MARKETING NO SAARA: UM ESTUDO DAS DECISÕES DOS VAREJISTAS DE ASCENDÊNCIA ÁRABE Georges Ayoub Riche Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas - CCJE Instituto COPPEAD de Administração - COPPEAD Mestrado em Administração Orientadora: Letícia Moreira Casotti Rio de Janeiro - Brasil Fevereiro de 2003 ii MARKETING NO SAARA: um estudo das decisões dos varejistas de ascendência árabe. Georges Ayoub Riche Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração – COPPEAD, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: ___________________________________ Profª. Letícia Moreira Casotti (COPPEAD/UFRJ) ___________________________________ Profª. Angela da Rocha (COPPEAD/UFRJ) ___________________________________ Profª. Marie Agnes Chauvel (IBMEC) Rio de Janeiro, RJ 2003 Orientadora iii Riche, Georges Ayoub. Marketing no SAARA: um estudo das decisões dos varejistas de ascendência árabe / Georges Ayoub Riche. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. x, p. 127. Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPEAD. 1. Marketing no Varejo. 2. SAARA. 3. Marketing Mix 4. Dissertação (Mestrado - UFRJ/COPPEAD). I.Título iv “Só quem não pensa está imune à contradição e ao erro...” José Souto Maior Borges “A medida do homem não está naquilo que ele alcança, mas naquilo que almeja alcançar.” Provérbio Árabe v Aos meus pais Guissan Jorge El-Assaad Riche e Cristina Ayoub Riche, minha essência. vi AGRADECIMENTOS Neste espaço, quero registrar a minha gratidão e reconhecimento a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para conclusão desta dissertação. Aos meus professores do Instituto Coppead, pelos ensinamentos, amizade e apoio constantes e obstinação na tarefa de educar, destacando a professora Letícia Moreira Casotti pela sua atenção e orientação e pelas opiniões seguras na definição do presente estudo. Aos funcionários deste Instituto, destacando o pessoal da secretaria Carlos, Cida e Simone, que, sempre prestativos, tornam este ambiente universitário mais agradável. Ao pessoal da biblioteca, da xerox e da lanchonete que sempre me atendeu com presteza e bom-humor. Em especial, aos meus pais Guissan Jorge El-Assaad Riche e Cristina Ayoub Riche, que além de serem meus pilares de sustentação, souberam me ensinar o verdadeiro sentido da palavra família. vii RESUMO RICHE, Georges Ayoub. Marketing no SAARA: um estudo das decisões dos varejistas de ascendência árabe. Orientadora: Letícia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação. (Mestrado em Administração). O varejo, um dos maiores setores da economia global, vem atravessando um período de grandes mudanças. Vive-se um momento de desafio do setor varejista na busca de melhores práticas de gerenciamento da empresa. Este estudo teve como objetivo identificar quais os fatores que mais influenciam as tomadas de decisões relativas ao composto de marketing dos varejistas de ascendência árabe no SAARA (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega). A metodologia utilizada foi de caráter qualitativo e exploratório e o método de coleta de dados foi a entrevista em profundidade, realizada com sete varejistas de diversos ramos de atividade. Após a análise e interpretação dos dados coletados, pôde-se observar que as decisões de marketing se baseiam nas necessidades dos clientes, na disponibilidade de recursos financeiros da loja e, ainda, nos conhecimentos e experiência adquiridos no mercado. O estudo permitiu, ainda, identificar que o comportamento dos varejistas, praticamente inalterado desde a chegada de seus ascendentes, é algo similar ao que hoje chamamos de marketing de relacionamento, o que diminui a distância entre o interior das lojas e as ruas do SAARA. viii ABSTRACT RICHE, Georges Ayoub. Marketing no SAARA: um estudo das decisões dos varejistas de ascendência árabe. Orientadora: Letícia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação. (Mestrado em Administração). Retail, one of them largest sectors of the global economy, has been undergoing a phase of great changes. The retail sector is facing great challenges while seeking better business management practices. This study has aimed at identifying the factors that have exerted the most influence on the decision making process of retailers of Arab descent at the SAARA (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega – the “society of friends of the Rua da Alfândega area,” in Rio de Janeiro city center) concerning marketing. A qualitative and exploratory methodology was employed, and the data gathering instruments were indepth interviews carried out with seven retailers in different areas of activity. After analyzing and interpreting the collected data, it was possible to note that marketing decisions are based on clients’ needs, on the availability of the shop’s financial resources and, lastly, on the knowledge and experience acquired in the market. This study has also revealed that retailer behavior, a pattern unchanged since the arrival of their ancestors, is somewhat similar to what is now called relationship marketing, which decreases the distance between a shop's interior and the SAARA streets. ix SUMÁRIO Capítulo 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 1 1.1 - Objetivo ................................................................................................................................ 1 1.2 - Relevância do Estudo............................................................................................................ 2 Capítulo 2 REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................................... 6 2.1 - Conceito de Marketing e o Marketing Mix ........................................................................... 6 2.2 - Tipos de Orientações dos Negócios das Empresas ............................................................. 14 2.3 - Características do Varejo .................................................................................................... 22 2.3.1 - Conceito e Importância................................................................................................ 22 2.3.2 - O Varejo e o Cliente .................................................................................................... 25 2.3.3 - Varejo e o Marketing Mix............................................................................................ 31 2.4 - Varejo Brasileiro: um breve histórico................................................................................. 45 2.5 – SAARA: uma história ........................................................................................................ 50 Capítulo 3 METODOLOGIA ....................................................................................................................... 56 3.1 - Método de Pesquisa ............................................................................................................ 56 3.1.1 – Conceito de Pesquisa Qualitativa................................................................................ 57 3.1.2 – Entrevista em Profundidade........................................................................................ 58 3.2 – Perguntas de Pesquisa ........................................................................................................ 59 3.3 – Seleção dos Entrevistados .................................................................................................. 60 3.4 – Coleta dos Dados................................................................................................................ 62 3.5 – Análise dos Dados.............................................................................................................. 63 3.6 – Limitações do Estudo......................................................................................................... 64 Capítulo 4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS .......................................................................................... 66 4.1 - A Origem dos Negócios...................................................................................................... 66 4.2 – A Decisão Quanto aos Produtos......................................................................................... 69 4.3 – A Decisão Quanto aos Preços ............................................................................................ 72 4.4 – A Decisão Quanto às Promoções ....................................................................................... 75 4.5 – Processo de Seleção dos Vendedores................................................................................. 80 4.6 – Satisfação e Fidelização dos Clientes................................................................................. 84 4.7 – O Chamariz e a Concorrência Dentro e Fora do SAARA.................................................. 88 4.8 – Expectativa de Investimentos Futuros................................................................................ 91 4.9 – Definição das Empresas ..................................................................................................... 93 Capítulo 5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS........................................................... 95 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................... 117 ANEXOS................................................................................................................................... 125 ANEXO 1 - Roteiro da Entrevista ....................................................................................... 125 x LISTA DE QUADROS Nº TÍTULO Página 1 As 20 maiores empresas varejistas do Brasil – 1999 – US$ 4 2 Evolução do Conceito e da Esfera de Ação do Marketing 8 3 Histórico de Vendas do Varejo nos Estados Unidos 24 4 Marketing Mix do Varejo 36 5 Calendário promocional do varejo brasileiro 44 6 Perfil dos Varejistas Entrevistados 61 1 Capítulo 1 INTRODUÇÃO 1.1 - Objetivo O presente estudo tem por objetivo principal identificar quais os fatores que influenciam as tomadas de decisões relativas ao composto de marketing dos varejistas de ascendência árabe do SAARA (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega), ou seja, pretende investigar os principais fatores que influenciam a escolha dos varejistas quanto aos produtos a serem oferecidos ao mercado, seus preços e suas promoções. O SAARA, segundo seu presidente Ênio Bittencourt, é considerado o maior shopping a céu aberto da América Latina e está localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro. Enquanto Associação, foi criado, em 1962, pelos comerciantes de uma das mais antigas e dinâmicas áreas comerciais do Rio de Janeiro, tornando-se bastante popular. Representa, assim, todo o trecho do centro desta cidade, circundado pelas ruas dos Andradas, Buenos Aires, Alfândega e Praça da República. É neste contexto, de um ambiente varejista peculiar que se pretende desenvolver o objetivo anteriormente apontado. O varejo, um dos maiores setores da economia global, vem atravessando um período de grandes mudanças. Vive-se um momento de desafio do setor varejista na busca de melhores práticas de gerenciamento da empresa, uma vez que os varejistas precisam 2 criar uma abordagem estratégica de forma a sustentar, a longo prazo, vantagens competitivas. No Brasil, o fenômeno parece ser o mesmo, o setor varejista vem crescendo de forma representativa, daí a necessidade de o varejista rever constantemente as suas decisões, escolhendo o composto de marketing mais adequado à sua realidade. Consiste o composto de marketing, no entender de muitos estudiosos dessa área de conhecimento (KOTLER e ARMSTRONG, 1999; ROCHA e CHRISTENSEN, 1999; CHURCHILL JR. e PETER, 2000), no conjunto de ferramentas utilizadas pela gerência de marketing, com o fito de influenciar a demanda específica do mercado para que ocorra o melhor ajuste com a oferta da empresa, gerando, assim, valor para os clientes e ao mesmo tempo alcançando os objetivos organizacionais. O composto de marketing é constituído por quatro variáveis: produto, preço, praça e promoção. 1.2 - Relevância do Estudo O ambiente de mudanças que vem se instaurando no Brasil desde a abertura econômica (iniciada com o Plano Collor), seguida de aumento na competição entre as empresas, queda da inflação, e estabilidade monetária (iniciada com o Plano Real) tem tido forte repercussão no varejo, determinando, desta forma, a necessidade de se estudar este setor, ainda pouco explorado. O setor varejista, considerado um setor conservador, que estava acostumado, via de regra, a obter ganhos através de especulação com estoque devido às altas taxas de inflação, hoje, encontra-se em um ambiente em que o conhecimento do comportamento do consumidor parece ser de vital importância para o 3 sucesso da empresa, à longo prazo, na medida em que pode contribuir para aumentar a capacidade competitiva das empresas. Para Kotler (1994), atributos como confiança e lealdade são os requisitos buscados pelas empresas para a melhoria de suas relações com seus clientes finais. O autor assevera que as empresas vêm mudando o enfoque de transação para um enfoque de construção de relações valiosas e duradouras, visando a retenção da clientela. Segundo Berry (1999) está a se construir um novo modelo de varejo que prevalecerá no futuro. A concorrência simples, calcada no preço, esta ficando para trás. A nova tendência leva os varejistas a buscarem alternativas no sentido de adequar o modelo de criação de valor para seus clientes, maximizando benefícios significativos e minimizando os custos, e de adotar um diferencial em relação aos concorrentes. Já, no entender de Parente (2000), há uma tendência no varejo brasileiro de substituição dos atuais formatos de lojas, desaparecendo milhares de empresas varejistas e surgindo muitas outras em diferentes formatos. Nessa linha, ressalta o referido autor, que o varejo é uma das atividades empresariais que vem sofrendo transformações ao responder às modificações do ambiente tecnológico, econômico e social em que está inserido. No Brasil parece prevalecer, neste tipo de comércio, a tendência de curto prazo em suas atividades gerenciais. A rapidez da mudança do mercado, ao longo das últimas décadas, vem dificultando o planejamento de atividades estratégicas, de médio e longo prazo, 4 porque faz-se necessária uma administração cotidiana. Desta forma, a elaboração de estudos para o desenvolvimento do instrumental de marketing adequado à gerência dos negócios no varejo, pode ser uma contribuição importante para essa área da economia. O intenso ritmo de crescimento e transformação que marcou o varejo brasileiro nos anos de 1998 a 2000 faz com que haja necessidade de atualização constante das informações relativas ao setor. O quadro abaixo registra a situação do setor varejista (as 20 maiores empresas do Brasil), no exercício referente a 1999, refletindo a importância deste setor na economia brasileira, dado o seu volume de vendas e número de empregados. Quadro1 – As 20 maiores empresas varejistas do Brasil – 1999 – US$ 1999 1o 2o 3o 4o 5o 6o 7o 8o 9o 10o 11o 12o 13o 14o 15o 16o 17o 18o 19o 20o Nome Carrefour Pão de Açúcar Sonae Casas Bahia Bompreço Supermercados Sendas Ponto Frio Makro Lojas Americanas McDonald’s Agip Liquigás Pernambucanas Wal-Mart Ultragaz Supergasbrás Distribuidora Jerônimo Martins/Sé Superm. Drogaria São Paulo Zaffari Lojas Colombo G. Barbosa Cidade São Paulo, SP São Paulo, SP Porto Alegre, RS S.C. do Sul, SP Recife, PE S. João Meriti, RJ Rio de Janeiro, RJ São Paulo, SP Rio de Janeiro, RJ São Paulo, SP São Paulo, SP São Paulo, SP Osasco, SP São Paulo, SP Rio de Janeiro, RJ São Paulo, SP São Paulo, SP Porto Alegre, RS Farroupilha, RS Aracaju, SE Controle Vendas 1999 (em N°° Capital US$ milhôes) empregados França Brasil Portugal Brasil Holanda Brasil Brasil Holanda Brasil EUA Itália Brasil EUA Brasil Brasil Portugal Brasil Brasil Brasil Brasil 4.672 37.004 4.564 34.624 1.678 19.527 1.642 11.508 1.554 17.980 1.398 14.782 1.224 5.395 1.125 3.068 901 12.485 727 Não-disponível 693 3.804 619 10.787 561 6.154 551 3.022 433 4.859 420 5.000 409 4.672 394 6.488 355 4.604 305 5.029 Fonte: Parente (2000, p.21) Pode-se observar, no quadro anterior, que o varejo de alimentos possui destacada importância no varejo brasileiro, o que parece ocorrer dado o grande peso que os gastos em alimentos têm na cesta de compras dos consumidores de baixa renda que representam a grande maioria da população brasileira. Já no caso dos países mais 5 desenvolvidos, como os Estados Unidos, grande parte dos maiores varejistas concentra suas atividades no setor não-alimentos, como por exemplo Wal-Mart, Sears, The Home Depot, Toys R’ Us, dentre outros, o que pode sugerir que o varejo de não-alimentos no Brasil representa um grande mercado potencial, que pode estar sendo inibido pela restrição orçamentária do consumidor brasileiro. Deve-se salientar que, mesmo diante de todas as mudanças inicialmente apontadas no cenário do varejo, com base nas informações dos comerciantes que atuam no SAARA, parece não ter havido muitas transformações que viessem a contribuir para grandes mudanças no perfil de atuação desse formato peculiar de varejo. Este parece constituirse no principal aspecto motivador desta pesquisa. Ao procurar conhecer como são tomadas as decisões referentes ao composto de marketing no SAARA, acredita-se estar contribuindo para uma análise da atividade varejista naquela região, conhecida por suas características plurais e por sua performance diferenciada. Observa-se, ainda, o caráter pouco explorado do tema. Esta pesquisa contribui para ampliar os debates existentes em torno de uma prática varejista com características bem particulares como as encontradas no SAARA. 6 Capítulo 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 - Conceito de Marketing e o Marketing Mix Segundo Kotler e Armstrong (1999) um número significativo de pessoas entende que o marketing é composto somente por vendas e propaganda, e isto se dá devido a um índice elevado de comerciais televisivos, anúncios em jornais, mala-direta e telemarketing. Na verdade, vendas e propaganda são apenas duas funções dentre muitas que compõem o marketing, ou seja, são partes do composto de marketing, ou marketing mix, que é constituído por: preço, praça, produto e promoção. Ainda, segundo Kotler e Armstrong (1999), nos dias de hoje, o marketing deve ser compreendido não só no sentido de vender, mas também de satisfazer as necessidades do cliente. É a partir deste ponto que o autor define o conceito de marketing como: “processo social e gerencial através do qual indivíduos e grupos obtêm aquilo que desejam e de que necessitam, criando e trocando produtos e valores uns com os outros” (p.3). No entender de Cobra (1985), o conceito de venda, no passado, visualizava o lucro por meio da venda, e essa utilizava como meio uma integração entre venda e promoção, em que o foco era o produto. Atualmente, o foco é a necessidade do cliente, o meio passou a ser o marketing integrado e o fim a obtenção de lucro juntamente com a satisfação do cliente. Desta forma, o meio não é a venda em si, mas o marketing dentro da venda com a finalidade de satisfazer o cliente. 7 Cobra (1985) assevera que o marketing desempenha papel fundamental na integração das relações sociais e nas relações de trocas lucrativas e não lucrativas. Sustenta que, em geral, a sociedade brasileira respira e alimenta-se de marketing, de forma consciente ou não. De acordo com a American Marketing Association apud Churchill Jr. e Peter (2000), marketing é o processo de planejar e executar a concepção, estabelecimento de preços, promoção e distribuição de idéias, produtos e serviços, com a finalidade de criar trocas que venham a satisfazer tanto os indivíduos quanto as organizações. Para Churchill Jr. e Peter (2000) a essência do marketing é o desenvolvimento de trocas onde organizações e clientes participam, de forma voluntária, de transações destinadas a trazer benefícios para ambos. Rocha e Christensen (1999) definem marketing como uma função gerencial que, através da utilização de um conjunto de princípios e técnicas, busca ajustar a oferta da empresa a demandas específicas do mercado. É, ainda, o marketing, uma orientação da administração que reconhece a satisfação do consumidor como tarefa primordial da organização. Segundo Brown (1997), a crença generalizada no conceito de marketing, como chave do sucesso empresarial, surge no início do pós-guerra. É, neste momento, que o debate sobre o conceito e a esfera de ação do marketing começa a ganhar força. Tal afirmativa 8 pode ser verificada no quadro a seguir, onde estão, em destaque, algumas críticas ao conceito de marketing: Quadro 2 – Evolução do Conceito e da Esfera de Ação do Marketing ANO FOCO PROPOSIÇÕES 1954 CONCEITO Com a Prática da Administração de Empresas, Drucker lança o marketing moderno: “o marketing é a função distinta e singular da atividade comercial” 1960 CONCEITO O caráter do conceito de marketing começa a ser delineado com Levitt em Marketing Myopia. Diz ele: “as atividades comerciais devem se desenvolver de trás para frente, partindo das necessidades dos clientes” Com Levitt e Kotler, começa a se esboçar a esfera de ação do marketing: “é uma atividade abrangente, aplicada tanto a políticos, instituições beneficentes e universidade quanto a produtos”. Para Luck, “o marketing deve ser limitado às ações de mercado” 1969 ESFERA DE AÇÃO 1971 CONCEITO Bel, Emory e Kotler afirmam: “o marketing deve ir além do foco no cliente e cuidar de assuntos sociais mais amplos” 1972 ESFERA DE AÇÃO Kotler diz que o marketing é mais uma categoria da atividade humana como “votar, amar, consumir e lutar” 1976 ESFERA DE AÇÃO Hunt declara a vitória dos partidários da ampliação da esfera de ação do marketing 1978 CONCEITO 1983 ESFERA DE AÇÃO 1986 CONCEITO Dickinson e colaboradores afirmam que marketing é basicamente uma disciplina manipuladora 1989 CONCEITO Para Baker, o marketing trata de trocas que satisfazem tanto consumidores quanto fornecedores – não apenas consumidores 1990 ESFERA DE AÇÃO Naver e Slater dizem que o marketing não se aplica ao mercado de commodities; para Wensley, o conceito é falho nos setores de serviços, atividades não lucrativas e administração pública 1991 CONCEITO Análise de Kheir-El-Din comprova que há relação entre sucesso empresarial e orientação pelo marketing. Christopher e outros lançam a idéia de que o marketing deve se concentrar em relacionamentos de longo prazo 1993 ESFERA DE AÇÃO E CONCEITO Hooley e Saunders decretam que o marketing chegou à maioridade e com alta popularidade. Marion, Cova e Svanfeldts, ao contrário, sustentam que o marketing está a beira de uma crise intelectual. Para Thomas, o conceito apenas não funciona em alguns países, como os do Leste Europeu 1994 CONCEITO Vários autores, como Lynch, Brownline e colaboradores, insistem que o marketing chegou ao seu fim Hoje (1997) ESFERA DE AÇÃO E CONCEITO Fonte: Brown (1997, p.99) Segundo Sachs e Benson, o êxito do marketing não ocorre só ao se satisfazer as necessidades dos clientes, mas ao lhes proporcionar satisfação maior do que a oferecida pelos concorrentes Começam a surgir dúvidas quanto a aplicabilidade do marketing em certos setores. Workman diz que o marketing é irrelevante em empresas de alta tecnologia e pode até inibir a inovação A crise continua em debate, mas o marketing de relacionamento começa a ganhar força como possível solução 9 Kotler (2001) entende que, atualmente, está ocorrendo uma desconstrução da forma tradicional do marketing. Afirma que hoje convivem dois tipos de marketing, um deles é o marketing antigo, baseado em fabricar e vender, o outro é o marketing novo, baseado em perceber e reagir. No caso da pratica do marketing mais antigo, os vendedores ou pessoal de marketing pedem para que os produtos sejam colocados à venda no mercado. Eles seguem a seguinte lógica: já que o produto foi fabricado devese encontrar algum interessado em comprá-lo. Já no marketing orientado para perceber e reagir, o ponto de partida para sua prática passa a ser o cliente. A pesquisa de mercado passa a ser uma ferramenta fundamental, isto porque não se pode ofertar sem antes averiguar se existem clientes interessados no produto. De acordo com Rocha e Christensen (1999) a prática da gerência de marketing está ligada ao composto de marketing, também chamado marketing mix,, que é o ferramental controlado pelo gerente de produto, por meio do qual ele pode obter o melhor ajuste entre a oferta da sua empresa ao mercado e a demanda existente. Os autores asseveram que a consistência e a coerência entre os vários elementos do mix são indispensáveis para o sucesso da empresa. O composto de marketing, no entender de Churchill Jr. e Peter (2000), é uma combinação de ferramentas estratégicas utilizadas com a finalidade de criar valor para os clientes e alcançar os objetivos da empresa. Kotler e Armstrong (1999) definem o composto de marketing como o grupo de variáveis controláveis que a empresa utiliza para produzir a resposta que deseja no 10 mercado-alvo. Consiste, desta forma, nas ações das empresas com intuito de influenciar a demanda por seus produtos. Essas ações, portanto, podem ser reunidas em quatro grupos de variáveis, chamadas de 4 Ps: produto, preço, praça e promoção. Ainda segundo os referidos autores, o produto é a combinação de bens e serviços ofertados pela empresa ao mercado-alvo. A empresa deve oferecer não só o produto como também a garantia que ele irá funcionar de maneira adequada. Fazem parte do produto a qualidade, o design, as características, a variedade, o nome da marca, a embalagem, os serviços, as garantias, ect. Para Churchill Jr. e Peter (2000) o produto significa algo que é ofertado pelos profissionais de marketing para o cliente com propósito de troca. Cobra (1985) salienta que o produto pode ser também um serviço e que deve atender às necessidades e desejos dos consumidores-alvo. O autor afirma que o produto deve ter qualidade e padronização (em termos de características, desempenho e acabamento), modelos e tamanhos que atendam às expectativas dos consumidores e configuração (em termos de apresentação física, embalagem, marca e serviço). O preço, de acordo com Kotler e Armstrong (1999), é o montante de dinheiro que os clientes devem pagar para obter o produto. Os preços podem ser negociados com cada cliente, sendo oferecidas diferentes opções de forma de pagamento, para que o preço cobrado esteja em sintonia com a expectativa do comprador quanto ao valor do produto. Os descontos, subsídios, condições de crédito, entre outros, fazem parte do preço. 11 Já para Churchill Jr. e Peter (2000), o preço significa a quantidade de dinheiro ou outros recursos que devem ser dados em troca, por parte do consumidor, de produtos ou serviços oferecidos pelas empresas. A praça, no entender de Kotler e Armstrong (1999), envolve todas as atividades das empresas que tornam os produtos disponíveis para os consumidores-alvo, como, por exemplo, canais de distribuição, armazenagem, transporte do produto, localização etc. Segundo Cobra (1985), é a praça que viabiliza o posicionamento do produto ou serviço junto ao seu mercado consumidor. Churchill Jr. e Peter (2000) definem praça como os canais de distribuição utilizados para levar produtos e serviços ao mercado com a finalidade de torná-los disponíveis para troca. A promoção, ainda, segundo os autores, consiste nos meios pessoais e impessoais usados para informar, convencer e lembrar os clientes a respeito dos produtos e serviços disponibilizados pela empresa. No entender de Cobra (1985) a promoção deve veicular o produto ou serviço ao mercado, de forma a estimular e concretizar as vendas da empresa, ou seja, a transferência de posse. Afirma, o autor, que o composto promocional do produto ou 12 serviço compreende a publicidade, as relações públicas, a promoção de vendas, a venda pessoal e o merchandising. Para Kotler e Armstrong (1999) a promoção consiste na atividade de comunicação feita pela empresa com a finalidade de expor os atributos dos seus produtos e persuadir os consumidores-alvo a adquirí-los. Dentre tais atividades estão a venda pessoal, propaganda, promoção de vendas, publicidade, relações públicas etc. Os autores entendem que a eficácia do marketing está condicionada à reunião de todos os elementos do composto de marketing em um programa coordenado, destinado a alcançar os objetivos de marketing da empresa por meio da oferta de valor aos consumidores. Grönroos (1990) salienta que o paradigma do composto de marketing tem dominado o pensamento, a prática e a pesquisa de marketing desde seu surgimento. O autor afirma que o marketing mix sugere a idéia do profissional de marketing como um misturador de ingredientes que planeja vários meios de competição e os reúne em um composto de marketing, de forma a otimizar a função lucro da empresa. Para Gummesson (1994b) a redução do conceito original do composto de marketing, inicialmente constituído por 12 parâmetros e, posteriormente, sintetizado nos 4 Ps (produto, preço, praça e promoção), resultou na sua perda de substância e validade. 