universidade federal de goiás

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL
Disciplina: SEMINÁRIOS APLICADOS
PROCESSAMENTO E APRESENTAÇÃO ANTIGÊNICA E
POSSÍVEIS INTERFERÊNCIAS VIRAIS
Duanne Alves da Silva
Orientador (a): Profa. Dra. Ana Paula Junqueira Kipnis
Goiânia
2011
ii
DUANNE ALVES DA SILVA
PROCESSAMENTO E APRESENTAÇÃO ANTIGÊNICA E
POSSÍVEIS INTERFERÊNCIAS VIRAIS
Seminário apresentado à disciplina de
Seminários Aplicados do Programa de
Pós-Graduação em Ciência Animal da
Escola de Veterinária e Zootecnia da
Universidade Federal de Goiás
Nível: Doutorado
Área de Concentração:
Sanidade Animal e Higiene e Tecnologia de Alimentos
Orientador (a):
Profa. Dra. Ana Paula Junqueira Kipnis
Comitê de Orientação:
Profa. Dra. Wilia Marta Elsner Diederichsen de Brito – EV/UFG
Profa. Dra Liliane Borges de Menezes – IPTSP/UFG
Goiânia
2011
iii
SUMÁRIO
1-INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1
2-REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................... 3
2.1- Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC) ................................... 3
2.2- Células apresentadoras de antígenos (APCs) ............................................ 5
2.3- Processamento e apresentação de antígenos endógenos ......................... 6
2.4- Processamento e apresentação de antígenos exógenos............................ 9
2.5- Apresentação cruzada .............................................................................. 12
2.6- Interferências virais no processamento e apresentação antigênicos ........ 16
2.6.1- Inibição do transportador associado ao processamento de antígenos .. 16
2.6.2- Evasão da macroautofagia..................................................................... 24
3-CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 27
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 28
iv
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Estrutura das moléculas de MHC classes I e II................................4
FIGURA 2: Micrografia eletrônica de uma célula dendrítica................................6
FIGURA 3: Mecanismos de processamento e apresentação de antígenos
endógenos via MHC classe I para linfócitos TCD8+............................................8
FIGURA 4: Os quatro processos de digestão celular mediada por
lisossomos...........................................................................................................9
FIGURA 5: Síntese do MHC classe II evidenciando a remoção do CLIP pela
molécula HLA-DM..............................................................................................11
FIGURA 6: Mecanismos de processamento e apresentação de antígenos
exógenos via MHC classe II para linfócitos TCD4+...........................................12
FIGURA 7: Mecanismos de proteólise lisossomal.............................................14
FIGURA 8: A macroautofagia regula a apresentação cruzada e as vias de
apresentação de antígenos intra e extracelulares nas moléculas de classe II do
MHC.......................................................................................................................15
FIGURA 9: Regulação do MHC I de camundongos pelas proteínas UL49.5,
US3, US6, BNFL2a e ICP47................................................................................19
FIGURA 10: Expressão dos níveis de inibidores virais em células de
camundongos..........................................................................................................21
FIGURA 11: Expressão das proteínas UL49.5 dos herpesvírus de
ruminantes.........................................................................................................22
FIGURA 12: Citometria de fluxo evidenciando a expressão de moléculas de
MHC-I na superfície de células MDBK e MJS, e de MHC-II em células
MJS......................................................................................................................23
FIGURA 13: A atividade de transporte do TAP foi analisada nas células MDBK
e MJS expressando as proteínas UL49.5 homólogas........................................24
FIGURA 14: Níveis de TAP1 e TAP2 expressos nas células MJS....................24
1
1-INTRODUÇÃO
O organismo dos animais e humanos está exposto a constantes
ataques de microrganismos, podendo sofrer as mais variadas injúrias. No
entanto, existem mecanismos competentes no combate a essas invasões
visando responder a esses ataques de uma forma eficiente.
Um patógeno, para estabelecer-se com sucesso no organismo,
precisa ultrapassar barreiras e ser capaz de driblar as defesas do hospedeiro
que pretende infectar. Por sua vez, o organismo infectado necessita
reconhecer o agente invasor para definir as ações a serem tomadas no intuito
de restabelecer o equilíbrio. Esse ponto é crucial quando ocorre uma injúria,
pois uma resposta exacerbada pode eliminar a infecção, mas por ser tão
intensa, pode levar a morte do hospedeiro, assim como uma resposta fraca
pode não ser suficiente para eliminar o agente.
O sistema imunológico é, portanto, um vigilante do organismo, pois
sua função não é apenas proteger e defender o indivíduo frente a invasão de
agentes estranhos, mas principalmente de manter a homeostase corporal.
Diversas substâncias, ao entrarem no organismo de um indivíduo,
podem ser reconhecidas como antígenos, tais como: proteínas, carboidratos,
lipídeos e ácidos nucléicos. Para que o sistema imune responda a essas
substâncias estranhas desenvolvendo suas funções eficientemente, elas
precisam ser processadas e apresentadas a células específicas.
A
célula
do
sistema
imunológico
responsável
por
esse
processamento e posterior apresentação de antígenos, sejam eles próprios ou
não próprios, é conhecida como célula apresentadora de antígeno (APC).
Macrófagos, linfócitos B, neutrófilos, células endoteliais e células dendríticas
(DC) atuam como APCs, sendo que as DCs são consideradas APCs
profissionais, por serem mais eficientes no processamento e apresentação
antigênicos (THÉRY & AMIGORENA, 2001; LYN et al., 2008; VYAS et al.,
2008).
