveis de depressão e ansiedade torna-se importante para verificar em quais aspectos o autoconceito pode influenciar no desencadeamento do processo ansiogênico e depressivo e com isso ajudar a compreender melhor e a intervir adequadamente seja de forma preventiva ou profilática, no cuidado com o idoso. 14 2 2.1 REFERENCIAL TEÓRICO O ENVELHECIMENTO O envelhecimento é um fenômeno multidimensional, resultante de vários mecanismos como disfunção do sistema imunológico, programação genética, lesões celulares, controle da atividade genética e é descrito como um processo inelutável, determinado por um conjunto completo de fatores fisiológicos, psicológicos e sociais de cada indivíduo (BERGER; MAILLOUX – POIRIER (1995). Embora seja um processo natural e comum a todas as pessoas - decorrente do ciclo de vida biológico constituído pelo nascimento, crescimento e morte - este processo é vivenciado de forma variável de acordo com o contexto social em que cada pessoa está inserida (MONIZ, 2003). O envelhecimento fisiológico compreende uma série de alterações nas funções orgânicas relacionados aos efeitos da idade avançada sobre o organismo, as quais dificultam a capacidade de manutenção do equilíbrio homeostático e resultam no declínio gradual destas funções (BOLANDER, 1998). A principal característica deste declínio é a diminuição progressiva da reserva funcional do indivíduo, ou seja, quando um organismo envelhece em condições normais, este pode se adaptar adequadamente ao meio, porém quando submetido a situações de estresse físico, emocional, dentre outros, pode apresentar dificuldades em manter seu equilíbrio e, desta forma, manifestar a sobrecarga funcional por meio de processos patológicos (FIRMINO, 2006). A compreensão do envelhecimento deve, no entanto, ir além de uma abordagem multidimensional que forneça uma visão global da situação social e de saúde do idoso. Tal abordagem interdisciplinar necessita articular-se com uma diversidade de disciplinas e correntes teóricas (RIBEIRO et al., 2002). No contexto social atual, a velhice é apresentada de forma desvalorizada e caracteriza-se por meio de estereótipos de fracasso, doença e sofrimento, culmina em idosos que assimilam essas características e reagem a elas de diversas formas que vão desde o comportamento passivo, depressivo e isolado, ansioso até o comportamento agressivo (LEITE; GOMES, 2007; SANTANA; MAIA, 2009; LARANJEIRA, 2010). A ideia que vigora em nossa sociedade é a de velhice como sinônimo de inatividade e incapacidade comparada com a ideia de juventude, que é cheia de vida e esperança (PATROCINIO; GOHN, 2005). Sendo assim, o envelhecimento social é indicado pelas estruturas organizadas de cada sociedade; cada indivíduo pode variar de jovem a velho 15 em diferentes sociedades (WEINECK; 1991). E a idade social seria então para Papaleo Netto (2002) a capacidade que um indivíduo tem de se adequar a certos papéis e comportamentos referentes a um dado contexto histórico da sociedade. Já o envelhecimento psicológico pode estar relacionado a fatores como desempenho, maturação mental além da soma de experiências vividas (WEINECK, 1991). Pode-se obter a idade psicológica de um indivíduo fazendo-se a relação entre a idade cronológica e as capacidades de memória, aprendizagem e percepção. Este tipo de idade relaciona o senso de subjetividade da idade de um sujeito em comparação com outros indivíduos, tendo como parâmetro a presença de marcadores biológicos, sociais e psicológicos do envelhecimento (PAPALEO NETTO, 2002). Fechine e Trompiere (2012) afirmam que se a pessoa for capaz de manter seus papéis sociais, seus hábitos, sua motivação, esta será capaz de retardar estes processos deletérios. Isto porque características individuais, ou seja, traços de personalidade influenciam, tanto positivamente como negativamente, no enfrentamento deste processo biopsicossocial. Estudos de diversos autores mostram que quase todos os traços poderiam ser entendidos em termos de cinco fatores designados de neuroticismo, extroversão, abertura à experiência, amabilidade e conscienciosidade (COSTA; YANG; MCCRAE, 1998), e cada um desses traços poderia ser definido por outros, mais específicos e restritos, que possibilitariam uma descrição mais detalhada da personalidade do indivíduo. McCrae et al. (1999) Srivastava, John, Gosling, e Potter (2003) afirmam que traços como extroversão, sociabilidade e vigor, assim como neuroticismo e consequentemente rigidez, impulsividade, medo, raiva, fazem com que estes indivíduos apresentem-se mais ou menos motivados, e também mais ou menos ansiosos (PETTI, 1999), mais ou menos depressivos (PENN; COLS., 1999; PETTI, 1999), e/ou com melhores ou piores estratégias de enfrentamento do envelhecimento (ARGYLE; LU, 1990). Desta forma, segundo Fonseca (2010) o impacto do processo em si, está condicionado, de forma preponderante, às trajetórias do desenvolvimento percorridas pelo indivíduo durante a vida. Deve-se, por isso, considerar o contexto em que se deu essa trajetória e as circunstâncias ambientais e sociais para que se possa aprofundar o conhecimento dessa fase do desenvolvimento humano. 2.1.1 Envelhecimento e Depressão O interesse pelo estudo da depressão em idosos tem aumentado significativamente devido a necessidade de um melhor atendimento a este público que tem crescido 16 vertiginosamente (BIRD; PARSLOW, 2002). O impacto negativo da depressão não está só no sentimento, mas em todos os aspectos da vida e, por isso, possui grande relevância na Saúde Pública. Apesar de ser considerada como um problema de saúde importante que atinge pessoas de todas as idades, conduzindo a sentimento de tristeza e isolamento social, a depressão é o problema de saúde mental mais comum na terceira idade (MARTINS, 2008). Segundo Frank e Rodrigues (2006) a maior prevalência está entre os idosos mais jovens, do sexo feminino, com ausência de companheiro e com pouca escolaridade. Os estudos de Tourigny-Rivard et al. (2006) demonstram que a depressão em idosos está associada ao declínio das atividades diárias, a aposentadoria, ao estresse no círculo familiar, fatores estes que têm ocasionado um risco maior de morte por suicídio (TOURIGNY-RIVARD et al, 2006). Todavia, ainda é corriqueira a atribuição errônea dos sintomas depressivos ao processo de envelhecimento normal, tanto por parte da família como de profissionais da saúde e do próprio idoso, o que tem dificultado a sua correta detecção e tratamento (FRANK, 2006). Parece não haver consenso na literatura sobre os índices de prevalência da depressão em idosos (FORLENZA, 1997): diferentes autores sugerem valores de 1 a 10% de idosos que vivem na comunidade (BLAZER, 2003) e 10 a 30% entre aqueles que vivem institucionalizados (SCHRAMM et al, 2004). Segundo Oliveira (2000), a ocorrência da depressão em idosos pode atingir 50% desta população podendo trazer consequências sérias, como a perda da autoestima, que impossibilita o idoso de satisfazer suas necessidades ou impulsos ou mesmo de se defender contra qualquer ameaça a sua segurança. Em analogia ao surgimento repentino da depressão no indivíduo, Widlocher (2001) em seu livro intitulado “As Lógicas da Depressão” destaca que afirmar ser uma depressão endógena, é como dizer que seu aparecimento é unicamente produzido por um estado interior e que essa condição nada tem a ver com as circunstâncias e acontecimentos da vida do indivíduo. A ideia de uma doença unicamente biológica leva facilmente a crer que a depressão é uma simples expressão comportamental da alteração neuroquímica, só que, dizer que essa alteração produz o comportamento depressivo não explica quase nada, pois esse comportamento é também uma resposta, normal ou patológica, a acontecimentos da vida. O autor cita que pessoas atingidas por acontecimentos dolorosos, como um luto, apresentam por algum tempo, alterações idênticas às observadas numa pessoa em estado depressivo maior (WIDLOCHER,2001) 17 Nenhuma teoria explica satisfatoriamente a etiologia da depressão no idoso. Alterações no sistema nervoso central (diminuição do número de neurônios e neurotransmissores) e uma maior suscetibilidade biológica são possíveis explicações, além do fato de o idoso estar inserido obrigatoriamente a mais estressores psicológicos e sociais do que qualquer outra faixa etária. Além disso, a diminuição gradativa da sua capacidade física e mental restringe sua capacidade de interagir com o ambiente, reforçando o isolamento. A distinção entre fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais é importante, mas a depressão no idoso parece ser o produto heterogêneo da interação entre diversos fatores predisponentes e desencadeantes em proporções variáveis (FORLENZA, 1997). Portanto, dados empíricos sugerem que esse modelo de interações recíprocas seja o ideal, sendo legítimo pensar que as interações entre o estado do cérebro e os acontecimentos psicossociais constituem uma via de mão dupla (BALLONE, 2002). Tal modelo nos convida tanto a pensarmos no estado depressivo como uma resposta a inquietações de ordem social e psicológica, que provocam como resposta a ativação de um sistema neurofisiológico, como a questionarmos sobre a natureza psicológica dessa resposta, ou seja, quais acontecimentos sociais, comportamentais e mentais correspondem a tais acontecimentos fisiológicos ou neuroquímicos. A investigação unicamente biológica não pode explicar tudo (BALLONE, 2002). 2.2 DA MELANCOLIA À DEPRESSÃO: UMA BREVE HISTÓRIA O termo melancolia (melan, negro, e cholis, bílis) já era conhecido por Hipócrates no fim do século V a.C. Denominado simbolicamente como pai da medicina, Hipócrates representou toda uma escola que mudou o foco da discussão centrada no sobrenatural e passou a lidar com a doença em termos científicos (CORDÁS, 2002). Hipócrates considera duas formas de melancolia: a endógena, aquela que aparece sem motivo aparente; e a exógena, que surge em resultado de um trauma externo. Nas palavras de Sclilar (2003) “a melancolia, sintetizou o ‘pai da medicina’, é a perda do amor pela vida, uma situação na qual a pessoa aspira à morte como se fosse uma benção”. É por meio da teoria dos humores que Hipócrates explica a melancolia: no conceito dos quatro fluidos essenciais – bile, fleugma, sangue e a bile negra que, em proporções corretas, ditariam a saúde humana, porém na doença ocorreria um desequilíbrio entre elas (Ginzburg, 2001, Peres, 1996). Esses quatro humores regulariam não só as emoções como todo o caráter, transformando os indivíduos de acordo com a predominância de um ou outro desses fluidos. 