UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ANDRÉA JANSSON HABITZREUTER A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. CURITBA 2014 ANDRÉA JANSSON HABITZREUTER A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Profª Dra. Thaís Goveia Pascoalato Venturi CURITIBA 2014 ANDRÉA JANSSON HABITZREUTER A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, _____ de ___________________ de 2014. _______________________________________________________ Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná Orientadora: Prof. Doutora Thaís Goveia Pascoalato Venturi Professor 2 (Titulação e nome completo) Instituição 2 Professor 3 (Titulação e nome completo) Instituição 3 Ao Samir e meu filho Bruno – obrigada por trazerem tanta alegria à minha vida. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família e meus amigos pelo incentivo e apoio constante. Agradeço à Professora Thaís Goveia Pascoalato Venturi, orientadora que foi tão importante na minha vida acadêmica e no desenvolvimento desta monografia. Meu agradecimento especial ao Samir e meu filho Bruno pela inspiração e pelo carinho. Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Paulo Freire RESUMO O presente trabalho dedica-se à análise da concretização do direito fundamental à saúde no Brasil e a atuação do Poder Judiciário, tendo em vista o crescente número de demandas, as quais visam o fornecimento de tratamentos e medicamentos não contemplados nas listas e protocolos clínicos do Sistema Único de Saúde. O fenômeno da judicialização do direito fundamental à saúde se intensificou nos últimos anos, ocasionando a expedição mensal de milhares mandados em todo o país, tornando-se uma preocupação para o Estado. Sob este enfoque, o objetivo é analisar se pode e deve o Poder Judiciário intervir para que o Poder Executivo cumpra o seu dever constitucional de garantir o direito à saúde, legalmente estabelecido pelas normas que regem o Sistema Único de Saúde, bem como para a concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: direito à saúde; medicamentos; judicialização; Estado. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................... Erro! Indicador não definido. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS ....................................................................... 11 2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ........................................................................ 11 2.2. DEFINIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................. 12 2.3. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .................................................................................................................... 16 2.3.1. Os direitos fundamentais da primeira geração ............................................. 17 2.3.2. Os direitos fundamentais da segunda geração ............................................ 18 2.3.3. Os direitos fundamentais da terceira geração1Erro! Indicador não definido. 2.3.4. Os direitos fundamentais da quarta geração ................................................ 21 2.3.5. Os direitos fundamentais da quinta geração ................................................ 23 2.4. A EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................................................................................................... 24 3. DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E A SAÚDE NA CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988 .................................................................................................. 28 3.1. DO DIREITO À VIDA .................................................................................... 28 3.2. DO DIREITO À SAÚDE ................................. 2Erro! Indicador não definido. 3.2.1. Considerações essenciais ............................. 2Erro! Indicador não definido. 3.2.2. Direto à Saúde na Constituição Federal de 1988 e na Legislação Infraconstitucional ..................................................................................................... 30 3.3. DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL . 35 3.3.1. Princípio da Prevenção ................................................................................. 35 3.3.2. Princípio da Universalidade da Cobertura e do Atendimento ....................... 36 3.3.3. Princípio da Reserva do Possível ................................................................. 37 3.3.4. Princípio da Igualdade .................................................................................. 39 3.3.5. Princípio da Integralidade ............................................................................. 40 3.4. O MODELO BRASILEIRO DE SAÚDE PÚBLICA SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA ............................................................................ 41 3.5. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL ......................................... 43 3.5.1. Considerações essenciais ............................................................................ 43 3.5.1.1. A Política Nacional de Medicamentos ...................................................... 44 4. A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL ..... 4Erro! Indicador não definido. 4.1. DA JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS4Erro! Indicador não definido. 4.2. MODELO BRASILEIRO DE SAÚDE PÚBLICA SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO E A NÃO APLICAÇÃO ILIMITADA DA CONSTITUIÇÃO PARA A CONCESSÃO JUDICIAL DE MEDICAMENTOS ...................................................... 53 4.3. A RACIONALIZAÇÃO DA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS DE SAÚDE DIANTE DO ALTO CUSTO E DA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE SUA EFICÁCIA ...................................................................... 55 4.4. A CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL E A NÃO COBERTURA TOTAL DO ESTADO PARA O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS ................ 56 4.5. O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ....................................... 60 4.6. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 175 .......... 65 5. CONCLUSÃO............................................................................................... 68 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 71 1. INTRODUÇÃO A vida e a saúde são os direitos mais elementares do ser humano, pressupostos de existência dos demais direitos, adequando-se na categoria de direito público subjetivo fundamental, razão pela qual merece especial proteção jurídica. Atualmente, há um notório crescimento de demandas judiciais que visam o fornecimento de medicamentos gratuitos pelo Estado, indispensáveis à saúde e à manutenção da qualidade de vida do cidadão. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, garante, entre outros bens igualmente significativos, a inviolabilidade do direito à vida. Ainda, o artigo 6º do mesmo diploma normativo, ao especificar os direitos sociais, inclui dentre estes o direito à saúde. Diante disso, a fim de dar-se efetividade aos direitos anteriormente referidos, a Carta Magna, em seu artigo 196, disponibiliza instrumento jurídico amplo, ao impor textualmente ao Estado (compreendido aqui em seu sentido lato, incorporando, portanto, todas as facetas como a executiva, legislativa e, em especial, a judiciária) o dever impostergável de propiciar a todos os cidadãos o acesso universal do direito á saúde, como consectário do direito á vida. Este trabalho visa verificar a legitimidade de atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito social à saúde, diante da sua crescente intervenção nas políticas públicas de saúde, em especial por meio do provimento conferido aos pedidos de fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde. Presta-se, ainda, a expor o entendimento adotado pela doutrina e pela jurisprudência quanto ao tema abordado, ou seja, realizando-se um contraponto entre o direito à vida e à saúde e a obrigação do Estado (em sentido lato) em realizar o amplo atendimento à saúde da população, independentemente de normas infraconstitucionais. Ademais, será abordada a questão da competência entre os entes federados para a prestação dos serviços de atendimento à saúde da população, de acordo com o entendimento adotado quanto à interpretação do artigo 196 da Constituição Federal. Os objetivos específicos compreendem a análise dos limites impostos pela 9 racionalização da dispensação de medicamentos ante o alto custo e ausência de comprovação da eficácia do fármaco, pela clausula da reserva do possível e no tocante a questão das decisões proferidas pelo Judiciário estarem por violar o princípio da separação de poderes. 10 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS 2.1 CONSIDERAÇOES GERAIS Os direitos fundamentais são o resultado de uma evolução histórica ocorrida por meio das lutas e rupturas sociais que buscavam a dignidade humana e a consolidação dos direitos fundamentais para resguardá-la dos abusos de poder praticados pelo Estado. Dentro do novo Estado Democrático de Direito, delineado pelo artigo 1° da Carta Magna, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos basilares da República Federativa do Brasil. A dignidade da pessoa humana remete a uma obrigação estatal de fornecer ao individuo as condições mínimas para a sua sobrevivência, sendo assim, vale dizer que todo cidadão possui direito a uma vida digna. A Constituição Federal de 1988 fez a previsão em seu Titulo II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos específicos (artigos 5° a 17), assegurando a plena inserção destes comandos em nosso ordenamento jurídico. Tais direitos foram divididos em: dos direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I), dos direitos sociais (Capítulo II), da nacionalidade (Capítulo III), dos direitos políticos (Capítulo IV) e dos partidos políticos (Capítulo V). Alexandre de Moraes em uma breve análise da Constituição quando da divisão dos direitos e garantias fundamentais, assinalou: Direitos individuais e coletivos – correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como, por exemplo: vida, dignidade, honra, liberdade. Basicamente, a Constituição de 1988 os prevê no art. 5º [...]; Direitos sociais – caracterizamse como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, que configura um dos fundamentos de nosso Estado Democrático, conforme preleciona o art. 1º, IV. A Constituição Federal consagra os direitos sociais a partir do art. 6º; Direitos de nacionalidade – nacionalidade é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos; Direitos políticos – conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular. São direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, 11 permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania. Tais normas constituem um desdobramento do princípio democrático inscrito no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal [...]. A Constituição regulamenta os direitos políticos no art. 14; Direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos – a Constituição Federal regulamentou os partidos políticos como instrumentos necessários e importantes para preservação do Estado Democrático de Direito, assegurando-lhes autonomia e plena liberdade de 1 atuação, para concretizar o sistema representativo. Flávia Piovesan alerta-nos que: Ao analisarmos a carta dos direitos fundamentais expostos pela Constituição, percebemos uma sintonia com a Declaração Universal de 1948, bem como com os principais pactos sobre os Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário. Intensifica-se a interação e conjugação do Direito internacional e do Direito interno, que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais, com uma principiologia e lógica, fundadas na 2 primazia dos direitos humanos. Conforme José Afonso da Silva: É a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e entre eles, uns que valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social, e 3 cultural a fim de efetivar a dignidade da pessoa humana. Deste modo, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 previu especificamente, de forma inovadora, os direitos fundamentais garantidos à população, ou seja, direitos que não podem ser abdicados e que devem ser garantidos obrigatoriamente pelo Estado. 2.2 DEFINIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS A Constituição Federal de 1988 expandiu os valores da dignidade da pessoa humana e elevou a vida, a integridade física e a saúde propriamente dita à condição de direitos fundamentais. São bens indisponíveis, imprescritíveis, e insuscetíveis de 1 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 22. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 46. 3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 93. 12 2 alienação. A inalienabilidade está relacionada à dignidade da pessoa humana, pois assim como o homem não pode ser livre para ter ou não dignidade, também não poderá transigir com os direitos fundamentais. Disso decorre que a preterição de um direito fundamental não será justificada pelo simples fato de o titular do direito nela consentir. A característica da irrenunciabilidade dos direitos fundamentais significa que, em regra, eles não podem ser renunciados pelo seu titular, em razão de possuírem uma eficácia objetiva de modo a não importarem apenas ao sujeito ativo, mas interessarem a toda coletividade. Entretanto, em nome da autonomia contratual, admite-se a renúncia excepcional, de certos direitos, como é o caso da intimidade e da privacidade. Nesse aspecto, lembra Gomes Canotilho que, embora se admitam limitações voluntárias de direitos específicos em certas condições, não é possível a renúncia a todos os direitos fundamentais. Além de estar sujeita a revogação a qualquer tempo, a renúncia deve guardar razoável relação com a finalidade pretendida com a mesma.4 Os direitos fundamentais são imprescritíveis na medida em que são sempre exercíveis e o seu não exercício não acarreta a perda da exigibilidade pelo decurso do tempo, mesmo porque, estão sempre em processo de agregação e não permitem a regressão ou eliminação dos direitos já devidamente conquistados. Apesar de se pronunciar muito o termo direitos fundamentais, podemos observar que ainda existe uma variedade de terminologias que vem sendo empregadas para designá-los. No entanto, a despeito das divergências doutrinárias, todas as definições apontam a um mesmo rumo: (...) os direitos fundamentais podem ser entendidos como a concreção histórica do princípio da dignidade humana - os direitos fundamentais do homem “pré-existem” a qualquer ordenamento jurídico, pois são direitos que 5 decorrem da própria natureza humana. Segundo José Afonso da Silva, direitos fundamentais são direitos positivados, 4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed., Coimbra: Almedina, 2001. p. 422-423 5 FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Sérgio Antônio Fabris (Editor). Porto Alegre: editora, 1996. p. 17. 13 cujo conteúdo varia conforme os valores, princípios e estruturas de determinada sociedade, os quais buscam concretizar a vida digna, livre e igual de todas as pessoas6. Para Ingo Sarlet, os direitos à vida, liberdade e igualdade correspondem diretamente às exigências mais elementares de dignidade da pessoa humana. Nesta esteira, aponta a dignidade da pessoa humana da seguinte forma: Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e 7 da vida em comunhão com os demais seres humanos. É justamente nesse aspecto que reside a obrigatoriedade do Estado em garantir um padrão de vida em que sejam respeitados os objetivos e fundamentos da República Brasileira, como a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Mas não é suficiente. A fim de disponibilizar às pessoas uma vida condizente com a dignidade que lhes é indispensável, obrigatoriamente o Estado deverá garantir o acesso do cidadão e de quem mais o valha, aos direitos sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança e previdência social. Segundo SARLET, três características consensualmente atribuídas a Constituição Federal de 1988 podem ser consideradas como extensivas ao título de direitos fundamentais: (i) seu título analítico no sentido de seu grande número de dispositivos legais, com a intenção de salvaguardar uma série de reivindicações e conquistas e evitar a supressão de direitos pelos poderes constituídos; (ii) o pluralismo acolhendo demandas nem sempre harmoniosas entre si, reconhecendo 6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 178. 