Apesar de o processamento e a apresentação de antígenos serem
mecanismos complexos que envolvem diferentes fases, muitos microrganismos
conseguem subverter etapas distintas desses processos. Dentre os agentes
que interferem nesses mecanismos de forma eficiente encontram-se os
2
herpesvírus (KWUN et al., 2011; MARIEKE et al., 2011a, MARIEKE et al.,
2011b, MARIEKE et al., 2011c;). A infecção causada por esses patógenos, que
se estabelece por toda a vida do hospedeiro, se deve a um balanço
estabelecido entre o sistema imunológico do indivíduo infectado e as
estratégias de evasão da resposta imune utilizadas pelos vírus.
Diante do exposto, pretende-se com esta revisão de literatura
abordar os aspectos referentes ao processamento e a apresentação de
antígenos e possíveis interferências dos herpesvírus nesses mecanismos.
3
2-REVISÃO DE LITERATURA
2.1- Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC)
O MHC (Major Histocompatibility Complex) é um locus amplo com
genes altamente polimórficos que codifica as moléculas classes I e II, assim
como outras proteínas. Essas moléculas têm a função de se ligar a peptídeos
antigênicos e apresentá-los aos linfócitos T específicos. As moléculas MHC
foram originariamente reconhecidas pelo seu papel no desencadeamento de
resposta das células T que causavam a rejeição de transplantes (BODMER,
1987; KLEIN & SATO, 2000).
As duas classes de MHC apresentam características estruturais
semelhantes, no entanto, diferem quanto a apresentação dos antígenos a
determinado tipo de linfócito. O MHC de classe I é uma molécula composta por
duas cadeias polipeptídicas distintas ligadas de forma não covalente; a cadeia
pesada (ou cadeia α) e um polipeptídeo não polimórfico que não é codificado
pelo MHC, a β2-microglobulina (ABBAS et al., 2008). Já nas moléculas de
classe II do MHC, as duas cadeias polipeptídicas (α e β), que também estão
ligadas de forma não covalente, são codificadas por genes do MHC
polimórficos (VILLADANGOS, 2001).
Ambas as classes apresentam uma fenda extracelular de ligação de
antígenos, uma região não polimórfica semelhante a imunoglobulina (Ig), uma
região transmembrana e uma região citoplasmática. A fenda é constituída de αhélices nas laterais e uma base de oito lâminas β-pregueadas antiparalelas. A
fenda das moléculas de classe I é formada pelos domínios α1 e α2 da cadeia α,
enquanto que a da classe II é formada pelos domínios α1 e β1 das duas
cadeias (Figura 1) (VILLADANGOS, 2001; ABBAS et al., 2008).
4
FIGURA 1: Estrutura das moléculas de MHC classes I e II.
Fonte: ABBAS et al., 2008.
O MHC de classe I é um receptor para antígenos endógenos
(intracelulares) e está presente na maior parte das células nucleadas. Já o
MHC de classe II é um receptor para antígenos exógenos (extracelulares) e é
encontrado nas principais células apresentadoras de antígenos (células
dendríticas, macrófagos e linfócitos B). É importante ressaltar que ambas as
classes são receptores de antígenos protéicos (VILLADANGOS, 2001; ABBAS
et al., 2008).
QUADRO 1: características das moléculas de MHC classes I e II
Características
MHC classe I
MHC classe II
Cadeias Polipeptídicas
α (44-47 kD)
β2-microglobulina (12 kD)
α ( 32 kD)
β (29 – 32 kD)
Localização dos resíduos
polimórficos
Domínios α1 e α2
Domínios α1 e β1
Local de ligação para
correceptor de célula T
Região α3 liga CD8
Região β2 liga CD4
Tamanho da fenda de
ligação de peptídeo
Acomoda peptídeos de 811 resíduos
Acomoda peptídeos de
10- 30 resíduos ou
mais
Fonte: ABBAS et al., 2008.
5
2.2- Células apresentadoras de antígenos (APCs)
Diferentes tipos celulares podem processar e apresentar antígenos
com diversos níveis de eficiência (SCHNEIDER & SERCARZ, 1997; MELLMAN
et al., 1998). Algumas células, no entanto, possuem atividade mais efetiva
como apresentadoras como as células B, os macrófagos e, especialmente as
células dendríticas (DC) (Figura 2), que são consideradas APCs profissionais
(TROMBETTA & MELLMAN, 2005).
Algumas características inerentes as células dendríticas fazem
dessa classe celular a mais eficiente apresentadora de antígenos. Diferente do
macrófago e do linfócito B, a DC tem como função primária a apresentação
antigênica. Tanto o macrófago como a DC completam sua diferenciação
quando se estabelecem em um tecido periférico após a saída da corrente
sanguínea. Quase todos os tecidos contêm DCs e macrófagos num estado
estacionário, apesar dos dois tipos celulares diferirem quanto a sua importância
(TROMBETTA & MELLMAN, 2005).
As DCs apresentam uma distribuição única nos órgãos linfóides,
secundários acumulando-se em regiões onde, geralmente, não existem
macrófagos e linfócitos B. As áreas onde os linfócitos T naive são ativados são
ricas em DCs, uma posição ótima para que um grande número de células T
possa explorar continuamente essas APCs em busca de complexos peptídeoMHC específicos (ITANO & JENKINS, 2003; MEMPEL et al., 2004).
As células dendríticas apresentam propriedades de vigilância e de
migração únicas (RANDOLPH et al., 2001), o que lhes permite capturar
antígenos na periferia e carreá-los até os órgãos linfóides secundários ou
internalizá-los diretamente da linfa (ITANO et al., 2003).
6
FIGURA 2: Micrografia eletrônica de uma célula
dendrítica.
Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9lula_dend
r%C3%ADtica
2.3- Processamento e apresentação de antígenos endógenos
Todas as células nucleadas podem apresentar peptídeos associados
ao MHC classe I, pois todas elas expressam essa molécula em sua superfície.
