CEAP / CURSO DE DIREITO Disciplina: HERMENÊUTICA JURÍDICA Professor: UBIRATAN RODRIGUES DA SILVA Plano de Aula nº 5 OBJETO: O POSITIVISMO JURÍDICO OBJETIVOS: 1) Refletir a interdisciplinaridade da Ciência Jurídica com os demais conhecimentos científicos. 2) Entender a Teoria Pura do Direito; POSITIVISMO JURÍDICO O Positivismo jurídico é uma doutrina do direito que considera que somente é Direito, aquilo que é posto pelo Estado, sendo então esse o objeto que deve ser definido e cujos esforços sejam voltados à reflexão sobre a sua interpretação. Sua tese básica é que o direito constitui produto da ação e vontade humana (direito posto, direito positivo) e não da imposição de Deus, da natureza ou da razão como afirma o Jusnaturalismo. A maioria dos partidários do positivismo jurídico defende também que não existe necessariamente uma relação entre o direito, a moral e a justiça, visto que as noções de justiça e moral são relativas, mutáveis no tempo e sem força política para se impor contra a vontade de quem cria as normas jurídicas. Muitos filósofos e teóricos do direito adotaram o positivismo jurídico, entre os quais se destacaram, no século XX, Hans Kelsen (autor da Teoria Pura do Direito, principal obra sobre o positivismo jurídico), e Herbert Hart (autor de: O conceito de direito). Nota: A Teoria Pura do Direito (reine Rechtslehre) pertence a corrente de pensamento jus positivista ou “normativo-formalista” e foi formulada pelo jurista austríaco, naturalizado americano, Hans Kelsen. Seu principal objetivo é estabelecer o Direito como uma ciência autônoma, independente de outras áreas do conhecimento mediante a definição de seu objeto de estudo, a norma jurídica, independentemente da consideração de seu conteúdo ou finalidade, distinguindo o direito da moral, justiça e demais ciências, como a sociologia jurídica. CIÊNCIA (Quanto ao Objeto) 1) da NATUREZA (Foco: fenômenos naturais): a) do MACROCOSMO (Física, Astronomia, Química, etc.) Foco: fenômenos externos aos seres vivos b) do MICROCOSMO (Medicina, Biologia, Bioquímica, etc. Foco: fenômenos internos aos seres vivos 2) INSTRUMENTAIS Linguagem MATEMÁTICA Outras formas de linguagem 3) da SOCIEDADE (Foco: fenômenos sociais): HERMENÊUTICA (Direito) NÃO-HERMENÊUTICAS (Sociologia, História, Antropologia, etc.) CIÊNCIA DO DIREITO FASE INTERPRETATIVA 1 (Privativa do Poder Legislativo): FATO Jurídico (acontecimento que congrega relações mais fortes que as sociais, etc.) VALOR: conjunto axiológico (quadro de idéias e valores) NORMA: Projeção ideal do mundo do DEVER – SER FASE INTERPRETATIVA 2 (Privativa do Poder Judiciário): APLICAÇÃO DA NORMA: Resultante da utilização dos principais planos metodológicos da interpretação normativa VALOR (Segundo FALCÃO (2004, p. 14-28): IDEAIS = existem apenas nas idéias NATURAIS = diferenças individuais de percepção CULTURAIS = o que o homem agrega à natureza METAFÍSICO = a realidade explicada racionalmente Viver é “estar sendo”... Liberdade de escolha Exercício do poder de decisão e de preferência Exercendo uma CONDUTA, logo... A conduta é axiológica O HOMEM É UM SER AXIOLÓGICO VALOR → toda força que, partida do homem, é capaz de gerar no homem a preferência por algo. CLASSIFICAÇÃO DO VALOR: Quanto à amplitude: universais, sociais, nacionais, populares e particulares; Quanto ao tempo: permanentes, duradouros e passageiros; Quanto à legitimidade: positivos ou negativos; Quanto à matéria (Éticos: morais e jurídicos; Políticos; Econômicos; Etc.). Para a Teoria Tridimensional do Direito (MIGUEL REALE): FATO JURÍDICO → é todo acontecimento de origem natural ou humana e que interessa ao Direito, por isso causador de conseqüências jurídicas. 2 VALOR → é o que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo. COMENTÁRIOS SOBRE O POSITIVISMO JURÍDICO Na atualidade, há um vasto debate sobre o positivismo jurídico, havendo muitas correntes positivistas assim como muitos críticos dessa teoria (jusnaturalistas, moralistas). Segundo Norberto Bobbio, o positivismo jurídico apresenta-se sob três aspectos: a) como método para o estudo do direito, ao que acrescentamos para a sua aplicação, também; b) como teoria do direito; c) como ideologia do direito. Tais distinções são importantes porque cada aspecto não implica no outro, podendo substituir isoladamente. O positivismo jurídico, enquanto teoria baseia-se em seis concepções fundamentais, conforme menciona Bobbio: a) teoria coativa do direito; b) teoria legislativa do direito; c) teoria imperativa do direito; d) teoria