7 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60. 14 vários direitos sociais, liberdades, direitos políticos, religiosos etc.; (iii) e seu forte cunho programático e dirigente, pois tem-se um substancial emaranhado de disposições constitucionais dependentes de regulamentação legislativa, estabelecendo programas, fins, imposições, diretrizes, a serem perseguidos, implementados e assegurados pelos Poderes Públicos. 8 Em outros termos, todos os Poderes e entes estatais estão vinculados aos direitos fundamentais. O constituinte teve a pretensão de instituir que os direitos fundamentais obrigam a todos os Poderes do Estado, ou seja, Legislativo, Executivo ou Judiciário nas esferas federal, estadual e municipal. Assinala Gilmar Ferreira Mendes que os direitos fundamentais são concebidos, originariamente, como direitos subjetivos públicos, isto é, como direitos do cidadão em face do Estado. Se se considerar que os direitos fundamentais são prima facie direitos contra o Estado, então parece correto concluir que todos os Poderes e exercentes de funções públicas estão diretamente vinculados aos preceitos consagrados pelos direitos e garantias fundamentais. 9 O Estado é, portanto, o instrumento principal na busca da efetividade dos direitos fundamentais. Nesse sentido, Clémerson Merlin Cléve, afirma: Todos os poderes do Estado, ou melhor, todos os órgãos constitucionais, têm por finalidade buscar a plena satisfação dos direitos fundamentais, Quando o Estado se desvia ele está, do ponto de vista político, se deslegitimando, e do ponto de vista jurídico, se desconstitucionalizando – é isso que nós precisamos ter em mente. (...) Assim, podemos dizer que a Constituição Federal define alguns aspectos e retira do debate político uma série de outros. Ela, que tem uma dimensão política, tem outra dimensão que é despolitizadora, quer dizer, isto que está definido politicamente a partir de agora é direito e, como questões nucleares, estão e haverão de estar fora do debate político, porque são princípios fundamentais, porque são objetivos fundamentais, por que são cláusulas pétreas ou por que são direitos fundamentais. O papel da política, nesta circunstância, é decidir “o como”, porque “o que” já está definido pela 10 Constituição. 8 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 77. 9 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 116. 10 CLÉVE, Clémerson Merlin. O Controle da Constitucionalidade e a Efetividade dos Direitos Fundamentais in Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 388/389. 15 Nota-se, portanto, que a efetividade desses direitos não depende apenas de sua previsão normativa, mas também, de ações concretas do Estado para implementação dessas ações. Robert Alexy afirma que os direitos fundamentais podem ser definidos como aquelas posições que, do ponto de vista do direito constitucional, são tão relevantes, que seu reconhecimento ou não-reconhecimento não pode ser deixado à livre disposição do legislador ordinário.11 Desde seu surgimento, passando pelo crescente processo de fortalecimento e reconhecimento, muitas foram as modificações ocorridas na seara dos direitos fundamentais. A doutrina clássica, encabeçada por Norberto Bobbio em sua clássica obra A Era dos Direitos, ao tratar da evolução dos direitos fundamentais ao longo da histórica refere-se a gerações de direitos fracionando essa evolução em direitos de primeira, segunda e terceira geração, a saber, direitos de liberdade, da igualdade e da fraternidade, mas há quem sustente uma quarta, e até mesmo uma quinta geração de direitos fundamentais.12 2.3 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Os direitos fundamentais surgiram em consonância com a demanda de cada época, motivo pelo quais os estudiosos costumam dividi-los em gerações ou dimensões, conforme sua ingerência nas constituições. Paulo Bonavides foi um dos principais constitucionalistas que leu os direitos fundamentais a partir de um perfil histórico, agrupando os mesmos em gerações de direitos.13 Ingo Sarlet não adota o termo “geração”, referindo-se à “dimensão”. Isso porque a idéia de “geração” está diretamente ligada à de sucessão, substituição, enquanto que os direitos fundamentais não são substituídos de uma geração por outra. A distinção entre gerações serve apenas para situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem 11 ALEXY, Robert. Theori der Grundrechte. 2. ed. Frankfurt, 1994. p. 407. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 45. 13 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011. 16 12 jurídica. De acordo com Ingo Sarlet, explicando a opção pelo termo dimensões: Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à idéia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera 14 do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos.” Portanto, independente de qual seja a terminologia adotada, o fato é que nota-se uma convergência de opiniões quanto à existência de três, quatro ou cinco, dependendo do posicionamento adotado, gerações/dimensões de direitos fundamentais. 2.3.1 Os direitos fundamentais da primeira geração São denominados direitos fundamentais de primeira geração os direitos e garantias individuais e políticos clássicos, que valorizam o individuo como pessoa frente ao Estado, cuja atuação se vê limitada pela esfera de autonomia dos particulares, portanto, direitos de cunho individual e referem-se às liberdades negativas clássicas, que enfatizam o princípio da liberdade. Correspondem, basicamente, aos direitos civis e políticos15, tais como o direito de voto, de participação política, de igualdade, do devido processo legal e do habeas corpus.16 Segundo Noberto Bobbio, “num primeiro momento, afirmaram-se os direitos 14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 55. 15 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 563. 16 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 56. 17 de liberdade”, os chamados direitos de primeira geração.17 Eles surgiram juntamente com a Revolução Francesa, entre os séculos 18 e 19, como formar de afastar o poder monárquico e assegurar a classe burguesa, então surgente, os direitos mínimos para o exercício da sua atividade. Desta forma, eles tinham como fundamento a “limitação do poder do Estado e a reserva para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado”.18 Em virtude disso, eles também são chamados de liberdades negativas, vez que “constituíam verdadeiro obstáculo à interferência estatal”19. Eles limitam a atuação do Poder Público, “buscando controlar e limitar os desmandos do governante, de modo que este respeite as liberdades individuais da pessoa humana”20. Paulo Bonavides ao fazer referência aos direitos de primeira dimensão afirma que os direitos fundamentais de primeira dimensão representam exatamente os direitos civis e políticos, que correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental, mas que continuam a integrar os catálogos das Constituições atuais (apesar de contar com alguma variação de conteúdo), o que demonstra a cumulatividade das dimensões.21 Enfim, os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. 2.3.2 Os direitos fundamentais da segunda geração Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, culturais e econômicos, que impõe um fazer ao Estado. Ao Estado se atribui um comportamento ativo na implementação de políticas públicas de prestação de serviço de cunho social, tais como saúde, educação, trabalho, assistência social, 17 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 32. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 32. 19 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 617-618. 20 OLIVEIRA, Samuel Antonio Merbach de. A Teoria Geracional dos Direitos do Homem. Disponível em: <http://www.theoria.com.br/edicao0310/a_teoria_geracional_dos_direitos_do_homem.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2014, p.18. 21 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993. 18 18 entre outros, com vistas à realização da justiça social. Também, entre os direitos sociais incluem-se as liberdades sociais, como o direito de greve e de livre associação, aqueles relacionados ao direito dos trabalhadores, como repouso semanal remunerado e férias. Ingo Wolfgang Sarlet ressalta que os direitos de segunda dimensão atribuem ao Estado um comportamento ativo na realização da justiça social.22 Traçando um paralelo entre os direitos de primeira e segunda geração, George Marmelstein afirma que os direitos de primeira geração tinham como finalidade, possibilitar a limitação do poder estatal e permitir a participação do povo nos negócios públicos. Já os direitos de segunda geração impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos melhores qualidade de vida e um nível de dignidade como pressuposto do próprio exercício da liberdade, proporcionando o desenvolvimento do ser humano, fornecendo-lhe as condições básicas para gozar, de forma efetiva, a tão necessária liberdade.23 Nessa nova geração, o Estado ganha novo papel, o de agir, de assegurar e garantir a igualdade entre as pessoas, e por isso esses direitos também são denominados de direitos de igualdade. Eles são “animados pelo propósito de reduzir material e concretamente as desigualdades sociais e econômicas até então existentes, que debilitavam a dignidade humana”24. Conforme anota Bonavides, os direitos fundamentais da segunda geração nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separa, pois equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.25 2.3.3 Os direitos fundamentais da terceira geração São compreendidos como direitos de terceira geração aqueles de titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, que diversamente das dimensões 22 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 56. 23 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Altas, 2008, p. 50. 24 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 623. 25 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 564. 19 até então existentes, não se destina especificamente à proteção dos interesses individuais, mas protege interesses de titularidade coletiva ou difusa, consagrando os princípios da solidariedade ou fraternidade. Destaca-se o direito ao desenvolvimento e a uma nova ordem econômica mundial, direito ao patrimônio comum da humanidade, direito à paz, a proteção ao meio ambiente e qualidade de vida, desenvolvimento da comunicação, direito de informática, impacto tecnológico e ao patrimônio comum da humanidade. Nesse sentido, Alexandre de Moraes cita: Por fim, modernamente, protegem-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam um direito a um meio ambiente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são, no dizer de José Marcelo Vigliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso (Ação civil pública. São 26 Paulo: Atlas, 1997. p. 42). Segundo Sarlet, compreende-se que os direitos fundamentais de terceira geração são usualmente denominados como de solidariedade e fraternidade, de modo especial em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação. Aduz, ainda que no que tange a sua positivação, é preciso reconhecer que a maior parte destes direitos fundamentais de terceira geração não encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional, estando, no entanto, consagrado no âmbito do direito internacional, do que dá conta um grande número de tratados e outros documentos transnacionais.27 Segundo Bonavides, os direitos de terceira geração são dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade que tem por destinatário o gênero humano, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.28 No século XX, após grandes conflitos mundiais, novas reivindicações sociais 26 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 26. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 58. 28 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 569. 20 27 passaram a fazer parte do cenário internacional e das sociedades contemporâneas. As condições para a ampliação do conteúdo dos direitos do homem se apresentavam através de novas contradições e confrontos que exigiam respostas visando à garantia e proteção da vida e das liberdades29. Desta forma, a paz é considerada um direito difuso e coletivo, essencial para assegurar a vida em coletividade. Contudo, esse entendimento não é unânime, sendo que Paulo Bonavides sugere que o direito à paz é um direito fundamental de quinta geração, em virtude da se este possuir características que o destacam dos demais direitos aqui apontados, como a seguir será apresentado. Para essa corrente doutrinária, o direito à paz é mais do que um direito coletivo, mas sim um direito plural, concebido para ser reivindicado por todos os povos, e não somente por um. “O sujeito do direito (a totalidade dos seres humanos vivos), assim, contrapõe o seu direito ao conjunto dos Estados e a cada um deles, em particular”.30 2.3.4 Os direitos fundamentais da quarta geração Na atualidade existem doutrinadores que defendem a existência dos direitos de quarta geração ou dimensão, que ainda aguarda sua consagração na esfera do direito internacional e das ordens constitucionais internas, apesar de ainda não haver consenso na doutrina sobre qual o conteúdo dessa espécie de direito. A quarta geração dos direitos do homem se refere à manipulação genética, à biotecnologia e à bioengenharia, abordando reflexões acerca da vida e da morte, pressupondo sempre um debate ético prévio. Através dessa geração se determinam os alicerces jurídicos dos avanços tecnológicos e seus limites constitucionais.31 A Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, da UNESCO, é o marco histórico da quarta geração de direitos fundamentais que 29 OLIVEIRA, Samuel Antonio Merbach de. A Teoria Geracional dos Direitos do Homem. Disponível em: <http://www.theoria.com.br/edicao0310/a_teoria_geracional_dos_direitos_do_homem.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2014, p. 19. 30 SYMONIDES, Janusz. Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003, p. 82-83. 31 OLIVEIRA, Samuel Antonio Merbach de. A Teoria Geracional dos Direitos do Homem. Disponível em: <http://www.theoria.com.br/edicao0310/a_teoria_geracional_dos_direitos_do_homem.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2014, p. 21. 21 reconhece logo no artigo 1° que o genoma humano é patrimônio da humanidade; no artigo 2°, que ninguém pode ser discriminado em virtude de suas características genéticas; e, no artigo 4°, que o genoma não pode ser objeto de negociação financeira.32 Dito isso, busca-se a preservação da individualidade humana e da diversidade do genoma, proibindo o seu uso com fins não humanísticos, meramente privatistas. Estabelecendo, assim “limites éticos em relação à intervenção acerca do patrimônio genético do ser humano”33. Paulo Bonavides defende a existência dos direitos de quarta geração, com aspecto introduzido pela globalização política, relacionados à democracia, à informação e ao pluralismo, conforme abaixo transcrito: A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores. (...) Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que interessa aos povos da periferia. Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional. (...) A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (...) os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a 34 pirâmide cujo ápice é o direito à democracia. Além de Paulo Bonavides, outros constitucionalistas vêm promovendo o reconhecimento dos direitos de quarta geração ou dimensão, conforme podemos perceber nas palavras do mestre Marcelo Novelino, quando ressalta que: (...) tais direitos foram introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política, compreende o direito à democracia, informação e pluralismo. Os direitos fundamentais de quarta dimensão compendiam o futuro da 32 UNESCO. Declaração Universal sobre o Genoma Humano e Direitos Humanos. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001229/122990por.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2014, p. 07. 33 OLIVEIRA, Samuel Antonio Merbach de. A Teoria Geracional dos Direitos do Homem. Disponível em: <http://www.theoria.com.br/edicao0310/a_teoria_geracional_dos_direitos_do_homem.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2014, p. 22. 34 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 571-572. 22 cidadania e correspondem à derradeira fase da institucionalização do Estado social sendo imprescindíveis para a realização e legitimidade da 35 globalização política. Conclui-se que os direitos fundamentais de quarta geração guardam identidade com a evolução da tecnologia, sendo que o direito busca e deve acompanhar tal evolução, a fim de resguardar os direitos que se encontram envolvidos. 