Antígenos protéicos presentes no citosol como, proteínas virais ou proteínas
que sofreram mutação em células tumorais são, em sua maioria, sintetizados
endogenamente.
Esses
antígenos
protéicos
são
degradados
pelo
proteassoma, um grande complexo catalítico de proteases presente no
citoplasma e no núcleo da célula para, posteriormente, serem apresentados
aos linfócitos TCD8+ via MHC classe I (PEAPER et al., 2008).
O proteassoma degrada proteínas em peptídeos contendo de três a
20 aminoácidos. A forma ativa do proteassoma é o complexo 26S, o qual
reconhece e se liga a proteínas ubiquitinadas. A ubiquitina é um pequeno
polipeptídeo que funciona como uma chaperonina, sendo responsável pela
checagem estrutural das proteínas que são sintetizadas pela célula. Quando
ocorre algum erro na síntese protéica, a ubiquitina se liga de forma covalente a
proteína, permitindo o reconhecimento desta pelo proteassoma. O complexo
26S é composto pela subunidade catalítica 20S e pela subunidade reguladora
19S. Em todas as células eucariotas, o complexo 26S é formado por uma
estrutura anelar que apresenta regiões não catalíticas (subunidades α) e
catalíticas (subunidades β). Três subunidades β, que são expressas
7
constitutivamente, são substituídas por subunidades induzíveis chamadas
LMP2 (iβ1), MECL1 (iβ2) e LMP7 (iβ5) quando há estímulo do IFN-γ sobre as
células. Essas subunidades constituem o chamado imunoproteassoma e são
importantes na geração dos peptídeos de ligação a classe I do MHC, pois
alteram a especificidade do substrato do proteassoma que passa a produzir
peptídeos contendo de seis a 30 aminoácidos (MURATA et al., 2009). O
imunoproteassoma apresenta uma elevada capacidade de clivar regiões com
aminoácidos hidrofóbicos ou que contenham terminal carboxila básico, os quais
são freqüentemente encontrados na porção C- terminal dos peptídeos ligados
ao MHC classe I (VAN DEN EYNDE & MOREL, 2001).
Os
peptídeos antigênicos
gerados no citosol precisam ser
encaminhados ao retículo endoplasmático, pois é nessa organela que ocorre a
síntese das moléculas de MHC classe I. Os genes do MHC codificam as duas
cadeias
de
um
heterodímero
chamado
transportador
associado
a
processamento de antígenos (TAP). Esse transportador está localizado na
membrana do retículo endoplasmático e medeia o transporte ativo dependente
de ATP dos peptídeos citosólicos para o interior do retículo. A síntese da
proteína TAP também é estimulada pelo IFN-γ e os genes TAP1 e TAP2 (que
codificam as proteínas formadoras do canal de entrada dos peptídeos no
retículo) estão próximos aos genes que codificam LMP2 e LMP7 no MHC
(MURATA et al., 2009). Além disso, apesar da proteína TAP apresentar uma
ampla especificidade de substrato, assim como o imunoproteassoma, ela
possui um transporte ótimo de peptídeos que contenham de seis a 30
aminoácidos e que possuem terminais carboxilas básicos (no homem) ou
resíduos hidrofóbicos (no homem e nos camundongos), que são as
características dos peptídeos gerados no imunoproteassoma permitindo a
ligação às moléculas do MHC (ABBAS et al., 2008).
A proteína TAP é altamente conservada entre diversas espécies. A
TAP1 e a TAP2 de humanos, suínos, bovinos e roedores apresentam 70 a 80%
de similaridade de aminoácidos (McCLUSKEY et al., 2004; GARCIA-BORGES
et al., 2006). Acredita-se que este transportador esteja envolvido na
apresentação antigênica mediada pelo MHC I em diferentes espécies (OHTA et
al., 2003).
8
Existe um controle durante o transporte desses peptídeos que é feito
por várias moléculas chaperoninas presentes no retículo. O transporte ocorre
por meio de um complexo formado pela cadeia pesada do MHC I (cadeia α),
pela β2 microglobulina e pelas chaperoninas tapasina, calnexina, calreticulina e
ERp57. Enquanto a calnexina, a calreticulina e a ERp57 estabilizam o
complexo MHC recém formado, a tapasina e a ERp57 mantém o mesmo fixado
a TAP e facilitam a aquisição de peptídeos com alta afinidade (VERWEIJ et al.,
2011a). Quando o peptídeo entra no retículo endoplasmático por meio do TAP,
ele é aparado por aminopeptidases residentes no retículo (ERAP) para que
apresente o tamanho apropriado de ligação à fenda do MHC (HAMMER et al.,
2007). Após essa ligação, o complexo peptídeo- MHC classe I é liberado da
tapasina, podendo sair do retículo e ser transportado para a superfície celular
apresentando o antígeno para as células TCD8 + (Figura 3) (GANNAGE &
MÜNZ, 2010).
FIGURA 3: Mecanismos de processamento e apresentação de antígenos endógenos via
MHC classe I para linfócitos TCD8+.
Fonte: ABBAS et al., 2008.
9
2.4- Processamento e apresentação de antígenos exógenos
A geração de moléculas do complexo peptídeo- MHC classe II e sua
expressão na superfície celular são essenciais para a ativação de linfócitos
TCD4+ (ROCHA & NEEFJES, 2008). A geração de peptídeos que se ligarão as
moléculas de MHC II pode ocorrer por diversos mecanismos de endocitose que
diferem em importância de acordo com a APC. Eles podem acessar a via
endocítica por pinocitose, fagocitose, endocitose mediada por receptor e
autofagocitose (ou autofagia) (Figura 4) (WATTS, 1997).