da coerência do ordenamento jurídico; e) teoria da completitude do ordenamento jurídico; f) teoria de interpretação lógica ou mecanicista do direito. As três últimas teorias recebem criticas fundadas, enquanto as primeiras permanecerem pouco alteradas, segundo o mesmo autor. Assim, explica que: 1º.) um ordenamento jurídico não é necessariamente coerente, porque podem coexistir no mesmo ordenamento duas normas incompatíveis e serem ambas válidas; 2º.) um ordenamento jurídico não é necessariamente completo, porque a completitude deriva do principio da reserva legal, segundo o qual tudo que não é proibido é permitido. Tal princípio, excetuandose o campo do direito penal, não rege a maior parte dos casos; 3º.) a interpretação do direito feita pelo juiz não se resume num procedimento puramente lógico. O Direito Enquanto Ciência “Somente à medida que o Direito for uma ordem normativa da conduta dos homens entre si, pode ele, como fenômeno social, ser distinguido da natureza, e pode a ciência jurídica, como ciência social, ser separada da ciência da natureza”. 3 Sabido é que o Direito evolui de maneira diversa das demais ciências. Ao mesmo tempo em que é objeto da ciência jurídica, o Direito com ela se confunde, donde se há que concluir com toda certeza que não há uma história da ciência jurídica separada da história do próprio Direito. Enquanto as demais ciências, mais precisamente as naturais, têm por ponto de partida um dado fixo, uma unidade fática inexorável, o objeto de estudo do jurista é um resultado, obtido de um conjunto variado de dados em constante evolução. Mais precisamente: à medida que atua positiva ou negativamente no tempo, e conforme as circunstâncias que este apresenta a teoria jurídica muda, de forma a acompanhar e servir a sociedade para a qual, e em virtude da qual existe (ubi sicietas, ibi jus)... Como escreve Tércio Sampaio Ferraz Jr., conclusivo: “neste sentido, se diz também que a ciência jurídica não apenas informa, mas conforma o fenômeno que estuda, faz parte dele”. Disso, infere-se que o Direito pode ser estudado sob aspectos diferentes, de acordo com o que se quer enfatizar: o aspecto zetético (do alemão zetein – perquirir, perguntar, questionar) ou o aspecto dogmático (também do alemão dokein – ensinar, doutrinar). O primeiro trabalho com a especulação explicita a partir de uma evidência; preocupa-se com o ser (o que é algo?), dissecando, assim, as opiniões, pondo-as, primeiramente, em xeque, para depois tirar uma conclusão. Já o aspecto dogmático busca a opinião a partir de uma conclusão já formada e tida como a salvo de imperfeições; tem função diretiva; preocupa-se com o dever-ser (o que deve ser algo?). Como toda ciência dogmática, o Direito parte do princípio da proibição da negação dos pontos de partida, isto é, de um porto seguro, de onde navegará por diversos caminhos, v.g., o princípio da legalidade: aqui, o jurista parte da lei, analisando-a, criticando-a, buscando o que deve ser que ela quis dizer o voluntas legis em oposição ao voluntas legislatoris, para se chegar a ratio júris da norma. Assim, pode-se dizer que o estudo do Direito é escrito: os juristas e operadores buscam compreendê-lo e torná-lo aplicável às circunstâncias da ordem vigente. Isto é o dado inconteste de onde se deve iniciar a investigação e, dessa maneira, enxergar as nuances próprias a que leva o estudioso do tema “O Direito como ciência”. Mas a isto não se pode prender o Direito. Ciência integrativa que é, não pode ser colocado a par das outras ciências, como a sociologia e a psicologia, por exemplo, sob pena de se perder seu real objeto de estudo, qual seja a sociedade, cujos membros, em relação social, fazem nascer o Direito e os direitos. Como escreve Sérgio Cavalieri Filho, “o direito, do ponto de vista sociológico, é, conforme vimos no capitulo anterior, um fato social, e como tal, tem sua origem, não na Divindade, nem na razão, nem na consciência coletiva dos povos, tampouco no Estado – mas sim na própria sociedade, nas inter-relações sociais. Por conseguinte, trata-se de uma ciência essencialmente social, uma peculiaridade da sociedade humana”. Daí porque, de inicio, dizer-se que a norma não é o único objetivo do estudo direto da ciência jurídica, pois que existe para regulamentar as relações sociais, as quais, sim, não objeto imediato de incidência da ciência jurídica. Mais adiante, quando forem mencionados e explicados os “modelos” de ciência do Direito, minudenciar-se-á a questão da Direito como teoria da norma, teoria