18 Os tipos seriam coléricos, fleugmáticos, sanguíneos e melancólicos, respectivamente (CORDÁS, 2002). A escolha desses quatro humores tem estreita correspondência com o pensamento filosófico pré-socrático, que buscava a origem do universo na combinação dos quatro elementos; terra, ar, água e fogo. Essa teoria era chamada de teoria dos quatro elementos. Assim, tudo parecia fazer sentido, já que igualmente quatro eram os sentidos, quatro as estações do ano e quatro eram os principais órgãos conhecidos – baço, fígado, cérebro e coração (CORDÁS, 2002). A bílis negra, por exemplo, representava o outono e, como a terra, era fria e seca tornando-a hostil à vida e podendo ocasionar a melancolia, uma doença resultante do seu acúmulo no baço (SCLIAR, 2003). Segundo Straub (2005) a teoria de Hipócrates foi a primeira explicação racional para o fato das pessoas adoecerem. Nela, um corpo e uma mente saudáveis resultavam do equilíbrio entre esses quatro fluidos. Para manutenção desse equilíbrio o indivíduo deveria seguir um estilo de vida saudável, incluindo exercícios, descanso suficiente, boa dieta e evitar excessos. Por sua vez, o desequilíbrio dos humores resultaria em corpo e mente afetado de maneiras previsíveis, dependendo de qual dos quatro humores estivesse em excesso. O excesso de sangue,contribuiria para uma personalidade sanguínea que seria otimista e alegre. Embora uma personalidade alegre possa ser desejável, Hipócrates acreditava no contrário: sangue demais aumentava a suscetibilidade da pessoa à epilepsia, angina, disenteria e artrite. O tratamento para excesso de sangue consistia na abertura de uma veia para remover o sangue, conhecida como flebotomia, acompanhada de banhos frios e enemas (SCLIAR, 2003). Straub (2005) descreve que eram aplicados diferentes tratamentos para cada um dos tipos de desequilíbrio. Assim, em uma pessoa melancólica ─ que possuía bile negra demais, e por isso uma disposição triste, sorumbática e sombria, daí o termo melancolia ─ se esperava que essa condição contribuísse para a ocorrência de úlceras e hepatite, que poderiam ser tratadas com uma dieta especial, banhos quentes, eméticos (drogas que induzem o vômito) e queima de tecido corporal com um ferro quente (cauterização). Pessoti (1994) descreve que Hipócrates passara a entender qualquer descontrole emocional como desarranjo da natureza orgânica, corporal, do homem. Segundo Hipócrates o comportamento melancólico constituiria efeito de tal desarranjo. O autor presume que o estado químico dos humores, principalmente a infusão, combustão, bem como sua fermentação ácida ou alcalina é essencial para explicar a melancolia, cujo dinamismo parecia infundado numa fisiologia ingênua e hipotética: 19 O humor melancólico é tão acre que ele altera sensivelmente todas as substâncias que ele toca; ele fermenta rapidamente, corrói os tecidos vivos, tem um sabor azedo e um odor muito forte... Sob a longa influência de sua ação deletéria, o sono se perde, as noites se tornam agitadas, os sonhos ficam arrepiantes, o caráter fica sombrio, a inteligência se perturba (PESSOTI, 1994, p.47). Com o tempo a teoria do estado químico dos humores foi descartada, porém, Straub (2005) enfatiza que mesmo com os avanços em anatomia, fisiologia e microbiologia, a noção sobre os traços da personalidade estarem ligados aos fluidos corporais persiste na medicina popular e alternativa de muitas culturas. Além disso, o autor afirma que como se sabe atualmente, muitas doenças envolvem um desequilíbrio dos neurotransmissores do cérebro, e isso mostra que Hipócrates não estava tão errado. A definição do quadro clínico da melancolia por Hipócrates é clássica, “aversão à comida, falta de ânimo, insônia, irritabilidade e inquietação” (STRAUB, 2005). Em seguida, sobre essa “personalidade melancólica”, Cordás (2002), descreve que Aristóteles colocava a afirmação: Todos aqueles que se tornaram eminentes filósofos, políticos, poetas ou artistas aparecem sendo melancólicos, a ponto de serem tomados pelas enfermidades oriundas da bílis negra. Segundo Aristóteles, existe um tipo de melancolia natural, que devido a ação da bílis negra tornaria seu portador genial. A melancolia é colocada como condição de genialidade, responsável por capacidades distintivas. Assim, a criação e a melancolia ficam associadas: o homem triste é também um homem profundo (GINZBURG, 2001; PERES, 1996; SCLIAR, 2003). As habilidades de homens “excepcionais” e ilustres como Empédocles, Platão, Sócrates entre outros eram atribuídas ao “temperamento melancólico” e, portanto, longe de ser uma doença, um mal a ser sanado pela medicina, era um sinal de superioridade intelectual. E assim foi concebido e perdurou até o início do século XIX, como um diferencial, não só intelectual, como também de refinamento e status social (JACKSON, 1986). Essa concepção difere da de Hipócrates e as duas, hipocrática e aristotélica, marcaram o pensamento ocidental moderno sobre a melancolia, de modo que as reflexões sobre o tema estão ligadas as duas bases antigas (GINZBURG, 2001; PERES, 1996; SCLIAR, 2003). Mesmo que Hipócrates, Galeno e outros já usassem o termo melancolia com sentido próximo do uso atual, segundo Cordás (2002) é apenas no século XIX que há uma depuração do termo melancolia e o surgimento do termo depressão com significado de hoje. O segundo entrou em uso na psiquiatria europeia por volta do século XVII, vindo do francês a partir do latim – de-premere – que significa pressionar para baixo (DELOYA, 2002). O autor sugere 20 que o termo depressão tenha suplantado a milenar melancolia em função da aparente impressão fisiológica e metafórica de queda das funções que sugeria. Em 1915, Freud escreve o artigo “luto e melancolia” em duas versões, dando início à primeira tentativa psicológica de entendimento causal e de tratamento psicoterápico da depressão. Freud discute as semelhanças entre o estado normal de luto e a melancolia, ambos apresentando em comum uma perda de interesse pelo mundo externo, e as dessemelhanças, já que no luto a perda do objeto é real e na melancolia o objeto não desapareceu, mas foi “perdido enquanto objeto de amor” (FREUD, 1917) É importante destacar a abertura do texto que demonstra o quanto Freud (1974, p. 11) estava à frente de muitos dos seus seguidores: “A melancolia, cuja definição conceitual é oscilante, mesmo na psiquiatria descritiva, apresenta-se sob várias formas clínicas, cuja síntese em uma unidade não parece assegurada, e dentre estas algumas sugerem afecções mais somáticas que psicógenas”. Nas atuais classificações (como o DSM IV) o termo melancolia tem sido empregado para designar o subtipo anteriormente chamado de “endógeno”, “vital”, “biológico”, “somático” ou “endogenomorfo” de depressão (PARKER; COLS, 1994). 2.3 AVALIAÇÃO DA DEPRESSÃO EM IDOSOS Para a avaliação da depressão em idosos é necessária uma busca ativa para o diagnóstico, pela possibilidade de atribuição errônea da origem ao processo e das morbidades pré-existentes. É importante durante a fase de diagnóstico, descartar outras doenças como Alzheimer e demência que podem coexistir e mascarar ou confundir a presença da depressão (FRANK; RODRIGUES, 2006). Uma pessoa deprimida pode manifestar mudanças cognitivas e comportamentais características dessa desordem emocional como falta de motivação ou vontade, desinteresse geral, fraqueza, dificuldade de convívio social com amigos, colegas e familiares (ZIMERMAN, 2000). No idoso, humor deprimido ou tristeza não são suficientes para o diagnóstico das síndromes depressivas, precisa-se de uma avaliação mais detalhada, isto porque as próprias perdas do processo de envelhecimento tendem a mascarar este diagnóstico (BALLOONE, 2002). O diagnóstico da depressão pode ser realizado por meio da Classificação Internacional de Doenças (CID10) e no Diagnóstico de Saúde Mental (DSM IV) que inferem 21 valores e características para a consideração desta doença em idosos. Segundo o Manual Estatístico Diagnóstico da Associação Norte-americana de Psiquiatria (DSM IV – TR) os transtornos do humor estão classificados em dois grandes grupos, os Transtornos Depressivos e os Transtornos Bipolares. Já no DSM – V (2014) foram separados os transtornos de humor e os agora chamados transtornos Depressivos incluem transtorno disruptivo da desregulação do humor, transtorno depressivo maior, Transtorno depressivo persistente (distimia), Transtorno disfórico pré-menstrual, Transtorno depressivo induzido por substancia/ medicamento, transtorno depressivo devido a outra condição médica, outro transtorno depressivo especificado e transtorno depressivo não especificado. Voltaremos nosso foco para os Transtornos Depressivos que incluem o Transtorno Depressivo Maior, o Transtorno Distímico e o Transtorno Depressivo Sem Outra Especificação, pois segundo alguns estudos como o de Beckman (1999) e o de Barcelos – Ferreira e colaboradores (2009), que avaliou uma amostra de 15.491 idosos houve prevalência desses quadros. O Transtorno Depressivo Maior tem como característica essencial o humor deprimido com perda de interesse ou prazer pela maior parte das atividades por um período mínimo de duas semanas. Esses sintomas devem vir acompanhados de quatro sintomas adicionais tais como: alterações no apetite ou peso, onde o apetite geralmente está reduzido sendo que muitos indivíduos sentem vontade de se forçar a comer; o sono e atividade psicomotora alterada, sendo que num Episódio Depressivo Maior a perturbação do sono mais comum é a insônia, mas alguns indivíduos podem apresentar sonolência excessiva e nas alterações psicomotoras estão a agitação ou retardo psicomotor; a diminuição da energia onde o cansaço e a fadiga são comuns e persistentes mesmo sem nenhum esforço físico; sentimentos de desvalia ou culpa com interpretação negativa e irrealista de eventos triviais ou neutros do cotidiano; dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões e pensamentos recorrentes sobre a morte, ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio (DSM-IV, 1995). Esses sintomas citados pelo DSM-IV (1995) causam sofrimento clinicamente significativo para o indivíduo, fazendo com que ele tenha prejuízo social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida. Para Barlow (1999) o sentimento de abandono também é uma característica frequente nos pacientes depressivos. É comum nesses pacientes uma instabilidade ou não-confiabilidade naquelas pessoas estão disponíveis para apoio e que normalmente envolve a percepção distorcida de que pessoas significativas não sejam capazes de continuar oferecendo apoio emocional ou proteção. Segundo esse mesmo autor a autonomia fica prejudicada e as expectativas negativas sobre si próprio e sobre o ambiente interferem na própria capacidade da pessoa funcionar independentemente. O sentimento de 22 inadequação, de não ser desejável, ou de ser diferente das outras pessoas está sempre presente nesses pacientes (BARLOW, 1999). Um fator preponderante na etiologia da depressão segundo Sapolsky (2007) parece ser a junção de estressores aliados a falta de apoio social. Se as interpretações das interações sociais, que circundam o indivíduo, forem vistas de uma forma distorcida, como um sinal de rejeição, o indivíduo responderá a esse evento como se realmente tivesse sido rejeitado. Mediante este cenário, pode haver um aumento da probabilidade desse indivíduo, se tornar socialmente mais isolado, o que pode corroborar com sua percepção inicial e culminar em um maior risco de ocorrência de um círculo vicioso. Para Sapolsky (2207) o organismo dos depressivos parece funcionar de uma forma diferente (SAPOLSKY, 2007). Esse mesmo autor define o transtorno distímico como uma depressão crônica, que se caracteriza por alguns sintomas depressivos de baixa intensidade. Segundo o DSM – V (2014) os sintomas são humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos dias, indicado por relato subjetivo ou por observação feita por outras pessoas, pelo período mínimo de dois anos; presença enquanto deprimido de duas ou mais das seguintes características: apetite diminuído ou alimentação em excesso, insônia ou hipersonia, baixa energia ou fadiga, baixa autoestima, concentração pobre ou dificuldade em tomar decisões, sentimentos de desesperanca, além de outros. Para o diagnóstico do Transtorno Depressivo Sem Outra Especificação devem haver apresentações de humor deprimido com prejuízo clinicamente significativo, mas que não satisfazem os critérios de duração ou gravidade do transtorno depressivo maior e/ou do transtorno depressivo persistente (DSM-IV, 1995). Identificadas algumas características dos critérios diagnósticos podemos verificar alguns outros aspectos da doença quando atrelada ao idoso e ao envelhecimento. Não há mudança na atenção e o nível de consciência permanece inalterado se não houver outra doença concomitante. O humor pode variar de deprimido a ansioso e o inicio assim como o declínio é rápido, apresentando-se em semanas ou meses; o pensamento como característico é negativo e embotado e a queixa de memória maior do que a realidade, mas não há alteração na percepção. O humor irritadiço (sintoma que também é encontrado em crianças e adolescentes com mesmo diagnoóstico); a alteração do sono na maior parte das vezes é insônia com despertar frequente e piora pela manhã e a atividade psicomotora se mostra diminuída (MCGUE; CHRISTENSEN, 2002). Instrumentos psicométricos validados também são muito empregados para o diagnóstico, dentre eles a Escala de Depressão Geriátrica (EDG) é um dos instrumentos mais 23 freqüentemente utilizados para o rastreamento de depressão em idosos que pode ser utilizada por qualquer profissional de atenção básica, entrevistadores leigos ou mesmo ser autoaplicável. Essa escala se apresenta nos formatos de 30 e 15 questões e está validada para o português (ALMEIDA, 1999). A escala HAD -Hospital Anxiety and Depression Scale contém 14 questões do tipo múltipla escolha. Compõe-se de duas subescalas, para ansiedade e depressão, com sete itens cada. A pontuação global em cada subescala vai de 0 a 21 avalia ansiedade e depressão sem recorrer a itens contendo sintomas vegetativos. Por essa razão, tem sido amplamente utilizada para avaliar transtornos do humor em pacientes com doenças físicas (ZIGMANG; SNAITH, 1983). A Escala de Depressão para Idosos (EDI), capaz de avaliar níveis de depressão na população idosa, sendo que na sua validação a grande maioria era representada por indivíduos com baixo nível de escolaridade (GIAVONI et al, 2008). Para essa pesquisa foi escolhido O Inventário de Depressão de Beck ("Beck Depression Inventory"; BECK et al., 1961; BDI) é provavelmente a medida de auto-avaliação de depressão mais amplamente usada tanto em pesquisa como em clínica (e.g. Dunn et al., 1993), que foi traduzido para vários idiomas e validado em diferentes países. A escala original consiste de 21 itens, incluindo sintomas e atitudes, cuja intensidade varia de 0 a 3. Os itens referem-se a tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação, sensação de culpa, sensação de punição, autodepreciação, auto-acusações, idéias suicidas, crises de choro, irritabilidade, retração social, indecisão, distorção da imagem corporal, inibição para o trabalho, distúrbio do sono, fadiga, perda de apetite, perda de peso, preocupação somática, diminuição de libido. As validades concorrentes do BDI em relação a outras avaliações clínicas de depressão, tais como as escalas de Hamilton (Hamilton, 1960) e de Zung (Zung, 1965), são altas para pacientes psiquiátricos (0,72 e 0,76, respectivamente) (BECK et al., 1988). 