APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ANUÁRIO DA PRODUÇÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DISCENTE Vol. 13, N. 21, Ano 2010 Valdinei Aparecido Oliveira Prof. Lysian Carolina Valdez Curso: Direito FACULDADE ANHANGUERA DE PONTA PORÃ RESUMO O presente artigo busca evidenciar a evolução da maneira de pensar e agir dos legisladores e dos aplicadores da lei em nossa sociedade. Esta nova maneira de pensar e agir no direito é conhecida por “pós-positivismo” e defende o uso dos princípios gerais do direito com força de norma, deixando de lado a subsidiariedade proposta pelos positivistas. Em linha com esta nova maneira de entender o direito, vários juristas tem posto na pratica diária os ensinamentos desta doutrina, alcançando uma maior efetividade da justiça, aproximando-se mais do direito justo. Ao valorizar os princípios gerais do direito, acatando suas diretrizes, a norma positivada passa a ter maior representatividade frente aos valores éticos e morais construídos pela sociedade ao longo dos anos, oferecendo à sociedade os dois principais produtos do direito: justiça mais justa e maior segurança. Palavras-Chave: Aplicabilidade princípios gerais do direito. do Direito; pós-positivismo; Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 4266 Valinhos, SP - CEP 13278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Publicação: 7 de novembro de 2012 Trabalho realizado com o incentivo e fomento da Anhanguera Educacional 345 346 Aplicabilidade dos princípios gerais do direito no ordenamento jurídico brasileiro 1. INTRODUÇÃO Historicamente, o positivismo sempre esteve à frente do ordenamento jurídico brasileiro, colocando-o dentro de um sistema ou espaço social de direito codificado, no qual os grandes campos do direito estão, em regra, contidos em códigos. Assim, ao julgar um caso concreto o juiz deve fazê-lo conforme a lei positivada, devendo, em caso de lacunas no ordenamento, buscar na analogia, nos costumes ou nos princípios gerais de direito meio de assegurar a completude do direito. Nesta visão, os princípios gerais do direito assumem um papel subsidiário quando da integração de normas dentro do ordenamento. Contudo, conforme afirma BARROSO (2006), o direito positivista vive uma grave crise existencial, por não conseguir entregar de forma eficaz seus dois principais produtos - a justiça e a segurança – para a sociedade e suas instituições. Entretanto, nos últimos anos tem-se percebido uma corrente de jurisprudentes que tem se pautado pela utilização mais efetiva dos princípios gerais do direito na aplicação da lei, mostrando que seus aplicadores têm amadurecido na maneira de julgar. O pós-positivismo, fase que se inaugura por esta corrente, representa um novo caminhar para o direito, que siga com mais justiça e segurança. 2. OBJETIVO Instigado pela necessidade de investigar a efetiva aplicabilidade do uso dos princípios gerais dentro do ordenamento jurídico brasileiro, este trabalho tem por objetivo analisar a evolução histórica do uso dos princípios jurídicos, verificando os pontos positivos e negativos quando da aplicabilidade do direito no caso concreto. 3. REVISÃO DE LITERATURA 3.1. Evolução do Pensamento Jurídico Ao longo da História o homem sempre procurou por respostas que dessem fundamentos para as suas ações e a razão de ser da obrigatoriedade das normas controladoras da sua conduta quando em sociedade (GUSMÃO, 2007). Na antiguidade, os legisladores impuseram seus códigos como expressão da vontade de uma divindade, a exemplo de Hamurabi, que proclamou ter sido seu código recebido do deus Sol ou, ainda, Moisés, que Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 Valdinei Aparecido Oliveira, Lysian Carolina Valdez 347 revelou aos judeus ter recebido os DEZ MANDAMENTOS, no cimo do Monte Sinai, das mãos de Javé. A partir de Atenas, os filósofos gregos procuraram dar fundamento moral ou racional às normas éticas, colocando dúvidas à explicação divina até então existente. O direito, em vários momentos históricos, fundou-se na dependência exclusiva de interesses das classes predominantes, levando à promulgação de direitos injustos e desprovidos de apoio da opinião pública, sobrecarregando os aparelhos policiais e judiciais. Na civilização européia, preocupada com a liberdade das pessoas, com a segurança individual e do patrimônio de cada um, com a paz e a ordem social e certa de que o direito não deve ser manifestação da vontade arbitrária do legislador e nem atender a interesses de minorias, surgem diversos fundamentos para o direito. Na busca de ajuste destas distorções e na procura de um ideal, surgem várias divergências entre juristas e filósofos, que agruparam-se em diferentes escolas (Escola de Direito Natural do século XVII e XVIII; Escola Histórica alemã do século XIX; Escola Positivista francesa; Escola Positivista Italiana; Escola de Viena; Escola Contemporânea), surgindo assim várias correntes ou direções do pensamento jurídico. Segundo GUSMÃO (2007), o pensamento jurídico percorreu por vários caminhos, com juristas buscando por fundamentação universal para o direito ou explicação para o fenômeno jurídico. A partir deste entendimento é possível apontar as seguintes correntes: jusnaturalismo; contratualismo jurídico; idealismo jurídico; positivismo jurídico; historicismo jurídico; kantismo jurídico; culturalismo jurídico; socialismo jurídico; purismo jurídico e realismo jurídico. Por entender que os princípios encerram sua juridicidade em três fases distintas, este trabalho busca uma revisão apenas sobre os fundamentos das correntes do jusnaturalismo e do positivismo jurídico, para que posteriormente possa-se buscar pelos fundamentos de uma nova corrente: a do pós-positivismo. 