13 Segundo Grönroos (1994) o composto de marketing pode ser considerado uma lista de categorias de variáveis de marketing, e, assim sendo, não é possível utilizá-la em todas as ocasiões. Em determinada situação pode surgir a necessidade de utilização de algum elemento relevante que não está presente na lista, o que a tornaria inadequada ou obsoleta. Uma forma de se confirmar esta limitação do marketing mix se dá por meio da verificação das inúmeras propostas feitas pelos acadêmicos da área de marketing para aumentar o número de variáveis do composto. Grönroos (1989) ressalta, além da questão supracitada, o problema do modelo ter sido elaborado por intermédio da utilização de dados empíricos relativos a apenas alguns setores de um lugar específico e em um ambiente de marketing muito peculiar, ou seja, o modelo do composto de marketing foi desenvolvido com base em estudos realizados nos setores de bens de consumo e duráveis na América do Norte, onde o ambiente era caracterizado por um grande mercado doméstico, pelo consumo em massa e por um sistema de distribuição muito competitivo. Desta forma, a aplicação do composto de marketing em qualquer lugar, setor e situação diferente da descrita anteriormente, acaba ficando comprometida. Ainda segundo o autor, o conceito de marketing, ao afirmar que a empresa deve basear todas as suas atividades nas necessidades e desejos dos consumidores em determinados mercados alvo, desconsidera as restrições impostas pelo ambiente onde a empresa atua, como, por exemplo, as leis e os acordos industriais. O autor, apesar de ainda considerar o conceito de marketing válido, salienta que a forma de colocá-lo em prática, através do composto de marketing, reflete uma visão orientada para produção, pois ela tem início 14 na empresa e não no mercado. De acordo com esta visão, as atividades da empresa são direcionadas pelos produtos, tecnologia e processos de produção existentes. 2.2 - Tipos de Orientações dos Negócios das Empresas Quanto às diferentes orientações dos negócios das empresas, vários autores (KOTLER e ARMSTRONG, 1999; ROCHA e CHRISTENSEN, 1999; CHURCHILL Jr e PETER, 2000) apontam três diferentes abordagens: orientação para o produto, orientação para vendas e orientação para marketing. No entender de Rocha e Christensen (1999), a orientação para o produto segue a lógica do fabricante e não a do consumidor, ou seja, ao invés de olhar para o que o consumidor deseja, focaliza o que o fabricante tem a oferecer. Salientam que a ênfase das empresas que seguem essa orientação está na qualidade e nos aspectos técnicos do produto, na melhoria dos processos de produção e nos controles de custo. Afirmam, também, que as empresas orientadas para o produto possuem uma crença muito forte em seu produto e na capacidade de o mesmo atrair clientes, isto é, as empresas passam a acreditar que seu produto é tão bom que se vende sozinho. Este tipo de orientação, ainda, segundo os autores, é uma orientação de curto prazo, pois a empresa pode ficar míope ao não enxergar as tendências dos consumidores. Churchill Jr. e Peter (2000) asseveram que a orientação para o produto, embora seja muito criticada por vários profissionais de marketing, pode ser apropriada em determinadas situações, como, por exemplo, em mercados de alta tecnologia onde as mudanças ocorrem de forma muito rápida, não dando tempo suficiente para as empresas 15 realizarem pesquisas junto aos seus clientes, buscando descobrir o que eles querem. Neste caso, a empresa tenta fabricar produtos superiores aos dos concorrentes com a melhor qualidade possível, com a esperança de que ele será bem aceito pelo mercado. Consiste a orientação para vendas, segundo Rocha e Christensen (1999), na ênfase dada pelas empresas na utilização de instrumentos promocionais como propaganda, promoção, venda pessoal, dentre outros, com o propósito único de gerar vendas a curto prazo. Asseveram, ainda, que este tipo de orientação pode ser definida através da seguinte frase: “vender a qualquer custo”. Tipicamente, uma empresa orientada para vendas gera clientes insatisfeitos no longo prazo, porém, a gerência não se preocupa com este fato pois acredita que novos clientes serão captados e a empresa continuará a vender seus produtos. Salientam os autores que, somente em condições específicas, uma empresa com este enfoque poderá subsistir por muito tempo. São elas: - “quando o mercado é de vendedores e as empresas ditam aos clientes as condições pelas quais estão dispostas a vender seus produtos; - quando as empresas concorrentes adotam esta mesma orientação, de tal forma que o consumidor, ainda que insatisfeito, não dispõe de alternativas; - quando a sociedade não está organizada em movimentos de consumidores, de forma a coibir abusos de fabricantes e comerciantes; 16 - quando o produto em questão é de compra altamente infreqüente e os sistemas de produção e de distribuição são automatizados, não havendo penalidades para o vendedor nem possibilidade do consumidor obter informações prévias sobre o mesmo ou os serviços que pretende adquirir.”(p.20) No entender de Kotler e Armstrong (1999), a maioria das empresas segue orientações para vendas quando possui excesso de produção, ou seja, o objetivo da empresa passa a ser o de vender o que faz, e não o de fazer o que o mercado deseja. Desta forma, o marketing baseado em vendas apresenta um grande risco, pois concentra-se em desenvolver transações de vendas, e não em construir relacionamentos lucrativos a longo prazo com os clientes. A orientação para vendas parte do princípio de que os clientes que são convencidos a comprar o produto gostarão dele, e se não gostarem, talvez venham a esquecer seu desapontamento comprando o produto mais tarde. Para Churchill Jr. e Peter (2000) uma orientação para vendas envolve a concentração das atividades de marketing na venda dos produtos disponíveis e, normalmente, é utilizada quando a oferta de produtos e serviços é maior do que a demanda. Segundo Churchill Jr. e Peter (2000), embora haja situações em que abordagens de produção e venda são apropriadas, na maioria dos casos as chances de sucesso da empresa no longo prazo são ampliadas com uma orientação para marketing. Este tipo de 17 abordagem depende da compreensão das necessidades e desejos dos clientes e da construção de produtos e serviços que possam satisfazê-los. Kotler e Armstrong (1999) sustentam que a orientação de uma empresa para marketing visa atingir as metas organizacionais, para tanto, é preciso determinar as necessidades e desejos dos mercados-alvo e proporcionar a satisfação desejada de forma mais eficiente que seus concorrentes. Registram que o conceito de orientação para marketing, diferentemente, da orientação para vendas, possui uma perspectiva de fora da empresa para dentro da empresa, ou seja, começa com um mercado bem definido, concentra-se nas necessidades do consumidor, coordena todas as atividades de marketing que afetam o consumidor e obtêm o lucro criando a satisfação do consumidor. As empresas produzem o que os consumidores desejam, satisfazendo-os e obtendo lucro, desta forma, o foco da empresa passa a ser o cliente. Whitney (1997) acredita que a única forma de uma empresa “fazer dinheiro” é conseguindo tornar seus clientes fiéis, para isso é preciso que a gerência de marketing tenha certeza da satisfação dos clientes. O autor insiste que clientes satisfeitos indicam a empresa para outras pessoas, como amigos e parentes, propiciando o aparecimento de novos clientes e, conseqüentemente, o aumento das vendas e do lucro da empresa. No entender de Brown (1997) a ênfase absoluta na satisfação das necessidades dos clientes, ou seja, a ênfase na orientação para marketing, é condenada pelo fato de desviar a atenção para o produto e para sua manufatura. Ao concentrar todas as atenções nas necessidades dos clientes, esta orientação está reprimindo as inovações, uma vez 18 que, na maioria dos casos, os consumidores não são capazes de identificar suas necessidades latentes. Sendo assim, freqüentemente, as necessidades identificadas pelos próprios consumidores são aquelas que estão ligadas a algo já existente, ou seja, algo familiar. Drucker (1997) afirma que, atualmente, o foco no cliente passou a ser insuficiente para o sucesso da empresa, pois existe um número crescente de pessoas que não são clientes da empresa e são “deixados de lado”. Como, geralmente, esse número apresenta proporções altíssimas quando comparado aos que são efetivamente clientes da empresa, torna-se necessário um “novo foco” para os chamados não clientes. Como forma de reforçar esta assertiva, o autor cita, como exemplo, as grandes lojas de departamentos dos EUA, Japão, Alemanha e Espanha, que não davam nenhuma atenção aos não clientes (estes representavam 70% dos possíveis consumidores), pois entendiam que o seu público–alvo era composto somente por mulheres, que há 40 anos atrás eram, em sua maioria, donas de casa, não percebendo a mudança do papel da mulher em relação à sociedade, e, desta forma, deixando de obter ganhos com os não clientes, como por exemplo os maridos dessas mulheres que passaram a fazer compras nestas lojas. O autor cita, ainda, o caso da IBM que perdeu uma grande parcela do mercado devido ao aparecimento de novos usuários mais interessados em softwares e computadores pessoais, diferentemente, do que a própria empresa pensava, ou seja, que seus clientes interessados em grandes computadores deixaram de existir. Salienta o referido autor, em sua conclusão, a importância de se conhecer tanto o cliente como o não cliente. Enfatiza que a empresa deve estar mais voltada para o mercado do 19 que para os clientes, pois o seu sucesso estará condicionado a sua capacidade de rápida adaptação as mudanças, podendo, assim, obter os benefícios provindos da mesma. Além das três orientações dos negócios das empresas mencionadas na literatura, os estudos de Kohli e Jaworski (1990) e de Narver e Slater (1990) introduzem o conceito de orientação para o mercado. Nesses estudos conceituou-se a orientação para o mercado como um fenômeno multidimensional e organizacional em que cada dimensão representava uma característica diferente de orientação para o mercado. Segundo Kohli e Jaworski (1990) a definição de orientação para o mercado engloba três grandes atividades de negócio: o desenvolvimento de um know-how de mercado, a disseminação desse know-how e uma organização capaz de colocá-lo em prática. No entender de Narver e Slater (1990), o conceito de orientação para o mercado consiste em orientação para o cliente, em orientação para o competidor e em uma coordenação interfuncional que organiza a utilização dos recursos da empresa com o objetivo de criar maior valor para o cliente-alvo. Deng e Dart (1994), sintetizando os conceitos supracitados, definem orientação para o mercado como a implementação de uma filosofia de negócio, ou seja, do conceito de marketing. Para os autores o conceito de marketing significa uma filosofia de negócio que sustenta a lucratividade a longo prazo, e a melhor forma de alcançá-la é por meio do foco nas atividades coordenadas da empresa que visam satisfazer as necessidades de um determinado segmento de mercado. Já a orientação para o mercado é a criação de um 20 know-how de mercado apropriado sobre as necessidades presentes e futuras dos consumidores e as habilidades que as empresas possuem para satisfazê-las; a integração e disseminação deste know-how por todos os departamentos da empresa; e a existência de uma sincronia entre elaboração e execução das respostas estratégicas da empresa, relativamente às oportunidades de mercado. De acordo com Gray et al. (1998), a interpretação feita por Deng e Dart (1994), propiciou o surgimento de duas correntes sobre estudo do marketing. Uma das correntes enfoca o estudo da orientação das empresas para marketing, seguindo o conceito de marketing, que, freqüentemente, investiga as diferenças entre a produção, vendas e filosofia de marketing. A outra corrente, baseada nos estudos da orientação para o mercado, enfoca, por outro lado, a influência dos fatores externos nas implementações e na tomada de decisões de marketing. Para Gray et al. (1998), os estudos de orientação para marketing tendem a estar relacionados à forma como os americanos interpretam o conceito de marketing, especialmente, em seu papel funcional de coordenação e gerência dos 4 Ps (preço, praça, produto e promoção), para melhor entender e atender as necessidades dos clientes. Um dos maiores problemas desse tipo de estudo, apontado pelos autores, é o de subestimar as dificuldades organizacionais na implementação do conceito de marketing. Por outro lado, os estudos sobre orientação para o mercado tendem a não enfatizar o papel dos gerentes e departamentos de marketing, e ao invés disto, reforçam a idéia de 21 que desenvolver relações e criar valor para os clientes é responsabilidade de toda a organização. Yau (2000) assegura que similarmente ao ocorrido nos últimos anos, em que a filosofia de negócio sofria mudanças no tocante às orientações das empresas, nos dias atuais ela também sofre mudança, direcionando sua orientação para o marketing de relacionamento. O autor observa que, em alguns setores, a importância de uma orientação para o marketing de relacionamento pode ser considerada mais relevante que a orientação para o mercado. Yau (2000) afirma, ainda, que a definição de orientação para marketing de relacionamento é baseada em quatro fatores (dimensões): vínculo, empatia, reciprocidade e confiança. O vínculo pode ser definido como uma das dimensões das relações de negócios que envolve duas partes (consumidores e fornecedores) na busca de um objetivo comum. Há vários vínculos entre as partes e indicam diferentes níveis de relacionamento. Servem como instrumento de controle social e comportamento dos negócios na sociedade, contribuem para o esclarecimento de dúvidas dando credibilidade e tornando os relacionamentos mais próximos. Em suma, o fator vínculo consiste no desenvolvimento da fidelidade do cliente à marca a longo prazo. Empatia é uma dimensão que envolve a capacidade de uma das partes sentir o que a outra parte sentiria caso estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por esta 22 outra. É uma condição necessária para o desenvolvimento de uma relação positiva entre as partes. A reciprocidade implica troca ou permuta de benefícios entre as partes. Ela abrange uma contingência bilateral, de interdependência mútua e igualdade na troca dos valores entre as duas partes. Tanto a reciprocidade quanto o vínculo são aspectos que denotam a cooperação mútua. A confiança consiste na convicção e na segurança de que as intenções das partes envolvidas são verdadeiras. No contexto de marketing de relacionamento, a confiança é definida como uma dimensão da relação de negócio que determina o grau de credibilidade que cada parte deposita nas promessas feitas pela outra. A confiança também está relacionada aos componentes das três outras dimensões (vínculo, empatia e reciprocidade) ao conduzir para a cooperação, comunicação e barganha entre as partes. Via de regra, quanto mais alto o grau de confiança entre as partes, maior é a probabilidade desta relação se manter a longo prazo. 