2.4 ANSIEDADE Para Ballone (2002) a capacidade de perceber e conhecer o mundo proporciona nossa percepção pessoal da realidade. Essa percepção pessoal que é única em cada individuo se chama procepção. A principal conclusão é que a realidade será sempre representada no íntimo de cada um de acordo com os filtros de cada um, quer dizer, de acordo com a procepção que cada um tem do que viveu e vive. No dia-a-dia percebemos muitos eventos sendo descritos como envolvendo algum tipo de ansiedade. O termo ansiedade, todavia, pode se referir a eventos bastante diversos, tanto no 24 que diz respeito a estados internos do falante quanto a processos no ambiente e comportamentais que produzem esses estados internos. Muitos eventos descritos como agradáveis também podem desencadear um sentimento de ansiedade, principalmente quando envolvem espera. Mas é sobretudo quando a ansiedade se refere a relação do indivíduo com o meio que ela adquire o status de problema e muitas vezes de queixa clínica. A ansiedade tem sido definida como um estado emocional desagradável acompanhado de desconforto somático, que guarda relação com outra emoção – o medo. Esse estado é geralmente relacionado com o futuro e as vezes considerado desproporcional a uma ameaça real (GENTIL, 1997). O desconforto presente na ansiedade costuma ser descrito pelo senso comum por meio de sensações físicas tais como frio na barriga, coração apertado, nó na garganta, mãos suadas e é, além disso, sentido como paralisante. Elementos comuns nas definições do conceito “ansiedade” apontam para um estado que envolve excitação biológica ou manifestações autonômicas e musculares (taquicardia, respostas galvânicas na pele, hiperventilação, sensações de afogamento ou sufocamento, sudorese, dores e tremores) redução na eficiência comportamental (decréscimo em habilidades sociais, dificuldade de concentração), respostas de esquiva ou fuga o que sugere expectativa ou controle por eventos futuros além de relatos verbais de estados internos desagradáveis ( angustia, apreensão, medo, insegurança, mal-estar indefinido) (GENTIL,1998; KANFER; PHILLIPS, 1970). Assim sendo, a maioria dos estímulos capazes de produzir ansiedade, estresse e esgotamento não podem ser detectados exclusivamente no mundo a nossa volta. Eles estão sim, na maioria das vezes, no nosso organismo. São estímulos internos que tornam constante e patológica a ansiedade humana (BALLONE, 2002). O construto “ansiedade”, de acordo com essas perspectivas, necessariamente envolve o anúncio de que algum evento aversivo vai ocorrer. Em outras palavras, sua definição implica um futuro carregado de aversividade. No entanto, para uma análise científica, a explicação do comportamento por eventos futuros é bastante imprecisa (SKINNER, 1953). Podemos estar ansiosos devido ao medo de sermos assaltados, agredidos, adoecidos, criticados, embora essas possibilidades nao sejam racionalmemte e objetvamente tão prováveis, mas enquanto ouver apenas o medo sem nenhum indicio objetivo disso, a ameaca é eminentemente interna e subjetiva (BALLONE, 2002). A ansiedade define-se enquanto fenômeno clínico (1) quando implica em um comprometimento ocupacional do indivíduo, impedindo o andamento de suas atividades profissionais, sociais e acadêmicas, (2) quando envolve um grau de sofrimento considerado pelo indivíduo como significativo e (3) quando as respostas de evitação e eliminação 25 ocuparem um tempo considerável do dia. Esses casos são tratados pela literatura médica e psicológica como Transtornos de Ansiedade. Em termos de diagnostico, o DSM- IV (Manual de Diagnostico e Estatística dos Transtornos Mentais) aborda os transtornos de ansiedade dividindo-os em Transtorno de Pânico Sem Agorafobia, Transtorno de Pânico Com Agorafobia, Agorafobia Sem Histórico de Transtorno de Pânico, Fobia Específica, Fobia Social, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Transtorno de Estresse Agudo, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de Ansiedade Devido a um Condição Médica Geral, Transtorno de Ansiedade Induzido Por Substância e Transtorno de Ansiedade Sem outra Especificação (DSM – IV – TR). No DSM V os transtornos de ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionadas. Descrevem medo como uma resposta emocional a ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é descrita como a antecipação de ameaça futura. Nele foram incluídos transtornos como Transtorno de Ansiedade de Separação, Mutismo Seletivo, Outro Transtorno de Ansiedade Especificado, além de pequenas mudanças na nomenclatura dos transtornos preexistentes ( DSM – V). Enquanto nos animais os estímulos que provocam reações de medo e ansiedade aparecem periodicamente, no ser humano esses estímulos internos e subjetivos podem ser continuados e estarem presentes a todo momento. Essa continuidade produz insegurança e pessimismo e faz com que o individuo veja a realidade como ameaçadora, o que compromete a auto-estima, tornando-o inseguro por sempre se sentir ameaçado com qualquer coisa (BALLONE, 2002). Essa falência adaptativa, poderá aparecer sob a forma de depressão típica, com todo quadro sentimental e emocional ou, dependendo da personalidade de cada um, sob as várias formas de ansiedade, como síndrome do pânico, quadros fóbicos, transtornos somatomorfos ou ansiedade generalizada (BALLONE, 2002). 2.4.1 Envelhecimento e ansiedade Muitos idosos nessa etapa da vida são acometidos por distúrbios mentais. A pesquisa de Maia, Durante e Ramos (2004) evidenciou a prevalência desses distúrbios em 29,3% dos 327 idosos investigados. Em razão da alta taxa de problemas psiquiátricos ou emocionais em idosos, o número de pessoas que procuram serviços de atendimento em saúde mental cresce a 26 cada ano. Existem poucos estudos sobre a prevalência de transtorno de ansiedade para populações acima de 65 anos. Schneider (1996) buscando na literatura estudos de prevalência de ansiedade baseados em populações de idosos residentes em uma comunidade, identificou apenas três estudos. Neles, a taxa de prevalência entre idosos variava consideravelmente. A prevalência estimada de TAG foi de 10,6%, cuja presença estava associada a uma maior ocorrência de depressão clinicamente diagnosticável, com um significativo maior numero de sintomars depressivos, quando medidos pela escala de depressão geriátrica. Já Copeland et al. (1987) encontraram em Londres e Nova York as prevalências de TAG entre idosos de 1,1% e de 0,7%, respectivamente. Estudando uma amostra de 890 sujeitos acima de 65 anos, Lindesay et al. (1989) encontraram a prevalência de TAG de 3,7% entre os idosos entrevistados. Avaliar quais os motivos que levam o idoso a procurar o serviço médico foi o foco do estudo de Almeida (1999). Os dados levantados sugerem que o transtorno do humor foi o problema psiquiátrico mais freqüente, sendo muito comum entre as mulheres. Também foram encontrados diagnósticos de síndrome demencial, transtornos ansiosos, esquizofreniformes, alcoolismo e abuso de sedativos. Contudo, Gazalle, Hallal e Lima (2004) apontam que problemas psicológicos tais como ansiedade, depressão em idosos são pouco investigados pelos médicos ou outros profissionais no contexto clínico, embora sejam comuns como queixas clínicas. No caso da ansiedade, são freqüentes sintomas como insônia, tensão, angústia, irritabilidade, dificuldade de concentração, bem como sintomas físicos como taquicardia, tontura, cefaléia, dores musculares, formigamento, suor. Para o diagnóstico de uma síndrome ansiosa é importante verificar a intensidade dos sintomas e seu impacto na vida do indivíduo (DALGALARRONDO, 2000). A ansiedade ocorre diante de uma visão catastrófica dos eventos, anunciando que algo perigoso e ameaçador pode acontecer. Para Skinner e Vaughan (1985), a ansiedade nos idosos está relacionada às limitações vivenciadas na velhice e, na maioria das vezes, interpretadas como ameaçadoras. As pessoas com altos níveis de ansiedade apresentam uma tendência de antecipar sua inabilidade e questionar suas habilidades intelectuais. Essas percepções negativas interferem na atenção seletiva, na codificação de informações na memória, bloqueando a compreensão e o raciocínio (COES, 1991), o que nessa fase da vida poderia ser a diferença entre uma saúde mental boa ou comprometida. A ansiedade em idosos com mais de 80 anos foi tema da pesquisa de Xavier e cols. (2001), na qual constatou que 10,6% dos 77 idosos participantes apresentavam transtorno de 27 ansiedade generalizada. Os elevados índices de ansiedade estavam associados com sintomas depressivos, transtorno depressivo maior e depressão menor. Os autores ressaltam a importância da atitude do médico diante do idoso, devendo considerar a presença de comorbidades entre ansiedade e humor depressivo. Em um estudo epidemiológico com 18571 pessoas, Regier e cols. (1988) verificaram que 5,5% dos idosos com mais de 65 anos de idade apresentavam transtorno ansioso, excluindo os casos mais comuns de ansiedade generalizada. Esse índice aumenta para 15% quando são incluídos casos de ansiedade generalizada (KATONA; MANELA; LIVINGSTON, 1996). No estudo de Almeida (1999) com 398 idosos foi encontrada uma prevalência de 15,4% de idosos com transtorno de ansiedade. 