2.3.5 Os direitos fundamentais da quinta geração Existem autores que defendem a existência de uma quinta geração ou dimensão de direitos fundamentais. Paulo Bonavides dedica um capítulo sobre a quinta geração de direitos fundamentais em sua obra Curso de Direito Constitucional, afirmando que a Paz seria um direito de quinta geração. Segundo Bonavides: (...) a paz é o corolário de todas as justificações em que a razão humana, sob o pálio da lei e da justiça, fundamenta o ato de reger a sociedade, de modo a punir o terrorista, julgar o criminoso de guerra, encarcerar o torturador, manter invioláveis s bases do pacto social, estabelecer e conservar, por intangíveis, as regras, princípios e cláusulas pétreas da comunhão política. O direito à paz é o direito natural dos povos. Valores, portanto, providos de inviolável força legitimadora, única capaz de construir a sociedade da justiça, que é fim e regra para o estabelecimento da ordem, 36 da liberdade e do bem comum na convivência dos povos. Ainda, conforme afirmação de Paulo Bonavides, o direito à paz surgiu primeiramente na Declaração das Nações Unidas, sendo que posteriormente, foi mencionado na Declaração da Conferência de Teerã sobre os Direitos Humanos37, de 13 de maio de 1968, que reconheceu que a “paz constitui uma aspiração universal da humanidade, e que para a realização plena dos direitos humanos e as 35 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008, p. 229. 36 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 590. 37 UNESCO. Declaração da Conferência de Teerã sobre os Direitos Humanos. Disponível em: <http://dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/teera.htm>. Acesso em: 01 ago. 2014. 23 liberdades fundamentais são indispensáveis à paz e à justiça”38. Ou seja, a ausência de paz é prejudicial ao cumprimento dos direitos humanos. Entretanto, foi a Resolução 33/73, aprovada na 84ª Sessão Plenária da Assembleia da ONU, de 14 de dezembro de 1978, que consagrou expressamente a paz como direito fundamental, ao tratar sobre a preparação das sociedades para viver em paz. Neste há o reconhecimento de que “la paz entre las naciones es el valor supremo de la humanidad, que aprecian em el más alto grado todos los principales movimientos políticos, sociales y religiosos”39. Faz-se necessário destacar que a divisão descrita das gerações ou dimensões dos direitos fundamentais trata-se de um método meramente acadêmico, uma vez que os direitos dos seres humanos não devem ser divididos em gerações ou dimensões estanques, retratando apenas a valorização de determinados direitos em momentos históricos distintos. 2.4 A EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Todo dispositivo da Constituição Federal, especialmente aqueles referentes aos direitos fundamentais, são possuidores de determinado grau de eficácia e aplicabilidade, devido a normatização imposta pelo Poder Constituinte. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, § 1°, outorgou a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, porém existem controvérsias acerca da operacionalização e eficácia do serviço a ser prestado. O significado e o alcance do artigo 5°, § 1°, CF/88 para as diversas categorias de direitos fundamentais gera controvérsia na literatura jurídicoconstitucional no que tange à sua eficácia e aplicabilidade.40 As normas definidoras de direitos fundamentais, além de aplicáveis a todos os 38 BONAVIDES, Paulo. A Quinta Geração de Direitos Fundamentais. Disponível em: <http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/3_Doutrina_5.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2014, p. 83. 39 ONU. Resolução n. 33/73. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/367/12/IMG/NR036712.pdf?OpenElement>. Acesso em: 01 ago. 2014, p. 57. 40 Artigo 5°, § 1º, da Constituição Federal: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 24 direitos fundamentais, apresentam caráter de normas-princípios, pois delas podem ser extraídos os efeitos jurídicos necessários para a efetivação do direito à saúde, pois do contrário, os direitos fundamentais se limitariam a ficar na esfera da disponibilidade dos órgãos estatais. Adotando o critério da proporcionalidade e da harmonização dos valores estabelecidos por Alexy em sua Teoria dos Direitos Fundamentai, o papel da eficácia e aplicabilidade do direito à saúde é essencial, vez que é a variante elementar do princípio fundamental da pessoa e do respeito à dignidade humana, que é o princípio que norteia e permeia a totalidade de nossa Lei Fundamental e sem o qual a própria acabaria por renunciar à sua própria humanidade, perdendo até mesmo a sua razão de ser.41 Ingo Wolfgang Sarlet destaca a problemática de se compreender os direitos fundamentais, inclusive os sociais, como normas de plena eficácia, a dispensar a intermediação do legislador. O referido autor sustenta que até mesmo os defensores mais ardorosos de uma interpretação restritiva da norma reconhecem que o Constituinte pretendeu, com sua expressa previsão no texto, evitar o esvaziamento dos direitos fundamentais, impedindo que os permaneçam letra morta no texto da Constituição42. Diante disto, como ressalta Sarlet: A melhor exegese da norma contida no art. 5°, parágrafo 1°, de nossa Constituição é a que parte da premissa de que se trata de norma de cunho inequivocamente principiológico, considerando-a, portanto, uma espécie de mandado de otimização (ou maximização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais (...) [sendo certo, por isto, que] seu alcance (isto é, o quantum em aplicabilidade e eficácia) dependerá do exame da hipótese em 43 concreto, isto é, da norma de direito fundamental em pauta. Com isto surge uma presunção em favor da aplicabilidade imediata e eficácia plena das normas de direitos fundamentais, pois, a recusa de sua aplicação em virtude da falta de ato concretizador deve ter caráter excepcional e ser 41 ALEXY. Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 157. 42 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 274. 43 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.245-246. 25 convincentemente justificada à luz do caso concreto. Portanto, ainda segundo Ingo Wolfgang Sarlet: No caso dos direitos fundamentais, à luz do significado outorgado ao art. 5°, parágrafo 1°, de nossa Lei Fundamental, pode-se afirmar que aos poderes públicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficácia possível, outorgandolhes, neste sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a presunção da aplicabilidade imediata e plena eficácia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui, em verdade, um dos esteios de sua 44 fundamentalidade formal no âmbito da Constituição. Deste modo, pode-se afirmar que, em certo sentido, os direitos e princípios fundamentais regem e governam a própria ordem constitucional.45 Celso Bastos sustenta que os direitos fundamentais são, em princípio, diretamente aplicáveis, regra que, no entanto, comporta duas exceções: a) quando a Constituição expressamente remete a concretização do direito fundamental ao legislador, estabelecendo, por exemplo, que este apenas será exercido na forma prevista em lei; b) quando a norma de direito fundamental não contiver os elementos mínimos indispensáveis que lhe possam assegurar a aplicabilidade, no sentido de que não possui a normatividade suficiente à geração de seus efeitos principais sem que seja necessária a assunção, pelo Judiciário, da posição reservada ao legislador.46 José Afonso da Silva afirma que a eficácia e aplicabilidade das normas que contêm os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto do Direito Positivado, e por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, mas são tão juridicas como as outras e exercem relevante função, porque, quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da 44 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 246. 45 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 247. 46 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 11. Aufl. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 393. 26 democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais.47 De qualquer modo, o que se observa é uma crescente no sentido de que os direitos fundamentais são de eficácia plena e aplicabilidade imediata, havendo cada vez mais doutrinadores adotando tal posicionamento, bem como julgados neste mesmo sentido. 47 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 182. 27 3. DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E A SAÚDE NA CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988 3.1 DO DIREITO À VIDA A atual Constituição Federal permitiu importantes conquistas sociais e políticas, consagrando a prevalência de determinados direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida e à saúde. O art. 5º, caput, assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes em nosso País a inviolabilidade do direito à vida, sendo esta uma garantia basilar, originadora dos demais direitos, já que o exercício de qualquer outro pressupõe sua existência. O direito à vida é o primeiro e mais fundamental direito tutelado pelo ordenamento jurídico. Mais do que essencial, é um direito "essencialíssimo"48, porque dele dependem todos os outros direitos, razão pela qual a sua proteção se dá em todos os planos do ordenamento: no direito civil, penal, constitucional, internacional, etc. Luiz Edson Fachin, lembra que o direito à vida é "condição essencial de possibilidade dos outros direitos. Desenvolve-se aí a concepção da supremacia da vida humana e que, para ser entendida como vida, necessariamente deve ser digna".49 Para Alexandre de Moraes, “o direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médico-odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais”.50 Conforme orienta José Afonso da Silva, “a vida disposta no texto constitucional não corresponde apenas ao seu sentido biológico, inclui também o aspecto da unidade, da identidade e da continuidade do processo vital que vai do 48 A expressão é de Santos Cifuentes (Cf. CIFUENTES, Santos. Derechos personalísimos. Editorial Astrea, 2ª ed..Buenos Aires: 1995, p.232). 49 FACHIN, Luiz Edson. A Tutela Efetiva dos Direitos Humanos Fundamentais e a Reforma do Judiciário. Disponível em: <http://www.affigueiredo.com.br/artigos/direhumfundarefojud.pdf>. Acesso: 21 ago. 2014, p. 14. 50 MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 35. 28 momento do nascimento até a morte.” 51 Nesse aspecto, é certo que o direito fundamental à vida permanece atrelado ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao acesso à saúde, pois a existência digna depende das prestações necessárias à preservação, manutenção e ao restabelecimento da saúde. Em virtude da expressiva relevância pública das ações e serviços de saúde, o próprio texto constitucional tratou de atribuir ao Poder Público o poder de dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle. Ainda, foi estabelecido que tais ações e serviços públicos integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, organizado conforme as diretrizes nele previstas, que serão estudadas mais adiante. 3.2 DO DIREITO À SAÚDE 3.2.1 Considerações Essenciais A saúde, juntamente com a previdência e a assistência social, compõe o Sistema da Seguridade Social no Brasil, vigente na atualidade por conta de expressa disposição na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. 52 A etimologia da palavra saúde advém do adjetivo latino salute, cujo significado é salvação, conservação da vida.53 Na atualidade, convive-se com uma diversidade considerável de concepções de saúde, entre as quais algumas bastante conhecidas que funcionam como referências mundiais e nacionais, é a da Organização Mundial da Saúde – OMS, que propôs a realização das Conferências Mundiais de Saúde com integração de todos os países que define e conceitua o substantivo saúde como “um estado completo de bem-estar físico e mental do ser humano, e não apenas a ausência de 51 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 197. 52 Artigo 194 da Constituição Federal: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 53 DICIONÁRIO, Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 1822. 29 enfermidade”.54 No entanto, há de se registrar que a conceituação de saúde formulada pela OMS não satisfaz, tendo em vista que o conceito não é operacional devido à expressão “bem-estar” ser de cunho altamente subjetivo, sendo de difícil quantificação. A implementação desse direito social depende muitas vezes de políticas e verbas públicas suficientes para o completo bem-estar físico, social e mental.55 Diferentemente do que permeia a sabedoria comum, a saúde compreende aspectos mais amplos que a simples condição de estar saudável, pois a concepção de saúde que permeia as relações humanas não pode ser compreendida de maneira abstrata ou isolada. A concepção abrangente de saúde assumida no texto constitucional aponta, segundo MEC, para: (...) uma mudança progressiva dos serviços, passando de um modelo assistencial, centrado na doença e baseado no atendimento a quem procura, para um modelo de atenção integral à saúde, no qual haja incorporação progressiva de ações de promoção e de proteção, ao lado 56 daquelas propriamente ditas de recuperação. A busca pelo bem-estar físico, mental e social é objetivo final a ser alcançado pelo direito à saúde, mas depende de outros fatores determinantes e condicionantes para a sua efetivação, tais como os direitos à proteção do meio-ambiente, saneamento, educação, bem-estar social, assistência social, e ao acesso aos serviços médicos de saúde. 3.2.2 Direto à Saúde na Constituição Federal de 1988 e na Legislação Infraconstitucional 54 EUA. Constituição da Organização Mundial da Saúde. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organização-Mundial-da-Saúde/constituicao-daorganizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 16 ago. 2014, p. 1. 55 BAHIA, Cláudio José Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. Segunda Seção. A justiciabilidade do direito fundamental à saúde: concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo: volume 892, n. 99, Fev./2010, p. 58. 56 MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais – Saúde. Disponíve em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/saude.pdf>. Acesso: 21/08/2014, p. 67. 30 Sobre a Constituição Federal de 1988, Bahia e Abujamra explicitam que: (...) afinada com a evolução constitucional contemporânea e o direito internacional, incorporou o direito à saúde como bem jurídico digno de tutela jurisdicional, consagrando-o como direito fundamental, e, outorgando-lhe uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídico57 constitucional pátria. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet: O direito à saúde pode ser considerado como constituindo simultaneamente direito de defesa, no sentido de impedir ingerências indevidas por parte do Estado e terceiros na saúde do titular, bem como - e esta a dimensão mais problemática – impondo ao Estado a realização de políticas públicas que busquem a efetivação deste direito para a população, tornando, para além disso, o particular credor de prestações materiais que dizem com a saúde, tais como atendimento médico e hospitalar, fornecimento de medicamentos, realização de exames da mais variada natureza, enfim, toda e qualquer 58 prestação indispensável para a realização concreta deste direito à saúde. O direito à saúde, corolário do próprio direito à vida, está sobejamente assegurado na Constituição Federal, podendo ser compreendido a partir do seu preâmbulo, bem como de dois dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, quais sejam, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, previstos nos incisos II e III do artigo 1º da Carta Magna. 59 O Título II da CF/88 elenca os chamados Direitos e Garantias Fundamentais, onde presente se encontra o direito à saúde encarado sob dois ângulos, quais sejam, (i) como direito individual, em decorrência do direito à vida e (ii) como direito social, em decorrência de um dever do Estado em agir positivamente no sentido de implementar políticas que tenham por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social e o respeito à dignidade da pessoa humana. 57 BAHIA, Cláudio José Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. Segunda Seção. A justiciabilidade do direito fundamental à saúde: concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 892, n. 99, fev/2010, p.60. 