3.2. Jusnaturalismo O jusnaturalismo, existente desde a aurora da Civilização Européia, é considerado expressão da natureza humana ou deduzível de princípios da razão, motivo pelo qual é posto pelos defensores dessa teoria, como superior ao direito positivo (lei, etc.) como sendo absoluto e universal. Com sua formação iniciada a partir do século XVI, o jusnaturalismo, que alcançou seu auge ao longo do século XIX, com o advento do Estado liberal, consolidou os ideais constitucionais em textos escritos e com o êxito do Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 348 Aplicabilidade dos princípios gerais do direito no ordenamento jurídico brasileiro movimento da codificação; GUSMÃO (2007) aponta que o jusnaturalismo influenciou reformas jurídicas e políticas, que deram novos rumos às ordens políticas européia e norte-americana, como, por exemplo, a Declaração de Independência Americana (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), na Revolução Francesa. Entretanto, é no seu auge que ocorre o inicio de sua superação histórica, encontrando-se neste momento a gênese do Positivismo filosófico, resultando no campo do direito, no Positivismo jurídico, que pretendia criar uma ciência jurídica com semelhantes características às ciências exatas e naturais, afastando o direito da moral e dos valores transcendentes (FILETI, 2009). 3.3. Positivismo O positivismo jurídico iniciou-se a partir de uma doutrina filosófica que dava grande importância à ciência sobre as demais formas de saber que, posteriormente, com a exclusão da metafísica, reduziu o direito ao direito positivo. Para os positivistas, fora da experiência jurídica, do fato ou do direito positivo, isto é, do direito ordenado pelo Estado em suas leis e jurisprudência, não há direito. No positivismo jurídico podem ser enquadradas todas as teorias que consideram ser o direito expressão da vontade do legislador, definindo-o como comando e reduzindoo ao direito do Estado. O positivismo jurídico, em síntese, se caracteriza por ser antimetafísico e anti-jusnaturalista, sendo empirista, afastando do estudo científico do direito os valores e considerando o direito positivo o único objeto da Filosofia e das Ciências Jurídicas (GUSMÃO, 2007). Conforme BARROSO (2006), tem-se correlação entre a derrocada do positivismo e a derrota do facismo na Itália e do nazismo da Alemanha. Esses movimentos políticos e militares foram legítimos dado que ascenderam ao poder dentro da legalidade vigente, contudo promoveram grandes barbáries em nome da lei. Terminada a Guerra, não há mais aceitação pelo pensamento esclarecido que deva permanecer um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos, tendo na lei apenas uma estrutura meramente formal (Barroso, 2006). 3.4. Pós-positivismo De acordo com FILETI (2009), a gênese do pós-positivismo ocorreu quando da superação histórica do jusnaturalismo e do malogro do positivismo, lançando-se reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação. Pós-positivismo é a designação provisória e Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 Valdinei Aparecido Oliveira, Lysian Carolina Valdez 349 genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana (FILETI, 2009). O pós-positivismo representa um movimento de reação ao formalismo do positivismo jurídico. As linhas mestras que singularizam o pós-positivismo são: a) reencontro do Direito com a ética; b) reconhecimento da força normativa dos princípios; c) consolidação de uma teoria principiológica; d) consolidação de uma teoria dos direitos fundamentais; e) colocação do homem como centro da discussão ético-jurídica, tomando o princípio da dignidade da pessoa humana como marco referencial para a construção de uma “sociedade feliz”. Esta nova maneira de pensar e aplicar o direito surge contemporaneamente a uma época na qual o ser humano se volta a questionamentos sociais, buscando a solução de problemas de forma independente de leis; esta visão pós-positivista é defesa por doutrinadores como Robert Alexy, Ronald Dworkin entre outros, que, apesar de algumas divergências, defendem as mesmas idéias-base, principalmente quanto ao papel dos princípios na ordem jurídica. Esta nova fase passou a atribuir maior importância não somente às leis, mas aos princípios do direito. Na fase