esta, aliás, que deve seu expoente em ninguém menos que Kelson. Este justamente por adotar o Direito como teoria normativa conseguiu, pela primeira vez, isolar o fenômeno Direito, para identificar diversas facetas desta ciência que, até então, e até os dias hodiernos, são consideradas inéditas, malgrado haver quem as tenha por ultrapassadas. Mas tudo em vão, se não se perquirisse, afinal: tem o Direito caráter cientifico? Podemos responder, sem pestanejar: sim. Uma vez que tem seus próprios conhecimentos sistematizados a respeito da matéria, através de métodos obtidos e comprovados, pode-se 4 dizer que o Direito tem caráter cientifico. Ainda mais porque é guiado por princípios próprios e regras peculiares que lhe garantem o status de ciência. Mas, para se chegar a tais conclusões, muitas páginas de papiro foram gastas; muitas guerras aconteceram; muitos neurônios queimados; muitas penas gastas. Enfim, para se tornar ciência, tecnicamente falando, um longo caminho foi percorrido. Partindo de questões básicas, como as que concernem sobre o objeto do Direito, sobre seus métodos, sobre a subsidiariedade de outras ciências para que a do Direito se consolidasse como tal, divagações mil foram feitas até chegar ao que se tem hoje. E muitas ainda serão feitas, a bem do futuro e do aprimoramento eterno da ciência humana do Direito, uma ciência aberta. A gênese do Direito partiu dos jusnaturalistas, para os quais o direito seria um conjunto de idéias ou princípios superiores, uniformes, permanentes, imutáveis, outorgados ao homem pela divindade, quando da criação, a fim de traçar-lhe o caminho a seguir e ditar a conduta a ser mantida. Nas palavras de Cavalieri, “seria um sopro ético com que a Divindade bafejou a sua criação”. Tinha o Direito, visto pela chamada Escola Jusnaturalista (ou do Direito Natural), as características de imutabilidade e estabilidade, pois que emanados de uma Autoridade que se colocava acima de quaisquer indagações. Vê-se, nestas breves palavras, que nem se cogitava sobre seu aspecto de ciência, com quando já se falar de Direito, ainda de maneira diferente da que se fala hoje. Essa concepção de Direito Natural fundamenta seus princípios em Aristóteles e Platão, sendo também adotada na Roma de Cícero, o mais entusiasta defensor da filosofia grega entre os romanos. Mais tarde, encontraram em Kant, Grotius, Locke, Hobbes e Puffendorf, seus articuladores e defensores. Kant, aliás, chegou a defender os postulados da Escola do Direito Natural ferrenhamente, mas dela começou a se distanciar à medida que esta passou a “matematizar o direito natural”, isto é, torná-lo parte de uma ciência exata, inflexível e, para ele, a matemática pertenceria à ordem da natureza, enquanto o Direito à esfera da liberdade. Passou a perceber que o Direito distanciava-se da natureza, ao passo que notou na razão o poder de legislar em geral, ou, como nos informa o professor Joaquim Carlos Salgado, “o poder de legislar eticamente, em particular”. Assim, da Escola Jusnaturalista, duas contribuições importantes podem ser tiradas: 1ª) o método sistemático, a partir de um método de dedução lógica; 2ª) o caráter critico que passou a ter o Direito, justamente a partir do uso da razão, embora não estivesse preso a nenhuma fonte positiva. Com a Escola Histórica do século XIX, têm-se, simultaneamente, a ocorrência de um paradoxo: o legado deixado pelos jusnaturalistas é, ao mesmo tempo, destruído e louvado: destruído, porque efetivamente deixado de lado por verdadeiro anacronismo de seus fundamentos em relação ao pensamento desenvolvido à época; louvado, pois que, sem ele, a razão não teria sua valorização tão aguçada como agora. Diante disso, no século XVIII, começa a se levantar bases para uma teoria da ciência jurídica: o direito, em posição estática, seria visto como sistemas de direitos subjetivos: dinamicamente, em termos de ações humanas, criam e modificam aqueles direitos. O expoente desta Escola Histórica deu-se em Gustav Hugo (1764-1844), que desenvolveu uma nova sistemática da ciência do Direito. Propõe ele, num de seus trabalhos a 5 respeito do tema, uma divisão tripartida do conhecimento cientifico do Direito, que se fazia a partir de três questões fundamentais: que significa “legal”?; é racional que o “legal” efetivamente o seja? E como o “legal” se tornou tal? Respondendo as respectivas questões, tem-se a primeira diz respeito à dogmática jurídica; a Segunda, à filosofia do Direito; a terceira, à história do Direito. Dessa teoria resulta a