58 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas Considerações em Torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade do Direito à Saúde na Constituição de 1988. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br/pdf_10/DIALOGO-JURIDICO-10-JANEIRO-2002-INGOWOLFGANG SARLET.pdf >. Acesso em: 20 ago. de 2014. 59 Artigo 1º da Constituição Federal: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana. 31 No âmbito fundamentalista formal do direito à saúde, a Constituição Federal de 1988 outorgou às normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais aplicação imediata (artigo 5°, §1°), conferindo-lhes especialmente uma normatividade reforçada que não mais se encontra na dependência de uma concretização pelo legislador infraconstitucional, para que possam vir a gerar plenitude de seus efeitos, pois atualmente não mais se fala em direitos fundamentais na medida da lei, mas sim, em leis na medida dos direitos fundamentais.60 A Constituição Federal de 1988, de caráter eminentemente social, reconhece em seu artigo 6º, caput, a saúde como um direito social fundamental, que exige do Estado prestações positivas no sentido de efetivá-la, sob pena de ineficácia de seu exercício, pois precisa ser implementada por meio de políticas públicas sociais e econômicas.61 Já o artigo 7º da CF/88 traz a garantia à saúde do trabalhador em seu meio ambiente do trabalho. Os artigos 23, 24 e 30 definem as competências dos entes Federados quanto à matéria saúde. O primeiro define como “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” o cuidado com a saúde das pessoas portadoras de deficiência. O artigo 24 da CF/88 define a competência concorrente legislativa da União, dos Estados e do Distrito Federal sobre proteção e defesa da saúde. O artigo 30 determina a competência aos Municípios para prestar os serviços de atendimento à saúde da população. Mais adiante, no Título VIII, reservado à Ordem Social, em seu Capítulo II, Seção II, tratou a Constituição do Direito à Saúde e conferiu à saúde especial destaque e proteção na medida em que expressamente estabelece, em seu artigo 196 que a saúde é direto de todos e dever do Estado, que a deve prestar, portanto, a todos os cidadãos, indistintamente, obedecendo-se o princípio do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.62 Ademais, o artigo 197 da Constituição Federal de 1988 qualifica as ações e 60 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 2000, p. 311. Artigo 6º, caput, da Constituição Federal: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 62 Artigo 196 da Constituição Federal: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 32 61 serviços de saúde como de relevância pública, e estes devem ser prestados diretamente ou através de terceiros, caso em que o Poder Público exercerá regulamentação, fiscalização e controle.63 Para Fernando Zandoná, o Título VIII, da Constituição Federal de 1988 – “Da Ordem Social”, Capítulo II – “Da Seguridade Social”, Seção II – “Da Saúde”, auferiu os seguintes contornos ao direito à saúde: a) foi reconhecido como direito de todos; b) ao Estado foi imposto o dever de garanti-lo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos; e, c) foi determinado que o acesso à saúde deve ser universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.64 Mais adiante, o artigo 198, II determina expressamente seja priorizada a prevenção de doenças, através de ações e serviços prestados diretamente pelo Poder Público ou por entes privados, integrados em uma rede regionalizada e hierarquizada, conhecida como Sistema Único de Saúde (SUS), que deverá velar pelo “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”65. O artigo 227 da CF/88, por sua vez, determina como dever da “família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem” o direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, dentre outras garantias. Nesse contexto fundamental de defesa da vida, da dignidade, da saúde das pessoas, visando o atendimento integral nessa área, a Constituição Federal impõe que as ações e serviços públicos de saúde constituam um sistema único, onde adquirem prioridade os serviços assistenciais. Por seu turno a Lei Orgânica da Saúde, 8.080/90, que regulamenta as ações 63 Artigo 197 da Constituição Federal: São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. 64 ZANDONÁ, Fernando. Política Nacional ou Judicial de Medicamentos. Disponível em: <http://www.revistadoutrina. trf4.jus.br/indices/Materias/Direito_Constitucional.htm, 2008>. Acesso em: 15 ago. 2014. 65 Artigo 198 da Constituição Federal: As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. 33 e serviços de saúde estabeleceu que a atuação do Estado, no que tange à saúde se efetivaria através do Sistema Único de Saúde – SUS. Em seu artigo 3°, refere-se a vários direitos afins com o direito à saúde e à qualidade de vida, mencionando que a saúde possui características correlacionadas com a educação, a moradia, o trabalho, o saneamento básico, a renda, o meio ambiente, o lazer e o acesso aos serviços essenciais.66 A essas ponderações impõe somar-se a diretriz do SUS consistente na integralidade da assistência terapêutica, inclusive farmacêutica, prevista no art. 6º, I, alínea d, da Lei 8080/90, sendo que o seu art. 7º, inciso II, define a integralidade da assistência como sendo um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema.67 Assim, para fins de aplicação do artigo 196 da Constituição Federal de 1988, pode-se conceituar s saúde como um processo sistêmico destinado a promover o bem-estar-físico, psíquico e social, assim como a melhorar a qualidade de vida de cada pessoa dentro da realidade social em que se encontra inserida.68 No mesmo sentido disciplina a Lei Estadual nº 14.254, de 04 de dezembro de 2003, ao assegurar direitos aos usuários do SUS no Estado do Paraná, bem como a recente edição da Carta dos Direitos de Usuários da Saúde, editada pelo Ministério da Saúde ao buscar proporcionar a melhoria da qualidade do atendimento à saúde dos usuários, baseando-se em seis princípios: i) direito ao acesso ordenado e organizado aos sistemas de saúde; ii) direito ao tratamento adequado e efetivo para seu problema; iii) direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer 66 Artigo 3° da Lei Orgânica da Saúde 8.080/90: Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. 67 Artigo 6° da Lei Orgânica da Saúde 8.080/90: Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde - SUS: I - a execução de ações: (...) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Artigo 7°: As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde - SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. 68 BAHIA, Cláudio José Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. Segunda Seção. A justiciabilidade do direito fundamental à saúde: concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 892, n. 99, fev/2010, p. 59. 34 discriminação; iv) direito a atendimento que respeite à sua pessoa, seus valores e seus direitos; v) responsabilidades do cidadão para que seu tratamento aconteça de forma adequada; e vi) direito ao comprometimento dos gestores da saúde para que os princípios anteriores sejam cumpridos.69 Portanto, a Constituição da República bem como os diplomas legais mencionados tutelam firmemente o direito de todos à saúde e impõe ao Estado brasileiro o dever de garanti-lo. 3.3 DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL Além do princípio da dignidade humana, outros postulados constitucionais são relevantes. A saúde integra a seguridade social e, por conta disso, aplicam-se todos os princípios constitucionais insculpidos no artigo 194 da Carta Magna.70 Nessa dimensão, principalmente com a introdução no ordenamento jurídico de um Sistema Único de Saúde, depreende-se a fundamental importância dos princípios regentes do direito à saúde nesse sistema, quais sejam, da prevenção, da universalidade, da reserva do possível, da integralidade e da igualdade. 3.3.1 Princípio da Prevenção O Poder Público deve atuar não só na seara curativa, mas também apoiando e desenvolvendo iniciativas visando à informação e conscientização da população sobre a importância da prevenção de doenças, estimulando o cidadão a assumir o seu papel no controle das principais doenças que atinge a sociedade. A prevenção assume um papel notório, eis que naturalmente impedir que o 69 Art. 167 da Constituição do Estado do Paraná: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à prevenção, redução e eliminação de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para a sua promoção, proteção e recuperação. Art. 169: As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema estadual de saúde, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – municipalização dos recursos, serviços e ações, com posterior regionalização dos mesmos, de forma a apoiar os Municípios; II – integralidade na prestação das ações, preventivas e curativas, adequadas às realidades epidemiológicas; III – integração da comunidade, através da constituição do Conselho Estadual de Saúde, com caráter deliberativo, garantida a participação dos usuários, prestadores de serviços e gestores, na forma da lei.” 70 Artigo 194 da Constituição Federal: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 35 mal aconteça deve ser o principal objetivo de uma política pública, seja pelo viés de impedir o próprio fato danoso ou, ainda, de impedir as consequências do mesmo.71 O papel da prevenção, além de ser benéfica para a população, é de suma importância para o Poder Público, haja vista que, se eficaz, pode influenciar diretamente na redução de gastos públicos. É como diz o conhecido ditame popular: “melhor prevenir do que remediar”. 3.3.2 Princípio da Universalidade da Cobertura e do Atendimento O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, I, CF), é um dos que sustentam muitas pretensões judiciais na área de saúde. De acordo com Ana Cláudia de Redecker, o princípio da universalidade é assim interpretado: O Estado deve garantir igual proteção – saúde, previdência e assistência – indistintamente a todas as pessoas residentes no País, sejam empregados ou não (universalidade subjetiva), em todas as situações de risco social (universalidade objetiva ou de atendimento), devendo ser não só reparadora 72 das necessidades, mas também preventiva do seu surgimento. Os serviços de saúde devem atender o máximo de situações a fim de cobrir o maior número de beneficiários. Conforme dispõe o artigo 5º, caput da Constituição de Federal de 1988, a prestação do serviço público de saúde deve estar disponível a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, independentemente da condição econômica, compartilham os mesmos serviços públicos de saúde. O acesso universal igualitário reclama uma prestação pública de saúde em que se observem as particularidades dos grupos, conforme afirma Roger Raupp Rios: [...] numa sociedade plural e diversa, cumprir a obrigação de propiciar acesso universal igualitário significa, na medida do possível, considerar a diversidade cultural, social, econômica e geográfica presente nos indivíduos e grupos destinatários das políticas públicas de saúde, tornando o sistema de fornecimento 71 MEDEIROS, Leandro Peixoto. O princípio da prevenção sob o enfoque ambiental e da Saúde: Um Imperativo Sócio-Democrático. Disponível em: < http://www.idbfdul.com/uploaded/files/2013_10_11123_11145.pdf> Acesso em: 22 set. de 2014. 72 REDECKER, Ana Cláudia. Artigo 194. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituiçao Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 2112. 36 de bens e serviços pertinentes à saúde capaz de atendê-los. Nessa linha de pensamento, pode-se falar num direito difuso a um sistema de saúde que conjugue medidas genéricas e medidas específicas (que considerem a especificidade de cada grupo) de prevenção e promoção da saúde, como aponta, 73 por exemplo, a ideia de redução de danos entre usuários de drogas. O que se observa na cruel realidade brasileira, é que os usuários de menor poder aquisitivo do Sistema Único de Saúde, justamente os que mais necessitam, enfrentam inúmeras dificuldades de acesso ao Sistema, bem como ao Poder Judiciário, o que dificulta a fruição integral dos serviços prestados através do SUS. De acordo com o texto constitucional, o acesso universal significa que todos, independentemente da condição financeira podem usufruir dos mesmos serviços públicos de saúde. Porém, depreende-se da jurisprudência brasileira, que a hipossuficiência vem sendo utilizada como requisito para a concessão da tutela jurisdicional de fornecimento de medicamentos/tratamentos pelo Estado. 3.3.3 Princípio da Reserva do Possível “A expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas”74. O princípio da reserva do possível decorre do princípio da eficiência positivado no caput do artigo 37 da Lei Maior, e que significa que a Administração Pública deve ser organizada de modo a alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público, sendo que os recursos públicos devem ser aplicados prioritariamente no atendimento das necessidades essenciais da população, em consonância com a realidade econômica do país. A respeito da “reserva do possível” em conjugação com os direitos fundamentais Gustavo Amaral ensina que: A Administração Pública é, por definição, a gestão de meios escassos para 73 RIOS, Roger, Raupp. Direito à saúde, universalidade, integralidade e políticas públicas: princípios e requisitos em demandas judiciais por medicamentos. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/indices/Materias/Direito_Constitucional.htm>. Acesso em: 20 ago. 2014. 74 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 236. 37 atender a necessidades ilimitadas. Há nela, intrinsecamente, uma constante escolha. Ora, suponha-se que em uma dada ocasião o Poder Público se veja diante de um dilema: dispõe de um volume de recursos suficientes ou para tratar milhares de doentes vítimas de doenças comuns à pobreza ou para tratar pequeno número de doentes terminais de doenças raras ou de cura improvável. Nessa situação, não seria possível deslocar a apreciação para o Judiciário, pois a legitimidade da pretensão das duas categorias de doentes é igualmente legítima, mas são faticamente excludentes. Ora, posições ditas 'progressistas', de exigibilidade direta das prestações positivas, independentemente da mediação legal e orçamentária, levam a um impasse em situações como esta. A resposta comum é, na verdade, 75 uma evasiva: trata-se de problema do executivo. Conforme preconiza o Enunciado nº 29 das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, referindo-se ao fornecimento gratuito de medicamentos, o direito à vida, à dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial, prevalecem sobre a teoria da reserva do possível.76 Para Fernando Facury Scaff, a reserva do possível é um conceito econômico que expressa a escassez de recursos, que impõe sejam eleitas prioridades a partir da disponibilidade financeira, sejam nas escolhas feitas pelo Estado, sejam nas escolhas feitas pelo indivíduo em sua vida privada.77 Tiago Lima Breus a entende como condição de realidade para a Administração não custear a promoção de direitos sociais, que só é aplicável quando comprovado que os recursos existentes estão sendo aplicados de forma adequada.78 Na teoria de Ricardo Lobo Torres, a reserva do possível não se aplica ao mínimo existencial, ou seja, aos direitos fundamentais sociais, contudo é totalmente compatível com os direitos sociais, cuja implementação depende de reserva de lei e efetiva realização pela Administração Pública, por isso o entendimento de que houve um desvirtuamento do conceito pela doutrina brasileira, que passou a considerar a reserva do possível para a efetivação dos direitos fundamentais e do mínimo 75 AMARAL, Gustavo. Interpretação dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: TORRES, Ricardo Lobo. (org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 114. 76 PARANÁ, Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.tjpr.jus.br/enunciados. Acesso em: 21 ago 2014. 77 NUNES, António José Avelãs; SCAFF, Fernando Facury. Os tribunais e o direito à saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 97. 78 BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: Problemática da concretização dos Direitos Fundamentais pela Administração Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 272. 