pós-positivista os princípios são estudados como espécies de normas, possuindo um campo maior de abrangência. O grande questionamento levantado pelos pensadores da fase pós-positivista é acerca do caráter normativo dos princípios. Eis que, passam então, os princípios a deixarem de possuir a função integratória de uso subsidiário no direito, para adquirir força de normativa, fato explicado pela insuficiência positivista em solucionar casos concretos. Paralelamente, mesmo diante de sua força imperativa e coercitiva, o positivismo tomava moldes de alienação formalmente imposta, outros estudiosos posicionavam-se criticamente frente a esta maneira de pensar. É com base na justiça, na ética e na moral que o pós-positivismo desenvolve uma metodologia fundamentada em valores. Ao legislador, ao perceber a realidade jurídica em seu entorno, utiliza-se de um critério axiológico, com ideais supremos de justiça na elaboração das leis (MACHADO, 2009). Assim, conforme MACHADO (2009), esta jurisprudência de princípios passou ao longo do século XX por variações de natureza metodológica, sempre visando à conquista Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 350 Aplicabilidade dos princípios gerais do direito no ordenamento jurídico brasileiro da proclamação da normatividade dos princípios. Objetivos alcançados, a dogmática jurídica passa a reconhecer a existência de princípios e regras como espécies do gênero normas. Como pode-se perceber, na seara jurídica, a concepção acerca de princípios vem se transformando ao longo do tempo, sofrendo definições e redefinições. Atualmente pode-se identificar algumas teorias que visam a compreender o que são princípios: uma que entende os princípios como normas gerais ou generalíssimas de um sistema, representada, principalmente, pelo filósofo italiano Norberto Bobbio; na segunda teoria os princípios não são aplicáveis de forma integral e plena a qualquer situação: para ALEXY (1983) os princípios são identificados como mandados de otimização; como as regras, os princípios são normas jurídicas, porém, diferentemente das regras, determinam que algo deve ser realizado na maior medida possível. Segundo MACHADO (2009) Alexy entendia que o princípio jurídico é espécie do gênero norma jurídica – são normas jurídicas qualificadas por um alto grau de generalidade e abstração, o que os difere funcionalmente das regras jurídicas, que possuem um campo de normatividade mais restrito. Para Ronald Dworkin, doutrinador norte-americano, a relevância da moral na jurisprudência acarretará em maneira mais eficaz para atingir a justiça, possibilitando resposta correta em casos concretos (MACHADO, 2009). Para Dworkin os direitos merecem reconhecimento sob pontos de vista da justiça. “Os princípios, ademais, informam as normas jurídicas concretas, de tal forma que a literalidade da norma pode ser desatendida pelo juiz quando viola um princípio que, no caso específico, se considera importante”. REALE (2002) define princípios gerais de direito como enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Seguindo esta linha de pensamento positivista, a palavra princípio é passível de inúmeros conceitos, sob os quais: a) os princípios gerais de direito como fonte (subsidiária) do direito; b) os princípios gerais de direito como forma de possibilitar a completude do ordenamento; c) os princípios gerais de direito como elemento de conexão lógica e justa do sistema. De uma maneira geral, o ordenamento brasileiro adotou a lei como principal fonte do direito, admitindo também a analogia, os costumes e a jurisprudência, estabelecendo que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil). Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 Valdinei Aparecido Oliveira, Lysian Carolina Valdez 351 Assim, os princípios gerais do direito assumem uma função meramente subsidiária, por conta de uma norma anti-lacunas dentro do ordenamento. Para os positivistas os princípios têm função puramente garantidora da plenitude do ordenamento. Como outra maneira de entender o ordenamento, Ronald Dworkin e F. Muller, citados por TOVAR (2005), passaram a atribuir maior importância aos princípios do direito, analisados como espécies de normas, que, ao contrário das regras, ou leis, tem um campo maior de abrangência, pois trata-se de preceitos que deveriam intervir nas demais normas inferiores, para obter delas o real sentido e alcance. Nesta visão, denominada póspositivista, os princípios jurídicos deixam de possuir apenas a função integratória do direito, conquistando o status de normas jurídicas vinculantes. 