2.5 AUTOCONCEITO O psicólogo William James, em 1890, foi o primeiro a analisar o autoconceito, na perspectiva psicológica, sendo que suas principais contribuições foram no sentido da compreensão e estudo do self, ou seja, o autoconceito envolvendo o reconhecimento do self como uma estrutura, física, psicológica e social (ROCHA, 2007; GOLDSTEIN, 1995). Nesta perspectiva o autoconceito envolve um sistema de generalizações ou esquemas acerca do self, com base nas suas experiências e características pessoais, que envolve a associação da dimensão do processamento de informações na memória, a categorização de valores e atitudes, bem como uma estrutura multidimensional (DEMO, 1992). O autoconceito é um produto da atividade de reflexão humana, sujeito a mudanças quando o indivíduo enfrenta novos papéis, novas situações ou transições do curso normal da vida. Portanto, tem um papel significativo na organização dos dados, das experiências de vida, e age na elaboração do conhecimento acerca de si mesmo, ao atribuir significado a informação proveniente do meio (DEMO, 1992). É um termo com vários significados e designações (autoimagem, autodescrição, autoestima, etc), muito utilizado nas Ciências Sociais, mas de difícil compreensão para a sua contextualização e interpretação, principalmente na população idosa. O conhecimento e familiarização do conceito têm sua relevância na medida em que permite compreender a relação entre o comportamento social e o desenvolvimento cognitivo, com ênfase no bem-estar do idoso (CORREIA, 2003). No sentido de situar o contexto histórico sobre o início do interesse sobre esta temática – autoconceito – é importante destacar os autores que primeiro se preocuparam com os aspectos relacionados com a pesquisa da dimensão do Eu. O interesse pelos estudos do 28 autoconceito percorreu a filosofia, com os filósofos, teólogos e outros profissionais que não estavam diretamente ligados à Psicologia. Somente por volta dos anos de 1940, que o autoconceito começa a despertar o interesse no campo da Psicologia e da Sociologia (ROCHA, 2007; ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002). Diante da complexidade das estruturas e dimensões que o autoconceito engloba, ele pode ser entendido como sendo a percepção que a pessoa tem do seu próprio self (eu), que é elaborado por meio das experiências, valores e interpretações do meio onde está inserido (GOLDSTEIN, 1995; DEMO, 1992). O autoconceito na perspectiva de Vaz Serra (1986, p. 57) compreende: [...] a percepção que um indivíduo tem de si próprio nas mais variadas facetas, sejam elas de natureza social, emocional, física ou acadêmica. É um constructo integrador que leva a reconhecer a unidade, a identidade pessoal e a coerência do comportamento de um indivíduo independentemente das influências do meio. (p. 7) Segundo Vaz Serra 1986, o autoconceito é composto por imagens acerca do que o indivíduo pensa sobre si mesmo, o que pensa que pode conseguir realizar e na crença do que os outros pensam sobre si, e por fim de como gostaria de ser. Ou seja, o autoconceito compreende todas as maneiras de como uma pessoa acredita ser em seus julgamentos, nas avaliações e tendências de comportamento. Devido a multiplicidade de conceitos, Albuquerque e Oliveira (2002) apresentam uma definição operacional criada por Shavelson e Bolus, na qual o autoconceito é entendido como um constructo hipotético, cujo conteúdo é a percepção que o indivíduo tem sobre o seu Eu, percepção esta que é formada por intermédio das interações estabelecidas com os outros, bem como por meio das atribuições do seu próprio comportamento. Mediante estes pressupostos, o autoconceito exerce papel fundamental na medida em que tenta compreender e explicar o comportamento, as crenças, o julgamento que a própria experiência proporciona para o indivíduo sobre si mesmo, e mais, qual a percepção do outro olhar sobre si mesmo e sobre seu comportamento. Na construção do referencial teórico sobre o autoconceito, se faz necessário uma breve explanação acerca dos fundamentos sobre o Self. Na concepção de William James, o Eu de um indivíduo é dividido em The I e The Me, sendo o primeiro (The I) o Eu conhecedor, que organiza, interpreta de forma subjetiva a experiência do indivíduo (Eu-como-Sujeito). Em contrapartida o The Me representa o Eu conhecido (Eu-como-Objeto), que compreende as esferas materiais (corpo, família, bens), espirituais (consciência, julgamento, cognição) e as 29 sociais (relações, papéis desempenhados, personalidade), e é justamente a integração de todas estas facetas que proporciona à pessoa a sua individualidade e singularidade (ROCHA, 2007). Enfim, é por meio desta interação que há o desenvolvimento e construção do Eu, que nada mais é do que o resultado das relações pessoais que o sujeito estabelece dentro do processo de experiência e atividades sociais, na qual revela a importância das reações e opiniões dos outros na percepção que o indivíduo tem de si próprio (ROCHA, 2007; VAZ SERRA, 1986). A construção do processo de compreender o autoconceito envolve o reconhecimento do self como um componente central no desenvolvimento do sistema cognitivo das pessoas, envolvido com as representações dos acontecimentos do passado, o que permite gerar comportamentos orientados para o futuro. O self permite que os acontecimentos tenham um sentido e consequência, sem ele o comportamento seria somente uma reação imediata sem a percepção da consequência (ROCHA, 2007). O autoconceito, sendo uma organização interna de atitudes, é composto por três componentes (ROCHA, 2007, VAZ SERRA, 1986), que são: • Componente Cognitivo: é um dos elementos do autoconceito mais importante e está relacionado com o aspecto perceptivo do autoconceito, denominado de autoimagem, que compreende às crenças, opiniões e julgamentos que o indivíduo tem de si mesmo (ROCHA, 2007; ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002). A autoimagem pode ser subdividida em autoimagem real, ideal e social. A primeira refere-se à imagem que a pessoa tem das suas próprias características, a ideal relaciona-se com a imagem que gostaria de ter e a imagem social é a representação que o indivíduo tem de si mesmo, em função da opinião dos outros (ROCHA; 2007; ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002); • Componente Avaliativo: é o elemento avaliativo denominado de autoestima, na qual indica o grau que o sujeito se sente capaz ou não de suas qualidades, tanto para si quanto para a sociedade. Este processo de auto avaliação, ocorre pela comparação entre a autoimagem real e a ideal, pelo processo de comparação dos desejos e resultados alcançados e também pela interiorização da avaliação das outras pessoas. (ROCHA, 2007; ESTEBAN, 1996). Este componente constitui um dos fatores mais importantes do bem-estar psicológico e social (ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002). A auto eficácia é outro elemento do componente 30 avaliativo do autoconceito, a qual se refere à crença nas auto percepções de suas capacidades e eficácia para o enfrentamento, com êxito, nas situações com o meio (ROCHA, 2007). • Componente Comportamental: envolve o que o sujeito faz, é o elemento em que a pessoa faz a sua auto apresentação, com objetivo de transmitir ao outro uma imagem positiva de si mesma, na qual envolve a forma como a pessoa se percebe (ROCHA, 2007; ESTEBAN, 1996). Segundo Rocha (2007), as funções do autoconceito são essencialmente criar a identidade no processamento da informação, regulação emocional, além da adaptação do comportamento social. O seu desenvolvimento ocorre ao longo do crescimento, sendo que ao nascer a criança não tem autoconceito e, gradualmente, no decurso da maturação e interação com o meio, ocorrem a formação, remodelagem e estruturação do autoconceito. O processo do desenvolvimento do autoconceito inicia-se no núcleo familiar e aos poucos, por meio das experiências e interações estendem-se para os grupos, chegando às instituições (ROCHA, 2007, ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002, VAZ SERRA, 1986). O modo como o comportamento de um indivíduo é julgado pelos outros; dá-se importância nesse contexto, aos comentários que se referem depreciativamente à identidade de um indivíduo sobretudo quando este ainda se encontra numa etapa em quenão desenvolveu por completo a capacidade do pensamento crítico (NELSON-JONES, 1994). Segundo Wylie (1979) a família desempenha papel primordial na gênese do autoconceito. Quer como modelos ou como reforços, os pais tem a possibilidade de influenciarem os filhos ao longo de vários anos, não só na visão e sentimentos sobre si mesmo como no tipo de pessoa que gostariam de poder ser. O feedback que o indivíduo guarda do seu próprio desempenho também é uma influência para o autoconceito assim como a comparação que o indivíduo faz entre o seu comportamento e o daqueles que considera os seus pares sociais, concebendo-se como mais ou como menos capaz, melhor ou pior do que os outros. Por último o ser humano também é influenciado pelo julgamento que faz do seu próprio comportamento tendo em conta as regras estabelecidas por um determinado grupo normativo ao qual se encontra vinculado. O indivíduo sente-se satisfeito se considerar que a forma como se conduz está de acordo com as normas que preza, observando-se o contrário na situação inversa. A construção do self não é realizada de forma isolada do corpo e ambos (self e corpo) são interdependentes. No momento que a criança imita atitudes e comportamentos dos 31 adultos, ela está no processo de construção do seu self (ROCHA, 2007). Neste processo de construção há sempre a fusão do self velho com os novos elementos, que reorganiza o self antigo e um novo self é armazenado, confirmando o processo dinâmico do autoconceito. Portanto, o autoconceito é influenciado pelas relações sociais, como também as relações sociais sofrem influência do autoconceito (BRUGES, 2003; DEMO, 1992; VAZ SERRA, 1986). 2.5.1 Autoconceito e envelhecimento No Brasil, a reestruturação do olhar mediante a imagem e conceito do idoso não foi somente uma reformulação nas bases científicas, mas muito mais profunda e abrangente, onde até então o envelhecimento era visto como um processo somente de perdas e declínios (NETTO, 2006). Nesta perspectiva o idoso limitava-se a esperar a sua finitude, sem perspectivas futuras de um envelhecimento digno, com qualidade de vida (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008; NETTO, 2006). Os avanços das pesquisas, a ampliação de novos profissionais, com a interdisciplinaridade mais presente neste processo de envelhecer questionou esta visão cartesiana e limitada, expandindo o conceito de envelhecimento – como um período de perdas sim, mas ampliando o olhar para os fenômenos de ganhos, até então incompatíveis com o processo do envelhecimento (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008). Outro avanço importante é o conhecimento dos fatores sócio-psico-econômicos e culturais interferindo de forma direta neste processo de envelhecer, além dos fatores biofisiológicos. Portanto o envelhecimento passou a ser um processo multidimensional, subjetivo e que sofre interferência direta conforme a história do indivíduo, da sua capacidade de lidar com as situações adversas, da cultura além das suas condições genéticas (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008; NETTO, 2006). A idade avançada é um fenômeno social atrelado, na maioria das vezes, a preconceitos, estereótipos e imagens negativas mediante o velho e a própria velhice (RON, 2007). Segundo Silva (2005) os estereótipos negativos favorecem que a experiências dos idosos tenham caráter negativo, o que contribui para a vivência de emoções desfavoráveis ou ainda a desvalorização dessas experiências, contribuindo ainda mais com o estigma da velhice como um período negativo. Apesar dos avanços das pesquisas em relação ao envelhecimento bem-sucedido, observa-se o início de um movimento no sentido de se construir uma visão mais positiva em relação aos idosos e a velhice, mas infelizmente há ainda o predomínio da visão negativa em todos os grupos etários, inclusive entre os próprios idosos (RON, 2007). 