FIGURA 4: Os quatro processos de digestão celular mediada por lisossomos. (i)
endocitose mediada por receptores específicos; (ii) pinocitose (englobamento de
gotículas contendo líquido extracelular); (iii) fagocitose (partículas extracelulares); (iv)
autofagia (micro- e macro- de proteínas e organelas intracelulares).
Fonte: CIECHANOVER, 2005.
A formação do complexo peptídeo- MHC é resultado do encontro de
duas vias: o transporte de antígenos por meio de endossomos; e a síntese do
10
MHC II no retículo endoplasmático seguida do envio da molécula ao
compartimento endocítico para que haja a ligação ao antígeno. Três estruturas
principais estão envolvidas nesse processo: os endossomos precoces (ou
primários), os endossomos tardios (ou secundários) e os lisossomos. Os
endossomos precoces são as primeiras vesículas que entram em contato com
o material endocitado, apresentam um pH ligeiramente ácido e não possuem
boa capacidade proteolítica. Já os endossomos tardios são mais ácidos e
contêm
alguns
dos
componentes
característicos
de
compartimentos
lisossômicos, como proteases e glicoproteínas. Enquanto os lisossomos
apresentam pH baixo e são ricos em enzimas hidrolíticas sendo uma das
principais estruturas eliminadoras de resíduos da célula (VILLADANGOS,
2001).
A via endocítica é interceptada por uma rota que se origina nos
últimos componentes do complexo de Golgi, a rede trans-Golgi (TGN). Essa
rede é um meio de comunicação onde as moléculas recém sintetizadas
provenientes do retículo são direcionadas para a via endocítica, caso
apresentem sinais específicos (como manose 6-fosfato, por exemplo). Se
essas moléculas se destinarem a secreção ou expressão na membrana
plasmática elas também podem entrar na via endocítica (VILLADANGOS,
2001).
As cadeias α e β do MHC de classe II são sintetizadas
coordenadamente e se associam no retículo endoplasmático formando um
heterodímero. Este se liga a uma proteína chamada cadeia invariante (Ii) que
ocupa as fendas de ligação de peptídeos da molécula de classe II. Os dímeros
recém formados são instáveis e suas dobras e agregação também são
auxiliadas por chaperoninas residentes no retículo como a calnexina, assim
como ocorre na formação do MHC classe I. Logo, com a cadeia Ii ocupando a
fenda de ligação, o MHC classe II não consegue se ligar e apresentar os
antígenos que encontra no retículo, deixando tais peptídeos se associarem as
moléculas de classe I. Além disso, a cadeia invariante também promove o
dobramento e agregação das moléculas classe II recém formadas e direciona o
complexo classe II- cadeia Ii para a via endocítica de modo que ocorra o
encontro com os peptídeos interiorizados e processados nas vesículas
(HASTINGS & CRESSWELL, 2011).
11
Um conjunto de endossomos ricos em moléculas classe II
desempenha um importante papel na apresentação de antígenos. Esses
endossomos são chamados de compartimento do MHC classe II (MIIC) e
contém todos os componentes necessários para a associação dos peptídeos
ao MHC II, além de uma molécula chamada de antígeno de leucócitos
humanos DM (HLA-DM). No MIIC a cadeia invariante é removida para que
ocorra a ligação dos peptídeos antigênicos na fenda. Essa remoção ocorre pela
ação das mesmas chaperoninas já citadas, como a catepsina, enzima
responsável pela degradação de proteínas interiorizadas em endossomos,
lisossomos e fagossomos (HASTINGS & CRESSWELL, 2011). Após essa
proteólise resta apenas um resíduo de 24 aminoácidos chamado de peptídeo
de cadeia invariante associado à classe II (CLIP), que é removido pela ação da
molécula HLA-DM (Figura 5). Essa molécula atua como um trocador, auxiliando
a retirada do CLIP e o acréscimo de outros peptídeos. (GANNAGE & MÜNZ,
2010).
FIGURA 5: Síntese do MHC classe II evidenciando a remoção do CLIP pela molécula
HLA-DM.
Fonte: ABBAS et al., 2008.
Uma vez removido o CLIP, os peptídeos que foram gerados pela
proteólise dos antígenos protéicos interiorizados nas vesículas, podem se ligar
a fenda do MHC classe II, estabilizando a molécula. A HLA-DM também atua
12
nessa etapa como uma chaperonina, assegurando a ligação de peptídeos de
elevada afinidade ao MHC classe II. Como as extremidades da fenda de
ligação do MHC II estão abertas (Figura 1), pode ocorrer a ligação de grandes
peptídeos ou até proteínas inteiras desdobradas. As enzimas proteolíticas são
as responsáveis por aparar essas proteínas até que tenham o tamanho
apropriado para o reconhecimento das células T. Assim, os peptídeos
apresentados na superfície celular em moléculas de classe II do MHC,
geralmente, apresentam um tamanho que varia de 10 a 30 aminoácidos (Figura
6) (ABBAS et al., 2008; GANNAGE & MÜNZ, 2010; HASTINGS &
CRESSWELL, 2011).
FIGURA 6: Mecanismos de processamento e apresentação de antígenos exógenos via
MHC classe II para linfócitos TCD4+.
Fonte: ABBAS et al., 2008.
