15 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DOS DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS Dr. Mário Pantaroto No diagnóstico e tratamento dos distúrbios hidroeletrolíticos devemos nos basear na avaliação clínica, detalhes da doença, modificação do peso, exame físico, exames laboratoriais e, sobretudo no balanço hidroeletrolítico do paciente. A reposição de líquidos deve ser baseada nos seguintes parâmetros: pressão arterial, pressão venosa central, peso, turgor da pele, umidade das mucosas, ausculta pulmonar, peso, balanço diário etc. Os exames laboratoriais incluem eletrólitos plasmáticos, urina, função renal, raio-X de tórax, eletrocardiograma e o balanço hidroeletrolítico. A terapêutica hídrica visa equilibrar os ganhos e as perdas de água e eletrólitos de forma prática, observando: - necessidades normais. - perdas anormais, resultantes da doença básica ou do tratamento cirúrgico. - correção do déficit. PERDAS ANORMAIS Ocorre com mais freqüência pelo trato gastrointestinal: vômitos, sonda nasogástrica, diarréia, fístulas, preparo pré-operatório ou nos estados de metabolismo aumentado - febre (água e eletrólitos: aproximadamente 1000 ml por dia acima das perdas insensíveis). REPOSIÇÃO DO DÉFICIT A reposição de água e eletrólitos por via parenteral deve ser contínua e distribuída durante as 24 horas, tendo o cuidado de evitar infusões periódicas com volumes excessivos. Os cuidados com a volemia devem ser iniciados no pré-operatório, com a manutenção do volume intravascular e a correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, 16 evitando complicações no intra e no pós-operatório. É, portanto, necessário o conhecimento, pelo anestesista, sobre as condições cardiocirculatórias do paciente e sobre o preparo pré-operatório a que o paciente foi submetido: jejum prolongado, preparo de cólon que pode causar alterações hemodinâmicas quando associado às perdas do próprio traumatismo cirúrgico, sangramento e edema causado pelo descolamento de tecidos. A infusão insuficiente de líquidos no intra-operatório causa alterações hemodinâmicas e oligúria, enquanto o excesso de volume causa edema intersticial, peritonial e alveolar, provocando alterações nas anastomoses e nas trocas gasosas teciduais. PRESCRIÇÃO PÓS-OPERATÓRIA Reposição básica: 40 ml/kg de peso de água, (soro glicosado 5%), se cardiopata 2/3 do volume; 1,5mEq/kg de sódio e 1,0 mEq/kg de potássio. Para os pacientes que receberam ou perderam grandes quantidades de líquidos, é difícil estimar a necessidade de líquidos para as primeiras 24 horas. Nesta situação é recomendada a prescrição de líquidos intravenosos, seguido de controles de pressão arterial, venosa, volume urinário e balanço parcial a cada oito ou doze horas. Nas primeiras 24 horas não é necessária a reposição de potássio, exceto se o paciente apresentava algum déficit antes da cirurgia. Para os pacientes com alta provável em dois ou três dias não é necessário dosar eletrólitos, entretanto, os que apresentarem grandes volumes drenados por sonda gástrica, fistulas ou drenos, a dosagem deve ser considerada e feita a reposição. I) DISTÚRBIOS OU ALTERAÇÕES DE VOLUME DEFICIÊNCIAS As perdas de líquidos têm composição eletrolítica semelhante ao plasma, de modo que as alterações na dosagem dos eletrólitos são discretas, portanto o diagnóstico deve ser feito baseado em alterações clínicas. As deficiências surgem imediatamente após o traumatismo cirúrgico ou períodos mais tardios, onde os fatores causais são distintos: 17 Após a cirurgia em conseqüência do trauma, pode ocorrer acúmulo de vários litros de líquidos no local da lesão, (parede abdome, parede das alças intestinais), diminuindo desta forma as trocas do compartimento extra-celular funcionalmente ativo e predispondo a instabilidade circulatória, que poderá surgir depois de algumas horas. As alterações observadas em períodos mais tardios, no terceiro ou quarto dia, são na maioria das vezes, por reposição insuficiente ou associada às perdas renais ou gastrintestinais. A prevenção destes distúrbios deve ser feita observando as alterações