3.5. Princípios Jurídicos A primeira referência aos princípios gerais de Direito se deu com o Código austríaco de 1811, em seu art. 7º que determinava que o intérprete da lei utilizasse os princípios do direito natural na aplicação sobre o caso concreto (FALAVIGNA, 2007); em 1865, por pressão positivista, este fora reformado para a expressão princípios gerais de direito, posteriormente seguido pelo Código Civil italiano de 1865 (art. 3º) e pelo Código Civil espanhol de 1889 (art. 1º). Devido esta estratificação da história do direito em função da aplicabilidade dos princípios, torna-se fundamental estabelecer qual o conceito de princípios jurídicos. Princípios, conforme leciona Celso Antonio Bandeira de Mello, citado por FILETI (2009), é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. Contudo, a teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia normas e princípios, não considerando os princípios como parte do direito. Somente a partir da fase pós-positivista é que os princípios passaram a ser tratados como direito, passando as normas a serem consideradas à categoria gênero, do qual as espécies vêm a ser o princípio e a regra, que passam a ter a seguinte distinção: a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; as regras possuem uma abstração relativamente reduzida; Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 352 Aplicabilidade dos princípios gerais do direito no ordenamento jurídico brasileiro b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: por serem vagos e indeterminados, os princípios carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz); as regras são suscetíveis de aplicação direta; c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico em face de sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais), ou em face de sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (exemplo: princípio do Estado de Direito); d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são standarts juridicamente vinculantes, radicados nas exigências de “justiça” (Dworkin) ou na “idéia de direito” (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional; e e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, ou seja, são normas que estão na base ou constituem a ratio das regras jurídicas, desempenhando, assim, uma função normogenética fundamentante. Qualitativamente, as diferenças entre regras e princípios apontadas por José Joaquim Gomes Canotilho, segundo FILETI (2009), são: os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis com vários graus de concretização, de acordo com os condicionalismos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem de forma imperativa uma exigência (impõem, permitem ou proíbem), que é ou não é cumprida; a convivência dos princípios é conflitual; a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se; conseqüentemente, ao constituírem exigências de otimização, os princípios permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, a lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam margem para qualquer outra solução, pois, se uma regra vale, deve ser cumprida na exata medida de suas prescrições, nem mais nem menos; em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas exigências ou Standards que, em primeira linha, devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas definitivas, não sendo sustentável a validade simultânea de regras contraditórias; e os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são corretas devem ser alteradas); segundo Eros Roberto Grau, citado por FILETI (2009), no que tange à ocorrência de conflitos entre princípios e regras, tal possibilidade inexiste, uma vez que as regras operam para concretizar os princípios; assim, quando ocorrer confronto de dois princípios, prevalecendo um sobre o outro, as regras que dão concreção ao princípio que foi desprezado são afastadas. Para o professor R. Limongi França, segundo FALAVIGNA (2007), a teoria dos Princípios Gerais de Direito entende que os princípios são o alicerce desta teoria, atuando Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 Valdinei Aparecido Oliveira, Lysian Carolina Valdez 353 como essencial ou contingente; essencial é aquele princípio imutável e universal, oriundo do direito natural, enquanto que o contingente é aquele princípio que pode vir a sofrer modificação de acordo com o momento histórico vivido pela sociedade, oriundos do ordenamento vigente. 4. RESULTADOS Como exemplo da aplicação da visão pós-positivista sobre os casos concretos no Brasil, temos o caso da Lei 11.482/07, que alterou o art. 3º, da Lei 6.194/74, reduzindo o valor de indenização do DPVAT às vítimas de acidentes de trânsito (morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares). Para os pós-positivistas, a referida alteração é inconstitucional, ante o princípio da vedação do retrocesso. A doutrina jurídica do ambiente pós-positivista procura consolidar o princípio da vedação de retrocesso, pelo qual, se o ordenamento jurídico atingir determinado patamar de avanço em direitos fundamentais, não se torna compatível com a Constituição a supressão, por ato legislativo ou decisão judicial, do patamar atingido até então, tampouco a diminuição de concreção já estabelecida. A responsabilidade indenizatória do DPVAT configura direito fundamental, de um lado, porque corresponde ao princípio do solidarismo (art. 3º, inc. I, CF/88) e de outro lado, porque referida indenização corresponde a direito individual