32 Em relação ao autoconceito há também o contínuo movimento de reformulação e redefinição, além da contínua consolidação de esquemas pessoais e compreensão de experiências passadas, resultando na constante reorganização deste autoconceito (YASSINE, 2011). A percepção do envelhecimento e a auto percepção fazem parte das interações pessoais, sociais e culturais que permitem aos idosos, que as experiências favoreçam ou não, a constante mutação do autoconceito ao longo da vida (YASSINE, 2011). A percepção de uma pessoa sobre si mesma corresponde a um processo de detecção e identificação dos estímulos do ambiente, na qual a percepção não será somente uma reprodução simples da realidade. Essa autopercepção é uma construção da interação destas experiências da realidade com as crenças e valores que o idoso possui, ou seja, a percepção é o ponto de intersecção entre o Eu e o ambiente. (YASSINE, 2011; RON, 2007). Na velhice os estereótipos e estigmas se tornam mais relevantes, o que favorece sua maior internalização por parte dos idosos (LEVY, 2008). A absorção desses estigmas age diretamente nas crenças e no autoconceito dos idosos sobre o seu próprio envelhecimento, o que pode interferir de forma significativa sobre seu funcionamento cognitivo e comportamental (YASSINE, 2011; LEVY, 2008). Indivíduos idosos associados a um estereótipo positivo do envelhecimento demonstraram melhores desempenhos na capacidade da memória, melhor desempenho nas atividades e maior vontade de viver, baixa resposta cardiovascular ao estresse, quando comparados com os que estavam associados a um grupo de idosos de estereótipos negativos em relação ao envelhecimento (LEVY, 2008). A autopercepção do envelhecimento é um constructo multidimensional, dinâmico, que engloba as esferas da satisfação com o envelhecimento. A elevada satisfação com o processo de envelhecer tem se demonstrado como um indicador da capacidade dos idosos em se adaptarem a perdas relacionadas com o envelhecimento (KEONG, 2010). A visão negativa do envelhecimento ocorre quando o idoso entra em contato e toma consciência do seu declínio físico e/ou cognitivo. Esta avaliação negativa pode ocorrer quando a avaliação da auto percepção da pessoa idosa volta sua atenção para a comparação de suas experiências entre a condição atual e a sua condição nas fases mais jovens, realçando assim os processos de perdas e consequentemente a visão negativa frente ao envelhecimento (YASSINE, 2011). Segundo Ron (2007), em seus estudos observou-se uma relação entre idosos com idade avançada e as atitudes negativas e a avaliação subjetiva do seu estado de saúde. Nestes casos, os idosos que relataram o estado de saúde médio ou mau, apresentavam percepções mais negativas em relação ao envelhecimento, comparados com os idosos que definiram a sua saúde como boa ou excelente. 33 As alterações do autoconceito em idosos perpassam também por modificações em relação ao self, onde Yassine (2011) faz uma análise reflexiva no sentido de acrescentar que os idosos com idades mais avançadas, apresentam um self que não envelhece, na qual o autoconceito permanece praticamente inalterado, apesar das alterações físicas e sociais. A manutenção desta visão positiva do self, nos idosos, está intimamente ligada ao processo de construção deste self e suas relações ao longo da vida, principalmente com experiências positivas em relação a autoestima. Outro fator importante na relação autoconceito e envelhecimento é o vínculo dos idosos com as tradições ou instituições, neste sentido Brandtstädter e Greve (1994) revelam que os declínios e dificuldades que surgem em decorrência do envelhecimento, podem ser minimizados ou mesmo os idosos podem ser protegidos quando estes estão vinculados a religiosidade, núcleo familiar significante, dentre outros círculos sociais. Estas observações trazem um novo componente ao processo de envelhecimento do autoconceito que são os mecanismos adaptativos, protetores e dinâmicos como a resiliência do self nos idosos. Estes autores também apontam que, com a idade há uma convergência cada vez maior entre o self do idoso e os seus ideais e metas. De um modo geral, o envelhecimento é um processo complexo, multidimensional, que implica na compensação das perdas, através dos recursos e estratégias internas e externas no sentido de construir um autoconceito positivo mediante o envelhecimento. O autoconceito no envelhecimento e a sua relação com habilidades cognitivas, comportamentais e sociais é um assunto que não apresenta muitos estudos, o que revela a escassez de pesquisas e material. É importante ter a inquietude para investigar e responder a interrogação de como o idoso percebe o próprio envelhecimento e em quais aspectos essa percepção possa influenciar no desencadeamento do processo depressivo e na ansiedade. 34 3 OBJETIVOS 3.1 OBJETIVO GERAL Avaliar a relação dos níveis de autoconceito, ansiedade e depressão em Idosos atendidos pelo Sistema Único de Saúde do Distrito Federal –Brasil. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Identificar o perfil sociodemográfico dos idosos; • Identificar níveis de depressão e ansiedade nos idosos pesquisados; • Identificar possíveis relações entre os fatores do autoconceito, depressão e ansiedade além de diferenças em relação a idade e ao sexo. • 4 Identificar o uso de psicofármacos para depressão nos idosos. HIPÓTESE Os niveis de ansiedade e depressão se apresentarão maiores nos idosos com autoconceito negativo e menores nos idosos com o autoconceito positivo. 35 O AUTOCONCEITO EM IDOSOS E SUA RELAÇÃO COM NÍVEIS DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO Lenice Maria Oliveira de Carvalho Angela Maria Sacramento Leila Cristina Lima de Freitas Gislane Ferreira de Melo Carmen Jansen Cárdenas Resumo O autoconceito é um construto multidimensional e se refere a percepção que o sujeito tem de si mesmo. Esta percepção, se positiva ou negativa, pode afetar de maneira significativa outras dimensões psicológicas. O objetivo deste estudo foi avaliar o autoconceito em idosos atendidos no Sistema Único de Saúde do Distrito Federal e investigar as possíveis relações deste com níveis de ansiedade e depressão. Trata-se de uma pesquisa com características quantitativas, transversal do tipo descritiva. Para tanto, a amostra foi constituída por 81 idosos, sua maioria mulheres (72,8%), casados (42%), com média de idade igual a 68,38 ±6,8. O autoconceito foi avaliado por meio do Instrumento de Vaz Serra (1986), a Depressão pela Escala de Depressão Beck (1979) e a ansiedade pela Escala de Ansiedade Beck (1993). Os resultados demonstraram que em relação ao autoconceito, não houve diferença significativa entre homens (70,00 ±8,77) e mulheres (71,56±11,07), sendo o p= 0, 55. A pontuação no Inventário Clinico de Vaz Serra revela um nível elevado de autoconceito dos idosos desta amostra. Os fatores do autoconceito: aceitação/rejeição social, autoeficácia e impulsividade/atividade possuem correlação negativa com depressão e os fatores aceitação/rejeição social, autoeficácia e o autoconceito geral possuem correlação negativa com ansiedade. Os resultados evidenciaram relação estatisticamente significativa entre fatores do autoconceito e os níveis de ansiedade e depressão nos idosos. Palavras-chave: Idosos. Autoconceito. Depressão. Ansiedade. Abstract The self-concept is a multidimensional construct and refers to the perception that the person has of itself. This perception, whether positive or negative, can significantly affect other psychological dimensions. The objective of this study was to evaluate the self in elderly patients in the Unified Health System of the Federal District and to investigate possible connections of this with levels of anxiety and depression. This is a survey of quantitative characteristics, cross descriptive. Therefore, the sample consisted of 81 elderly, women majority (72.8%), married (42%), mean age: 68.38 ± 6.8. The self-concept was assessed by Vaz Serra Instrument (1986), the Beck Depression by Depression Scale (1979) and anxiety by Beck Anxiety Scale (1993) .The results showed that In relation to self, no significant difference between men (70.00 ± 8.77) and women (71.56 ± 11.07), with p = 0, 55. The score in Clinical Inventory Vaz Serra reveals a high level of self-concept of the elderly in this sample. The self-concept factors: acceptance / social rejection, self-efficacy and impulsivity / activity have a negative correlation with depression and the factors acceptance / social rejection, self-efficacy and general self-concept have negative correlation with anxiety. The results indicated a significant association between self-concept factors and levels of anxiety and depression in the elderly. 36 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas o Brasil tem se deparado com uma combinação entre o declínio da fecundidade e a diminuição da mortalidade, o que influenciou e influencia significativamente no crescimento da população idosa (ALVES et al., 2007). Dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012) demonstram que número de idosos saltou de 7,3 milhões em 1980 para 14,5 milhões em 2000 e no ultimo senso o número de idosos chega a 22,9 milhões (11,34% da população). De acordo com os dados da Coordenação de Planejamento Do Distrito Federal - CODEPLAN (2012) a população de idosos do Distrito Federal chega a 200 mil pessoas contabilizadas em todas as regiões administrativas. Não só em número populacional os idosos têm apresentado alterações, mas observa-se também um aumento na expectativa de vida destes. Idades médias de 70 anos e 182 dias eram observadas em 2000. Atualmente, esta média é de 74,6 anos de idade, com diferenças entre homens e mulheres que variam de 71 anos para os homens e 78,3 anos para as mulheres. Apesar do crescimento acelerado e do aumento na expectativa de vida desta população, Costa e Ciosak (2010) afirmam que a desinformação sobre a saúde do idoso ainda é grande e precisa ser melhorada, já que trata-se de uma fase de vida em que alguns processos de perdas, sejam físicas, sociais ou psicológicas se tornam mais frequentes (CHAIMOWICZ, 1998). O processo de envelhecer deve ser compreendido em toda sua amplitude e totalidade como um fenômeno universal, o qual pode variar de indivíduo para indivíduo, sendo mais gradativo para uns e mais rápido para outros. Fatores dependentes relacionados ao gênero, estilo de vida, condições socioeconômicas, doenças crônicas, dentre outros, são determinantes nesta faixa etária (CAETANO, 2006; FIGUEIREDO, 2007). Cabe ressaltar que o inverso também ocorre já que o estado de saúde e doença depende muito da forma como cada um percebe seu processo de envelhecer. Desta maneira, falar de envelhecimento é abrir o leque de interpretações que se entrelaçam ao cotidiano e as diferentes perspectivas pessoais e culturais (FECHINI; TROMPIERE, 2012). Como qualquer etapa do desenvolvimento humano, o envelhecimento possui uma dimensão existencial que interfere na relação da pessoa com o tempo e espaço, a qual gera modificações em suas relações com o mundo e com a sua própria história (FREITAS et al., 2010). Neste contexto, o processo de envelhecimento, numa perspectiva bio-psico-sociocultural, gera demandas complexas e exige atenção diferenciada, não significando afirmar que 37 envelhecer é estar num processo de doenças. Pelo contrário, o idoso deve vivenciar esta etapa do desenvolvimento com características e valores próprios, os quais possibilitam novas intercorrências, tanto na sua estrutura orgânica, como nos aspectos profissionais, nas relações familiares e, consequentemente, em suas redes sociais (OPAS, 1993). Esse processo de mudanças pode exigir, por parte do idoso, um esforço para adaptar-se as novas situações. No caso de não haver esta adaptação ao novo ciclo vital, os resultados podem conduzir ao aparecimento de perturbações comportamentais reativas que surgem com intensidade, como por exemplo, a depressão (FIGUEIREDO, 2007). Para Santos(2008), situações como a diminuição da capacidade funcional, a dependência de terceiros, a aposentadoria, a perda de entes queridos, as dificuldades socioeconômicas, o uso de medicamentos podem influenciar consideravelmente a probabilidade da depressão se desenvolver nesta fase da vida. Entretanto, ressalta o autor, a presença de fatores de risco não significa que todos os idosos desenvolverão a depressão, pois esses fatores se correlacionam com a predisposição e com a história de vida de cada indivíduo. As teorias que defendem a depressão no idoso, como sendo diferente da depressão em outras faixas etárias apoiam-se entre outros aspectos, nas diferenças sintomatológicas apresentadas em cada caso. Estudos demonstram que os idosos apresentam, na sua maioria, depressões atípicas, não se encaixando com isso nos padrões das classificações existentes no CID 10 E DSM IV (COHEN; EISDORFER, 1997). Na opinião desses autores, as depressões atípicas podem ser caracterizadas pela falta de episódios de tristeza, claramente distintos, mostrando-se o doente apático, com queixas subjetivas de comportamento cognitivo, ansiedade proeminente, somatização e excesso de preocupação com a saúde e o corpo. A ocorrência de depressão pode estar ligada as limitações naturais do indivíduo inserido em um contexto que não favorece o seu desenvolvimento para estratégias de enfrentamento às dificuldades ao longo da vida. A essas limitações podem ser