clínicas e através balanço hidroeletrolítico, que deve ser calculado pelo menos uma vez ao dia, visando a reposição adequada das perdas. EXCESSOS Quando soluções isotônicas são administradas de forma excessiva, em relação às necessidades e às perdas, causam edema da região sacral, coxas, flancos e estertores pulmonares, os quais, são sinais de sobrecarga hídrica. Um aumento de peso durante o período de catabolismo, quando o esperado é uma perda de peso diário de aproximadamente 150 a 200 gramas por dia, é sinal importante de sobrecarga hídrica. Os excessos de líquidos administrados de forma lenta não alteram de forma significativa a pressão arterial e a pressão venosa central, sendo a principal característica do excesso de água corporal a hiponatremia (sódio menor que 135 mEq/l). O excesso de água corporal pode ocorrer nos casos de disfunção renal, insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática, alteração na secreção de hormônio antidiurético. O tratamento visa eliminar água e elevar a concentração de sódio. Recomenda-se 80 mg de furosemida por dia e restrição hídrica. II) DISTÚRBIOS OU ALTERAÇÕES DA CONCENTRAÇÃO 1) SÓDIO A hipo ou hipernatremia devem ser detectada precocemente por exames laboratoriais, pois os sinais e sintomas só aparecem quando as alterações são 18 graves, o que faz retardar o diagnóstico clínico. O sódio é responsável pela osmolaridade do líquido extracelular. É a concentração sérica do sódio que indica a tonicidade dos líquidos corporais. A fórmula do quadro 1 estima a alteração no Na sérico causada pela infusão de 1 litro da solução escolhida (por exemplo, se o resultado da conta for 2 significa que cada litro infundido alterará o Na sérico em 2 mEq/l, calculando o volume total que será infundido para que se faça a correção adequada: Quadro 1. Fórmulas para manejo de hiper e hiponatremia e características das soluções escolhidas Fórmula Uso clínico 1)Alteração no Na sérico= Na infundido – Na sérico Água corpórea total + 1 2)Alt. no Na sérico = (Na + K infundidos) – Na sérico Água corpórea total + 1 Solução a ser infundida Na infundido (mEq/L) SG 5% 0,2% NaCl em SG 5% Solução salina 0,45% Ringer lactato SF 0,9% Sol. Salina 3% Sol. Salina 5% 0 34 77 130 154 513 855 Estima o efeito de 1 L de qualquer solução no Na sérico Estima o efeito de 1 L de qualquer solução contendo Na e K no Na sérico Distribuição no fluido extracelular(%) 40 55 73 97 100 100* 100* A água corporal total é estimada como uma fração do peso corporal: 0,6 x peso em crianças e homens adultos; 0,5 x peso em mulheres adultas e homens idosos; 0,45 x peso em mulheres idosas * Além da sua completa distribuição no compartimento extracelular, essas soluções induzem remoção osmótica de água do compartimento intracelular Hiponatremia Sintomática, quando sódio plasmático for menor que 130 mEq/L. Surge com freqüência quando são feitas reposições sem sódio ou de forma inadequada, nos pacientes com lesão renal. As septicemias por infecção bacteriana, com repercussão sistêmica, freqüentemente são acompanhadas por diminuição na concentração de sódio. O quadro clínico é variável: astenia, náuseas, convulsão. Tratamento: reposição de solução hipertônica de cloreto de sódio. 19 Resumo esquemático de conduta Hiponatremia (Na < 130 mEq/L) Avaliação inicial: determinação da osmolaridade sérica (2 x Na + glicose/18 + uréia/6) Normal: 280 - 295 Hiponatremia hipotônica assintomática Hiponatremia hipotônica sintomática (osmolalidade <280) Hipovolemia Iniciar SF 0,9% Euvolêmicos ou Hipervolemia Restrição hídrica + furosemida (0,5 a 1mg/kg) Realizar reposição com solução salina a 3% Corrigir no máximo 1mEq/L/h nas primeiras 3 horas; não corrigir mais que 8mEq/L em 24 horas O volume da solução a ser infundida pode ser estimada pela fórmula do quadro 1(alteração do Na sérico com a infusão de 1litro da solução desejada) Restrição hídrica Tratar doença de base Pacientes com cirrose + ascite, a restrição hídrica só é recomendada com Na sérico <120mEq/L Hipernatremia É uma situação rara, mas grave, quando o sódio plasmático ultrapassa 150 mEq/L. Decorre de perda de água e eletrólitos ou do uso de soluções contendo muito sódio. Causas mais freqüentes: febre, hiperglicemia, queimaduras, traqueostomia, lesões do sistema nervoso central (diminui a produção de hormônio antidiurético), dieta hiperproteica (pelo aumento na produção de uréia aumenta a necessidade de maior volume de água para ser excretada). 