2.3 - Características do Varejo 2.3.1 - Conceito e Importância Levi e Weitz (2000, p.27) conceituam varejo como: “um conjunto de atividades de negócios que adiciona valor a produtos e serviços vendidos a consumidores para seu uso pessoal e familiar”. Envolve não só a venda de produtos em loja como, também, a venda de serviços, afetando todos os aspectos da vida. 23 Segundo Kotler e Armstrong (1999), o varejo reúne todas as atividades de venda de bens ou serviços diretamente para consumidores finais, para seu uso pessoal, não estando relacionado a atividades negociais. O autor salienta que, apesar do rápido crescimento do varejo sem loja (vendas por telefone, mala-direta, meios eletrônicos, etc), a grande maioria ainda se encontra baseada em lojas. Kotler e Armstrong (1999) afirmam que, atualmente, a maioria das lojas procura se agrupar, com o objetivo de aumentar suas capacidades e de atrair um maior número de consumidores, proporcionando-lhes a conveniência de poder efetuar todas as compras em um só lugar. As principais formas de agrupamento, citadas pelo autor, são o centro comercial e o shopping center. Até a década de 1950, os centros comerciais eram considerados como a principal forma de agrupamento de varejistas. As grandes cidades tinham um centro comercial composto por lojas de departamentos, lojas de especialidades, bancos etc. No entanto, o deslocamento da população para áreas mais distantes, o aumento do fluxo de veículos, a falta de estacionamento, aliados à violência urbana, provocaram uma queda nas vendas nestes centros, fazendo com que alguns varejistas optassem pelos shopping centers, agrupamento planejado de varejistas desenvolvido, possuído e administrado com uma unidade, na tentativa de suprir as deficiências acima elencadas. Levi e Weitz (2000), consideram o varejo um dos maiores setores da economia mundial e que vem atravessando um período de transformações dramáticas e excitantes. As necessidades do consumidor e alguns aspectos demográficos estão mudando, e com isso os varejistas começaram a buscar maneiras mais adequadas para responder a estas 24 mudanças. Os autores asseveram que até mesmo a pequena mercearia que se “localizava ali na esquina” evoluiu para um negócio mais amplo, alcançando muitas vezes o âmbito internacional. Berman e Evans (1998) reforçam a importância do varejo no cenário mundial, afirmando que nos últimos anos tem ocorrido nos Estados Unidos um aumento significativo nas vendas do setor varejista, o que pode ser observado no quadro 3. Quadro 3 - Histórico de Vendas do Varejo nos Estados Unidos Milhões de Dólares Ano Vendas Variação (%) 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 $1,449,636 $1,541,299 $1,656,202 $1,758,971 $1,844,611 $1,855,937 $1,951,589 $2,074,499 $2,236,966 $2,340,817 $2,402,277 $2,509,347 $2,634,085 $2,862,955 $3,082,755 $3,183,263 -6.3 7.5 6.2 4.9 6.1 5.2 6.3 7.8 4.6 2.6 4.5 5.0 8.7 7.7 3.3 Fontes: Berman e Evans(1998, p. 6) U.S. Department of Commerce; Bank of Tokyo-Mitsubishi, Ltd. (New York) O varejo, desta forma, passou a desempenhar um papel significativo em relação à contribuição para o aumento da força da economia americana, não só em termos de vendas, como, também, em termos de um grande aumento do número de pessoas empregadas pelas lojas varejistas. 25 2.3.2 - O Varejo e o Cliente No tocante à essência do varejo, Berry (1999) ensina que ela está ligada à construção da relação entre empresa e cliente, ou seja, o que leva o consumidor a uma loja e não a outra, tendo em vista que o objetivo final do cliente é um só: comprar o que necessita, o que gosta ou o que deseja. Ressalta, ainda, que o consumidor demonstra ter o mesmo grau de exigência em relação a um produto ou serviço, durante o processo de construção de um relacionamento fiel com o varejista. De acordo com de Berry (1999), a melhor forma que o varejista possui de auto-análise, no que tange a exploração de suas possibilidades e limites, é perguntar a si mesmo se os clientes realmente sentiriam falta de sua loja se ela desaparecesse repentinamente. Caso a resposta seja negativa, o varejista deverá tomar medidas extremas com o fito de garantir um lugar no mercado futuro. Sendo a resposta positiva, o autor afirma que é indispensável a revisão constante das qualidades que contribuíram para o sucesso. Ainda segundo o referido autor, as antigas estratégias de competição com base no preço, até hoje utilizadas por determinadas empresas, direcionam o varejista para o caminho da decadência: “vender barato deixou de ser a palavra da ordem” (p.59). Berry (1999) acredita que o setor varejista está apoiado em dois pilares (localização e mercadoria), e que o varejo do futuro será construído sobre um conceito diferente que combine estes dois fatores-chave. Portanto, este conceito pode ser intitulado como “valor da experiência”, onde, nesse esquema, o preço passa a ser somente parte do valor. Do ponto de vista do cliente, o valor equivale aos benefícios recebidos em 26 contrapartida ao esforço representado pelo ato da compra. Dentre esses benefícios, podem-se destacar a qualidade da mercadoria, a atenção dos funcionários, o ambiente e a comodidade. Para Pine II (1999), no momento em que os varejistas transformam suas lojas em experiências agradáveis, as pessoas passam a querer despender mais tempo dentro delas, chegando, muitas vezes, a pagar mais pelo que compram. Um exemplo, citado pelo autor, com o fito de reforçar a afirmação acima, é a Disney World. A Disney, na verdade, pode ser considerada um enorme shopping onde as pessoas pagam para entrar, se divertir, e além disso comprar chapéus, relógios, ou camisetas com o desenho do Mickey Mouse, como lembrança. Pine II (1999) afirma que nos Estados Unidos as palavras “entertailing” (um mistura das palavras entretenimento e varejo em inglês) e “shoppertainment” (um mix entre compras e entretenimento) foram se tornando mais populares à medida em que os varejistas incorporavam o conceito de entretenimento em seus negócios. Ainda segundo Pine II (1999), dado o novo panorama que se destaca por ser extremamente competitivo, os varejistas devem definir novas estratégias para geração de valor da seguinte maneira: analisando de que forma cada cliente se relaciona com cada uma das cinco dimensões sensoriais que compõem a experiência, ou seja, a visão, a audição, o paladar, o olfato e o tato. Entretanto, o autor ressalta que, em primeiro lugar, é preciso determinar o tema central da experiência que se deseja oferecer, e além disso, os varejistas precisam saber quais as características que contribuirão para 27 fortalecê-lo (incluindo arquitetura, decoração e produtos) e até mesmo o que as pessoas (vendedores e clientes) farão no local. Berry (2001), faz referência aos cinco pilares utilizados pelos melhores varejistas como forma de criar valor para seus clientes. São eles: resolver os problemas do consumidor, tratar os consumidores com respeito, estar conectado às emoções do consumidor, marcar os preços de forma justa (não necessariamente o mais baixo) e valorizar o tempo do consumidor. O primeiro pilar, resolver os problemas do consumidor, consiste em conhecer o consumidor e suas necessidades, e em como satisfazê-las, preenchendo este vazio antes que o seu competidor o faça; O segundo pilar, tratar os consumidores com respeito, vai além do simples tratamento verbal, as palavras devem ser traduzidas em ações; O terceiro pilar, estar conectado às emoções do consumidor, consiste em ir além do âmbito racional do consumidor, identificando suas “paixões”, seus sentimentos. Nesse sentido o benefício oferecido através de variações no preço deixa de ser o fator principal; O quarto pilar, marcar os preços de forma justa, significa dizer que deve prevalecer o princípio da realidade, o preço deve ser correto, exato, com base no seu real valor, do contrário, se houver por parte do consumidor suspeita de uma margem excessiva de 28 lucro, isto acarretará em quebra da confiança. Devem-se evitar grandes flutuações a curto prazo nos preços exercidos pelo varejista, eliminando, assim, o efeito surpresa e a insegurança do consumidor quanto ao preço justo; O quinto e último pilar, valorizar o tempo do consumidor, consiste no oferecimento de conveniências que vão desde uma apresentação adequada e organizada dos produtos dentro das lojas, até disponibilizar linhas telefônicas e acesso a internet, de forma a facilitar a permanência e o acesso do consumidor, sem perda de tempo e desgaste de energia. Segundo o autor, a questão essencial é focar na experiência total do consumidor. Afirma ser possível desenvolver uma boa atividade varejista com base em apenas três ou quatro destes pilares, sem tirar os olhos de seus competidores que poderão se valer do não aproveitamento de um deles, o que geraria um enfraquecimento da sua atividade. Já, no entender de Raphel (1999), o processo de criação de valor para o cliente, essência do novo modelo de varejo, deve adotar a “construção” da fidelidade do cliente. Sugere a escala da lealdade, que poderá ser utilizada como forma de tornar um cliente fiel, lembrando que não há motivo para um cliente ser fiel se o varejista não lhe for fiel primeiro. Descreve cinco níveis em ordem crescente: cliente potencial, aquele interessado em comprar algo de sua empresa; cliente pesquisador, aquele que visita seu estabelecimento pelo menos uma vez; cliente eventual, aquele que compra algo ocasionalmente; cliente assíduo, aquele que compra tudo o que o estabelecimento oferece e que ele possa utilizar; cliente divulgador, aquele que compra tudo que o 29 estabelecimento oferece e ele possa utilizar e, ainda, convence outras pessoas a comprarem neste estabelecimento. Busca-se trazer o consumidor da base para o topo da escala da lealdade. O pleno êxito estará garantido toda vez que um cliente potencial se transformar em um divulgador do negócio, depois de ter sido um pesquisador, um comprador eventual e um cliente assíduo. Pittle apud Raphel (1999) salienta que as pessoas, cada vez mais, apresentam dificuldades maiores quanto à decisão de compras. O sucesso no varejo não está condicionado somente a uma oferta maior de produtos, nem tampouco a preços mais baixos oferecidos pelos varejistas. Porto (2000) assevera que o desenvolvimento da tecnologia de informação e das novas formas de comunicação possibilitou um maior acesso dos consumidores a informações sobre os produtos, viabilizando, também, a escolha dos canais de compra, realizada em uma loja tradicional, feita de tijolos, ou em uma loja virtual, através de algum meio eletrônico. Dessa forma, os consumidores podem substituir o ato de ir às compras em uma loja física pela conveniência e segurança de efetuá-las em seu próprio domicílio. A Internet, ainda segundo a autora, vem atender às necessidades dos consumidores que estão à procura de serviços facilitadores para suas tarefas rotineiras, tais como, a realização de suas compras. 30 Segundo Porto (2000) o varejo eletrônico é um formato de varejo que faz a oferta de seus produtos e serviços através da Internet, criando as condições adequadas para que o consumidor final possa comprar ou efetuar uma transação por meio de um sistema eletrônico interativo. Afirma, ainda, que a comercialização de produtos e serviços via Internet é parte integrante da evolução tecnológica do marketing direto, que, por sua vez, é uma das modalidades do varejo sem loja. No entender de Burke (2002) o varejista da Internet ocupa uma posição excelente para obter maiores informações sobre os clientes. Afirma que, no passado, os anunciantes varejistas determinavam segmentos do público-alvo selecionando a mídia de acordo com perfis demográficos, o que, normalmente, induzia a duas fontes de erro: perda das heterogeneidades individuais ao se agregarem estatísticas à demografia do público; a demografia não costuma predizer as preferências de marca. Hoje, ao utilizar o software adequado, os varejistas, baseados na Internet, podem enviar mensagens e promoções personalizadas para diversos indivíduos. A Internet, além de fornecer aos indivíduos um controle instantâneo das variáveis de marketing, pode propiciar um aumento das vendas e do lucro, ajustando de maneira dinâmica o mix de produtos, preços e promoções em resposta à demanda dos consumidores. Greenbury (1999) acredita que as opiniões a respeito do impacto da Internet sobre as lojas físicas convencionais, são extremamente divergentes. De acordo com o autor, existem duas escolas de pensamento: uma que defende que o e-commerce afetará todos os varejistas e todo tipo de produto, fazendo com que a Internet propicie uma mudança completa e permanente no varejo atual; a outra escola acredita que a Internet não é tão 31 essencial para as lojas físicas como é para o varejo em mala direta, ou seja, a maioria das pessoas que gostam de fazer compras com contato pessoal não irá considerar a Internet um meio muito atraente, no entanto, aqueles que estão acostumados a efetuarem compras por catálogo aceitarão mais facilmente a utilização de meios eletrônicos para compra do produto. Segundo o referido autor, apesar da Internet ter desencadeado uma revolução no varejo, é difícil prever, com um mínimo de certeza, até onde isso irá se desenrolar. Os efeitos da Internet sobre o varejo ainda são muito nebulosos. Quelch (1999) sustenta que o e-commerce não modificou a maneira através da qual os varejistas estariam pensando em suas prioridades. O autor assevera que os consumidores ponderam cinco fatores ao decidirem se irão freqüentar determinada loja ou não: a amplitude e a profundidade do sortimento de produtos; o preço dos bens à venda; a conveniência (horas de funcionamento, distância e estacionamento) e o ambiente. Portanto, se um consumidor perceber que o desempenho de qualquer varejista em particular é superior em pelo menos um destes fatores, supondo-se que os demais são iguais aos dos concorrentes, este varejista estará “à frente do jogo”, quer o concorrente seja físico, que seja virtual. 2.3.3 - Varejo e o Marketing Mix No tocante à decisão do varejista quanto ao composto de marketing tem relevo a assertiva de Levy e Weitz (2000), de que os gerentes de varejo devem tomar decisões complexas com o intuito de selecionar mercados-alvo, a localização de lojas, que 32 mercadorias e serviços oferecer, negociar com fornecedores, bem como, decidir o preço, a estratégia de promoção e a exibição da mercadoria. É desafiadora a tomada de decisões em um ambiente de alta competitividade e intensas mudanças, que poderá acarretar em grandes oportunidades e recompensas financeiras. No entender de McGoldrick (1990), o conceito do mix de varejo veio se desenvolvendo ao mesmo tempo que o mix de marketing, embora que o grau de controle exercido pelos varejistas sobre esse mix fosse relativo a relação existente entre fornecedor-varejista. No entanto, devido a troca de poder que veio acontecendo ao longo dos últimos anos, ou seja, o poder do varejista em relação ao fornecedor veio se tornando mais significativo (dado o desenvolvimento de estratégias mais sofisticadas, o conhecimento mais aprofundado do seu público ou segmento, etc), o varejista, hoje, pode exercer um maior controle sobre o marketing mix. De acordo com Lazer e Kelley apud McGoldrick (1990), o mix de varejo pode ser definido como um pacote de bens e serviços que a loja oferece (expõe a venda) ao público. Dessa maneira, o mix de varejo é o composto de todos os esforços que foram programados pela gerência e que incorporam o ajustamento da loja ao ambiente de mercado. Reforçam, os autores, que esta definição não é apenas relativa a oferta de bens e serviços, mas sim ao composto inerente aos produtos e serviços que são oferecidos. Com isso, surge a importância de se coordenar o mix aos esforços programados pela gerência, ajustando-os, de maneira apropriada, às necessidades e oportunidades do mercado. 