acrescidas aquelas colocadas pela sociedade, fruto de preconceitos e estereótipos sociais, o que os tornam ainda mais vulneráveis (CAMARANO, 1999). A idade avançada é um fenômeno social atrelado, na maioria das vezes, a preconceitos, estereótipos e imagens negativas mediante o velho e a própria velhice (RON, 2007). Segundo Silva (2005) os estereótipos negativos favorecem que a experiências dos idosos tenham caráter negativo, o que contribui para a vivência de emoções desfavoráveis ou ainda a desvalorização dessas experiências, contribuindo ainda mais com o estigma da velhice como um período negativo. Apesar dos avanços das pesquisas em relação ao envelhecimento 38 bem-sucedido, observa-se o início de um movimento no sentido de se construir uma visão mais positiva em relação aos idosos e a velhice, mas infelizmente há ainda o predomínio da visão negativa em todos os grupos etários, inclusive entre os próprios idosos (RON, 2007) Por consequência estes fatores interferem no conceito que essa pessoa terá de si mesmo – o autoconceito (OKUMA, 1999). Para Rocha (2007), as funções do autoconceito são essencialmente criar a identidade no processamento da informação, regulação emocional, além da adaptação do comportamento social e influenciam diretamente em outras variáveis psicológicas com a depressão e ansiedade. Para a análise de contingencias que afetam o indivíduo, o autoconceito é uma parte importante na avaliação do modo operante do indivíduo e pode nos dar uma noção de como uma pessoa se vê e se descreve. Trata-se de dos construtos mais importantes no estudo do comportamento humano, pois refere-se ao conceito que o indivíduo faz de si como um ser físico, social e espiritual ou moral (GECAS, 1982). O autoconceito como um dos componentes básicos da autoestima faz parte da nossa personalidade. Rocha (2007) infere que tanto o autoconceito como a autoestima são fundamentais na nossa vida, porque estão relacionados ao nosso sucesso e ao bem estar. Para Mello e Teixeira (2011) a sociedade contemporânea valoriza muito o consumo e a produção, e isso pode afetar a percepção que a pessoa tem de si, com as mudanças decorrentes da aposentadoria por exemplo, caso a pessoa não produza resultados condizentes com o que é valorizado por esta sociedade. Como resultado dessa desvalorização, o autoconceito tende-se a tornar-se negativo, indicando um sentimento de impotência perante sua nova situação. Ainda de acordo com os autores o autoconceito quando baixo aliado a outros fatores podem levar o idoso a evoluir para um quadro mais grave de ansiedade e à depressão. Diante do exposto, o objetivo da pesquisa foi investigar as possíveis relações entre o autoconceito dos idosos participantes, com seus níveis de depressão e ansiedade para verificar em quais aspectos o autoconceito pode influenciar no desencadeamento do processo ansiogênico e depressivo. 39 MATERIAIS E MÉTODO Tipo de estudo: Trata-se de pesquisa quantitativa, do tipo transversal descritivo. O presente estudo foi desenvolvido no centro de saúde de três regionais de Saúde da Secretaria Estadual do Distrito Federal – SES-DF. Os locais elencados fazem parte da Atenção Primária, como os Centros de Saúde (01 e 02) de Santa Maria, de Sobradinho e na Federação de Bandeirantes do Brasil, unidade do Paranoá. Nestas regionais há atividades direcionadas a população idosa, que faz parte das estratégias de Saúde da Pessoa Idosa do Distrito Federal. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa – FEPECS/SES-DF, CAAE:30266714.2.3001.5553. Amostra: Composta por 81 idosos com média de idade de 68,38 ± 6,80 anos, sendo em sua grande maioria (72,8%) mulheres com 9,18 ± 6,14 anos de estudos. Destes 37% eram procedentes de Santa Maria, 49,4% de Sobradinho e 13,6% do Paranoá. Foram investigados os indivíduos, com 60 anos ou mais que concordaram em participar da pesquisa, após assinar o Termo de Consentimento Livro e Esclarecido. O critério de exclusão foram os idosos que não demonstraram capacidade de expressão verbal, ou de manter uma comunicação lógica para resposta adequada dos instrumentos e também os que não demonstraram interesse em participar da pesquisa foram retirados da amostra. Instrumentos: Os instrumentos utilizados foram um questionário sóciodemográfico, que elencou informações para identificação dos participantes (sexo, idade, escolaridade, ocupação, residência, dentre outras). Para a avaliação do autoconceito foi utilizado o Inventário clínico de Autoconceito, desenvolvida por Vaz Serra (1986). É uma escala unidimensional de tipo Likert, construída com o objetivo de mensurar os aspectos emocionais e sociais do autoconceito. O terceiro instrumento refere-se ao Inventário de Depressão Beck – BDI, o qual foi desenvolvido por Beck e colaboradores (1961). Este instrumento revelou-se de alta confiabilidade (0,86) e boa validade quando comparado com o diagnóstico realizado por profissionais. Para a avaliação da ansiedade utilizou-se o Inventário de Ansiedade Beck - BAI que é uma escala de auto-relato, que mede a intensidade de sintomas de ansiedade. Esse instrumento foi desenvolvido por Beck, Epstein, Brown e Steer, em 1988 com base em vários instrumentos de auto-relato utilizados no Center for Cognitive Therapy (CCT) da Universidade da Pennsyilvania, na Philadelphia, Estados Unidos. O inventário encontra-se adaptado para o português, com dados de precisão e validade (CUNHA, 2001), tendo sido 40 mantidos os mesmos escores do original para classificar os diferentes níveis de intensidade dos sintomas ansiosos. Análise dos dados: Os dados descritivos da amostra foram analisados pelas médias, Desvios e frequências, com uso do teste de Kolmogorov Smirnov, para verificação da normalidade da amostra. Nas análises inferenciais foram utilizadas teste t para amostras independentes, One-Way ANOVA, Correlação de Pearson, Qui-Quadrados. Todos os dados foram analisados com o Software Statistical Package for Social Science (SPSS-IBM 22.0) devidamente registrado, utilizando-se um nível de significância de p ≤ 0,05. RESULTADOS A amostra foi composta por 81 sujeitos, sendo 59 mulheres, com média de idade de 68,38 anos (± 6,8), em relação a moradia a maioria é residente de Santa Maria (49,4%), sendo 22,2% casados e quando questionados sobre a percepção do próprio estado de saúde 46,9% relataram como sendo regular. A tabela 1, demonstra os dados sóciodemograficos da amostra. Tabela 1: Dados Sociodemográficos Variáveis Sexo Mulheres Homens Escolaridade Fundamental Incompleto Fundamental completo Medio completo Medio incompleto Superior completo Pós Graduação Não estudou Estado Civil Casado Solteiro Viúvo Separado Outros Ocupação Atual Do lar Porcentagem (%) Total 72,8 27,2 59 22 30,9 25 11,1 9 17,3 11,1 17,3 6,2 6,2 14 9 14 5 5 42,0 11,1 22,2 14,8 9,9 34 9 18 12 8 13,6 11 41 Beneficiário Aposentado Trabalhando Não trabalha Utilização Psicofármacos Sim Não Exercício Físico Sim Não Lazer Sim Não Saúde Muito boa Boa Regular Ruim Muito ruim 21,0 44,4 18,5 2,5 17 36 15 2 21,0 79,0 7 64 80,2 19,8 65 16 51,9 48,1 42 39 6,2 38,3 46,9 4,9 3,7 5 31 38 4 3 de FONTE: DADOS DA PESQUISA Em relação ao autoconceito, não houve diferença significativa entre homens (70,00 ±8,77) e mulheres (71,56±11,07), sendo o p= 0, 55. Importante ressaltar que os escores foram altos, o que revela um nível elevado de autoconceito dos idosos desta amostra. Nos fatores do autoconceito, somente o F4 – impulsividade/atividade evidenciou diferença significativa entre os sexos, com p=0,03, onde mulheres obtiveram o valor de 11,64±2,05 e homens de 10,50±1,99. Para análise dos dados quantitativos foram utilizados o teste T-Studant e o OneWay Anova. Na comparação do autoconceito por faixa etária, a faixa etária de 60 – 64 anos apresentou valor de 72,85 (±9,48), de 65-69 anos valor médio de 70,08 (±9,97), de 70 a 74 anos 71,83 (±11,60) e acima de 75 anos resultado de 68,00 (±12,65). O gráfico 1 demonstra os resultados do autoconceito por faixa etária, sendo que somente o Fator 3 (Maturidade Psicológica) houve diferença significativa, com p = 0,001. Destaque para a faixa etária de idosos com 75 anos ou mais, com média de 11,20±3,43, inferior à dos outros grupos. 42 Gráfico 1: Autoconceito e Faixa Etária 25 20 15 10 5 0 F1 F2 F3 F4 60-64 17,26 22,59 14,67 10,96 65-69 16,19 20,31 15,31 11,42 70-74 16,72 22,22 14,39 11,61 70 16,1 22,6 11,2 11,6 FONTE: DADOS DA PESQUISA F1 = aceitação/rejeição; F2 = autoeficácia; F3= maturidade psicológica e F4 = impulsividade/atividade Em relação a depressão e a ansiedade apesar de apresentarem escores baixos em todos os grupos etários, verificou-se maior média na faixa etária de 64-69 anos com 18,27±12,04 para depressão e 17,15±9,67 para ansiedade. Na comparação da depressão e sexo, não houve diferença significativa (p=0,96), com média para mulheres de 14,37±11,00 e entre os homens foi de 14,27±7,28. Na análise da comparação de ansiedade e sexo, os valores demonstraram haver diferença significativa (p=0,006), com pontuação média de 13,86±9,22 para mulheres e 8,50±6,70. Na correlação do autoconceito com a depressão, a tabela 2 demonstra os valores destas variáveis. 43 Tabela 2 – Relação do Autoconceito e Depressão Autoconceito Depressão p (r) F1Aceitação/rejeição -0,31 0,006 F2 Auto eficácia -0,38 0,0001 F3Maturidade Psicológica 0,24 0,83 social F4impulsividade/atividade -0,23 0,04 Autoconceito Geral 0,003 -0,33 FONTE: DADOS DA PESQUISA Os fatores 1, 2, 4 e o auto conceito geral apresentaram relação negativa com a depressão, verificando que quanto maior os valores desses fatores do autoconceito, menores são os níveis de depressão. Na relação das variáveis autoconceito e ansiedade observou-se que o fator 1 – aceitação/rejeição social-, o fator 2 – autoeficácia – e o autoconceito geral também apresentaram relação negativa com a ansiedade, com p= 0,006 para fator 1, p=0,0001 para fator 2 e p=0,003 para autoconceito geral. Quanto maiores as pontuações nesses fatores do autoconceito, menores foram os níveis de ansiedade apresentados pelos idosos. Na análise da comparação dos níveis de depressão e sexo, dos 81 idosos 37%(n=30) apresentaram sintomas mínimos de depressão, 43,2% (n=35) com nível leve de sintomas e 19,8% (n=16) com sintomas de moderado/grave, na qual não houve diferença significativa, com p= 0,08. Em relação aos homens, 77,2% apresentaram algum sintoma de depressão classificando-se no nivel leve, moderado/grave da doenca, dentre as mulheres 57,6% apresentaram níveis alterados de sintomas (leve ou moderado/grave). Na comparação das variáveis depressão e faixa etária, houve diferença significativa, p = 0,03, sendo que na faixa etária de 60 a 64 anos 55,6% apresentaram níveis mínimos de depressão, as faixas etárias de 70-74 anos e acima de 75 anos demonstraram escores relativos a depressão leve (61,1% e 60,0%, respectivamente). Com relação a ansiedade, o estudo verificou diferenças significativas entre homens e mulheres, p = 0,04. Entre as mulheres 42,4% (n=25) apresentou sintomas mínimos, 25,4% 44 (n=15) sintomas leves e 32,2% (n=19) apresentaram sintomas moderados/graves. Entre os homens 68,2%(n=15) apresentou sintomas mínimos de ansiedade, em 22,7%(n=5) foram identificados sintomas leves e em apenas 9,1% (n=2) foram encontrados sintomas moderados/graves de ansiedade. Nos idosos desta amostra observou-se nos homens maiores escores de depressão e menores escores de ansiedade, por sua vez as mulheres apresentam-se em níveis de ansiedade mais elevados que os homens. Na comparação de ansiedade por faixa etária, a tabela 3 demonstra os valores destas variáveis. Importante ressaltar que 46,2% dos idosos da faixa etária de 65-69 anos apresentaram níveis de ansiedade de moderada/grave, entretanto, a maioria dos sujeitos (80%) acima de 75 anos obtiveram escores mínimos de ansiedade. Tabela 3 – Comparação de ansiedade por faixa etária 60 a anos 65 a anos 70 a anos De acima Total 64 69 74 75 Ansiedade Minimo Leve Total 18 66,7% 7 26,9% 7 38,9% 8 80,0% 40 49,4% 3 11,1% 7 26,9% 8 44,4% 2 20,0% 20 24,7% Moderada/ Grave 6 22,2% 12 46,2% 3 16,7% 0 0,0% 21 25,9% 27 100,0% 26 100,0% 18 100,0% 10 100,0% 81 100,0% FONTE: DADOS DA PESQUISA Na análise da relação do uso de psicofármacos e os níveis de