20 Quadro clínico: febre, taquipnéia, confusão mental, coma. Tratamento: administração de água pela via digestiva ou parenteral, através da infusão de solução de glicose (S.G.5%). Resumo esquemático de conduta Hipernatremia (Na > 150 mEq/l) Euvolêmicos Hipovolêmicos Iniciar com água ou SG 5% Se houver instabilidade hemodinâmica: iniciar com SF 0,9% Após compensação inicial, SF 0,45% até correção da hipernatremia Hipervolêmicos Soro glicosado a 5% furosemida (0,5 a 1 mg/kg EV) se necessário *Na insuficiência renal pode ser necessária a hemodiálise Determinação da taxa de infusão deve ser calculada com o auxílio do quadro 1, após seleção da solução a ser usada A taxa máxima de redução do sódio é de 0,5 mEq/l/hora (máximo de 12mEq/l em 24 horas) 2) POTÁSSIO É o principal íon intracelular e está relacionado com a atividade elétrica da parede celular, da musculatura esquelética e lisa. Vários mecanismos estão envolvidos na homeostase do potássio: insulina, catecolaminas, hormônio antidiurético. Hiperpotassemia Considerado quando potássio sérico está acima de 5,5 mEq/L. Condições relacionadas ao aumento de potássio sérico: Acidose metabólica ou respiratória, trauma, diabetes mellitus, queimaduras, uso de digitálicos, succinilcolina, insuficiência renal, transfusões maciças. 21 Antiinflamatórios não esteróides, ciclosporina, heparina, também inibem a liberação de aldosterona, podendo alterar a concentração sérica do potássio. Sintomas de hiperpotassemia: - Neuromusculares: parestesia, fraqueza. - Cardiológico: prolongamento espaço P-R, Extrassístoles, fibrilação ventricular, assistolia. - Gastrointestinal: Dor abdominal, náuseas, vômitos, diarréia. Tratamento: - Evitar infusão de soluções ricas em K+ medicamentos citados acima. Reverter a excitabilidade da membrana: - Cálcio, 10 a 30 ml de gluconato de cálcio a 10%, EV, em 10 minutos. Transferir potássio para o intracelular. - Glicose e insulina (5 – 10 Ul de insulina / 25-50 g de glicose) - Bicarbonato de sódio (calcular volume baseado no peso do paciente e no excesso de base) Remover potássio do organismo: - Diurético proximal ou de alça. - Resinas de troca catiôntica. (Sorcal®) - Hemodiálise. (remove 25 – a 50 mEq/h) Resumo esquemático de conduta Hipercalemia (K>5,5mEq/l) Alterações de ECG (ondas T apiculadas, achatamento de P e QRS alargado) Iniciar Gluconato de cálcio 10% 10ml EV em 10 min. Cessar infusão de K Acidose metabólica NaHCO3 8,4% 1(mEq/kg em bolus (1ml/kg da solução NaHCO3 a 8,4%) Insulina R 10U + SG 10% 500ml EV em 1h Furosemida 40 a 160 mg EV ou VO Sorcal® 20 a 40g divididos em 4 a 6 tomadas diárias VO Diálise 22 Hipopotassemia Considerada quando potássio sérico está abaixo de 3,5 mEq/L. Sinais de hipopotassemia estão relacionados com a atividade muscular e em geral as manifestações clínicas ocorrerem quando os níveis séricos estiverem abaixo de 3,0 mEq/L. Assim, podem ser observados: diminuição nos reflexos tendinosos, íleo paralítico, alteração no eletrocardiograma e arritmia cardíaca. Principais causas: Pelo uso excessivo de diuréticos, vômitos ou sonda nasogástrica e prescrição sem potássio. O metabolismo do potássio está intimamente ligado ao equilíbrio ácido-básico. Ocorre aumento da excreção do íon nas alcaloses respiratórias e metabólicas. Tratamento: Reposição (importante conhecer a causa). Na ausência de distúrbio ácido-básico usar cloreto de potássio. Na presença de acidose metabólica prescrever bicarbonato de potássio. A velocidade de infusão depende da urgência e o volume máximo recomendado é de 10 a 20mEq/h. Ao infundir 0,5 ml mEq/kg, está previsto um aumento do potássio sérico em 0,6 mEq/L. Resumo esquemático de conduta Solução para correção de hipocalemia: SF 500ml + KCl 19,1% 2 amp EV em 4h (12mEq/h) Hipocalemia (K<3,5mEq/l) Iniciar reposição VO: 40 a 80 mEq/dia ou 3-6g KCl/dia Reavaliar drogas administradas Hipocalemia grave Acesso periférico: até 30mEq/l na velocidade de 10mEq/h Acesso central Sem alterações ECG e K<2,5: 10mEq/h Alterações ECG e K<2,5: monitor cardíaco + 60mEq/l (40mEq/h) Emergência: 200mEq/l (100mEq/h) 23 4) CÁLCIO Em geral, os distúrbios do metabolismo do cálcio não representam graves problemas em pacientes cirúrgicos, não sendo necessária a sua reposição de forma rotineira. Hipercalcemia Principais causas: hiperparatireoidismo e neoplasia com metástases ósseas (lesões líticas). As manifestações consistem em fadiga, sonambulismo, cefaléia, dor lombar, sede, anorexia, náuseas, vômitos, perda de peso, podendo chegar ao coma. É considerado crítico e exige tratamento de urgência quando os níveis séricos estiverem acima de 15 mg/dl. A simples reposição volêmica com solução salina, reduz os níveis de cálcio. Com a hidratação e a diluição ocorre também um aumento da excreção pela via urinária, que ainda pode ser estimulada pelo uso de furosemida. Os bloqueadores de canais de cálcio em caso de cardiotoxidade podem ser úteis. Hipocalcemia Formigamento perioral, nas mãos e nos pés, reflexos tendinosos aumentados, espasmos musculares e convulsões, são as mais freqüentes manifestações observadas na presença de níveis séricos abaixo de 8,0 mg/dl. As causas mais comuns: Pancreatite aguda extensa, necrose de partes moles (fasceíte), insuficiência renal, fístulas pancreáticas e do intestino delgado e no hipoparatireodismo (póstireoidectomia). Tratamento Administração intravenosa de gluconato de cálcio ou por via oral. Durante as hemotransfusões não há necessidade suplementação de cálcio, pois a ligação do cálcio com o citrato é compensada pelas reservas corporais. Exceção aos pacientes que recebem volumes de sangue superiores a 500 ml a cada 10 minutos. Nestas situações recomenda-se a administração 0,2 g de cálcio para cada 500 ml de sangue transfundido. 24 - Necessidades normais (resumo do paciente cirúrgico): Perdas e ganhos diários em condições fisiológicas: Perdas sensíveis: Urina . . . . . . . . 1000 Fezes . . . . . . . 1500 ml 200 - 250 ml 400 - 700 ml 200 - 300 ml Ingesta de água . . . . . . 1000 - 1500 ml nos 800 - 1000 ml Água endógena . . . . . . . 200 - 300 ml . Perdas insensíveis: Pele . . . . . . . . . Pulmões . . . . . . Ganhos .... Água contida alimentos . . ... - Infusão venosa diária para paciente adulto: Água 40 ml/kg Cloreto 1,5 mEq/kg Sódio 1,5 mEq/kg Potássio 1,0 mEq/kg Calorias 30 – 40 cal/kg 25 - Condições que podem causar distúrbios hidroeletrolíticos Coma, febre, calor intenso, sudorese excessiva, Deficiência de água diabetes insípido, hiperventilação Respirador mecânico, hiperventilação Perda de íons H+ Insuficiência cardíaca grave, hepática, pós operatório Vômitos Diarréia, fístulas intestinais insuficiência Retenção de água e sódio Perdas de água, sódio, potássio, íons H+ e cloro Perdas de água, sódio, potássio e bicarbonato Diabetes méllitos descompensado Deficiência de sódio e água. Acúmulo de íons H+ Retenção de sódio, potássio e água. Acúmulo de íons H+ Insuficiência renal - Composição dos líquidos parenterais (Eletrólitos em mEq/L) SOLUÇÕES NA+ K CA MG CL- HCO3- OSMOLARIDADE Líquido extra celular 142 4 5 3 103 27 280 – 310 Ringer lactato 130 4 2,7 - 109 28 Cloreto de Sódio 0,9% 154 Soro glicosado Cloreto de Sódio 3% - 154 - 513 - - - - 513 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. Humphreys, M.H. Controle Hidroeletrolítico - Sabiston. Tratado de Cirurgia. 1999. 2. Martins, V.F. & Zucollato E. B. Equilíbrio Hidroeletrolítico - Anestesiologia. 5ª Ed. 2001. 3. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Programa de Auto Avaliação em Cirurgia.Ano 1, fasc. 1 Abril 2001. 4. Ribeiro, P.C. Nutrição no Paciente Cirúrgico - Manual de Cirurgia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo - Diagnóstico e Tratamento – 2002. 5. Silva Penilton. Farmacologia do Cálcio - Farmacologia 6ª Ed. 2002. 6.Medicina de Urgência – Guia de Medicina Hospitalar UNIFESP. 1ª Ed. Manole, 2004