2.5- Apresentação cruzada
Originalmente, acreditava-se que as moléculas de MHC classe I
seriam apresentadoras, principalmente, de antígenos endógenos. No entanto,
notou-se que certos tipos celulares, principalmente APCs profissionais como as
células dendríticas, eram capazes de exibir antígenos extracelulares nas
13
moléculas de classe I por meio de um mecanismo de apresentação cruzada
(AMIGORENA & SAVINA, 2010). Tal mecanismo também ocorre com as
moléculas de classe II, que podem ligar-se a antígenos endógenos e exibí-los
na superfície das células apresentadoras (MARRACK et al., 1993; DENGJEL et
al., 2005) inclusive, após o processamento intracelular desses antígenos
(JARAQUEMADA et al., 1990; MÜNZ et al., 2000). Alguns antígenos ganham
acesso a degradação lisossômica nos compartimentos carreadores de MHC II
por meio do processo de autofagia (NIMMERJAHN et al., 2003; PALUDAN et
al., 2005; JAGANNATH et al., 2009).
A autofagia é uma via catabólica que leva a degradação proteolítica
dos compartimentos celulares por lisossomos (Figura 4). Este mecanismo
permite o contato de antígenos intracelulares com o MHC de classe II e sua
posterior apresentação por essas moléculas. Além disso, já se tem evidências
de que a autofagia pode auxiliar a apresentação de antígenos extracelulares
tanto pelo MHC I quanto pelo MHC II (Figura 7) (DENGJEL et al., 2005;
HAYASHI- NISHINO et al., 2009; MÜNZ, 2010).
Um tipo particular de autofagia, a macroautofagia, tem sido
implicado na apresentação de antígenos intracelulares via MHC classe II para
os linfócitos TCD4+. Durante esse processo componentes celulares, como
organelas danificadas, agregados protéicos ou mesmo antígenos, são
englobados por vesículas originárias do retículo endoplasmático, do complexo
de Golgi ou da membrana mitocondrial (Figuras 4 e 7) (ENGLISH et al., 2009;
HAYASHI-NISHINO et al., 2009).
14
FIGURA 7: Mecanismos de proteólise lisossomal. Microautofagia- invaginação da
superfície lisossomal que leva a produção de vesículas cujo conteúdo protéico sofre
degradação no interior do lisossoma. Macroautofagia- fusão de lisossomas com
vacúolos originários de organelas celulares (Golgi ou mitocôndria).
Fonte: adaptado de CUERVO & DICE, 1998.
LI et al., (2008) e UHL et al., (2009) verificaram que antígenos virais
e de tumores são apresentados de maneira mais eficiente quando a célula
processadora consegue realizar macroautofagia. Esses estudos sugerem que a
macroautofagia
auxilia
no
acondicionamento
do
antígeno
para
uma
apresentação cruzada eficiente.
Outra assistência do mecanismo de macroautofagia (Figuras 7 e 8)
refere-se ao transporte do antígeno endocitado para ser degradado nos
lisossomos, facilitando o carreamento do mesmo pelas moléculas de classe II
(MÜNZ, 2010).
15
FIGURA 8: A macroautofagia regula a apresentação cruzada e as vias de
apresentação de antígenos intra e extracelulares nas moléculas de classe II do MHC.
Fonte: MÜNZ, 2010.
Durante o processamento de partículas endocitadas ou que estejam
presentes no citosol, é formado o autofagossomo, uma vesícula que apresenta
uma membrana isoladora ao redor dessas partículas ou de constituintes do
citoplasma celular. O autofagossomo se funde com o MIIC gerando os corpos
multivesiculares (MVBs). Os autofagossomos podem fundir-se diretamente com
os MVBs ou após a fusão com endossomos (formando o anfissomo). As
partículas internalizadas pelo autofagossomo também podem escapar dos
MVBs por exocitose, sendo apresentadas pelas células dendríticas via MHC I
(MÜNZ, 2010).
16
2.6- Interferências virais no processamento e apresentação antigênicos
2.6.1- Inibição do transportador associado ao processamento de
antígenos (TAP)
Os herpesvírus conseguem escapar da eliminação dos linfócitos T
citotóxicos por meio de interferências específicas na função de apresentação
antigênica das moléculas do MHC I. Muitos vírus, especialmente os
herpesvírus, codificam moléculas que bloqueiam a função do TAP. Atualmente,
quatro genes codificados pelos herpesvírus já foram identificados como
inibidores desta proteína transportadora (VERWEIJ et al., 2011a).
Os herpesvírus de animais, pertencentes ao gênero Varicellovirus,
como o herpesvírus bovino tipo 1 (BoHV-1), o vírus da Doença de Aujeszky ou
pseudoraiva (PRV ou SuVH-1) e os herpesvírus de eqüinos tipos 1 e 4 (EHV 1
e 4), são capazes de inibir o TAP por meio de uma proteína chamada UL49.5,
codificada por esses patógenos. A UL49.5 do BoHV-1 bloqueia mudanças
conformacionais no complexo TAP, impedindo os rearranjos estruturais
necessários para o transporte do antígeno. Ademais, o TAP é direcionado para
degradação pelo proteassoma (KOPPERS-LALIC et al., 2005; VERWEIJ et al.,
2008).
As proteínas UL49.5 codificadas pelos herpesvírus bovino tipo 5
(BoHV-5), herpesvírus bubalino tipo 1 (BuHV-1), herpesvírus cervídeo tipo 1
(CvHV-1) e herpesvírus felídeo tipo 1 (FeHV-1), também já foram identificadas
como potentes inibidores do TAP (VERWEIJ et al., 2011b). Outros herpesvírus
de animais como os herpesvírus de galídeos tipos 1 e 2 (vírus da
laringotraqueíte infecciosa (ILTV) e vírus da Doença de Marek (MDV),
respectivamente), pertencentes aos gêneros Iltovírus e Mardivirus, também já
foram alvo de estudos com relação as prováveis proteínas inibidoras da
apresentação pelo MHC I. Apesar de VERWEIJ et al., (2011b) terem observado
que as proteínas UL49.5 desses vírus falharam na inibição do TAP, ainda não
está esclarecido se o ILTV possui outro tipo mecanismo e se o MDV codifica
alguma proteína que tenha ação inibidora.