depressão, não houve diferença significativa, com p = 0,10. Vale ressaltar que somente 3 idosos faziam uso de psicofármacos, sendo que 2 apresentaram níveis de depressão moderado/grave. Observou-se também que do grupo que não fazia uso de psicofármacos (78 idosos), 43,6% apresentaram níveis leves de depressão e 17,9% com níveis de moderado/grave. Na análise da relação com a ansiedade, os dados são semelhantes. Somente 3 idosos faziam uso de psicofármacos, mas 100% (n=3) destes idosos apresentaram níveis moderados de ansiedade. Dos sujeitos que não faziam uso de psicofármacos, 51,3% apresentaram nível mínimo de ansiedade, 21,8% níveis leves e 26,9% estavam no nível moderado/alto. 45 DISCUSSÃO A discussão dos dados estabelece a ligação entre as diversars partes do estudo. A partir dos resultados apresentados, e tendo como foco principal observar a relação existente entre o autoconceito dos idosos com seus níveis de ansiedade e depressão, foi possível encontrar números que, estatisticamente, mostram o que inicialmente foi proposto. Pelos resultados obtidos com o Inventário clínico do Autoconceito – ICAC, foi demonstrado uma pontuação de 70,00 ±8,77 para homens e 71,56±11,07 para mulheres. Essa pontuação revela um nível elevado de autoconceito dos idosos desta amostra. No desenvolvimento inicial do Inventário de Vaz Serra (1986) encontrou - se pontuação média de 72,20 ±8,14 para homens e de 72,06 ±7,83 para mulheres, demonstrando que não há afastamento significativo das amostras. Considerando os locais onde a pesquisa foi feita, com idosos de baixa renda e baixa escolaridade, frequentadores dos postos de saúde e participantes das práticas integrativas do SUS, essa alta pontuação pode demonstrar entre outras coisas, a questão de como o idoso percebe sua independência e sua autonomia nas atividades do dia- a – dia. Se ele permanece fazendo suas atividades da vida diária, regulando as perdas e mantendo ou adaptando o que já fazia, consegue manter também seu autoconceito positivo. Segundo Rabelo e Neri (2005) aceitar suas próprias condições e ter atitudes positivas em relação a si mesmo e em relação a própria vida presente e passada, bem como reconhecer e aceitar os múltiplos aspectos de si mesmo, incluindo as boas e mas qualidades interfere na dimensão do autoconceito. Além de que os idosos que participam de redes sociais de forma ativa e que recebem apoio social informal são os que possuem melhor saúde física e mental (PINAZO,2006) Dentro dos quarto fatores do autoconceito os dois primeiros são os mais importantes, com características bem definidas e os mais frequentemente utilizados em investigaçōes. O Fator 1 relaciona-se com aceitação/rejeição social e o Factor 2, com autoeficácia. Observa-se nessa amostra que o fator que apresentou maior pontuação foi a autoeficácia para homens e mulheres independente do local de moradia. Este resultado corrobora o de Vaz Serra (1986) que também encontrou na autoeficácia o fator mais elevado no autoconceito da população com mais de sessenta anos. A autoeficácia é o fator que possibilita que o ICAC seja um bom discriminador entre a população normal e deprimida, sendo sensível ao bom ou mau ajustamento psicológico dos indivíduos (VAZ SERRA, 1992). 46 Para Albuquerque e Oliveira (2002) ficou demonstrado em sua pesquisa que indivíduos com pobre autoconceito desenvolvem sintomas de depressão. Tal constatação é compatível com os resultados obtidos na presente pesquisa, pois foi encontrado que a depressão está correlacionada negativamente com a autoeficácia. Os idosos pesquisados obtiveram baixos níveis de depressão e alta pontuação no fator 2 do autoconceito – autoeficácia - a crença na própria capacidade de organizar e executar o curso da ação necessária para alcançar determinado resultado - o que leva a diminuição do estresse e da depressão quando o individuo experimenta situações ameaçadoras ou precisa se adaptar a novas situações. A autoeficácia percebida é o mecanismo mais central e mais difundido na mediação entre o indivíduo e o meio ambiente, pois somente por meio desse tipo de crença o individuo é capaz de comportar-se ativamente, com motivação (AZZI; POLYDORO, 2006; CARDOSO, 2006). O desempenho na autoeficácia, pode ser alto, naquelas pessoas que pensam ser capazes de desempenhar somente tarefas mais fáceis (CARNEIRO; FALCONE, 2004). Sendo assim, uma pessoa pode ter um resultado ruim, adequado ou mesmo excelente, dependendo das flutuações na percepção de sua autoeficácia (RABELO, 2005; MUSSOLLINI, 2007). Na avaliação da depressão observou-se que não houve diferença significativa para homens e mulheres. A pontuação média e o desvio padrão entre as mulheres foi de 14,37±11,00 e entre os homens foi de 14,27±7,28. Apesar de ser um escore classificado como leve, para o BDI, não são sugeridos pontos de corte para populações normais, embora Oliver e Simmons (1984), com base em trabalho de pesquisa, acreditem que o BDI poderia ser usado para triagem nesse tipo de população, sendo que um escore de 18 a 19 daria uma estimativa de possível depressão. Vaz Serra e Firmino (1986) comprovaram que os doentes com perturbações emocionais tendem a ter um autoconceito pobre e o mesmo foi comprovado nos indivíduos que desenvolvem sintomatologia depressiva na população em geral (VAZ SERRA; MATOS; GONÇALVES, 1986) ou que apresentam uma ansiedade elevada (VAZ SERRA; GONÇALVES; FIRMINO, 1986). O autoconceito, avaliado pelo ICAC, correlaciona-se negativamente com fobia, ansiedade e depressão tal como são medidos pelo Middlesex Hospital Questionnaire (MOTA CARDOSO; MOURA; PAIS E VERÍSSIMO, 1986). Da análise da relação entre os fatores do autoconceito e a idade, verificou-se não existirem diferenças significativas entre os vários grupos etários, o que não permitiu concluir que o autoconceito diminui à medida que a idade avança. 47 O fator 4 do autoconceito – impulsividade/atividade evidenciou diferença significativa entre os sexos, com p=0,03, onde mulheres obtiveram o valor de 11,64±2,05 e homens de 10,50±1,99. Pela natureza das questões do fator 4 que são: “Quando tenho uma ideia que me parece válida gosto de a pôr em prática”, “ Sou uma pessoa que gosta muito de fazer o que me apetece” e “ Gosto sempre de me sair bem nas coisas que faço” percebe-se que esse fator mede a forma de agir da pessoa, o nível de sua atividade. Essa maior pontuação do sexo feminino demonstra como no processo de envelhecimento o masculino e o feminino são vividos de formas diferentes e contraditórias. O feminino apresenta uma melhor adaptação às perdas físicas, emocionais e sociais ocorridas na velhice, mostrando que a mulher idosa consegue ser mais resistente e solidária, buscando informações fundamentais para o autocuidado e a incorporação de atitudes mais saudáveis que possibilitem o envelhecimento melhor adaptado e mais feliz (MINAYO, 2002; MOTTA, 2001). A faixa etária de idosos com 75 anos ou mais, obteve média de 11,20±3,43 no fator 3 maturidade psicológica. Essa pontuação em maturidade psicológica pode evidenciar que a validação social de cada estágio nao é apenas um reconhecimento de níveis de maturidadade cronológica, mas também um reflexo da autorização que se tem para realizar atividades próprias de um determinado grupo de idade (DEBERT, 1999) Numa sociedade onde se diz que o velho torna-se criança, tem-se nos idosos mais velhos (75 ou +) pessoas com mais sabedoria para aceitar a realidade e tolerar, sem confrontar a dor ou a perda da independência, pois seus dispositivos de segurança são cada vez mais eficientes na relação com o mundo. Para Beauvoir (1990) o idoso entrega-se a existência com a pureza da criança, mas sem a sua ingenuidade. Em relação a ansiedade, apesar dos níveis baixos na pontuação tanto para homens quanto para mulheres, observa-se uma pontuação mais alta nas mulheres. No resultado verificou-se diferenças significativas entre os sexos, com p = 0,04. Nos idosos dessa amostra observou-se nos homens maiores escores de depressão e menores escores de ansiedade, por sua vez as mulheres apresentam-se em níveis de ansiedade mais elevados que os homens. A maior prevalência identificada no presente estudo pode estar influenciada pela presença de maior proporção de mulheres na população estudada. Almeida Filho et al (1997) também observou que a distribuição de ansiedade era diferenciada por gênero, sendo de 5,2% para homens e de 14,0% para mulheres. Essa média de ansiedade pode estar relacionada a uma visão catastrófica do idoso em relação a diversas situações de sua vida, o que gera o sentimento de que algo perigoso e ameaçador pode acontecer (SKINNER; VAUGHAN, 48 1985). A classificação da intensidade de ansiedade sofreu diversas modificações de uma para outra edição do manual da versão em português das escalas Beck. Apesar da diferença significativa, os dois grupos estão classificados no nível leve de ansiedade com escores de 8 a 15. No próprio Manual das Escalas Beck (2001) é informado que segundo dados de pacientes com transtorno de ansiedade, a média dos escores de pacientes de sexo feminino é quatro pontos mais elevada que a média de escores de pacientes do sexo masculino. Na comparação de ansiedade por faixa etária, verificou-se que 46,2% dos idosos da faixa etária de 65-69 anos apresentaram níveis de ansiedade de moderada a grave e nessa mesma faixa etaria, 30,8% dos idosos encontran-se com níveis moderados ou graves de depressão. Somando-se os níveis leves e moderado/graves nessa faixa etaria, temos 69,3% com depressão e 73,1% com ansiedade. Percebendo a depressão como um problema de saúde pública que afeta um em cada seis pacientes idosos (REYNOLDS, 1999), tem-se 56 idosos (69,3%) que deveriam estar recebendo atendimento preventivo para os que possuem sintomas leves ou acompanhados e medicados para os que possuem sintomas moderados e graves. Porém, observa-se que uma minoria de pacientes com sintomas graves faz uso de medicamentos para depressão e nenhum dos pacientes com sintomas leves está recebendo atendimento apropriado. Desse modo percebe-se que a depressão em idosos é subdiagnosticada e subtratada (CIECHANOWSKI, 2004). Nos idosos, o diagnóstico é dificultado por problemas físicos coexistentes e, frequentemente, os médicos encaram os sintomas depressivos como manifestações normais do envelhecimento e não tomam as atitudes necessárias (Ministerio da saúde, 2015) Entretanto, a depressão é um problema de saúde comum e tratável: de 80 a 90% dos que sofrem desse transtorno podem ser efetivamente tratados e quase todos que recebem tratamento apresentam algum benéfico (TUESCA-MOLINA, 2003). Idosos deprimidos e não tratados tem mais incapacidades, uso aumentado dos serviços de saúde e morte prematura (SNOWDON, 2002) Outra característica relevante dessa amostra foi que os idosos com faixa etária entre 65 e 69 anos apresentaram maiores níveis de ansiedade e também de depressão. Talvez, esta característica tem sido frequente pelos momentos de vida que estes estejam passando, como aposentadoria, perda de entes queridos, mudança de papéis e inclusive é nesta faixa etária que há a maior alteração fisiológica com relação a composição corporal (ganho de massa gorda e perda de massa magra) o que difuculta, em muito, as atividades funcionais deste idoso 49 (MELO; GIAVONI, 2002). Para Shephard (2003) essa fase é descrita como a fase inicial da velhice, pois compreende o intervalo etário situado entre 65 e 75 anos, período que é relacionado ao momento posterior à reforma. Na “velhice”, não se encontra um dano grande na homeostasia, mas, mesmo assim, encontra-se uma perda de função um pouco maior (SHEPHARD, 2003) Em relação a ansiedade em uma perspectiva evolutiva, são respostas de defesa natural à auto preservação (BALLONE, 2005). Porém, o que observa-se na amostra são idosos com níveis mais elevados que podem com o tempo, esgotar recursos de adaptação do organismo causando prejuízos a saúde caso não houver uma forma para reconstituírem-se. Nos fatores do autoconceito correlacionados com a depressão, o fator 1aceitação/rejeição, o fator 2 – autoeficácia –, o fator 4 – impulsividade/atividade têm correlação negativa com a depressão com p=0,006 para o fator 1, p=0,0001 para o fator 2, p= 0,04. Quanto maior a pontuação nesses fatores, menores os escores de depressão. Para os fatores do autoconceito que tiveram correlação com a ansiedade observou-se que o fator 1 – aceitação/rejeição social-, o fator 2 – autoeficácia – e o autoconceito geral tem correlação negativa com a ansiedade, com p= 0,006 para fator 1, p=0,0001 para fator 2 e p=0,003 para autoconceito geral. Quanto maiores as pontuações nesses fatores do autoconceito menores foram os níveis de ansiedade apresentados pelos idosos. Na análise da relação do uso de psicofármacos com os níveis de depressão, não houve diferença significativa, com p = 0,10. Observou-se também que do grupo que não fazia uso de psicofármacos (78 idosos), 43,6% apresentaram níveis leves de depressão e 19,8% níveis de moderados ou grave. Essa porcentagem que apresentou níveis moderados ou graves da doença, precisaria de tratamento com medicamentos e psicoterapia. Observou-se que dos 3 que fazem uso de psicotrópicos, 2 apresentaram níveis moderados ou graves de depressão. Os tratamentos para depressão são, geralmente, longos e dispendiosos. Nesse estágio exigiria a combinação de práticas medicamentosas e psicoterápicas, que nao acontecem nos locais pesquisados. De acordo com Seligman (1994), 60% a 80% dos pacientes que passaram por estes procedimentos apresentaram melhora, embora possa levar de semanas a meses para se atingir o efeito desejável e a psicoterapia, quando não disponível gratuitamente, pode ser bastante dispendiosa o que nao seria acessível a população estudada. 