38 existencial.79 Para além disso, Sarlet defende que a denominada reserva do possível possui uma dimensão tríplice que compreende a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais, bem como a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda intima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo, e, já na perspectiva do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.80 Dessa feita, indaga-se acerca da efetividade do fornecimento de medicamentos pelo Estado frente à reserva do possível, vez que o fornecimento de medicamentos à população deve observar determinados critérios, dentre os quais o custo que ela representa para os cofres públicos. Quando levada em juízo, há os que defendem a negativa do Poder Judiciário no fornecimento de medicamentos que não estão contemplados nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêutica do Ministério da Saúde. Argumenta-se que não existem recursos suficientes para atendimento de todas as necessidades dos indivíduos e que, assim, devem ser atendidas as necessidades escolhidas pelo legislador e pelo administrador enquanto prioritárias, diante da disponibilidade financeira do Estado. A cláusula da reserva do possível será melhor analisada adiante. 3.3.4 Princípio da Igualdade A igualdade enquanto princípio demonstra a existência de desigualdades entre indivíduos dentro de uma mesma comunidade. 79 AMARAL, Gustavo. Interpretação dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: TORRES, Ricardo Lobo. (org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 106. 80 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 287. 39 Para Ricardo Augusto Dias da Silva: É imperioso destacar sobre o princípio da igualdade na área de saúde, que a distribuição de serviços e bens de saúde efetivos deve estar disponível segundo as necessidades de cada individuo, mas acima de tudo representa a garantia de acessibilidade a todos, sem distinção, que do SUS 81 necessitem. Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que a igualdade é um princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo subordinado à rubrica constitucional “Direitos e Garantias Individuais”, contra perseguições) e, de outro, tolher favoritismos.82 Atenção à saúde com igualdade, tratando os iguais de forma igualitária e os desiguais de forma desigual, com vistas a alcançar a igualdade substancial, se mostra necessária, a fim de proporcionar a justiça aos mais necessitados, para se atinjam os objetivos fundamentais da República estabelecidos na Lei Fundamental. 3.3.5 Princípio da Integralidade O princípio da integralidade significa precisamente assegurar ao usuário um tratamento completo e individualizado, segundo suas necessidades e exigências, a ser custeado pelo Poder Público. O serviço de saúde deve incluir ações de prevenção, recuperação e tratamento em qualquer nível de complexidade, levandose em consideração que o ser humano é uma totalidade, um todo indivisível. Segundo Roger Raupp Rios: De acordo com o princípio da integralidade deve ocorrer uma racionalização do sistema de serviço de saúde que deve ocorrer de modo hierarquizado, buscando articular ações de baixa, média e alta complexidade, bem como 83 humanizar os serviços e as ações do sistema único de saúde. 81 DIAS DA SILVA, Ricardo Augusto. Direito fundamental à saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 120. 82 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 17. 83 RIOS, Roger, Raupp. Direito à saúde, universalidade, integralidade e políticas públicas: princípios e requisitos em demandas judiciais por medicamentos, 2009. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus. br/indices/Materias/Direito_Constitucional.htm>. Acesso em: 20 ago. 2014. 40 A Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 199020 regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou Privado. A referida norma dispõe acerca das condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Dentre as atribuições do sistema previstas no artigo 6º da Lei nº 8.080/90, está a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção. 3.4 O MODELO BRASILEIRO DE SAÚDE PÚBLICA SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA Primeiramente, para a compreensão adequada do tema, importa formular uma breve síntese a propósito do funcionamento do Sistema Único da Saúde – SUS, criado por imposição de normas constitucionais. O direito à saúde, expresso no artigo 196 da Constituição Federal de 1988, por ser fundamental à dignidade e à vida da pessoa humana, não pode ser interpretado como mera norma programática, que se limita a traçar princípios, objetivos e programas visando à realização dos fins sociais do Estado, posto que frusta e limita o caráter pluralista, dirigente e principiológico da carta Política, cujo objetivo direciona-se para concretização de uma justiça social que legitime o Estado Democrático de Direito. Segundo Regina Maria Macedo: Ao falar em normas programáticas, não é possível questionar a sua imperatividade, mas apenas a sua efetividade. [...] não se pode negar que cabe à entidade estatal fazer valer direitos de cunho social, tais como os definidos na Constituição Federal brasileira de 1988, no art. 6º, nos 84 seguintes termos: [...]. O Direito à saúde será efetivado, de acordo com o artigo 198 da Lei Maior, 84 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade, operatividade e efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 172. 41 através de ações e serviços prestados diretamente pelo Poder Público ou por entes privados, integrados em uma rede regionalizada e hierarquizada, conhecida como Sistema Único de Saúde (SUS), que deverá velar pelo “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”85. Diante da relevância pública da saúde, outorgou-se aos entes federados, através dos artigos 196 e 197 da Constituição Federal de 1988, a assistência pública à saúde. A edição da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, complementada pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, regulamentou o Sistema Único de Saúde SUS. Com efeito, o art. 7° da Lei n 8.080/90 - Lei Orgânica da Saúde – LOS - traça os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, dentre os quais: (i) a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; (i) a integralidade da assistência; (iii) a igualdade da assistência à saúde. Conforme dispõe o art. 198, § 1°, da Constituição Federal, o financiamento do Sistema Único de Saúde será realizado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Em complemento, a Emenda Constitucional n° 20/98 determinou que a lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. O SUS estabeleceu a Política Nacional de Medicamentos, como parte essencial da Política Nacional de Saúde, através da Portaria MS/GM n° 3.916, de 30 de outubro de 1998, garantindo as necessárias segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais, bem como estabelecendo as atribuições de cada esfera governamental quanto ao fornecimento de fármacos. Dessa forma, o fornecimento de medicamentos pelo Poder Público à população passou a observar a Política Nacional de Medicamentos, a qual será 85 Artigo 198 da Constituição Federal: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. 42 analisada mais adiante. O SUS tem caráter público, deve compreender uma rede de serviços regionalizada, hierarquizada e descentralizada, com direção única em cada esfera de governo (municipal, estadual e federal) e sob controle dos usuários por meio da participação popular nas Conferências e Conselhos de Saúde. A despeito de que a legislação estabeleça um modelo de atenção integral à saúde, o que inclui a prática de ações de promoção, proteção e recuperação, as políticas públicas e privadas para o setor favorecem, em muitos casos, a disseminação da idéia que a saúde se concretiza exclusiva ou prioritariamente mediante o acesso a serviços, em especial ao tratamento médico. 3.5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL 3.5.1 Considerações Essenciais Eduardo Appio, citando Jean Carlos Dias, define políticas públicas: São programas de intervenção estatal a partir de sistematizações de ações do Estado voltadas para a consecução de determinados fins setoriais ou gerais, baseadas na articulação entre a sociedade, o próprio Estado e o 86 mercado. Tais políticas são “instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos” 87. No Brasil, as políticas públicas de saúde são traçadas democraticamente, por intermédio da Comissão Intergestores Tripartite (integrada pela União, pelos Estados e pelos Municípios) e com a participação da comunidade, integram uma rede regionalizada e hierarquizada, organizada de forma descentralizada, com direção única em cada esfera de governo. Para instituir as políticas públicas e possibilitar a realização concreta do direito à saúde, o Estado precisou se organizar na distribuição de competências e eleição 86 APPIO. Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 133. 87 APPIO. Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 136. 43 de prioridades, em virtude da imensa gama de indivíduos a serem atendidos (toda a população). Portanto, para a correta compreensão das políticas de saúde regidas pelo SUS, segundo nosso modelo constitucional, é imperativo o conhecimento de normas infraconstitucionais consubstanciadas em Portarias, tanto do Ministério da Saúde, quanto das Secretarias Estaduais ou Municipais de Saúde, cujos fundamentos de validade repousam na Lei 8.080/90. 3.5.1.1 A Política Nacional de Medicamentos O Ministério da Saúde é o órgão do Poder Executivo Federal responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltados para a promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros. É função do Ministério da Saúde dispor de condições para a proteção e recuperação da saúde da população, reduzindo as enfermidades, controlando as doenças endêmicas e parasitárias e melhorando a vigilância à saúde, dando, assim, mais qualidade de vida ao brasileiro.88 A Política Nacional de Medicamentos, aprovada pela Portaria GM/MS nº 3.916, de 30 de outubro de 1998, determina que toda a ação a ela relacionada esteja em perfeito ajuste com as suas diretrizes, prioridades e responsabilidades e tem como propósito precípuo “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais.” 89 A Portaria nº 3.916, confere a este órgão o poder-dever de estabelecer e concretizar ações que visem à atualização contínua da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), priorizando aqueles medicamento de assistência ambulatorial e, ainda, que garantam a prevenção e o combate das 88 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/gestor/default.cfm. Acesso em 21 ago. 2014. 89 BRASIL, Portaria GM/MS nº 3.916, de 30 de outubro de 1998. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html> Acesso em 21 ago. 2014. 44 moléstias mais comuns.90 Esta Política encontra-se estruturada, sobretudo, em cautelas, contemplando diretrizes e definindo prioridades relacionadas “à legislação – incluindo a regulamentação – inspeção, controle e garantia da qualidade, seleção, aquisição e distribuição, uso racional de medicamentos, desenvolvimento de recursos humanos e desenvolvimento científico e tecnológico.” 91 A Política Nacional de Medicamentos definiu como diretrizes a consecução das seguintes questões: (i) Adoção de Relação de Medicamentos Essenciais (RENAME) – trata-se de uma relação de “produtos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população”, que devem estar permanentemente disponíveis; (ii) Regulamentação Sanitária de Medicamentos – diz respeito ao registro de medicamentos, autorização para o funcionamento de empresas e restrições e eliminações de produtos inadequados ao uso; (iii) Reorientação da Assistência Farmacêutica – tem por finalidade facilitar o acesso da população aos medicamentos essenciais, de forma descentralizada, racionalizada e eficaz; (iv) Promoção do Uso Racional de Medicamentos – tem por objetivo orientar a população quanto ao uso de medicamentos e adotar a produção, comercialização, prescrição e uso dos medicamentos genéricos; (v) Desenvolvimento Científico e Tecnológico – tal diretriz tem por meta o incentivo da revisão das tecnologias e formulação farmacêutica e da dinamização de pesquisas na área; (vi) Promoção da Produção de Medicamentos – os laboratórios oficiais deverão atender à demanda dos medicamentos essenciais, dando-se ênfase aos genéricos; (vii) Garantia da Segurança, Eficácia e Qualidade dos Medicamentos – as atividades relacionadas a tais diretrizes deverão ser feitas através de inspeção e fiscalização, mediante ações do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; (viii) Desenvolvimento e Capacitação de Recursos Humanos – deve-se buscar recursos humanos, seja qualitativa, seja quantitativamente, o que é de responsabilidade das 90 BRASIL, Portaria GM/MS nº 3.916, de 30 de outubro de 1998. Disponível <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html> Acesso em 21 2014. 91 BRASIL, Portaria GM/MS nº 3.916, de 30 de outubro de 1998. Disponível <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html> Acesso em 21 2014 em: ago. em: ago. 45 três esferas gestoras do SUS. 92 A epigrafada política decorre da necessidade de se promover o uso racional de medicamentos mediante critérios de diagnóstico de cada doença, com o tratamento preconizado com medicamentos disponíveis e doses corretas, com mecanismos de controle, acompanhamento e a verificação de resultados. Desta política surge a construção dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas - PCDT, sob a inspiração do movimento internacional da medicina baseada em evidencias, e pelo qual passou a disseminar o conhecimento e a assunção de responsabilidades outrora não explicitadas com envolvimento da comunidade científica e demais agentes, para atendimento da saúde como direito universal e de acesso igualitário, consoante preconizado na Constituição Federal. Sobressai disto, a imposição de se fixar critérios embasados em estudos científicos e sociais, os quais irão nortear as ações e políticas públicas. Daí, o dever da administração pública pautar-se na Constituição, nas leis e demais normas do Mistério da Saúde para a promoção da política de acesso aos medicamentos, assegurando a adequada quantidade, qualidade e eficácia, garantindo o direito social de acesso à saúde. O fornecimento de medicamentos pelo SUS obedece a esta padronização de procedimentos instituída pela Política Nacional de Medicamentos que se impõe como um meio de viabilizar um tratamento eficaz e seguro ao paciente, além de implementar o uso racional dos medicamentos/tratamentos e conseqüente respeito à gestão da coisa pública e do erário. Assim sendo, os gestores do SUS buscaram construir consensos terapêuticos a respeito do tratamento de doenças específicas, indicação e o uso de medicamentos, bem como a avaliação e acompanhamento dos hábitos de prescrição, dispensa e resultados terapêuticos. Todo o arcabouço trazido pela Política Nacional de Medicamentos instituiu os critérios científicos objetivos de atuação estatal na assistência farmacêutica. Com base nesses critérios, portanto, é que o Estado pauta a sua atuação, que deve ser baseada em critérios definidos de 92 BRASIL, Portaria GM/MS nº 3.916, de 30 de outubro de 1998. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html> Acesso em 21 ago. 2014 46 maneira científica e objetiva para que o sistema seja viável. Deve-se ter claro que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem competência solidária para o fornecimento de medicamentos à população, conforme previsão constitucional. O artigo 196 da Constituição Federal é claro ao dispor que: [...] a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Da interpretação da aludida norma constitucional é possível afirmar que a acepção do termo “Estado” refere-se a todos os entes que compõe a federação, qual seja União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Sobre a questão, revela-se esclarecedora a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA: [...] A norma do art.196 é perfeita, porque estabelece explicitamente uma relação jurídica constitucional em que, de um lado, se acham o direito que ela confere, pela cláusula a saúde é direito de todos, assim como os sujeitos desse direito, expressos pelo signo todos, que é signo de universalização, mas com destinação exclusiva aos brasileiros e estrangeiros residentes – aliás, a norma reforça esse sentido a prever o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde –, e, de outro lado, a obrigação correspondente, na cláusula a saúde é dever do Estado, compreendendo aqui a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade 93 da Administração indireta. Consoante estabelece o artigo 23, inciso II da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e da assistência pública, razão pela qual os entes integrantes da federação atuam em cooperação administrativa recíproca, visando alcançar os objetivos descritos pela Constituição. Por conseguinte, em razão de ser solidária a responsabilidade entre os entes que compõe a federação, nenhum deles poderá invocar qualquer óbice com objetivo de abster-se do cumprimento deste preceito constitucional. 