17
Homólogos da proteína UL49.5 são codificados por muitos
herpesvírus (McGEOCH et al., 2006; DAVISON et al., 2009). Em muitos
herpesvírus já foi demonstrado que a UL49.5 está envolvida na maturação e
infectividade do agente, pois ela forma um heterodímero com a glicoproteína M
(gM), que é necessário para a glicosilação e maturação do complexo (KLUPP
et al., 2000; FUCHS & METTENLEITER, 2005; LIPINSKA et al., 2006). Logo,
para alguns herpes, a UL49.5 possui um duplo papel, funcionando como uma
chaperonina e como uma proteína de evasão da resposta imune (VERWEIJ et
al., 2011b).
Dentre alguns varicelovírus de humanos, essa atividade inibidora do
TAP não é tão eficiente. A proteína UL49.5 do herpesvírus humano tipo 3 ou
Varicela Zoster (VZV), não apresenta nenhuma atividade inibidora. Já a UL49.5
do herpesvírus canino tipo 1 (CaHV-1), apresenta pouca inibição do TAP.
Apesar desses vírus também pertencerem ao gênero Varicellovirus, eles
diferem dos outros herpesvírus supracitados quanto a atividade da UL49.5,
indicando que a capacidade de inibição do TAP por essa proteína é encontrada
apenas em alguns membros do gênero (VERWEIJ et al., 2011b).
O primeiro inibidor do TAP a ser relatado foi a proteína ICP47 do
herpes simplex tipo 1, verificando-se mais tarde que a ICP47 do herpes simplex
tipo 2 também apresentava a mesma função (AHN et al., 1996; TOMAZIM et
al., 1998) A ICP47 obstrui o sítio de ligação do peptídeo no TAP, impedindo o
transporte do mesmo para o interior do retículo (AHN et al., 1996; TOMAZIM, et
al., 1996; AISENBREY et al., 2006). O citomegalovírus humano (HCMV)
também possui atividade inibidora do TAP, pois codificada a proteína US6 que
previne a ligação do ATP ao TAP, retirando o suprimento de energia
necessário para o transporte do antígeno.
Outra proteína envolvida na inibição do TAP é a BNFL2a, codificada
pelo vírus Epstein Barr (EBV). Essa proteína é capaz de impedir tanto a ligação
do ATP quanto do antígeno ao complexo TAP (HISLOP et al., 2007; HORST et
al., 2009).
Em 2011(a), VERWEIJ e colaboradores desenvolveram um estudo
com vistas ao entendimento da inibição do TAP por proteínas codificadas pelos
herpesvírus não murinos expressas em diferentes linhagens de células de
camundongos. A atividade das proteínas UL49.5, BNFL2a, US3 (inibidora de
18
tapasina), US6 e ICP47 foi avaliada por meio de citometria de fluxo.
Primeiramente os autores notaram que os diversos alótipos de MHC de
camundongos foram afetados de forma diferente pelas proteínas inibidoras.
Todas as linhagens celulares de camundongos apresentaram níveis diminuídos
de expressão de MHC I, com exceção das que expressavam as proteínas
BNFL2a e ICP47. Em contraste, a linhagem de células de melanoma humano,
MJS, sofreu regulação negativa pelas proteínas inibidoras BNFL2a e ICP47,
diferente das células de camundongo (Figura 9A e B).
Em todas as linhagens celulares testadas, o efeito da expressão do
MHC I na superfície das células foi marcadamente mais reduzido na presença
da UL49.5 do que na presença da US6, indicando que a UL49.5 é um potente
inibidor viral da TAP nessas células de camundongos (Figura 9A e B).
19
FIGURA 9: Regulação do MHC I de camundongos pelas proteínas UL49.5, US3, US6,
BNFL2a e ICP47. (A) Expressão das moléculas de MHC I na superfície de células L, 3T3,
MC38 e MJS (gráfico 2) e células expressando UL49.5, BNLF2a, ICP47, US6 ou US3
(gráfico 3). As células foram coradas usando os anticorpos específicos para cada alelo
indicado. Gráfico1: coloração padrão na presença somente do anticorpo secundário. (B)
Níveis de MHC I nas células que expressaram as proteínas inibidoras; a expressão é
relativa aos níveis de MHC I das células controle (100%).
Fonte: VERWEIJ et al., 2011a.
20
A expressão das proteínas UL49.5, BNFL2a e US6 foi avaliada por
meio de Western Blot (Figura 10A- superior). Para as proteínas ICP47 e US3,
os níveis de RNA mensageiro foram determinados utilizando-se RT-PCR
(Figura 10A- inferior). Apesar de terem sido observadas algumas diferenças,
esses resultados confirmam a expressão das proteínas UL49.5, BNFL2a, US6,
ICP47 e US3 nas linhagens celulares de camundongos.
Neste estudo também foram avaliados os níveis de expressão das
subunidades protéicas TAP1 e TAP2 e a influência da tapasina na regulação
negativa do MHC I. Os níveis de TAP1, TAP2 e tapasina foram
consistentemente baixos nas células 3T3 quando comparados com as células L
e MC38 (Figura 10B). A diminuição do nível de tapasina nas células 3T3 pode
ter contribuído para a forte inibição do MHC I mediada pela US3.
Nos resultados obtidos pode-se confirmar a atividade de degradação
do TAP mediada pela UL49.5 previamente relatada por outros autores
(KOPPERS-LALIC et al., 2005; VAN HALL et al., 2007) Comparando-se os
níveis de TAP1 no estado estacionário do controle e a expressão da UL49.5
pelas células, confirma-se as observações anteriores de que a proteína UL49.5
do BoHV-1 é capaz de induzir a degradação do TAP de camundongos (Figura
10C). A redução observada nos níveis de TAP1 foi específica, já que o nível de
tapasina no estado estacionário não diminuiu na presença de UL49.5 (Figura
10C).