33 Lazer e Kelley apud McGoldrick (1990) classificam, ainda, o mix de varejo com base em três elementos que devem estar focados no consumidor através da utilização da informação provinda do mercado. São eles: o mix de bens e serviços, o mix de distribuição (física) e o mix de comunicação. Para Kotler e Armstrong (1999), as decisões de marketing de varejo estão calcadas em quatros tipos: decisão de sortimento de produtos e de serviços; decisão de preço; decisão de promoção e decisão de localização. A decisão de sortimento de produtos e de serviços englobam três principais variáveis de produto: sortimento de produtos, mix de serviços e atmosfera da loja. Consiste o sortimento de produtos no atendimento das expectativas de compra do mercado-alvo. Devem ser determinadas pelo varejista tanto a amplitude quanto a profundidade de seu sortimento. Outro elemento essencial, apontado pelos autores, é a qualidade do sortimento de produtos, o consumidor se interessa pela qualidade dos produtos disponíveis, não só pela variedade destes produtos. Há que procurar o varejista formas de diferenciar-se de seus concorrentes assemelhados, por meio de várias estratégias, tais como: oferecer mercadorias exclusivas (que nenhum outro concorrente possua), realizar eventos de impacto para seus produtos de destaque, oferecer mercadorias surpresa. Asseveram, ainda, Kotler e Armstrong (1999), que o varejista pode oferecer um sortimento de produtos altamente especializados marcando, também, a diferença de atuação no mercado. 34 O mix de serviços é outra estratégia de concorrência sem base em preços para diferenciar um loja da outra, se vale de serviços de entrega, de crédito e de bate papo. Outro elemento do arsenal de produtos é a atmosfera da loja que provoca uma sensação diferente. Ela deve planejar uma ambientação adaptada ao mercado alvo levando os clientes a comprarem, satisfazendo o gosto dos diversos segmentos. No tocante à decisão de preço, ainda segundo Kotler e Armstrong (1999), deve ser tomada em relação a concorrência, ao sortimento de produtos e serviços, e ao mercadoalvo do varejista. Afirmam que a maioria dos varejistas gostaria de acrescentar margens altas às mercadorias e ao mesmo tempo obter um grande volume de vendas, mas raramente estes dois fatores caminham juntos. Desta forma, grande parte dos varejistas procura altas margens sobre baixos volumes (maioria das lojas de especialidades) ou baixas margens sobre volumes maiores (lojas de variedades e de descontos). Os autores insistem que os varejistas devem atentar para táticas de apreçamento, tal como baixar o preço dos produtos que sirvam como “isca”, ou atrativo, mantendo elevado o preço do produto principal. Em relação à decisão de promoção, os varejistas dispõem de uma gama enorme de ferramentas promocionais, que incluem propaganda, venda pessoal, promoção de vendas e relações públicas, para atingir seus clientes. As propagandas, muitas vezes, são feitas através de jornais, revistas, rádio e televisão, e fortalecidas através de cartas e 35 malas diretas. Para a venda pessoal, é indispensável um cuidadoso treinamento dos vendedores, pois estes irão lidar com os clientes, satisfazer suas necessidades e ouvir suas reclamações. As promoções de venda vão desde demonstrações na loja até visitas de celebridades. Já as atividades de relações públicas podem ser definidas como: conferências e discursos para a imprensa, inaugurações de lojas, boletins informativos, eventos especiais, revistas e atividades de serviço público. Por fim, quanto à localização, o varejista decidirá levando em consideração a relação custo-benefício, uma vez que os custos para construir ou alugar instalações têm um grande impacto sobre o lucro dos varejistas. Já no entender de Morgado (1999), o conceito de marketing mix, que foi desenvolvido e se popularizou voltado para a indústria, também tem sido amplamente utilizado no varejo. Porém, neste conceito, muitas vezes chamado de mix varejista, costuma-se agregar dois novos pês: um que significa apresentação de loja (presentation) e outro que significa pessoal (people). O quadro 4 ilustra a composição de cada um dos pês e as decisões que os varejistas devem tomar a respeito do marketing mix com o intuito de adequá-lo, da melhor maneira possível, ao público-alvo que pretendem atingir. 36 Quadro 4 – Marketing Mix do Varejo PRODUTO PONTO Características Benefícios Opções Marcas Serviços agregados APRESENTAÇÃO Localização Layout Área de influência Atmosfera Filias Sinalização Horários de funcionamento PREÇO PROMOÇÃO Nível Descontos Crédito Política de cobrança Propaganda Promoções Relações públicas Marketing direto PESSOAL Perfil Atendimento Treinamento PÚBLICO-ALVO Fonte: Morgado (1999, p.62) Relativamente à decisão de produto, deve o varejista, escolher seus fornecedores, as marcas que serão vendidas, a variedade de modelos e tamanhos e os diversos serviços agregados à linha de mercadorias, como, por exemplo, treinamento para uso dos produtos vendidos, ajustes de roupas, fornecimento de peças de reposição e acessórios diversos ligados ao produto vendido. Cabe lembrar que no momento de definição da linha de mercadorias, o varejista deve ter clara noção do público-alvo que pretende atingir, adequando-a às necessidades desse consumidor em termos de benefícios e características procuradas. Quanto à decisão de preço, Morgado (1999) assevera que o varejista deve se posicionar em função do nível de serviço que deseja oferecer e do público alvo que pretende atingir, ou seja, a medida que os serviços oferecidos são diferenciados, o atendimento ao 37 cliente mais personalizado, as instalações mais luxuosas, a linha de mercadorias mais completas, etc., o varejista tende a colocar preços e margens mais altas com o objetivo de suportar a estrutura de custos elevada provinda dessa concepção de negócio. Do contrário, caso o varejista vise atender a um público mais sensível a preço, provavelmente ele terá que buscar uma redução de custos por meio da oferta de um número menor de serviços, possibilitando-o trabalhar com preços mais baixos. A escolha do ponto ou praça, ainda segundo Morgado (1999), é sempre uma tarefa difícil no varejo, pois representa altos investimentos. Afirma, o autor, que como cada loja possui sua área de influência (área geográfica capaz de atrair clientes), o varejista deve considerar o ponto em função da população residente nas suas redondezas e, com base nisso, definir horários de funcionamento da loja e, quando pertinente, o número ideal de filiais por região (bairro, zona, cidade, estado, país, etc). Consiste a decisão de promoção nos meios escolhidos pelo varejista para divulgação da loja ao seu público-alvo. Para tanto, o varejista pode valer-se de propaganda nas diversas mídias, como por exemplo panfletos, jornais, revistas, televisão, rádio, etc., atrair reportagens e matérias jornalísticas sobre sua loja, promoções com brindes, sorteios e descontos ou, até mesmo, realizar ações de marketing direto (malas-diretas, telemarketing e propagandas de resposta direta). Ao decidir sobre a mídia a ser utilizada e o conteúdo da mensagem que será veiculada, deve o varejista, levar em conta o público-alvo da loja, considerando seus gostos, estilo de vida, nível educacional, preferências, entre outros. 38 De acordo com Morgado (1999), o espaço físico da loja, que é composto pelo seu desenho, sua decoração interna e externa, seu layout e suas cores e iluminação, provoca reações e transmite impressões aos clientes que, a partir delas, são capazes de perceber a proposta da loja, mesmo inconscientemente, e avaliar se corresponde às suas expectativas. No entanto, cabe ao varejista decidir a respeito da apresentação de sua loja de forma a adequá-la ao seu público-alvo e ao conceito de loja que pretende fixar na mente do consumidor. No tocante a decisão de pessoal, afirma o autor supracitado, que mesmo nos varejistas mais automatizados ou nos que trabalham com sistemas de venda por auto-serviço, existe sempre a necessidade de ajustar o perfil da equipe de funcionários e o nível de atendimento oferecido às expectativas do público-alvo. Ressalta, o autor, que este componente do marketing mix ou mix varejista talvez seja o mais difícil de ser otimizado e para o qual mais se despende energia e tempo (em reuniões, treinamentos e afins), uma vez que envolve relacionamento humano e conscientização individual. Parente (2000), também, assevera que o mix varejista é constituído pelos 6 Ps, ou seja, o mix engloba todos os fatores controláveis que o varejista articula (linha de Produtos, Preços, Promoções, aPresentação, Pessoal e Ponto de venda) para conquistar a preferências dos consumidores. Para Parente (2000), entre todas as variáveis do marketing mix, a decisão de preço é aquela que mais rapidamente afeta a competitividade, o volume de vendas, as margens e a lucratividade das empresas varejistas. Diferente das outras decisões relativas ao 39 marketing mix, as políticas de preço praticadas pelos varejistas podem ser alteradas em curtíssimo prazo como, por exemplo, de um dia para outro. Ainda, segundo o autor, até mesmo a propaganda varejista encontra-se fortemente apoiada nas decisões de preço, o que tem levado parte dos consumidores a só concretizarem uma compra quando o produto está em promoção de preço. A definição de preços, segundo Parente (2000) deve levar em consideração o poder de atração que a loja pretende exercer, ou seja, a extensão da área de influência exercida pela loja é afetada pela política de preço. Para ampliar sua área de influência, o varejista deverá praticar preços mais baixos, compensando, dessa maneira, os maiores custos de deslocamento dos consumidores. Já a pratica de preços menos competitivos diminuem o poder de atração da loja. De uma forma geral, as lojas que vendem produtos de conveniência apresentam uma área de influência mais concentrada e o volume de vendas responde menos às variações de preço, enquanto, nas grandes lojas, que vendem produtos de compra comparada, variações no preço representam modificações no poder de atração dos clientes. Outro fator importante na decisão de preço, de acordo com Lewison apud Parente (2000) é o tipo de produto que está sendo vendido, isto é, devem-se levar em conta as características do produtos, tais como perecibilidade e exclusividade. A perecibilidade pode ser física (ex: frutas em supermercado), estilo/moda (ex: confecção, CD ou fita de vídeo) e sazonal (ex: ovos de Páscoa, enfeites de Natal). Geralmente, os produtos com essa característica começam a ser vendidos com preços mais altos, pois tendem a perder valor ao longo do tempo e seu preço de venda reflete esse declínio. Relativamente a 40 exclusividade, alguns varejistas vendem produtos diferenciados comparativamente a concorrência e, portanto, devem avaliar qual valor que os consumidores conferem a essa diferenciação. Produtos exclusivos (ex: produtos de grife) ou produtos originais (ex: objeto de arte) apresentam pouca sensibilidade a preço, dessa maneira, o varejista, que trabalha com esse tipo de produto, tem mais liberdade na determinação de preços. Ainda, em relação às decisões de preço, uma tática de preço no varejo, entre as diversas elencadas por Parente (2000), é a de “preço baixo todo dia”. O objetivo dessa política é evitar o vaivém de preço (preço baixo durante a promoção e alto fora das promoções) e conquistar credibilidade e uma imagem de preços baixos com os consumidores. Um exemplo perfeito para esse tipo de tática, segundo o autor, é o varejista Wal-Mart. Algumas vantagens dessa prática são: maior credibilidade de preços com os clientes, redução dos gastos com propaganda, maior estabilidade nas vendas de produtos, minimiza situações de excesso e falta de produtos. A desvantagem é que os consumidores, ainda, se sentem muito atraídos pelas ofertas com reduções de preços e acabam atribuindo a esses varejistas uma boa imagem de preço. No tocante à decisão de produtos, Parente (2000) afirma ser uma das decisões fundamentais para a empresa varejista. Assevera que cada ramo ou setor varejista é determinado pela composição de produtos que a loja oferece e, que, uma seleção adequada da linha de produtos, não só, confere um aspecto de diferenciação e vantagem competitiva para empresa, como também, determina a sua consistência em relação as demais variáveis do mix varejista. 41 Entre alguns aspectos estratégicos utilizados com a finalidade de orientar às decisões sobre o mix de produtos, descritos por Parente (2000), estão a amplitude e profundidade dos produtos e o preço e qualidade dos produtos. O objetivo do planejamento e controle do mix de produtos consiste em tomar decisões acertadas em relação a composição da variedade, não só na seleção do número de categorias, subcategorias e segmentos de produtos (amplitude), mas também no número de alternativas dentro de uma mesma categoria ou subcategoria (profundidade). O preço e qualidade, ainda segundo o autor, são duas dimensões intimamente interligadas e, dependendo dos segmentos de mercado que o varejista almeja alcançar, ele terá que selecionar um ou mais níveis de preço/qualidade para compor seu mix de produtos. O posicionamento da empresa nessas duas dimensões consiste em uma das mais importantes definições estratégicas de uma empresa varejista e, o mapeamento da empresa e de seus concorrentes nessas duas dimensões (preço e qualidade) deve ser utilizado com o intuito de identificar como a estratégia do varejista encontra-se frente as estratégias dos concorrentes. Segue abaixo a figura que ilustra, de acordo com a percepção de Parente (2000), a relação preço/qualidade no varejo de confecções: 42 Figura 1 – Preço x Qualidade no varejo de confecções Alta qualidade Boutiques de shopping (M. Officer, Zoomp, Forum) Loja de departamento (Renner) Loja de fábrica (Vila Romana) Loja de departamento (C&A) Preço baixo Loja de departamento (Pernambucanas) Preço alto Hipermercados Feira Baixa qualidade Fonte: Parente (2000, p. 193) Parente (2000) assevera, no que toca a decisão de promoção, que o composto promocional é um dos elementos utilizados pelos varejistas, não só com o intuito de atrair clientes, mas também para motivá-los às compras. Afirma, o autor, que de forma semelhante aos outros setores empresariais, o composto promocional no varejo é a combinação de três programas básicos: propaganda, promoção de vendas e publicidade. A propaganda consiste na comunicação indireta e impessoal, transmitida por meio de mídia massificada fora da loja e paga por determinado varejista. Os varejistas usam as seguintes mídias para veicular suas propagandas: jornais, revistas, rádio, televisão, outros impressos e internet. 