93 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p.768. 47 No mesmo contexto, o Enunciado nº 16 do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, orienta a responsabilidade solidária entre União, Estados e Municípios para garantir o acesso à saúde para todos, no sentido de que: As medidas judiciais visando a obtenção de medicamentos e afins podem ser propostas em face de qualquer ente federado diante da responsabilidade solidária entre a União, Estados e Municípios na prestação 94 de serviços de saúde à população. Nesse sentido já decidiu a d. Corte do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: AGRAVO (ART. 557, § 1º CPC) - DECISÃO DO RELATOR QUE NEGOU SEGUIMENTO À APELAÇÃO CÍVEL - ARGUMENTOS DO RECORRENTE QUE NÃO SÃO APTOS A MODIFICAR A DECISÃO MONOCRÁTICA DEVER DO ESTADO EM FORNECER EXAMES E MEDICAMENTOS À PESSOA SEM RECURSOS FINANCEIROS PARA ARCAR COM O TRATAMENTO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES FEDERADOS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE À POPULAÇÃO, PODENDO QUALQUER UM DELES SER DEMANDADO (ENUNCIADO N°. 16 DESTA CORTE DE JUSTIÇA) - ESCOLHA DA VIA MONOCRÁTICA PARA PRONUNCIAMENTO JUDICIAL QUE ENCONTRA BASE LEGAL E SE MOSTRA CORRETA PARA ANÁLISE CASO EM TELA. DECISÃO DENEGATÓRIA DE SEGUIMENTO MANTIDA AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C.Cível - A 1128387-3/01 - Cantagalo - Rel.: Guido Döbeli - Unânime - - J. 28.01.2014) (destacou-se) Pelo exposto, conclui-se que, apesar da competência administrativa estabelecida pelas normas infraconstitucionais, para o atendimento à saúde pelo Estado, tanto a doutrina quanto a jurisprudência firmaram-se no sentido de que os entes federados respondem solidariamente pela obrigação, devendo cada um tomar todas as medidas cabíveis para proteção da vida e da saúde da população. 94 PARANÁ, Tribunal de Justiça. Enunciado nº. 16 das Câmaras de Direito Público. Disponível em: http://www.tjpr.jus.br/enunciados. Acesso em: 21 ago 2014. 48 4. A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL 4.1 DA JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS O inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Portanto, sempre que houver violação do direito, o Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, será chamado a intervir e aplicar o direito ao caso concreto.95 Não se olvida que a Constituição prevê expressamente o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional ou Princípio da Proteção Judiciária (art. 5º, XXXV, CF), que constitui “a principal garantia dos direitos subjetivos”96. Assim, havendo violação a um direito social, seja de forma direta, seja em decorrência de omissão legislativa, o Judiciário tem o “poder-dever de aplicar o Direito, extraindo das normas constitucionais, até a exaustão, toda a sua potencialidade”97. Na lição de Eros Roberto Grau: O Poder Judiciário é o aplicador último do direito. Isso significa que, se a Administração Pública ou um particular – ou mesmo o Legislativo - de quem se reclama a correta aplicação do direito, nega-se a fazê-lo, o Poder 98 Judiciário poderá ser acionado para o fim de aplicá-lo. A falta ou deficiência dos serviços de saúde prestados pelo Estado, seja a assistência farmacêutica e/ou fornecimento de insumos terapêuticos, ameaça o direito à vida e, em muitos casos, é capaz de produzir lesão irreparável. Sendo assim, é legítima, dentro deste contexto, a intervenção jurisdicional que visa a afastar lesão ou ameaça a esse direito. Inúmeras são as ações ajuizadas com o fim de coagir o Estado a prestar tratamentos de saúde. Sobre a questão, Alexandre de Moraes esclarece que o reconhecimento do caráter cogente do artigo 196 da Constituição Federal de 1988 afasta as alegações 95 MORAES. Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 82. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 131. 97 BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais: Eficácia e Acionabilidade à Luz da Constituição de 1988. Curitiba: Juruá, 2007, p. 260. 98 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 335. 49 96 de interferência na esfera de atuação do Poder Executivo, pois a atuação do Poder Judiciário não seria para a construção de políticas públicas, função exclusiva da Administração e do Legislativo, mas para a concretização do direito à saúde diante de sua lesão ou ameaça de lesão. O individuo tem direito subjetivo a ver tutelado de forma positiva o seu direito de personalidade de saúde, o que ocorrerá, sob a perspectiva do Direito Público, por meio de aplicação do seu direito fundamental de mesma natureza. Para tanto, o magistrado, analisando as peculiaridades do caso concreto, não poderá perder de vista as limitações financeiras do Estado, a regulamentação estabelecida ou não pela ANVISA e pelo SUS, a natureza da doença que acomete o individuo, as possíveis soluções que a medicina disponibiliza e a eficácia dessas medidas.99 É importante ressaltar que, conforme entendimento do STF, o Poder Judiciário não criará as normas para a efetivação do direito à saúde e muito menos traçará políticas públicas. O que de fato ocorre é que a grande maioria das normas infraconstitucionais já existe para tornar o direito concreto, faltando na verdade sua implementação pelo Poder Executivo. Diante disso, o Poder Judiciário vai apenas concretizar um direito existente, o que é totalmente diferente de criá-lo, como advogam alguns. Não há qualquer interferência indevida na esfera de atuação dos demais Poderes e nem mesmo “judicialização” do direito à saúde, mas somente concretização. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acata a tese de que a omissão Estatal não pode vir a prejudicar o direito fundamental e indisponível à saúde, portanto, havendo ofensa a esse direito, cabe ao Judiciário determinar que se cumpram as medidas necessárias à efetivação do mesmo. Neste sentido, já decidiu o STF: DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA PÚBLICA AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas 99 URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Notas sobre a efetivação do direito fundamental à saúde. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 47, n. 188, out./dez. 2010, p.188. 50 que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes.3. Agravo regimental improvido. (559646 PR ,Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 07/06/2011, STF, Segunda Turma) (destacou-se) ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLITICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômicofinanceira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005. Agravo regimental improvido). (destacou-se) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Reserva do possível. Invocação. Impossibilidade. Precedentes. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que o Ministério Público detém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte do Poder Executivo de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal, como é o caso do acesso à saúde. 2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 3. A Administração não pode invocar a cláusula da “reserva do possível” a fim de justificar a frustração de direitos previstos na Constituição da República, voltados à garantia da dignidade da pessoa humana, sob o fundamento de insuficiência orçamentária. 4. Agravo regimental não provido. (STF. AI 674764/AgR/PI; Rel. Min. Dias Toffoli; Primeira Turma; Julgamento 04/10/2011). (destacou-se) 51 Trecho do voto do Min. Humberto Martins no AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.136.549 - RS (2009/0076691-2): Em decisão recente, e que pode ser considerada como um marco para uma nova interpretação do princípio da separação dos Poderes, entendeu a Corte Suprema nos autos da ADPF-45 que: "É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte em especial – a atribuição de formular e implementar políticas públicas, pois nesse domínio, o encargo reside, primeiramente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência no entanto, embora em bases excepcionas, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e integridade de direitos individuai e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático." (STF. ADPF – 45 MC/DF. Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 29.4.2004, DJ 4.5.2004.) (...) Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, tais como a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil, que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. Entendo que a omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário, afinal de contas este não é mero departamento do Poder Executivo, mas sim um Poder que detém parcela da soberania nacional. (destacou-se) O Estado tem o dever de assegurar efetivamente o direito à saúde a todos os cidadãos, como corolário da própria garantia do direito à vida. A Constituição Federal, em seus dispostos, garante o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, assegurando, portanto, a sua proteção nas órbitas genérica e individual. A divisão de tarefas entre os entes governamentais e a organização do Sistema Único de Saúde não podem obstaculizar o direito do indivíduo à percepção de medicamentos e/ou tratamentos indispensáveis. A “judicialização” da saúde se caracteriza como uma alternativa eficaz para conter as omissões do Estado. O simples fato de um medicamento e/ou tratamento ser caro ou não estar incluído nas listas e protocolos do SUS não é justificativa para a sua não concessão. É louvável a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO A PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE E CARENTE DE RECURSOS ECONÔMICOS. VIA ELEITA ADEQUADA. PRESCRIÇÃO FORMALIZADA POR MÉDICO ESPECIALISTA. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IRRELEVÂNCIA DE O 52 FÁRMACO NÃO SE ENCONTRAR INSERIDO NOS PROTOCOLOS CLÍNICOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. DESCUMPRIMENTO DE DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA OU À SAÚDE (CF, ARTS. 6.º E 196) QUE PERMITE A CHAMADA "JUDICIABILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS". ORDEM CONCEDIDA. (1) "Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento" (STJ, 2.ª Turma, RMS n.º 11.129/PR, Rel. Min.Francisco Peçanha Martins, j. em 02.10.2001).(2) A medicina é ciência que não trabalha com soluções únicas ou absolutas. Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, como fundamento para indeferir o fornecimento de medicamentos, são genéricos e podem não representar a melhor alternativa, sendo digno de maior confiança o diagnóstico e a prescrição realizados pelo médico que atende o paciente, de modo que "Comprovado por atestado médico que o impetrante deve fazer uso do medicamento solicitado, certo é que tem ele direito líquido e certo a que este lhe seja fornecido pelo Estado" (TJPR, 5.ª CCv., MandSeg. n.º 662.652-2, Rel. Juiz Eduardo Sarrão, j. em 27.07.2010). (TJPR - 5ª C.Cível em Composição Integral - MS - 1190808-6 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Adalberto Jorge Xisto Pereira - Unânime - - J. 26.08.2014) (destacou-se) Não se trata, portanto, de uma sobreposição do Judiciário em relação ao Executivo, mas apenas de tornar verdadeiramente eficaz os fundamentos e princípios da própria Constituição da República. Acrescente-se que, se restringindo a prestação da saúde, se restringe também os direitos à saúde e à vida, violando-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 4.2 MODELO BRASILEIRO DE SAÚDE PÚBLICA SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO E A NÃO APLICAÇÃO ILIMITADA DA CONSTITUIÇÃO PARA A CONCESSÃO JUDICIAL DE MEDICAMENTOS O artigo 196 da Constituição da República, suporte comum às liminares, tutelas antecipadas e provimentos jurisdicionais finais concedidos para determinar ao Poder Público o fornecimento incondicional de toda e qualquer medicação/tratamento a quem comparecer em juízo, não tem o alcance e a dimensão que lhe vem sendo atribuído, segundo entendimento do Estado (lato sensu), pois a persistir tal entendimento, exceder-se-á em muito os limites da obrigação estatal, estabelecidos pelo constituinte, que não pretendeu criar um sistema inviável. Ainda, é comum a alegação estatal de que não há país no mundo que pratique política pública de saúde de forma irrestrita, principalmente quanto ao 53 fornecimento gratuito de medicação. Para o Estado (lato sensu), toda medicação lançada no mercado traz embutida no seu preço os pesados custos laboratoriais investidos em pesquisa e desenvolvimento, os quais permanecem aí agregados até o vencimento das patentes, independentemente da comprovação de resultados. Aduz ainda, que a interpretação do artigo 196 da Constituição da República, deve ser harmônica com outras normas que ordenam e controlam as políticas de saúde pública, sob pena de ficar caracterizada verdadeira invasão de competências pela substituição de função legislativa pelo Judiciário. O texto do referido dispositivo, amarra o cumprimento deste dever do Poder Público às políticas sociais e econômicas que visem: (i) à redução do risco de doença e de outros agravos; (ii) ao acesso universal e igualitário das pessoas; e (iii) às ações e serviços destinados à promoção e recuperação da saúde. Vale dizer que existe sim um dever que ser cumprido pelo Estado, desde que observadas as demais regras ditadas por uma política pública de saúde. Isso é o que determina o aludido artigo 196. Mas o constituinte remeteu o dever de dispor sobre regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde ao legislador ordinário, conforme se extrai da norma do artigo 197 da Constituição Federal de 1988.100 Segundo o entendimento do Estado (lato sensu), trata-se, portanto, de uma norma constitucional de eficácia contida, cujos limites são determinados pela Política Nacional de Saúde Pública definida pela legislação ordinária, que não pode ser desconsiderada pelo Poder Judiciário. Tais políticas são traçadas democraticamente, por intermédio da Comissão Intergestores Tripartite (integrada pela União, pelos Estados e pelos Municípios) e com a participação da comunidade, sendo que, segundo o artigo 198, do texto constitucional: “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único”, organizado de forma descentralizada, com direção única em cada esfera de governo. 100 Artigo 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. 54 Os dispositivos constitucionais citados são fundamento de validade da Lei Orgânica da Saúde, a Lei Federal n. 8.080 de 19 de setembro de 1990, que sistematizou as políticas de saúde. Nela, o artigo 9º estipula uma direção única a ser exercida em cada esfera de governo pelo Ministério da Saúde, pelas Secretarias de Saúde ou órgão equivalente, conforme o caso, sendo que em diversos trechos determina como sendo da competência de tais órgãos a elaboração de normas específicas, com a finalidade de organizar os diversos setores da saúde pública, viabilizando o seu gerenciamento. Portanto, conclui o Estado (lato sensu) que para a compreensão das políticas de saúde regidas pelo SUS – Sistema Único de Saúde, definido pelo artigo 4º da Lei Orgânica da Saúde, como “o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”, segundo o modelo constitucional, é imperativo o conhecimento de normas infraconstitucionais consubstanciadas em leis (em especial a Lei 8.080/90) e portarias, tanto do Ministério da Saúde quanto das Secretarias Estaduais ou Municipais de Saúde, sendo certo que o desconhecimento da Política Nacional de Medicamentos conduz a uma equivocada aplicação do artigo 196, da Constituição, que não possui, a amplitude que lhe vem sendo dada pelo Poder Judiciário. 