21
FIGURA 10: Expressão dos níveis de inibidores virais em células de camundongos. (A)
Expressão da UL49.5, BNLF2a e US6 em células L, 3T3 e MC38 foi avaliada por SDSPAGE e Western blot (WB) usando os anticorpos indicados. β-actina foi utilizada como
controle. Após a extração do RNA total das células L, 3T3 e MC38, a expressão de ICP47
e US3 foi verificada por meio de RT-PCR usando primers específicos. Legenda: −=
controle, + = células expresssando inibidores. (B) Os níveis de TAP1, TAP2 e tapasina no
estado estacionário expressos nas linhagens celulares de camundongos foram
determinados por SDS-PAGE e Western blot (WB). (C) A indução da degradação do
complex TAP pela UL49.5 foi estudada pela determinação dos níveis de TAP 1 e tapasina
no controle (−) e nas células que expressavam a UL49.5 (+) por SDS-PAGE e WB.
Fonte: VERWEIJ et al., 2011a.
Ainda em 2011, outro estudo foi desenvolvido buscando elucidar o
grau de conservação da atividade inibidora do TAP da proteína UL49.5, entre
quatro membros do gênero Varicellovirus que infectam ruminantes, a saber:
BoHV-1, BoHV-5, BuHV-1, CvHV-1 (VERWEIJ et al, 2011b). A sequência de
aminoácidos das proteínas UL49.5 codificadas pelo BoHV-5, BuHV-1 e CvHV-1
apresentam 79, 80 e 74% de identidade com a UL49.5 do BoHV-1,
respectivamente (VERWEIJ et al., 2011b).
Estes autores tiveram como objetivo a determinação do grau de
conservação existente entre as proteínas codificadas pelos herpesvírus de
22
ruminantes em sua capacidade de inibição do TAP. As UL49.5 codificadas por
esses vírus foram expressadas em células de rim de bovino (MDBK) e de
melanoma humano (MJS). A expressão das UL49.5 homólogas foi verificada
com o auxílio de anticorpos específicos contra a UL49.5 do BoHV-1. Estes
anticorpos foram capazes de detectar a proteína do BoHV-1, BoHV-5 e CvHV-1
em células MDBK e MJS (Figura 11). Já a UL49.5 do BuHV-1 não foi detectada
segundo os autores, devido a possíveis diferenças existentes na região Cterminal da proteína, que é o alvo do anticorpo que foi utilizado.
FIGURA 11: Expressão das proteínas UL49.5 dos herpesvírus de ruminantes. Lisados
derivados do controle e das células MDBK e MJS que expressaram a UL49.5 foram
corados com GFP; anticorpos específicos foram utilizados contra a UL49.5 e a análise foi
feito por SDS-PAGE e imunoblot (IB).A β-actina foi usada como controle.
Fonte: VERWEIJ et al. 2011b.
Análises da expressão das moléculas de MHC I na superfície celular
revelaram que as UL49.5 do BoHV-5, BuHV-1 e CvHV-1 causaram uma forte
regulação nas células MDBK e MJS (Figura 12, primeiro e segundo painéis). A
redução nessa expressão pode ser comparada a causada pela UL49.5 do
BoHV-1. Essa redução foi específica para moléculas MHC I, já que a
expressão das moléculas MHC II não foi afetada pelas UL49.5 homólogas
(Figura 12, terceiro painel).
23
FIGURA 12: Citometria de fluxo evidenciando a expressão de moléculas de MHC-I na
superfície de células MDBK e MJS, e de MHC-II em células MJS. Gráfico 2- células não
transfectadas. Gráfico 3- células expressando proteínas UL49.5 homólogas do BoHV-1,
BoHV-5, BuHV-1 e CvHV-1 utilizando os anticorpos indicados. Gráfico 1- coloração
padrão na presença somente de anticorpo secundário.
Fonte: VERWEIJ et al., 2011b.
A função do TAP foi avaliada nas células MDBK e MJS expressando
as UL49.5 homólogas dos herpes de ruminantes. O transporte dos peptídeos
foi reduzido de 70 a 90% tanto nas células de humanos quanto de bovinos,
indicando que isso ocorreu devido a inibição do TAP (Figura 13).
KOPPERS-LALIC et al., (2005) e KOPPERS-LALIC et al., (2008)
observaram que a UL49.5 do BoHV-1 induzia a degradação do TAP de
humanos e bovinos. VERWEIJ et al., (2011b) buscando analisar se as
proteínas
homólogas
codificadas
pelo
BoHV-5,
BuHV-1
e
CvHV-1
apresentavam a mesma capacidade, avaliaram os níveis de TAP1 e TAP2
expressos nas células MJS (Figura 14). Os níveis do TAP foram reduzidos
consideravelmente na presença dos homólogos da UL49.5 testados, sugerindo
24
que essas proteínas também induzem a degradação do complexo TAP, sendo
uma característica conservada entre os herpesvírus que infectam ruminantes.
FIGURA 13: A atividade de transporte do TAP foi analisada nas células MDBK e MJS
expressando as proteínas UL49.5 homólogas. O transporte de peptídeos foi avaliado
na presença de ATP (preto) ou EDTA (branco).
Fonte: VERWEIJ et al., 2011b.
FIGURA 14: Níveis de TAP1 e TAP2 expressos nas células MJS. Os níveis TAP1 e
TAP2 em células MJS no estado estacionário foram determinados utilizando
anticorpos específicos. A β-actina foi usada como um controle.