43 A promoção de vendas é a ferramenta de comunicação impessoal, direta ou indireta, envolvendo o uso de mídia ou marketing sem mídia que oferece um valor extra ao consumidor. Algumas das formas mais comuns de promoção de venda no varejo, são: prêmios, programas de fidelização e de comprador freqüente, cupons, displays, demonstrações de produtos, amostras e calendário promocional e eventos especiais. Em relação ao calendário e eventos especiais, Parente (2000) ressalta que, em geral, os varejistas desenvolvem um calendário promocional que inclui não só as datas já consagradas no comércio (conforme ilustrado no Quadro 5), como também pode englobar eventos desenvolvidos pelo varejista como, por exemplo, “liquidação de inverno”, “mês de aniversário”, “festival do queijo e vinho” ou “lançamento de uma nova coleção”. O calendário promocional ajuda o varejista a evitar um desperdício de vendas pelo esquecimento de algum evento importante, estabelecendo um planejamento sobre quando, quanto e o quê comprar. O autor reforça a importância de se fazer um levantamento de custos e resultados desses programas para que o varejista possa repetir os tipos de eventos mais eficientes e, lembra, também, que essas atividades ou eventos podem ter participação do fornecedor. 44 Quadro 5 – Calendário promocional do varejo brasileiro Mês Data Evento Janeiro 01 Ano-novo Jan./Fev./Mar. Data móvel Carnaval Fevereiro Fevereiro Volta às aulas Mar./Abr. Data móvel Páscoa Maio 2o Domingo Dia das mães Junho 12 13 21 24 29 Dia dos namorados Dia de Santo Antônio Início do Inverno Dia de São João Dia de São Pedro Férias Setembro 1a semana 2o Domingo 21 Volta às aulas Dia dos pais Início da primavera Outubro 12 Dia das crianças Dezembro 22 25 31 Início do verão Natal Réveillon Julho Agosto Fonte: Parente (2000, p. 268) Por fim, a publicidade, ainda segundo Parente (2000), pode ser definida como comunicação indireta e impessoal veiculada em alguma forma de mídia com informações (positivas ou negativas) sobre determinado produto ou varejista, mas não é paga pelo varejista. De acordo com um artigo publicado na revista Mercado Global (1999, v.106), a publicidade em um mercado como o brasileiro, não é apenas uma das funções de marketing, como ensinam os livros de administração, é, sim, o mais poderoso diferencial competitivo que uma empresa pode utilizar na guerra pelo consumidor. Segundo o artigo, os tempos inflacionários não propiciavam um ambiente adequado para planejamentos de comunicação para pequenos e médios anunciantes, “o importante era sempre substituído pelo urgente”. Com a estabilização da economia e a 45 normalização das relações de consumo (margens mais estreitas, aumento e diversificação da concorrência e moderação nas taxas de crescimento de vendas), a sintonia fina na ação empresarial teve a sua cotação multiplicada algumas vezes. Reforça, o artigo, que a força da publicidade como alavancadora de negócios já é bem conhecida e que, desde o “tijolinho em jornal ou de um spot em uma rádio até o comercial em horário nobre de TV”, a publicidade se mostra como uma ferramenta capaz de fazer toda diferença entre vender um e vender cem. 2.4 - Varejo Brasileiro: um breve histórico Belik (1999), afirma que o varejo brasileiro surgiu apenas na metade do século XIX, e que, até então, os mascates exerciam essa atividade ao percorrerem os povoados oferecendo diversos tipos de artigos. Convém aqui citar o que ensina Bastani (1949, p.12): “A origem do vocábulo mascate vem da língua árabe. Quando os portugueses auxiliados pelos libaneses cristãos, tomaram a cidade de MASCATE, na Arábia, porto situado na costa sul do Golfo de Omam, no ano de 1507, conservaram sob seu controle a mesma, até o ano de 1658. Os portugueses que seguiam para aquela cidade árabe, levavam mercadorias para ali fazerem a troca ou barganha, e, quando voltavam a Portugal, eram chamados de mascates. Não eram cognominados assim com o intuito de menosprezo ou mesquinharia, mas devido ao seu comércio de Mascate. Até então o vulgo do atual mascate era o de “Matraca”, cujo vocábulo ainda é de origem árabe, ou 46 seja, “El-Mátrac”, nome esse dado aos libaneses que mascatearam no Brasil durante os séculos XVII e XVIII”. Segundo Belik (1999), os complexos rurais no interior do Brasil desenvolviam uma economia auto-sustentada similar ao sistema econômico feudal em vigor na Europa medieval. As cidades, no final do século XIX, receberam os primeiros estabelecimentos comerciais de maior porte, onde artigos importados para a aristocracia eram comercializados. Como exemplo, pode-se citar a Casa Masson, estabelecida no Rio de Janeiro em 1871, era referência de luxo e bom gosto para as classes dirigentes da época. Com a República e a modernidade que chegou com a indústria, sobressaíram-se, no Rio de Janeiro, as Casas Pernambucanas, em 1906, e a Établissements Mestre et Blatgé (Mesbla), em 1912, e, em São Paulo, o Mappin Stores, em 1913. Ao introduzirem métodos de vendas e exposição das mercadorias e uma organização reformulada, referente ao sistema de compras, esses estabelecimentos inovaram no comércio nacional. No entanto, na prática, esse modelo de lojas de departamentos já existiam nos Estados Unidos e na Europa (BELIK, 1999). No início do século XX, experimentou o Brasil uma rápida urbanização e a presença maciça de imigrantes, no entanto, o maior problema do varejo brasileiro continuava sendo o do abastecimento alimentar. A escassez de mercados formadores de preços e da mínima infra-estrutura, para escoamento da produção agrícola do interior, levava à revolta popular contra os obsoletos varejistas de alimentos (BELIK, 1999). 47 Em 1918, com o objetivo de “intervir e controlar” o abastecimento alimentar, criou-se o Comissariado de Alimentação Pública que fixava os preços dos gêneros alimentícios e definia isenções fiscais para alimentos de consumo popular como arroz, feijão e charque. Posteriormente, o Comissariado transformou-se em Superintendência do Abastecimento ampliando, assim, o seu raio de ação (BELIK, 1999). Na década de quarenta, a legislação foi adaptada pelo Estado Novo a fim de controlar o abastecimento no período da Segunda Guerra e combater a carestia, considerada grande problema das massas urbanas. Nos anos cinqüenta, o Governo Dutra criou, por lei, a Comissão Federal de Abastecimento de Preços (COFAP) objetivando controlar o abastecimento, fixar preços e punir os responsáveis por abusos. A COFAP seria substituída na década de sessenta pela Superintendência Nacional do Abastecimento (SUNAB), pela Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL) e pela Companhia Brasileira de Armazenagem (CIBRAZEM). Nos anos setenta, o Estado entraria diretamente na comercialização de alimentos com as CEASAs e, no varejo, com a Rede SOMAR (BELIK, 1999). Até a década de noventa, quando foram eliminados os tabelamentos de preços e as cotas de venda, o Brasil conviveu com a intervenção pública no comércio de alimentos. Por mais de setenta anos, o Governo combateu os trusts e os “tubarões” (termo utilizado pelo Estado Novo), chegando muitas vezes a empregar as famosas “leis delegadas” que permitiam o fechamento das portas das lojas e a prisão de comerciantes (BELIK, 1999). 48 Ainda segundo Belik (1999), ao se analisar o relativo “atraso” brasileiro em termos de inovações do varejo, deve-se levar em conta este quadro institucional. Inibido por diversos tipos de limitações impostas (creditícias, jurídicas e trabalhistas), o varejo de alimentos, assim como os demais ramos varejistas, só começou a apresentar inovações organizacionais e mercadológicas na virada da década de cinqüenta. A partir deste período, em virtude do explosivo crescimento urbano e tendo como ponto de apoio técnicas, modelos e, principalmente, capitais provenientes do exterior, o moderno varejo nacional começa a despertar-se. Para Gouvêa de Souza apud Belik (1999), a implantação da Sears em 1949, com duas lojas em São Paulo e uma no Rio de Janeiro, além da filial paulista da Mesbla, Pirani, Eletroradiobraz e do Mappin, podem ser consideradas como marcos da modernização do varejo no Brasil. De acordo com Belik (1999), a Sears tinha como característica principal o auto-serviço, caixas registradoras modernas e assistência técnica da própria loja para eletrodomésticos que comercializava. Outra característica marcante era o estacionamento e o “centro automotivo” que agregava mais um serviço a clientela motorizada. Da análise de determinados detalhes das primeiras lojas da Sears, pode-se perceber o quanto elas se diferenciavam do restante do varejo da época. O layout da loja era revolucionário, as mercadorias eram separadas por seções bem delimitadas e sinalizadas no interior do estabelecimento. Os anúncios e promoções eram diferenciados tanto pelo formato quanto pela comunicação com o cliente. O público recebia malas-diretas e 49 catálogos com mais freqüência. Além disso, o atendimento era personalizado e os preços bem competitivos em relação aos da concorrência (BELIK, 1999). Parente (2000) afirma que, no decorrer das últimas décadas, as instituições varejistas vêm atravessando um intenso ritmo de transformação. Assevera que, na década de 60, os formatos das lojas eram completamente diferentes dos atuais formatos, pois não existiam shopping centers, hipermercados, lojas de conveniência, lanchonetes fast food, nem mesmo empresas globalizadas como Carrefour e Wal-Mart. Durante os últimos 40 anos, grande parte dos modelos de lojas foram cedendo espaço para os novos formatos, que se apresentavam de forma mais eficiente e adequados às novas necessidades do mercado consumidor. No entender de Cunha Jr. (1996), a década de noventa foi marcada como uma era turbulenta para as organizações de varejo, caracterizada por um ambiente de rápidas mudanças. Com a finalidade de responder e satisfazer tais “necessidades mutantes”, foram estudados e desenvolvidos novos formatos de varejo, fatores demográficos, comportamento de compras em constantes mudanças e oportunidades relacionadas com a localização dos pontos-de-venda. Além disso, as inovações tecnológicas também causaram impactos dramáticos sobre as operações de varejo. Cunha Jr. (1996) assevera que a dinâmica do mercado varejista brasileiro pode ser verificada pelas inúmeras alterações ocorridas nos últimos anos. Verificou-se a queda de gigantes do setor como a Mesbla, Hermes Macedo e Sandiz, a reestruturação de outras grandes empresas que buscavam se adaptar às necessidades e desejos dos consumidores 50 como as Lojas Americanas, Lojas Renner e Lojas Arapuã, bem como a ascensão de diversas novas organizações como, por exemplo, as lojas Colombo e a criação de oportunidades para pequenos empreendedores (franquias e lojas especializadas). Segundo Parente (2000), o varejo no Brasil vem assumindo uma grande importância no tocante ao panorama empresarial. Devido ao ritmo acelerado de consolidação que vem caracterizando as atividades do varejo brasileiro, um número crescente de varejistas apresenta-se entre as maiores empresas do país. Na medida em que os varejistas vão se expandindo e adquirindo novas tecnologias de informação e gestão, começam a desempenhar um papel cada vez mais importante na modernização do sistema de distribuição e da economia brasileira. 2.5 – SAARA: uma história O SAARA, segundo Ribeiro (2000), não é um bairro do Rio de Janeiro, é sim, um tradicional espaço de comércio no que pode ser considerado centro histórico da cidade. Composto por 13 ruas e 1.200 estabelecimentos comerciais, esse espaço, localizado na área central da cidade constitui-se numa das mais antigas e dinâmicas regiões comerciais do Rio de Janeiro. Como bem lembra a autora supracitada, com base em entrevista concedida pelo atual presidente do SAARA, a Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega (SAARA) era constituída, em 1962, ano de sua fundação, pelo quadrilátero formado pela Avenida Presidente Vargas (lado ímpar), pela Rua Buenos Aires, pela Praça da República (Campo de Santana) e Avenida Passos, englobando, ainda, a Rua da 51 Alfândega e a Rua Senhor dos Passos (atualmente consideradas as principais ruas do SAARA em termos de movimento comercial), além da Avenida Tomé de Souza, das Ruas Regente Feijó e Gonçalves Ledo e da Travessa São Domingos. No início da década de 70, expandindo sua área de atuação, o SAARA passa a ter como limite a Rua dos Andradas, incorporando, ainda, a Rua da Conceição e a Travessa Armando Sales. Ribeiro (2000) assevera que o SAARA é um espaço etnicamente marcado pelos que ali coexistem e que nesse espaço há especificidades culturais singulares dentro do contexto da cidade: além dos brasileiros, uma grande parte de seus ocupantes são imigrantes ou descendentes de imigrantes de diferentes etnias como portuguesas, sírios, libaneses, judeus de diferentes origens, armênios, turcos, espanhóis, gregos, chineses e coreanos. Em meio a essa diversidade de etnias, sírios e libaneses, que começaram a se estabelecer na região na passagem do século XIX para o XX, foram se enraizando e desenvolvendo formas peculiares de identificação com o lugar, se destacando dentro daquele espaço e criando, dessa maneira, uma imagem para a cidade que permanece até os dias de hoje. Diogo (1997) salienta que, antes do início do século XX, a Rua da Alfândega já abrigava grandes casas atacadistas, fato que a distinguia das demais ruas comerciais, concentrando-se nos setores de armarinho e tecidos. Além disso, possuía a Rua da Alfândega um comércio bem diversificado, com farmácias, bancos e várias casas importadoras. Portanto, é esse espaço atacadista, por tradição, e ocupado, inicialmente, pelos imigrantes portugueses que passará a ser explorado comercialmente pelos imigrantes árabes. 