4.3 A RACIONALIZAÇÃO DA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS DE SAÚDE DIANTE DO ALTO CUSTO E DA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE SUA EFICÁCIA Outra questão que surge na negativa ao fornecimento de medicamento pelo Estado (lato sensu) e que não pode ser ignorada, especialmente no que se refere aos medicamentos e tratamento de caráter excepcional, é o da prescrição de tratamento de alto custo, sem que se tenha certeza do êxito do tratamento, que acaba por trazer gastos infindáveis ao erário público, que devem ser evitados pelas decisões judiciais. Muitas vezes, o médico, com boas intenções, mostra ao paciente que existe um remédio/tratamento novo para a patologia, prescrevendo-o sem levar em consideração os estudos clínicos publicados e que tenham comprovação 55 científica. Tratamentos ainda sem comprovação científica são válidos na busca da cura. Porém, não pode o Poder Público ser coagido a custear tratamentos que não têm eficácia comprovada, até porque, como se disse anteriormente, a Política Nacional de Medicamentos, infelizmente, tem limites. Por mais que a Constituição preveja o direito à saúde, que é indiscutível, indispensável e indisponível, a distribuição gratuita de medicamentos tem de observar as regras sobre que se baseia a referida Política. O dinheiro público é limitado, e tem de ser gasto de forma adequada e racionalizada, sob pena de se inviabilizar todo o sistema de saúde, construído nos últimos anos e que vem sendo, na medida do possível, de grande valia para a diminuição, tratamento e cura de doenças. Segundo Canotilho, a interpretação da Constituição tem como ponto de partida a reserva do possível, ideia segundo a qual “os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos” 101. Segundo entendimento do Estado, determinar que este custeie despesas de tratamento sem eficácia comprovada acaba por impor um gasto excessivo aos cofres públicos, que, na área atinente à saúde, possui questões mais básicas a tratar, haja vista o estado de miséria em que se encontra grande parte da população brasileira, como campanhas de vacinação, prevenção de doenças, combate de moléstias cujo tratamento possui comprovação científica sólida, entre outros. 4.4 A CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL E A NÃO COBERTURA TOTAL DO ESTADO PARA O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS O Poder Judiciário tem examinado inúmeros pedidos para determinar que o Estado (lato sensu) forneça medicamentos e tratamentos de saúde, sob a alegação de que a Constituição da República estabeleceu que a saúde é direito fundamental a ser perseguido e implementado, conforme previsão dos artigos 6º e 196, entretanto, o excesso de judicialização das políticas públicas tem levado a uma violação à regras e princípios estampados na Constituição da República, por invasão indevida 101 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed., Coimbra: Almedina, 2001, p. 471. 56 no controle orçamentário ou ainda, e em especial, porque implica em conceder um privilégio ao autor da ação em detrimento da coletividade. Ao discorrer sobre o tema, Luís Roberto Barroso aborda o ponto crucial do debate: Alguém poderia supor, a um primeiro lance de vista, que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os princípios orçamentários e a reserva do possível. A realidade, contudo, é mais dramática. O que está em jogo, na complexa ponderação aqui analisada, é o direito à vida e à saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros. 102 Não solução juridicamente fácil nem moralmente simples nessa questão. O Supremo Tribunal Federal tem empregado o termo “cláusula da reserva do possível”103, tratando-a, portanto, como “elemento externo relevante”104 na consecução de políticas públicas pelo Poder Judiciário. Conforme nos ensina Ana Paula de Barcellos: A expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase 105 sempre infinitas a serem por eles supridas. Ana Carolina Lopes Olsen, afirma que é preciso ponderar a efetivação dos direitos sociais de acordo com os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade, empregando-se a cláusula da reserva do possível como limite racional à concretização do direito fundamental à saúde. Isso porque “não se pode exigir do 102 Disponível em <http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf>. Acesso em 10 set. 2014. 103 Nesse sentido: Brasil. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 45. Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) versus Presidente da República. Relator: Ministro Celso de Mello. Decisão de 29 abr. 2004: ”EMENTA: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao supremo tribunal federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da "reserva do possível". necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do "mínimo existencial". Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração) (destacou-se)”. 104 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 258. 105 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 261. 57 Estado e da sociedade algo fora dos padrões do razoável, do adequado, do necessário e do estritamente proporcional”106. Dessa forma, defende-se a judicialização das políticas públicas, contudo devem ser fixados limites à atuação do Poder Judiciário, de acordo com critérios que a doutrina e a jurisprudência vêm construindo em decorrência do altíssimo número de demandas judiciais pleiteando a distribuição gratuita de medicamentos.107 Nesse diapasão, Luís Roberto Barroso propõe que o Poder Judiciário só determine o fornecimento de medicamentos de eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos, deverá optar por substâncias disponíveis no Brasil, medicamento genérico, de menor custo e por fim deverá considerar se o medicamento é indispensável para a manutenção da vida.108 Esses critérios, na realidade, preservam a saúde e a vida do jurisdicionado, pois o Estado não pode ser compelido a fornecer medicamentos que não tenham sua eficácia devidamente comprovada, bem como os que não foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ou ainda indicados para outra finalidade, uma vez que a eficácia e a segurança na ministração desses medicamentos ainda não foram comprovadas. Outrossim, o fornecimento indiscriminado de remédios pode gerar a prática de irregularidades, pois há relatos de que médicos têm entregue aos pacientes, juntamente com a receita, o cartão de um advogado, havendo, ainda indícios de que há laboratórios encarecendo o custo de medicamentos alterando minimamente a fórmula.109 Portanto, a dispensação de medicamentos deve ater-se a parâmetros razoáveis, que garantam a efetivação dos direitos sociais, mas que não comprometam o orçamento de maneira que onere o Estado, inviabilizando o desenvolvimento de outras políticas públicas, sendo mister, que a dispensação de medicamentos seja feita de forma responsável, sob pena de prejudicar a vida e a 106 OLSEN. Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais: Efetividade frente à Reserva do Possível. Curitiba: Juruá, 2008, p. 213. 107 Disponível em: <http://www.agenciaaids.com.br/noticias-resultado.asp?Codigo=9411>. Acesso em: 19 abr. 2008. 108 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 14. 109 Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/noticias/diversos/elival%20em%20vit%C3%B3ria.htm>. Acesso em 19 abr. 2008. 58 saúde da pessoa, indo contra o objetivo previsto na Lei Maior. A concessão ou não da medida depende da análise do caso concreto, não sendo possível estabelecer padrões gerais para todas as hipóteses, uma vez que as situações são individuais. Os Tribunais Superiores, em sua maioria, têm garantido o fornecimento do remédio requerido, sob o argumento de que o direito à saúde é absoluto e prepondera sobre qualquer outro princípio constitucional. De qualquer forma, o próprio STF já trouxe alguns balizamentos para as ações desta natureza, permitindo o excepcional controle pelo Judiciário da omissão estatal relacionada às políticas públicas. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – BLOQUEIO DE CONTAS DO ESTADO – POSSIBILIDADE. 1. Tem prevalecido nesta Corte o entendimento de que é possível, com amparo no art. 461, § 5º, do CPC, o bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado. 2. Embora venha o STF adotando a "Teoria da Reserva do Possível" em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 878.441/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 10/04/2007, DJ 20/04/2007 p. 340) (destacou-se) Importa lembrar ainda que os direitos sociais previstos na Constituição, nas palavras de Clémerson Merlin Cléve, são: [...] direitos de satisfação progressiva, cuja realização encontra-se estreitamente ligada ao PIB (Produto Interno Bruto) e, portanto, à riqueza do país. [...] Isso não significa dizer que possam ser considerados como meras normas de eficácia diferida, programática, limitada. Certamente não. São direitos que produzem, pelos simples reconhecimento constitucional, uma eficácia mínima. [...] Ora, referidos direitos criam, desde logo, também, 110 posições jurídico-subjetivas positivas de vantagem (embora limitadas). Diante disso, constata-se que, a cláusula da reserva do possível não é apta a afastar a obrigação do Estado no que tange à prestação de serviços de saúde em favor da população. 110 CLÉVE, Clémerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 54, 2006. 59 4.5 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES Os tribunais vêm reconhecendo o dever do Estado (lato sensu) em dar atendimento de saúde integral à pessoas atingidas por doenças que ponham em risco a própria vida. Além de liminares em medidas cautelares e em mandados de segurança, a declaração desse direito vem sido proclamada igualmente em ações ordinárias, tornando definitiva a obrigação assistencial do ente público. Neste sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E AFINS A PESSOA PORTADORA DE DIABETES MELLITUS TIPO I.PRESCRIÇÃO FORMALIZADA POR MÉDICA ESPECIALISTA.DESCUMPRIMENTO DE DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA OU À SAÚDE (CF, ARTS. 6.º E 196) QUE PERMITE A CHAMADA "JUDICIABILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS". APELAÇÃO DESPROVIDA, COM A CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO, DE OFÍCIO CONHECIDO.(1) "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas" (Súmula 490/STJ). No caso em exame, a sentença recorrida tem natureza mandamental porque impôs uma ordem para o ente público fornecer o medicamento solicitado, sendo incerto o valor pecuniário do direito controvertido, não havendo, assim, como aplicar a exceção prevista no § 2.º do art. 475 do CPC.(3) "Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento" (STJ, 2.ª Turma, RMS n.º 11.129/PR, Rel. Min.Francisco Peçanha Martins, j. em 02.10.2001).(4) A medicina é ciência que não trabalha com soluções únicas ou absolutas. Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, como fundamento para indeferir o fornecimento de medicamentos, são genéricos e podem não representar a melhor alternativa, sendo digno de maior confiança o diagnóstico e a prescrição realizados pelo médico que atende o paciente, de modo que "Comprovado por atestado médico que o impetrante deve fazer uso do medicamento solicitado, certo é que tem ele direito líquido e certo a que este lhe seja fornecido pelo Estado" (TJPR, 5.ª CCv., MandSeg. n.º 662.652-2, Rel. Juiz Eduardo Sarrão, j. em 27.07.2010). (TJPR - 5ª C.Cível - AC - 1202013-0 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Adalberto Jorge Xisto Pereira - Unânime - J. 02.09.2014) (destacou-se) AGRAVO - INTERPOSIÇÃO EM FACE DA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - ESTADO POSSUI O DEVER DE FORNECER O MEDICAMENTO, O QUE NÃO IMPLICA EM DESRESPEITO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS - RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL - CUSTAS PROCESSUAIS - CONDENAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ - CABIMENTO - DECISÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DESTA CORTE - CORRETA APLICAÇÃO 60 DO ARTIGO 557, CAPUT DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - AGRAVO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C.Cível - A - 1226053-6/01 - Umuarama - Rel.: Regina Afonso Portes - Unânime - - J. 19.08.2014) (destacou-se) APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO.AÇÃO CIVIL PÚBLICA JULGADA PROCEDENTE.FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A PESSOA PORTADORA DE ANSIEDADE GENERALIZADA (CID F 41.1). ALEGAÇÃO DE QUE O MEDICAMENTO NÃO ESTÁ INSERIDO EM PROTOCOLO CLÍNICO.DENECESSIDADE. PROTOCOLOS ELABORADOS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE QUE SERVEM APENAS COMO PARÂMETRO. NÃO VINCULAÇÃO DO ENTE PÚBLICO. MEDICAMENTO DEVIDAMENTE PRESCRITO POR PROFISSIONAL DA ÁREA DA SAÚDE. RESERVA DO POSSÍVEL.INAPLICABILIDADE. DEVER DO ESTADO EM GARANTIR O DIREITO À SAÚDE, CONSAGRADO NO ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA QUE NÃO ENCONTRA ESPAÇO NO PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO E, EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO REDUÇÃO DA MULTA FIXADA PARA R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS) DIÁRIOS, EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO IMPOSTA. (TJPR - 4ª C.Cível - ACR - 1229892-5 - Umuarama - Rel.: Coimbra de Moura Unânime - - J. 12.08.2014) (destacou-se) É cediço o entendimento de que não é permitido ao Judiciário determinar as prioridades orçamentárias da Administração, mas ao impor a aquisição de medicamentos essenciais à pessoas carentes, portadoras de doença grave, o Poder Judiciário, simplesmente atende a um princípio fundamental que é a valorização da vida humana. A Constituição Federal estabelece no artigo 2º que "são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". O artigo 196 da Constituição Federal é claro ao dispor que “(...) a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Da interpretação da aludida norma constitucional é possível afirmar que a acepção do termo “Estado” refere-se a todos os entes que compõe a federação, qual seja União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Sobre a questão, revela-se esclarecedora a lição de José Afonso da Silva: 61 [...] A norma do artigo 196 é perfeita, porque estabelece explicitamente uma relação jurídica constitucional em que, de um lado, se acham o direito que ela confere, pela cláusula a saúde é direito de todos, assim como os sujeitos desse direito, expressos pelo signo todos, que é signo de universalização, mas com destinação exclusiva aos brasileiros e estrangeiros residentes – aliás, a norma reforça esse sentido a prever o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde –, e, de outro lado, a obrigação correspondente, na cláusula a saúde é dever do Estado, compreendendo aqui a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade 111 da Administração indireta. Consoante estabelece o artigo 23, inciso II da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e da assistência pública, razão pela qual os entes integrantes da federação atuam em cooperação administrativa recíproca, visando alcançar os objetivos descritos pela Constituição. Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO SÚMULA 282/STF - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS LEGITIMIDADE PASSIVA - AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Ausência de prequestionamento dos artigos 6º, 36, § 2º da Lei 8.080/90, 8º e 15 da LC 101/2000, e das respectivas teses, o que atrai a incidência do óbice constante na Súmula 282/STF. 2. Esta Corte, em reiterados precedentes, tem reconhecido a responsabilidade solidária do entes federativos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que concerne à garantia do direito à saúde. Ainda que determinado serviço seja prestado por uma das entidades federativas, ou instituições a elas vinculadas, nada impede que as outras sejam demandadas, de modo que todas elas (União, Estados, Município) têm, igualmente, legitimidade para figurarem no pólo passivo em causas que versem sobre o fornecimento de medicamentos. (...) 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 909.927/PE, Rel. Ministra DIVA MALERBI (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013) De igual maneira, posicionou-se o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SENTENÇA QUE CONDENOU O ESTADO DO PARANÁ A FORNECER OS EQUIPAMENTOS, INSUMOS E MATERIAIS NECESSÁRIOS AO CONTROLE DO DIABETES MELLITUS TIPO I. PRELIMINAR DE 111 SILVA. José Afonso da. in COMENTÁRIO CONTEXTUAL À CONSTITUIÇÃO, 4ª. ed., São Paulo: MALHEIROS, 2007, p.768 62 ILEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO. EQUIPAMENTO DE ALTO CUSTO. NÃO ACOLHIMENTO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO NO CUSTEIO E GERENCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. A AÇÃO PODE SER PROPOSTA CONTRA QUALQUER DOS ENTES RESPONSAVELMENTE SOLIDÁRIOS. DIREITO À SAÚDE. DIREITO DE ÍNDOLE FUNDAMENTAL CUJA CONCRETIZAÇÃO NÃO PODE SER RESTRITA POR ATOS INFRALEGAIS COMO AS PORTARIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. FARTA DOCUMENTAÇÃO FORNECIDA PELOS MÉDICOS RESPONSÁVEIS PELO TRATAMENTO COMPROVANDO A NECESSIDADE DO USO DA BOMBA DE INFUSÃO DE INSULINA. EXCEPCIONALIDADE DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS. INTERFERÊNCIA NECESSÁRIA E LEGÍTIMA NO PRESENTE CASO PARA GARANTIR A REALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DOS AUTORES.DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DAS TERAPIAS DISPONIBILIZADAS PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE PARA DEFERIMENTO DO FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO INDICADO PELO MÉDICO QUE ACOMPANHA O PACIENTE.