Fonte: VERWEIJ et al., 2011b.
2.6.2- Evasão da macroautofagia
O papel da macroautofagia durante a resposta imune é ainda mais
enfatizado pela sua importante ação reguladora nas infecções virais. Três
25
sistemas in vivo ligaram a macroautofagia ao controle imune de infecções
víricas. Estes estudos incluíram o herpesvírus simplex (HSV), o vírus Sindbis
(um arbovírus que tem como hospedeiros vertebrados os pássaros e o homem)
e o vírus da estomatite vesicular (VSV) (GANNAGE & MÜNZ, 2010).
LIANG et al., (1998) e OVERDAHL et al., (2007) verificaram que a
neurovirulência do HSV e do Sindbis foi atenuada devido ao elevado nível de
macroautofagia durante a infecção por esses vírus. SHELY et al., (2009),
verificaram que a infecção pelo VSV em Drosophila induziu a macroautofagia e
restringiu a infecção viral nesse modelo experimental.
Estes estudos não implicam o processamento do antígeno para
apresentação pelo MHC, via macroautofagia, na proteção contra a infecção
viral. No entanto, durante a infecção pelo HSV esse mecanismo nas células
dendríticas foi necessária para ativar de forma eficiente a resposta protetora
das células TCD4+ (LEE et al., 2010). Segundo GANNAGE & MÜNZ (2010)
estes resultados indicam que este tipo de autofagia pode restringir a infecção
viral in vivo.
Outra indicação que a macroautofagia pode limitar a replicação viral
de forma significativa é a capacidade que os vírus desenvolveram de escapar
dessa via. Nesse sentido, dois pontos desse mecanismo podem ser inibidos
pelos vírus: a formação do autofagossomo e a fusão deste com o lisossomo.
Vírus que tem genoma DNA parecem comprometer, primeiramente, a formação
do autofagossomo, enquanto os vírus RNA bloqueiam a degradação das
moléculas internalizadas pelos lisossomos (GANNAGE & MÜNZ, 2010).
Com respeito a inibição da formação do autofagossomo, os
alfaherpesvírus apresentam várias proteínas inibidoras da macroautofagia. O
HSV codifica a ICP34.5, uma proteína que é capaz de bloquear a formação do
autofagossomo (TALLOCZY et al., 2002; ALEXANDER et al., 2007) ao se ligar
ao domínio de interação do Atg6/Beclin-1 (gene relacionado a formação do
autofagossomo). ORVEDAHL et al., (2007) observaram que um HSV que
apresentava a ICP34.5 mutante e tinha o domínio de interação do Atg6/Beclin1, demonstrou aumento da neurovirulência após injeção intracerebral em
camundongos.
Os betaherpesvírus também apresentam atividade inibidora da
macroautofagia (CHAUMORCEL et al., 2008). Sabe-se que o HCMV pode
26
escapar dessa via, contudo os mecanismos moleculares dessa regulação ainda
não estão claros. O grupo dos gamaherpesvírus apresentam muitos membros
que comprometem a formação do autofagossomo, como o herpesvírus humano
tipo 8 (HHV-8: agente etiológico do sarcoma de Kaposi) e o herpesvírus murino
68 (MHV-68).
O HHV-8 e o MHV-8 codificam proteínas homólogas (Bcl-2 e M11,
respectivamente) capazes de interagir com o Atg6/Beclin-1, impedindo a
formação do autofagossomo (PATTINGRE et al., 2005; KU et al., 2008). Além
disso, o HHV-8 também age por meio da proteína inibidora v-FLIP, que
prejudica a formação do autofagossomo dependente de Atg8/LC3 (moléculas
responsáveis pela fusão e alongamento das membranas do autofagossomo,
sendo um marcador do autofagossomo) (LEE et al., 2009).
Para GANNAGE & MÜNZ (2010) esses dados sugerem que os
herpesvírus impedem a formação do autofagossomo a fim de inibir a restrição
da infecção e a apresentação dos antígenos virais.
27
3-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os mecanismos de processamento e apresentação de antígenos
são bastante complexos e o entendimento dos mesmos é de grande valia no
estudo de inúmeras enfermidades do homem e de animais, sejam elas de
causa infecciosa ou não.
Muitos vírus, em especial os herpesvírus, são capazes de escapar
da resposta imune dos seus hospedeiros fazendo uso de estratégias efetivas e
muito específicas. Geralmente, por essa ação viral ser potente e apresentar
elevado nível de especificidade, as proteínas codificadas por esses patógenos
são ferramentas valiosas no estudo da biologia celular da apresentação
antigênica, incluindo as vias alternativas de processamento.
Para o desenvolvimento destes estudos, pesquisas utilizando
camundongos são muito importantes, haja vista que o modelo murino já está
estabelecido na experimentação científica, sendo simples de se trabalhar
quando comparado com a maioria dos modelos in vivo. Nesse sentido, também
é indispensável que sejam verificadas as prováveis diferenças existentes nas
análises feitas in vivo e in vitro, quando possível.
Em certos agentes, como foi demonstrado para os herpesvírus, a
barreira entre as espécies foi ultrapassada nas respostas referentes aos
mecanismos de evasão. Esse é outro ponto crucial no entendimento da
biologia desses agentes, pois os resultados encontrados nos animais muitas
vezes podem ser extrapolados para a espécie humana.
Assim, fica evidente a aplicabilidade das proteínas envolvidas na
evasão da resposta imune codificadas pelos herpesvírus. Elas podem atuar
como poderosos imuno-moduladores, com aplicações potenciais no tratamento
como no diagnóstico das mais variadas infecções virais até doenças complexas
como o câncer e as doenças autoimunes.
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