52 Ainda, segundo Diogo (1997), a opção pela Rua da Alfândega se explica, entre outros fatores, pela proximidade com o cais Pharoux, onde desembarcavam os imigrantes; pela presença de outros compatriotas na região, que remonta a 1874; pela proximidade do Hotel Boueri, local para onde se dirigiam os árabes recém-chegados em sua primeira noite na nova terra, local, também, em que se falava o árabe. Ressalte-se, ainda, que o vocábulo alfândega é de origem etimológica árabe. A solidariedade une essas pessoas em torno de um objetivo comum: construir aqui suas vidas. De acordo com Diogo (1997), os recém chegados no Brasil tinham que resolver seus problemas de como ganhar a vida e, por esse motivo, inicialmente, dedicavam-se a mascatagem. São os mascates, os primeiros a bater de porta em porta mostrando a mercadoria “sem compromisso” e com facilidade de crédito, percorriam a cidade carregando a mercadoria em caixas imensas. De uma maneira geral, seus clientes eram, nas zonas mais nobres, as cozinheiras e demais empregados domésticos, já nos subúrbios, eram os próprios donos das casas. Relata o autor supracitado que a maioria dos sírios e libaneses ficava na mascatagem apenas o tempo suficiente para montar seu próprio negócio. Os mascates que conseguiam acumular bastante capital abriam negócios no atacado da Rua da Alfândega, enquanto os que não conseguiam, abriam negócios varejistas nas ruas mais próximas como: Rua Senhor dos Passos, Avenida Passos e Rua Buenos Aires, que na época ainda não tinham esses nomes. Com o passar do tempo a figura do mascate foi desaparecendo e dando lugar a um outro tipo de prestamista, as sacoleiras (clientes fiéis dos atacados da Rua da Alfândega). 53 Diogo (1997) assevera que as casas atacadistas, assim como os armarinhos, importavam quase todos os produtos que vendiam e com a chegada da primeira guerra mundial e, conseqüentemente, o baque nas importações, chega o momento de desenvolvimento da indústria nacional, especialmente no ramo de produção de tecidos. Dessa forma, os artigos nacionais passam a fazer parte dos produtos vendidos na Rua da Alfândega, porém, a maneira de vender esses artigos permanece a mesma. O comércio atacadista passa a “imperar” e algumas das jovens indústrias abrem seus próprios atacados na Rua da Alfândega com o intuito de vender sua produção, ao mesmo tempo, em um sentido inverso, muitos atacadistas tornam-se também industriais. No entanto, nenhuma dessas mudanças afeta a estrutura de produção, distribuição e venda dos artigos fabris: FábricaAtacadista-Loja-Consumidor. Eram inúmeros os consumidores que vinham até a Rua da Alfândega para comprar no atacado, haviam desde consumidores vindo da Bahia até consumidores vindo de São Paulo (geralmente, proprietários de negócios na Rua 25 de Março – a rua árabe de São Paulo). Com o acontecimento da segunda guerra mundial, de acordo com Diogo (1997), ocorre uma segunda explosão da indústria nacional e o número de artigos importados sofre mais uma redução. O pós-guerra passa a representar uma época de expansão de área e, é em São Paulo que acontece o maior crescimento industrial. Conseqüentemente, as industrias de São Paulo passam a abastecer as lojas da Rua da Alfândega, porém, a intenção dessas fábricas era de vender diretamente para os pequenos lojistas, passando por cima da figura do atacadista. Com o tempo esse processo começa a se consumar e, apesar da resistências de muitos atacadistas, um expressivo comerciante local, de 54 origem libanesa, inicia o comércio varejista na área. Tal posicionamento, ao longo dos anos 50 e 60, começou a ser adotado pelos outros comerciantes árabes que passaram do atacado para o varejo. Já na década de 70, ainda segundo Diogo (1997), ocorre uma grande expansão do comércio nos subúrbios do Rio de Janeiro (Méier, Madureira e Saens Pena) que passa a representar uma importante concorrência ao SAARA. Tendo em vista tal expansão, os lojistas do SAARA optam por investir no apelo ao consumidor de classe mais popular e, é investindo na tradição de preço mais baixo (caracterizado pelo comércio que, tempos atrás, era predominantemente atacadista no local) que o SAARA busca redefinir seu público e sobreviver. Um outro grande golpe no comércio local ocorre com a chegada de grandes magazines que começam adotar o uso de cartões para venda a crédito. Tal fato, junto a recessão dos anos 80 espanta, por fim, quase todos os atacadistas restantes no SAARA. Diogo (1997, p.29) assevera que a busca do consumidor por um comércio varejista provoca diversas mudanças e dá a Rua da Alfândega a cara que ela possui hoje em dia, ou seja: “Bancas com mercadorias ocupam as calçadas, por onde no Natal chegam a passar até um milhão de pessoas. Pregoeiros aos gritos anunciam liquidações, enquanto vendedores nas portas das lojas convidam os passantes a entrar e ver a mercadoria em promoção, que “está para acabar”. Ao fundo escuta-se a Rádio SAARA, emissora local, que alterna música romântica com anúncios”. 55 Para Ribeiro (2000), as pessoas que vão, hoje em dia, até a Rua da Alfândega ou a qualquer uma das suas ruas adjacentes que compõem o SAARA, estão à procura de variedade de produtos e preços baixos que são oferecidos pelo comércio local. Nessa região, diariamente, passam milhares de pessoas que andam pelas ruas de pedestres disputando as estreitas calçadas com as bancas colocadas em frente às lojas e com os pregoeiros que anunciam as promoções do dia. A autora afirma que os consumidores que transitam pelo SAARA entendem que a atividade comercial local é muito peculiar, feita de forma “diferente”, “tumultuada” e “bagunçada”. No entender de Blyth (1991), a forma como é realizado o apelo ao consumo, confere ao SAARA uma atmosfera singular, tanto no aspecto visual, quanto sonoro. Segundo a autora, no SAARA é comum encontrar mercadorias penduradas nos vãos de entrada das lojas ou então expostas em bancas removíveis dispostas na rua, o que torna possível um contato maior do consumidor potencial com a mercadoria vendida (o consumidor parece estar sendo convidado a tocar na mercadoria). Outra característica do local, ainda segundo a autora, é o comportamento dos vendedores que colocam-se, em pé, à entrada das lojas, muitas vezes anunciando em voz alta as ofertas e convidando o cliente a entrar. As vozes desses vendedores misturam-se, freqüentemente, aos anúncios publicitários transmitidos, ininterruptamente, pelo sistema de som da Rádio SAARA disposto ao longo das ruas. De acordo com Blyth (1991) são esses os procedimentos que eliminam as possíveis barreiras físicas e culturais, facilitando o acesso do público e o apelo ao consumo por parte dos varejistas. 56 Capítulo 3 METODOLOGIA 3.1 - Método de Pesquisa O presente trabalho possui, quanto a sua finalidade, caráter exploratório, segundo classificação proposta por Vergara (1997). A autora ensina que a investigação exploratória realiza-se em área na qual há pouco conhecimento acumulado e sistematizado, e embora não comporte hipóteses, estas poderão surgir durante ou ao final da pesquisa. Outro fator a reforçar a natureza essencialmente exploratória deste estudo é o reduzido número de estudos que abordam, especificamente, o setor varejista no Brasil. Gil (1999) afirma que pesquisas exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Esse tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e de difícil formulação de hipóteses precisas e operacionalizáveis. Assevera, ainda, o autor, que procedimentos de amostragem e técnicas quantitativas de coleta de dados não são costumeiramente aplicados nessas pesquisas. Como a abordagem do tema foi calcada nos fatores que influenciam as decisões dos varejistas, decidiu-se por uma pesquisa qualitativa com entrevistas em profundidade, uma vez que há necessidade de se abordarem aspectos pouco explorados. 57 3.1.1 – Conceito de Pesquisa Qualitativa A pesquisa qualitativa, segundo Sherry Jr. e Kozinets (2001), utiliza o “eu” como um instrumento da compreensão interpretativa para discernir os significados advindos da interação entre as pessoas. Os pesquisadores qualitativos buscam o qualia, isto é, os fenômenos contextuais irredutíveis na maneira em que são vivenciados pelos indivíduos, aumentando a nossa concepção do que é verdadeiramente real. Na lição dos referidos autores, o marketing qualitativo procura o qualia no cotidiano, nas experiências vividas por consumidores, gerentes, formuladores de políticas públicas, e de outros interessados que contribuirão para a mantença ou mudança do comportamento do mercado consumidor. Kirk e Miller (1986) asseveram que a pesquisa qualitativa busca identificar a presença ou ausência de alguma coisa, o tipo de coisa e o que a qualifica, opondo-se, em contrapartida, à pesquisa quantitativa, preocupada com a medição do grau em que determinada coisa se apresenta. Embora a pesquisa qualitativa se utilize de alguns dos princípios do método científico, em função de seu caráter exploratório, se afasta de certos aspectos mais estritos do método, o que facilita a descoberta do novo e do inesperado, sem perder-se a objetividade. Sherry Jr. e Kozinets (2001) afirmam que os investigadores qualitativos procuram conceitos sensibilizados, interessam-se pela experiência de vida de seus entrevistados e em representá-la com autenticidade. É do cerne da investigação captar a visão do mundo e do etos dos entrevistados, como algo distinto do quadro analítico ditado pelo 58 pesquisador. A meta do pesquisador é desenvolver intuições sistemáticas sobre os mundos habitados pelos entrevistados. Desta forma, esses entrevistados passam a ser colaboradores e consultores no empreendimento da pesquisa, tornando-se uma empreitada de co-criação negociada em conjunto. 3.1.2 – Entrevista em Profundidade No presente estudo, optou-se pela pesquisa de campo, por ser considerada a forma mais adequada aos fins propostos. A pesquisa de campo foi realizada através de entrevistas em profundidade com proprietários, de ascendência árabe, de lojas situadas no SAARA. De acordo com Goode e Hatt (1979), a entrevista qualitativa tem-se mostrado um instrumento eficaz na busca de novas informações. Inicialmente, este tipo de pesquisa tinha caráter exploratório e a falta de padronização muitas vezes prejudicava a comparação entre as unidades entrevistadas. Sendo assim, criou-se uma forma de padronização através da elaboração de um formulário preestabelecido que deveria ser igualmente aplicado a todos os entrevistados. No entanto, tal padronização prejudicava a profundidade das entrevistas, já que o requisito de profundidade está relacionado com os sentimentos, pensamentos e lembranças do entrevistado, sua intensidade e intimidade. Segundo os referidos autores, a solução para o desequilíbrio entre padronização e profundidade surge através da utilização de entrevistas qualitativas com roteiro de entrevista, exigindo, desta forma, certos itens de informação sobre cada informante, e ao 59 mesmo tempo, permitindo ao entrevistador reformular a questão para adequá-la à compreensão do momento. Ainda no mesmo contexto, Vergara (1997) sugere a terminologia de entrevista por pauta onde o entrevistador programa aspectos específicos a serem abordados, podendo gravar a entrevista para posterior transcrição. Salienta a autora, que através deste método podese alcançar uma maior profundidade na entrevista. Rubin e Rubin (1995) asseveram que em uma entrevista em profundidade o entrevistador, além de escutar, tenta captar os significados que dão forma ao mundo do entrevistado, devendo também estar atento a sinais não verbais ou emoções manifestadas. Afirmam que as entrevistas em profundidade são imprevisíveis e permitem compreender, conhecer e obter alguns insights dos entrevistados, ao invés de categorizar pessoas e eventos. Para Yin (1989) existem quatro habilidades específicas a serem desenvolvidas pelo entrevistador, indispensáveis para uma entrevista pessoal em profundidade, que são as de colocar as questões “certas”, de ouvir, de ser adaptável e flexível e a capacidade de evitar o viés decorrente de noções preconcebidas. 3.2 – Perguntas de Pesquisa Ancorado no objetivo deste estudo e na revisão de literatura, tem-se a seguinte pergunta principal de pesquisa: 60 Quais são os principais fatores que influenciam nas tomadas de decisões dos varejistas do SAARA relativas ao composto de marketing? Esta se desdobra nas seguintes perguntas: - Quais os principais fatores que influenciam nas tomadas de decisões dos varejistas do SAARA relativas aos produtos vendidos? - Quais os principais fatores que influenciam nas tomadas de decisões dos varejistas do SAARA relativas aos preços dos produtos vendidos? - Quais os principais fatores que influenciam nas tomadas de decisões dos varejistas do SAARA relativas às promoções dos produtos vendidos? 3.3 – Seleção dos Entrevistados Este estudo procurou selecionar os entrevistados de ascendência árabe ou com algum vínculo familiar com árabes, pois foram os árabes os precursores do comércio varejista no SAARA e são, também, os mais tradicionais no local. De acordo com Ribeiro (2000) sírios e libaneses, em meio a uma grande diversidade de etnias, começaram a se estabelecer na região, atualmente conhecida como SAARA, e foram se enraizando e desenvolvendo formas peculiares de identificação com o lugar, se destacando dentro daquele espaço e criando uma imagem para a cidade que permanece até os dias de hoje. 61 Outro fator que motivou a escolha dos entrevistados foi a facilidade de acesso do entrevistador junto à colônia árabe presente no SAARA, viabilizando uma coleta de dados mais aprofundada. Buscou-se, também, selecionar os entrevistados de forma a obter um conjunto de ramos de atividade mais semelhante ao conjunto de lojas encontrado no SAARA. Dessa forma, foram entrevistados sete varejistas dos respectivos ramos: roupas infantis, jeans feminino, festas, roupas e utensílios esportivos, alimentos/especiarias, bijuterias e brinquedos/bazar. Além disso, cabe observar que a escolha desses entrevistados ocorreu de acordo com a conveniência das diversas indicações obtidas por vias informais. Segue-se o perfil dos varejistas entrevistados (quadro 6): Quadro 6 – Perfil dos Varejistas Entrevistados Sexo Entrevistado 1 Masculino Idade 52 anos Descendência Filho de árabes Entrevistado 2 Masculino Entrevistado 3 Masculino 51 anos 45 anos Neto de árabes Filho de árabes Entrevistado 4 Masculino 68 anos Casado com filha Segundo grau completo de árabes1 Entrevistado 5 Masculino 25 anos Neto de árabes Entrevistado 6 Masculino 52 anos Filho de árabes Entrevistado 7 Masculino 76 anos Filho de árabes 1 Grau de escolaridade Superior em Administração de Empresas Advogado Segundo grau completo Ramo Roupas Infantis Jeans Feminino Festas Roupas e utensílios esportivos Superior em Alimentos/ Administração Especiarias Técnico em Química Bijuterias Industrial e Superior em Administração de Empresas Não respondeu Brinquedos/Bazar Neste caso, o atual dirigente da loja herdou-a do sogro de origem árabe. Ressalte-se que a esposa desse dirigente já trabalhava nesse estabelecimento antes de se casar. 