dogmática do Direito passa a ganhar uma nova conotação: todas as respostas são suscetíveis de encaixe na história e, em decorrência, cria-se a possibilidade de uma compreensão da ciência jurídica como ciência histórica e, isto é importante ressaltar, pois que substanciado na Escola Jusnaturalista, o que demonstra a evolução do tema, vista a partir de uma lente crítica do próprio Direito. Da conjugação da historia do Direito com a situação dos povos, mais precisamente a do povo alemão, Savigny alia à razão, o sentimento comum do povo, pelo que se faz emergir o Volksgeist como consolidador do Direito. Como resultado desta relação Direito-história, informa-nos mais uma vez Tércio Sampaio, devido à pertinência de suas obras para o tempo em apreço, “a Escola Histórica teve o grande mérito de pôr a si a questão do caráter cientifico da ciência do Direito. Como já salientamos a expressão júris scientia é criação sua como é o empenho de dar-lhe este caráter, mediante um método próprio de natureza histórica.”. Donde nos resta concluir que, da condicionalidade histórica do Direito, é este inevitavelmente posto em questão, no seguinte sentido: como será o conteúdo no decorrer da história? A resposta nos é dada por Savigny, o qual exigia da investigação científica do Direito uma correlação necessária com o valor e a autonomia inerentes a determinada época, a partir dos princípios norteadores desta. Com isso, buscava-se determinar o que ainda era utilizável no presente. Portanto, a proposta de ciência jurídica da Escola Histórica tornou-a um sistema de proposições ordenado de maneira lógica-histórico-analítica, e, como esclarece Hermês Lima, “[...] é conquista definitiva da Escola Histórica a noção do caráter social dos fenômenos jurídicos, com seus dois elementos essenciais: continuidade e transformação. A Escola mostrou que os fundamentos do Direito se encontram na vida social. Eram esses fundamentos que as teorias precedentes iam buscar na razão [...]”. Não obstante essa importante contribuição, a Escola Histórica de Savigny recebeu severa crítica de um de seus alunos, de nome Karl Marx. Segundo Willis S. Guerra, professor da UFC, em artigo intitulado “A contribuição de Karl Marx para o desenvolvimento da ciência do Direito” publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Marx achava a ciência jurídica um tanto quanto “prepotente”, ao escrever que “O Direito tem aí um limite à manipulação de conceitos, visando a subsumir fatos concretos das hipóteses legais, abstratas. Não é da natureza jurídica das coisas equiparar roubo de lenha com colheita de galhos, e a lei não pode pretender alterar essa natureza das coisas, mas sim conformar-se a ela, sob pena de tornar-se uma lei mentirosa, falsa [...]” (p. 71). A prepotência verifica-se, pois, nesta vontade de o Direito querer submeter as coisas a si, e não o contrario. Note-se que a critica é bastante pertinente, tanto é que influenciou a época que se sucedeu. Da Tríade Liberdade-Igualdade-Fraternidade, que norteou a Revolução de 1789, na França, os cidadãos simpático a ela utilizaram-na para basear suas pretensões. É que, no período anterior à Revolução, a justiça parecia ter sido subjugada a um segundo plano, prevalecendo o arbítrio constante do poder da força que, por via reflexa, atingia as decisões 6 judiciárias. Aquelas pretensões, estimuladas pelas vozes vindas dos pensadores iluministas, fizeram emergir certas críticas: a exigência de uma sistematização do Direito, a fim de se valorar as leis que, quando fossem aplicadas pelos juristas, deviam pôr termo aos julgamentos vitais decisivos. Para tanto, surgiu na França desta época a respeitada Escola da Exegese, que, após suas investigações, concluiu por uma sistematização ainda maior da experiência jurídica, em termos de uma construção unificada dos juízos normativos e os esclarecimentos dos seus fundamentos, o que resultou, inevitavelmente na posição destes preceitos. A conseqüência disto foi a autolimitação da Ciência do Direito ao estudo da lei positiva, enquanto fenômeno estático, o que levou o professor Paulo de Barros Carvalho a criticar esta visão limitada e paralisada, que a corrente positivista estabeleceu para a ciência do Direito: “[...] o direito positivo é complexo de normas jurídicas válidas num dado país. À Ciência do Direito cabe descrever esse enredo normativo, ordenando-o, declarando sua hierarquia, exigindo as formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do sistema e oferecendo seus conteúdos de significação”. 7