50 5 CONCLUSÃO O presente estudo foi realizado com a imersão da pesquisadora no contexto, com o objetivo de comparar os níveis de autoconceito em idosos e suas possíveis relações com níveis de ansiedade e depressão. Procurou-se levantar resultados que venham a contribuir com a área da Psicologia e suas intervenções em relação aos idosos, para elaboração futura de estratégias de auxílio, melhoria da qualidade de vida e para o aperfeiçoamento do atendimento a idosos em instituições de saúde públicas e privadas. Os idosos da amostra responderam a um questinário sociodemográfico e a três escalas, uma de depressão de Beck– BDI, Ansiedade de Beck – BAI e outra de Autoconceito – Vaz Serra. As escalas foram aplicadas dentro dos Postos de Saúde de três regiões administrativas do Distrito Federal – Santa Maria, Sobradinho e Paranoá. Demonstrou-se diferença significativa em relação a fatores do autoconceito, a depressão e a ansiedade e tendo como base os resultados da presente pesquisa, pôde-se concluir que as hipóteses iniciais foram confirmadas. Apesar de possuírem algumas doenças e de 46,9% relatar sua saúde como regular, esses idosos fazem parte de um programa do SUS denominado praticas integrativas e complementares e demonstram alto nível de interesse e participação. Os idosos demonstraram disposição em encarar a vida, apresentavam autonomia, com motivação para cuidar de si e alguns (18,5%) continuam ativos no mercado de trabalho. A maioria possui família que os acolhem, grupo de amigos e atividades. demonstram achar, mesmo com todas as dificuldades encontradas, que a “vida é maravilhosa”. A relação de fatores do autoconceito como aceitacao/rejeição social, autoeficácia e impulsividade/atividade interferindo nos níveis de depressão, assim como os fatores aceitação/rejeição social, autoeficácia e autoconceito geral interferindo nos níveis de ansiedade dos idosos, são constataçōes que podem indicar caminhos de deselvolvimento de medidas preventivas e protetivas contra essas patologias. Além de subsidiar pesquisas futuras e indicar a necessidade do cuidado mais humanizado, o que poderá influenciar nos aspectos da saúde física, mental e psicológica. 51 Outra observação é a falta de profissionais adequados para essa prevenção e acompanhamento dos idosos. Novas pesquisas podem ser desenvolvidas buscando aquelas que possuem psicólogos em seu quadro funcional; quais os benefícios que o psicólogo traz para o idoso? Qual é o papel da psicologia na instituição? E de quê modo poderia atuar? Quais os benefícios que traria para os idosos e a instituição a atuação do psicólogo? Isto tudo será possível com pesquisas que possam ser suporte para uma possível mudança nas políticas públicas. Neste contexto, é necessário um trabalho voltado para o aprimoramento das capacidades de enfrentamento inerentes ao ser humano. Acreditar em si mesmo e ter motivação em trabalhar suas potencialidades. Importante ter um olhar diferenciado por parte dos profissionais, ver o indivíduo na sua integridade, além de suas dificuldades físicas, mentais e psicológicas para ser um potencial iniciador de um processo de mudança no paradigma da velhice. Dar escuta para esse idoso, que tem uma sabedoria imensa para transmitir, ser a voz de um idoso que já não pode gritar por tratamento humanizado, apontar para o governo possibilidades de mudanças, através de pesquisas que comprovem a necessidade de um tratamento digno, que apontem com dados concretos uma fotografia do atual cenário. Como recomendações, sugere-se a continuação da realização de estudos dentro desta temática neste grupo etário. Mais concretamente, aprofundar este estudo nos fatores em que os idosos obtiveram valores altos nessa amostra e que estatisticamente demonstraram ter relação com depressão e com ansiedade de modo a compreender onde se pode intervir mais adequadamente. Alem disso, estender o estudos a outras populações, outras cidades, para obtermos valores de referência específica para os idosos. 52 REFERÊNCIAS AGUIAR WM, DUNNINGHAM W. Depressão geriátrica: aspectos clínicos e terapêuticos. Arq Bras Med., Supl 4, p. 291 – 310, 1993. ALBUQUERQUE, C.M.S.; OLIVEIRA, C.P.F. Características psicológicas associadas à saúde: a importância do autoconceito. Millenium, Portugal, Viseu, v. 26, 2002. ALMEIDA, O. P. Idosos atendidos em serviço de emergência de saúde mental: características demográficas e clínicas. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 21, n. 1, p. 12-18, 1999. ALMEIDA, O. P.; ALMEIDA, S. A. Confiabilidade da versão brasileira da escala de depressão em geriatria (GDS) versão reduzida. Arq Neuropsiquiatr, v. 57, n. 2B, p. 421-426, 1999. ALMEIDA-FILHO N. et al. Brazilian multicentric study of psychiatric morbidity: methodological feature and prevalence estimates. Br J Psychiatry, n. 171, p. 524-529, 1997. ALVES L.C. Et al. 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Porto Alegre: Artmed Editora, 2000. 61 APÊNDICE A QUESTIONÁRIO SOCIODEMOGRÁFICO Dados de identificação: Nome:________________________________________________________________ Data da avaliação:__/____/____ Telefone:_________________ DN: ___/____/_______ Sexo ( ) M ( ) F Escolaridade:Fundamental incompleto( ) Fundamental completo( ) Ensino médio incompleto( ) Ensino médio completo( ) Superior incompleto( ) Superior incompleto( ) Pós( ) Quantos anos de estudo:__________________________________________________ Estado civil: ( ) casado ( ) solteiro ( ) viúvo ( ) separado ( ) outros Filhos____________Quantos:___________ Procedencia:______________________________________________________________ Mora com Quem:________________________________________________________ Profissão ou ocupação antes da aposentadoria (se houver) Ocupação atual: _______________________ Aposentado( ) Beneficiário( ) não trabalha( ) Desempregado( ) Trabalhando( ) Aposentado e Trabalhando Outras fontes de subsistência: Data da aposentadoria(se houver):____________________________________________ Estado civil: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Viúvo ( ) Divorciado ( ) Outros Início dos sintomas:_________________________________________________ Data do Diagnóstico médico:________________________________________________ Padece de alguma outra doença � sim Qual?___________________________ � não Utiliza algum medicamento para depressão:Qual?_____________________________� sim � não Há quanto tempo? Horas de sono por noite:_______ 62 Faz acompanhamento psicoterápico:____________________________________________ Realiza algum tipo de exercício físico? � sim Qual?_______________________ � não Possui alguma atividade de lazer? � sim Qual?___________________________ � não Em geral, eu diria que minha saúde é: ( ) Muito boa ( ) boa ( ) Regular ( ) ruim ( ) muito ruim Observações Complementares: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 63 APENDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO • O (a) Senhor (a) está sendo convidado (a) participar da pesquisa, para dissertação do Mestrado em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília. O tema da pesquisa é: AVALIACÃO DO AUTOCONCEITO EM IDOSOS COM DEPRESSÃO, sob orientação da Prof Drª Carmen Jansen de Cárdenas e a responsabilidade da mestranda Lenice Maria Oliveira de Carvalho, psicóloga , MATRÍCULA UC11390009, Crp 01/17.627. O objetivo desta pesquisa é: avaliar o autoconceito em idosos com diagnóstico de depressão e comparar os resultados com o grupo de idosos sem o diagnostico de depressão.; identificar o histórico de uso de psicofarmacos para depressão entre os idosos; verificar o perfil sociodemografico dos idosos e fazer correlações entre os níveis de autoconceito por sexo, idade e escolaridade. O (a) senhor (a) receberá todos os esclarecimentos necessários antes e no decorrer da pesquisa, sendo que seu nome e informações pessoais serão mantidos em sigilo, sendo mantida a omissão total de quaisquer informações que possa identificar o senhor(a). A sua participação se dará por meio da aplicação de questionários descritos, sendo que acontecerá em 1 (um) encontro, com duração de 60 (sessenta minutos cada encontro) para esta aplicação, os instrumentos são: • Questionário Sóciodemográfico: instrumento para obter dados sóciodemograficos do senhor, como por exemplo idade, escolaridade, procedência e outros. • Escala de Autoconceito: é composta um questionário destinado a verificar a percepção que o senhor tem de si mesmo. • Inventario de Beck para Depressao: é um instrumento composto de 21 categorias de sintomas e atitudes, que descrevem manifestações comportamentais cognitivas, afetivas e somáticas da depressão. • • • O senhor (a) não é obrigado a um tempo pré-determinado para responder os instrumentos, sendo respeitado o seu tempo e sua disponibilidade. Importante esclarecer que o Senhor (a) pode se recusar a seguir participando na pesquisa a qualquer momento, sem nenhum prejuízo para o senhor (a). Os resultados da pesquisa serão utilizados para a defesa da dissertação de mestrado e poderão ser utilizados em publicações, artigos e congressos futuros, sempre respeitando o total sigilo das informações do senhor (a).No caso de qualquer dúvida em relação à pesquisa poderá entrar em contato, por telefone, com a pesquisadora Lenice Maria Oliveira de Carvalho ou orientadora Prof Drª Carmen Jansen Cárdenas, pelo telefone (61)3448-7200. Este projeto poderá trazer os seguintes benefícios ao senhor (a): entrar em contanto com o seu autoconceito, o que poderá facilitar o processo de autoconhecimento. Outro ponto positivo é o empoderamento para o estabelecimento de estratégias compensatórias, que o senhor poderá utilizar para manutenção da sua independência. Salienta-se que, eventualmente, o senhor (a) poderá se sentir ameaçado(a) ou mesmo assustado(a) com algum dado evidenciado durante a pesquisa. Neste caso, o(a) senhor(a) será 64 • encaminhado(a) ao atendimento específico Centro de Formação em Psicologia Aplicada (CEFPA) da Universidade Católica de Brasília, ou mesmo poderá ter meu acampamento profissional Li e entendi as informações, tive oportunidade de fazer perguntas e todas as minhas dúvidas foram respondidas. Este formulário está sendo assinado voluntariamente por mim, indicando meu consentimento para participar desta pesquisa, até que eu decida o contrário. Receberei uma cópia assinada deste consentimento. • • __________________________________________________________ • NOME/ASSINATURA • • _________________________________________________________ • LENICE MARIA OLIVEIRA DE CARVALHO, PSICÓLOGA • CRP 01/17.627 Pesquisadora Responsável 65 ANEXO A - 66 ANEXO B - 67 68 ANEXO C – 69 ANEXO D 70 71 72 73 ANEXO E 74 ANEXO F 75 ANEXO G 76