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR - 4ª C.Cível - AC 999882-3 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Maria Aparecida Blanco de Lima - Unânime - J. 19.03.2013) (destacou-se) APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO ("TRASTUZUMAB") À PORTADORA DE CARCINOMA DUCTAL INFILTRANTRE (NEOPLASIA MALIGNA DE MAMA) E CARENTE DE RECURSOS ECONÔMICOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PRELIMINAR AFASTADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE A UNIÃO, OS ESTADOS, O DISTRITO FEDERAL E OS MUNICÍPIOS PELA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO ÚNICO DE SAÚDE. PRESCRIÇÃO POR MÉDICO. DOCUMENTAÇÃO APTA A COMPROVAR A NECESSIDADE DO FORNECIMENTO DA MEDICAÇÃO E A 2 EXISTÊNCIA DE ATO COATOR. RECEITUÁRIO DE MÉDICO PARTICULAR VÁLIDO. LIMINAR CONFIRMADA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO, SENTENÇA CONFIRMADA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR - 4ª C.Cível - ACR 9590410 - Londrina - Rel.: Lélia Samardã Giacomet - Unânime - J. 19.03.2013) (destacou-se) Diante disso, o conflito entre o dogma da separação de poderes e o direito fundamental de proteção à vida, considerando as regras especiais de interpretação do texto constitucional, forçoso considerar que há valores que se sobrepõem a outros. Resta claro que, o bem jurídico de maior relevância a ser tutelado é a vida, que está assegurado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal". O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento que, frente à negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, 63 deve o Judiciário emitir preceitos através dos quais possam os necessitados alcançar o benefício almejado. Ainda, decidiu pela dispensa das formalidades burocráticas da licitação, para o fim de se adquirir os medicamentos indispensáveis à saúde e à subsistência dos cidadãos, consoante disposto no art. 24, inciso IV, da Lei n. 8.666/93, aplicável por analogia.112 Ressalte-se ademais, que se fosse preciso aguardar toda a burocracia da administração pública, o tardio fornecimento dos medicamentos tornaria a medida absolutamente inócua, considerando-se a situação da pessoa gravemente enferma. Dessa forma, é mister reconhecer que o argumento da Separação dos Poderes não pode ensejar o afastamento do controle jurisdicional nas atividades governamentais, sob pena de se inviabilizar as políticas públicas.113 Pode-se concluir que a atuação judicial, consubstanciada no Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, é legítima, já que tem por missão proteger lesão ou ameaça a direitos, não se podendo argüir que a Separação dos Poderes impede o controle das omissões legislativa e executiva pelo Poder Judiciário. Conforme exposto, a autonomia e a independência dos Poderes do Estado não são rígidas e absolutas, sendo necessária a interferência do Judiciário a fim de se evitar abuso de poder e promover o bem comum, isso tudo conforme a doutrina dos Freios e Contrapesos.114 112 Artigo 24, inciso IV, da Lei n. 8.666/93: É dispensável a licitação: IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimentos da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas. 113 GOTTI, Alessandra Passos; PIOVESAN, Flávia; MARTINS, Janaína Senne. A Proteção Internacional dos Diretos Econômicos, Sociais e Culturais. In: Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003: “A implementação dos direitos sociais exige do Judiciário uma nova lógica, que afaste o argumento de que a “separação dos poderes” não permite um controle jurisdicional da atividade governamental. Essa argumentação traz o perigo de inviabilizar políticas públicas, resguardando o manto da discricionariedade administrativa, quando há o dever jurídico de ação”. 114 PINTO, Oriana Piske de Azevedo Magalhães. A Jurisdição constitucional: a liberdade de conformação do legislador e a questão da legitimidade. Disponível em: <http://www.idcb.org.br/artigos/dr%20oriana/Aatuacao.pdf>. Acesso em: 20 maio 2008. p. 12: “Boaventura de Sousa Santos, em pesquisas sobre Os tribunais nas sociedades contemporâneas, destacou o Brasil como o país no qual, apesar do predomínio de uma cultura jurídica cínica e autoritária, se multiplicavam os sinais do ativismo dos juízes comprometidos com a tutela judicial eficaz de direitos, referindo-se nesse contexto ao Movimento Direito Alternativo. Eliane Botelho Junqueira interligou o surgimento dos Juízes Alternativos com o processo de democratização que 64 Outro não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, para o qual o Poder Judiciário tem o dever de conformação da cláusula inserta no artigo 196 CF, havendo, portanto, necessidade da revisão do dogma da Separação de Poderes.115 4.6 DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 175 A concessão de medicamentos por intermédio do Poder Judiciário foi objeto de intensa discussão perante o Supremo Tribunal Federal. A decisão em comento foi proferida no Agravo Regimental interposto pela União contra decisão da Presidência do Supremo Tribunal Federal, na qual foi indeferido o pedido, formulado pela União, de suspensão de tutela antecipada n° 175, contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, na Apelação Cível n° 408729/CE. Houve a realização de audiência pública nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009, e aquela C. Corte passou a traçar algumas diretrizes para o fornecimento de medicamentos por meio de recurso ao Poder Judiciário, especialmente considerando o fato de que a aquisição e a entrega de medicamentos tornou visível o confronto entre a ordem jurídica liberal e os conflitos de natureza coletiva, processo esse derivado da necessidade de garantia de direitos sociais mínimos para a maioria da população. 115 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 45. Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) versus Presidente da República. Relator: Ministro Celso de Mello. Decisão de 29 abr. 2004: “[...] parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social. A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais”. 65 implicam o dispêndio de verbas públicas em favor de cidadão (ou parcela de cidadãos) específico. Conforme o voto do Ministro Gilmar Mendes (no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, Pleno, DJ 30.04.2010), a primeira indagação a ser feita quando do fornecimento de medicamentos é a de se saber se há política pública que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Se a prestação de saúde não estiver dentre as políticas do SUS, o Ministro Gilmar Mendes assevera que “é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou administrativa; (2) de uma decisão administrativa de não-fornecê-la; ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação.” (AgRg na STA 175, Pleno, DJ 30.04.2010). Quando há uma decisão administrativa quanto ao não fornecimento, é necessário verificar qual é a motivação da negativa. Embora, como regra geral, os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas definidos pelo Sistema Único de Saúde devam ser privilegiados, não se pode ignorar que, em casos específicos, os medicamentos previstos como regra geral podem não surtir os efeitos esperados. E, assim, faz-se necessário definir um tratamento específico para a paciente. Como reconheceu o Ministro Gilmar Mendes no voto que se está a mencionar, “Essa conclusão [de prevalência dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas ditados pelo SUS] não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário ou de a própria Administração decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso.” (AgRg na STA 175, Pleno, DJ 30.04.2010). Ficou firmado o entendimento de ser possível a atuação do Poder Judiciário em casos envolvendo o direito à saúde, pela necessidade de preservação da integridade e da intangibilidade do individuo, configurada no mínimo existencial. Se por um lado a Administração Pública tem recursos escassos para aplicar na concreção do direito à saúde e, de outro, o Poder Judiciário tem a missão de tutelar a violação de direitos, para evitar alegações de interferência de um Poder em outro, o STF traçou critérios para a atuação dos magistrados diante de casos 66 envolvendo o direito à saúde. Busca-se com tais critérios criar balizas legítimas para a atuação do Poder Judiciário em casos que reclamem sua atuação para garantir o direito à saúde e, em última instância, à vida, sem perder de vista as limitações fáticas e jurídicas que recaem sobre a Administração.116 Por último, consoante decidido pelo STF, em se tratando de competência comum dos Entes da Federação, são eles responsáveis solidários na prestação do direito à saúde, isto é, caso um ente não possua recursos financeiros suficientes para satisfazer o direito subjetivo, poderá o Ente superior ou inferior ser obrigado a prestá-lo, o que os tornam partes legítimas para figurar no pólo passivo da demanda. 116 URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Notas sobre a efetivação do direito fundamental à saúde. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 47, n. 188, out./dez. 2010, p. 187/188. 67 CONCLUSÃO A dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilares da República Federativa do Brasil. Assim, a partir do referido princípio, foram estabelecidos os direitos fundamentais, os quais se encontram garantidos na Constituição Federal de 1988, dentre eles o direito à vida e o direito social à saúde (o qual foi elevado à esfera de direito fundamental). Os direitos fundamentais são bens indisponíveis, imprescritíveis, e insuscetíveis de alienação, sendo, ainda, considerados como direitos subjetivos públicos, eis que o Estado possui obrigatoriamente o dever de garanti-los dandolhes efetividade através das políticas públicas. Ademais, os direitos fundamentais podem ser classificados em direitos de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta dimensão, dependendo do posicionamento doutrinário. Todos os dispositivos da Constituição Federal são possuidores de determinado grau de eficácia e aplicabilidade. No caso dos direitos fundamentais, a controvérsia cinge-se quanto ao fato de serem, ou não, possuidores de eficácia plena e aplicabilidade imediata, sendo que, cada vez mais se observa tanto a doutrina quanto a jurisprudência positiva neste mesmo sentido. O direito à vida, sendo um direito fundamental, está previsto no artigo 5º, da Carta Magna e é considerado um direito essencialíssimo, haja vista que dele dependem todos os demais direitos. O direito à saúde trata-se de um direito social com status de direito fundamental e está previsto principalmente no artigo 6º e 196 da atual Constituição, devendo ser entendido não apenas como ausência de enfermidade, mas também como direito ao completo bem-estar físico. O referido direito está intimamente ligado com o direito à vida. A competência para proteção do direito à saúde encontra-se estabelecida nos artigos 23, 24 e 30 da Constituição Federal. Entretanto, o que se verifica atualmente é a nova interpretação adotada quanto ao artigo 196, do mesmo diploma normativo, o qual dispõe que o direito à saúde é dever do Estado, sendo que Estado deve ser entendido em seu sentido lato, mais especificamente como União, Estados membros 68 e Municípios. Ainda, quanto à prestação do atendimento à saúde, constata-se da analise da legislação constitucional que o artigo 196 impõe a efetividade do direito à saúde, o qual deve ser prestado através de políticas sociais e econômicas. O artigo 197 determina que, nos termos da lei, o Poder Público deve regulamentar, fiscalizar e controlar a execução de tais políticas. No mais, o artigo 198 dispõe acerca do Sistema Único de Saúde. Neste contexto, foi instituída a Leu Orgânica da Saúde, Lei nº. 8.080/90, a qual dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. A referida lei, além de reproduzir alguns dos artigos constitucionais que versam sobre o direito à saúde, também dispõe acerca da competência administrativa para a prestação do atendimento à saúde da população, inclusive no tocante ao fornecimento de medicamentos. Existem, ainda, os princípios que norteiam o direito à saúde, os quais são: princípio da prevenção, princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, princípio da reserva do possível, princípio da igualdade e o princípio da integralidade. O Estado, com a finalidade de proporcionar o direito à saúde, através de políticas públicas, estabeleceu a Política Nacional de Saúde e, como parte essencial dessa, a Política nacional de Medicamentos, a qual, por sua vez, regulamente a questão do fornecimento de medicamentos gratuito pelo Poder Público. Ainda, restou estabelecida uma distribuição de competências e eleição de prioridades, em virtude da imensa gama de indivíduos a serem atendidos. Dessa forma, ante os diversos mandamentos normativos, o Estado estabeleceu a Política Nacional de Saúde e, como parte essencial dessa, a Política Nacional de Medicamentos, a qual, por sua vez, regulamente a questão do fornecimento de medicamentos gratuito pelo Poder Público. Ainda, restou estabelecida uma distribuição de competências e eleição de prioridades, em virtude da imensa gama de indivíduos a serem atendidos. A Política Nacional de Medicamentos, aprovada pela Portaria GM/MS nº 3.916/98, determina que os entes federados, ao prestarem o atendimento à saúde, 69 obedeçam estritamente às diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, sendo este o responsável por elaborar e atualizar a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), listando quais os fármacos que podem ser fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, observando-se, ainda, uma competência específica para o Município, para o Estado e para a União. Entretanto, conforme foi explicitado nesta monografia, a doutrina e a jurisprudência firmaram o entendimento no sentido de que o atendimento à saúde deve ser prestado independentemente da competência administrativa estabelecida pelas normas infraconstitucionais, eis que o direito à vida e o direito à saúde da população devem prevalecer sobre procedimentos burocráticos do Estado. Ocorre que, muitas pessoas que procuram o atendimento à saúde, mais especificamente quando solicitam o fornecimento gratuito de medicamentos, possuem seus pedidos negados pelo Estado, sob a justificativa de que não estão de acordo com a Política Nacional de Medicamentos. Dessa forma, verifica-se um notório crescimento de demandas que visam uma imposição ao Poder Público no sentido de que lhes forneçam um adequado tratamento com o fornecimento de fármacos, consultas médicas, etc. Constata-se, portanto, a atual “judicialização” da saúde, a qual se caracteriza como uma alternativa eficaz para conter as omissões do Estado. Da “judicialização” do atendimento à saúde decorrem diversas controvérsias, desde a interpretação que é dada ao artigo 196 da Constituição Federal, a racionalização da dispensação de medicamentos ante o alto custo e ausência de comprovação da eficácia do fármaco, aplicação da cláusula da reserva do possível e a questão das decisões proferidas pelo Judiciário estarem por violar o princípio da separação de poderes. Concluiu-se com a presente pesquisa, que faz necessário maior debate sobre o tema e principalmente uma solução para a questão da prestação de atendimento à saúde da população, pois de um lado observou-se ser imprescindível a proteção do direito à vida e à saúde da população, porém, por outro viés, verificase que existem entreves enfrentados pelo Estado, que na maioria das vezes geram a negativa do atendimento pleiteado pelo cidadão. 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. ______. Theori der Grundrechte. 2. ed. Frankfurt, 1994. AMARAL, Gustavo. Interpretação dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: TORRES, Ricardo Lobo. (org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2001. APPIO. Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2007. BAHIA, Cláudio José Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. Segunda Seção. 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