homogêneo, o que o eleva à categoria constitucional (art. 127, CF/88). Como outro exemplo da aplicabilidade da visão pós-positivista, temos a Declaração da inconstitucionalidade pelo STF dos parágrafos 2º e 3º do artigo 57 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que fixara multa pelo pagamento de tributos não inferior a duas vezes o da obrigação principal, e, no caso de sonegação, não inferior a cinco vezes: de acordo com o Ministro Marco Aurélio, numa situação como exposto acima, abandonou-se o principio da razoabilidade e da proporcionalidade; também tem-se na AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1158-8 – no AMAZONAS, cujo relator foi o Ministro Celso de Mello, para quem a norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de férias correspondente a um terço (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade. Na mesma linha de entendimento temos o Recurso de Revista (RECURSO DE REVISTA – HORAS EXTRAS EXCEDENTES DA SEXTA – EMPREGADO BANCÁRIO – PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS – OPÇÃO PELA JORNADA DE 8 (OITO) HORAS – AUSÊNCIA DE FIDÚCIA ESPECIAL), pelo qual a opção pela jornada de 8 (oito) horas revela-se nula de pleno direito, visto que, ao empregado bancário que não exerça cargo de confiança é assegurado, por norma cogente, o direito indisponível à jornada de trabalho Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 354 Aplicabilidade dos princípios gerais do direito no ordenamento jurídico brasileiro de 6 (horas), uma vez que o princípio da irrenunciabilidade, que norteia o Direito do Trabalho, impede o afastamento, pela ação da vontade das partes, das normas protetivas, inclusive às relacionadas à jornada de trabalho. Destarte, em face das disposições dos artigos 9º, 444 e 468 da CLT, a opção do reclamante pela jornada de 8 horas, ainda que se mostrasse livre de coação, não seria apta a impedir a incidência da jornada insculpida no caput do art. 224 da CLT (Recurso de revista conhecido e não provido - TST – RR 345/2006-012-18-00.9 – 6ª T. – Relª Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa – DJU 09.11.2007). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A aplicabilidade da lei sobre os casos concretos pode ser realizada sob os limites de diferentes doutrinas. Para alguns juristas a pura e simples aplicabilidade daquilo que está positivado nos códigos e nas leis vigentes do país é a forma mais racional de se fazer justiça: este é o entendimento positivista. Na ótica pós-positivista a aplicabilidade da lei, sem que ocorra a perda da racionalidade, ganha reforço dos valores éticos e morais, intrínsecos aos princípios gerais do direito. De acordo com esta nova concepção, ao julgar um caso concreto, o juiz o fará fundamentado também pelos princípios jurídicos. Neste contexto os princípios jurídicos funcionam como diretrizes estruturantes do direito, quer no momento da elaboração da lei, quando o legislador deverá criar leis compatíveis com os valores éticos e morais da sociedade, quanto no momento da aplicação da lei no caso concreto, com os juízes atentos a estes mesmos princípios. Entende-se que a maneira de pensar e agir, dos legisladores quando da elaboração da lei e, dos aplicadores da lei quando da sua aplicabilidade sobre o caso concreto passará a ocorrer de forma delineada por princípios que representam a evolução do pensar e do agir da sociedade durante anos de história e que, de forma alguma devem manter-se inertes ao mundo jurídico. Desta forma acredita-se que, legisladores e aplicadores da lei, estarão mais próximos do direito justo, uma vez que conciliam à norma positivada, os valores sociais e éticos da sociedade. REFERÊNCIAS ALEXY, R. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 2001. Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355 Valdinei Aparecido Oliveira, Lysian Carolina Valdez 355 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e documentação apresentação de citações em documentos. Rio de Janeiro, ago. 2002. 7p. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano I, n. 02, outubro de 2006, Brasília: Escola Nacional da Magistratura – ENM, p. 26. FALAVIGNA, M.C.O.D. Os princípios gerais do direito e os standards jurídicos no Código Civil. São Paulo: USP, 2007. FILET, N. A fundamentalidade dos Direitos Sociais e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. GUSMÃO, P. D. Introdução ao estudo de direito. 39ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. MACHADO, G. N. S. Panorama histórico dos princípios jurídicos: Da subsidiariedade à normatividade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 71, 01/12/2009 [Internet]. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=697 9. Acesso em 05/07/2010. REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 2005. TOVAR, L. Z. O papel dos princípios no ordenamento jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>. Acesso em: 07 jul. 2010. Anuário da Produção de Iniciação Científica Discente Vol. 13, N. 21, Ano 2010 p. 345-355