62 Cabe lembrar que, como a grande maioria dos varejistas concedeu as entrevistas com a condição de permanecer no anonimato, optou-se por numerar todos os entrevistados com a finalidade de diferenciá-los. 3.4 – Coleta dos Dados A coleta de dados foi realizada utilizando-se as entrevistas em profundidade com os proprietários, de ascendência árabe ou com algum vínculo familiar dessa etnia, dos estabelecimentos comerciais localizados no SAARA selecionados para este fim. As entrevistas em profundidade foram guiadas por um roteiro (Anexo 1), desenvolvido com base na revisão de literatura e no objetivo deste estudo, buscando explorar as questões de pesquisa e seus desdobramentos. No roteiro de entrevista foram nove os temas abordados: 1 – A origem dos negócios; 2 – A decisão quanto aos produtos; 3 – A decisão quanto aos preços; 4 – A decisão quanto às promoções; 5 – Processo de seleção dos vendedores; 6 – Satisfação e fidelização dos clientes; 7 – O chamariz e a concorrência dentro e fora do SAARA; 8 –Expectativa de investimento futuros; 9 – Definição das empresas. 63 A marcação das entrevistas foi precedida da visita do pesquisador aos estabelecimentos selecionados, momento em que foi solicitada a anuência do proprietário e o posterior agendamento de data e horário da entrevista. As entrevistas foram gravadas com o propósito de se aproveitar o máximo de informação possível uma vez que dificilmente o pesquisador teria condições de registrar por escrito toda a riqueza e amplitude de informações que a gravação permitiu. É este procedimento, via de regra, recomendado neste tipo de entrevista conforme afirmam Goldman e McDonald (1987). As entrevistas tiveram duração variável, entre trinta minutos e uma hora, dependendo da disponibilidade e do perfil dos entrevistados. No total cerca de quatro horas e meia de entrevista foram gravadas. Estas fitas foram posteriormente transcritas para facilitar a análise e consulta, a partir de um registro formal. 3.5 – Análise dos Dados No entender de Best apud Marconi e Lakatos (1999) a análise dos dados representa a aplicação lógica dedutiva e indutiva do processo investigatório. A importância dos dados está no fato de proporcionarem respostas às investigações. É a análise de dados a tentativa de evidenciar as relações existentes entre o fenômeno estudado e outros fatores. Os dados coletados foram objeto de análise com o intuito de responder às perguntas apresentadas na pesquisas. 64 Thompson et al (1990) descrevem o procedimento analítico como um processo interativo de idas e vindas na junção da parte com o todo. Para o autor, na medida em que o texto é absorvido, a interpretação será continuamente revisada. Por meio desta forma de interação o pesquisador reserva a interpretação final de uma passagem particular da entrevista depois de considerá-la por inteiro. Os autores apontam outra forma de interação, ao revisarem cada entrevista depois de desenvolvidos temas globais. Nesta situação, o processo de idas e vindas é entre cada entrevista (a parte) e todas as entrevistas (o todo). As entrevistas são lidas inúmeras vezes e o movimento de idas e vindas parece permitir uma unidade de interpretação e um refinamento dos dados e conceitos. Ancorado nestas recomendações, as entrevistas foram lidas e relidas para uma melhor compreensão e análise adequada dos dados. 3.6 – Limitações do Estudo Vergara (1997) assevera que todo método apresenta possibilidades e limitações, com base nesta assertiva procurou-se selecionar o método mais adequado ao problema a ser estudado, para que as possíveis limitações não intervenham negativamente na qualidade da pesquisa. De qualquer forma, como se trata de um estudo qualitativo, em que foram utilizadas entrevistas em profundidade para coleta de dados, convém citar Marconi e Lakatos 65 (1999) que apresentam limitações na utilização desse tipo de entrevista: dificuldade de expressão e comunicação de ambas as partes (pesquisador e entrevistado); incompreensão, por parte do informante, do significado das perguntas da pesquisa, que pode levar a uma falsa interpretação; possibilidade de o entrevistado ser influenciado, consciente ou inconscientemente, pelo questionador, pelo seu aspecto físico, suas atitudes, idéias, opiniões, etc; disposição do entrevistado em dar as informações necessárias; retenção de alguns dados importantes, receando que sua identidade seja revelada; pequeno grau de controle sobre uma situação de coleta de dados; ocupa muito tempo e é difícil de ser realizada. Cabe observar que pela própria natureza da pesquisa, exploratória e descritiva, os resultados do estudo encontram-se restritos à amostra estudada, não sendo possível generaliza-los para o universo pesquisado. Quanto à limitação da interpretação dos resultados, convém esclarecer que buscou-se interpretar os resultados de forma distanciada mas não de forma literal. No entanto, essa tarefa é bastante complexa já que nem sempre o pesquisador interpreta de maneira adequada o que foi dito pelo entrevistado, ou seja, muitas vezes o pesquisador não consegue “ler nas entrelinhas”, ficando apenas com uma interpretação literal do que foi relatado. 66 Capítulo 4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS Nesse capítulo será feita a descrição dos resultados obtidos com as entrevistas seguindo a ordem dos temas abordados no roteiro de entrevista: A origem dos negócios; A decisão quanto aos produtos; A decisão quanto aos preços; A decisão quanto às promoções; Processo de seleção dos vendedores; Satisfação e fidelização dos clientes; O chamariz e a concorrência dentro e fora do SAARA; Expectativa de investimentos futuros; Definição das empresas. 4.1 - A Origem dos Negócios Constata-se, a partir dos depoimentos, que os entrevistados são brasileiros, no entanto, descendentes de imigrantes árabes ou, então, com algum forte vínculo familiar com árabes. Alguns destes imigrantes, que chegaram ao Brasil no final do século XIX e início do século XX, antes de fixarem seu comércio no Centro da Cidade (atual SAARA), mascatearam por alguns bairros e morros do Rio de Janeiro: “Meu pai, assim que chegou da Síria, começou a trabalhar com o comércio. Ele era um mascate, vendia de porta em porta. Com o tempo ele foi juntando um dinheirinho e resolveu abrir uma loja...”;(Entrevistado 3) 67 “...o meu pai começou a trabalhar como mascate, vendendo mercadorias de porta em porta nos morros e nos bairros mais pobres. Passado dois anos, meu pai abriu a primeira loja...”.(Entrevistado 1) Verifica-se a partir dos depoimentos prestados que a origem dos negócios dos entrevistados traduz uma forte presença de estrutura familiar, sendo o negócio transmitido da geração mais velha para a geração mais nova. Confirma-se este fato com base no depoimento de todos os entrevistados. Eis alguns dos depoimentos: “Eu sempre gostei de estudar, não queria nada com a loja, me formei em química industrial e trabalhava na Refinaria de Manguinhos. Quando estava para ser efetivado meu velho me chamou e disse: vem para Rua da Alfândega trabalhar, nada de estudo, tem que ser patrão! Essa era a teoria dos nossos pais. E com isso, eu fiz faculdade à noite na SUESC e trabalhava ao mesmo tempo, não sabia nem embrulhar uma caixa de fósforo. E naquele ano, eu com a minha mão no sobrado, dobramos o faturamento do ano anterior. O comércio estava no sangue;então, me formei e estou no comércio até hoje”;(Entrevistado 6) “Começou com o meu avô que veio de fora para o Brasil e depois de alguns anos abriu uma loja de especiarias. Com o tempo o negócio foi crescendo e passou para o meu pai em sociedade com o meu tio. Passado alguns anos, meu tio se separou do meu pai. Meu tio ficou com uma parte das lojas e meu 68 pai com outra. Eu que já trabalhava nas lojas fiquei trabalhando junto com o meu pai”.(Entrevistado 5) De acordo com algumas entrevistas observa-se que o mercado atacadista, fixado desde antes do início do século XX nas lojas do Centro da Cidade, atual SAARA, foi o precursor do mercado varejista naquela localidade: “A nossa loja foi fundada em 1918 pelo papai, a priori nós éramos atacadistas de tecidos porque as fábricas eram pequenas e seus estoques eram, normalmente, distribuídos em dois lugares: Rua 25 de Março e Rua da Alfândega. Então nós passamos de tecido para armarinho, como eu já havia dito. Certa vez uma senhora entrou aqui na loja e me perguntou se tínhamos lese, eram leses importadas via Paris E foi lhe dito que nós não vendíamos varejo, éramos atacadistas. O papai estava passando, viu o ocorrido, mandou cortar os vinte e cinco centímetros e na hora de pagar não recebeu. O papai disse a senhora: “você acabou de me dar uma grande idéia, a senhora pagou a sua mercadoria”. Papai, então, transformou o atacado dessa região, hoje o SAARA, em varejo. (Entrevistado 7) “...meu pai foi juntando um dinheirinho e resolveu abrir uma loja atacadista de tecidos na Rua Senhor dos Passos”;(Entrevistado 3) “Passados dois anos, meu pai abriu a primeira loja na Rua Senhor dos Passos onde vendia fazenda de roupas no atacado. Depois, junto com a mudança das 69 outras lojas para o varejo, o meu pai foi para SP montar uma fábrica de colchas e minha mãe ficou no RJ trabalhando na loja”.(Entrevistado 1) Constata-se, também, que muitos desses comerciantes imigrantes moravam no sobrado ou nas proximidades das lojas em que trabalhavam: “...resolveu abrir uma loja atacadista de tecidos na Rua Senhor dos Passos próxima da Rua Buenos Aires onde ele morava com a minha mãe e outros parentes”; (Entrevistado 3) “...minha mãe ficou no RJ trabalhando na loja e morando no sobrado” (Entrevistado 1) 4.2 – A Decisão Quanto aos Produtos Verifica-se, com base nas entrevistas, que as tendências da moda, ditadas pela mídia, e a procura dos consumidores por determinado produto são as duas fontes de informações mais utilizadas pelo varejista na tomada de decisão quanto ao mix de produtos que ele irá vender em sua loja. Seguem os depoimentos de alguns varejistas: “Eu escuto muito o que os meus clientes falam e também procuro ver o que está na moda”; (Entrevistado 1) “Pela procura dos consumidores, nós sempre estamos acompanhando pela mídia também aquilo que é lançado recentemente”; (Entrevistado 4) 70 “O essencial mesmo é acompanhar a mídia, eles que ditam o que vamos vender”. (Entrevistado 3) Constata-se, também, que a relação preço-qualidade dos produtos oferecidos pelos fornecedores é um fator de grande importância para a tomada de decisão quanto aos produtos que o varejista irá vender na sua loja. Ele procura produtos de boa qualidade e preço baixo: “Procuro escolher sempre produtos de qualidade e com o preço baixo para que eu possa trabalhar bem”; (Entrevistado 1) “Se o produto não tiver qualidade ou preço bom, eu não compro”. (Entrevistado 2) Um dos entrevistados apresenta um diferencial em relação aos demais quando fala sobre a escolha do mix de produtos, isto é, para o entrevistado, o conhecimento do ramo, desenvolvido através dos anos de trabalho consiste em uma fontes de informações mais importantes para tomada de decisão quanto ao produto: “Eu falo isso com a categoria de quem conhece essas mercadorias, a gente chega a uma idade, depois de muitos anos de trabalho no ramo e acaba desenvolvendo um certo conhecimento do negócio. Esse conhecimento ajuda na hora da escolha dos produtos que ponho na minha loja.” (Entrevistado 7) 71 Relativamente ao critério de decisão para escolha do mix de produtos, utilizado pelos varejistas, alguns dos entrevistados afirmam não terem ocorrido mudanças recentes nestes últimos anos. Porém, um dos entrevistados assevera ter modificado o seu critério após o início do segundo mandato de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso: “De alguns anos para cá, após o segundo mandato do presidente, eu comecei a diminuir o meu leque de fornecedores. Antes eu trabalhava com uma variedade de fornecedores muito grande, eu tinha uma variedade de produtos muito maior, mas o meu giro de estoque era bem alto, hoje como o giro é pequeno, você é obrigado a encolher este mix de fornecedores para que você possa tentar fazer um volume maior de compras e conseguir captar um preço melhor através do seu poder de compra.” (Entrevistado 2) Quanto ao sortimento dos produtos das lojas, os comerciantes entrevistados dizem trabalhar com um mix de produtos básicos de até cerca de 50% dos produtos vendidos durante o ano. Além disso, trabalham com um mix de produtos de época, constituído por produtos que são freqüentemente substituídos, tendo em vista as diferentes datas do calendário promocional do varejo brasileiro (ex: Ano Novo, Volta às Aulas, Carnaval, Páscoa, Dia das Crianças, Natal, Verão, Inverno, etc). “Normalmente só modifico os produtos de época. Como eu disse anteriormente, eu modifico, um pouco, os meus produtos em relação a época do ano que estamos...” (Entrevistado 1) 72 “Eu trabalho, praticamente, mudando as minhas mercadorias ao longo do ano, cerca da metade das minhas mercadorias são de época que, geralmente, ficam na porta. A outra metade são mercadorias que eu não mexo muito pois vendem, praticamente, ao longo de todo o ano. (Entrevistado 7) 4.3 – A Decisão Quanto aos Preços Constata-se, com base nas entrevistas, que os sete varejistas entrevistados disseram trabalhar com uma margem de lucro bem baixa, na maioria dos produtos, visando obter ganhos através do alto volume de vendas. Eis alguns depoimentos: “Além desses fatores, sempre procuro trabalhar com uma margem de lucro baixa. Procuro vender muito ganhando pouco por unidade”. (Entrevistado 1) “Olha, aqui neste mundo de lojas de comércio, nós temos que procurar ganhar menos e vender mais, então nos baseamos em um lucro menor por produto, mas procurando vender um grande volume.” (Entrevistado 4) “Hoje, você tem que pensar em uma rotatividade maior do seu estoque, com isso a sua margem de lucro fica reduzida. Vende-se muito com margem baixa.” (Entrevistado 6) Alguns comerciantes justificam este posicionamento afirmando que hoje a concorrência é muito alta e que o público-alvo, composto em sua maioria por uma classe social mais 73 baixa, não dispõe de renda suficiente para comprar produtos com preços altos. Parece, ainda, haver uma concordância, entre os varejistas, de que eles atendem a uma classe social média-baixa. Segue-se alguns depoimentos: “Trabalhar com o preço alto aqui no SAARA é suicídio, ainda mais no ramo de roupas infantis que a concorrência é alta e o público é de classe médiabaixa para baixa. Se o cliente sentir que o meu preço está mais alto que o do vizinho, mesmo que seja uma diferença pequena, de cinqüenta centavos, ele não compra na minha loja!” (Entrevistado 1) “Se a margem for alta o produto não vende, afinal de contas, o nosso cliente, que representa uma classe relativamente baixa, vem até o SAARA procurando, sempre, um preço mais baixo.” (Entrevistado 7) Os comerciantes entrevistados parecem entender que o processo de decisão quanto ao preço do produto que será vendido em suas lojas é muito delicado, desta forma, são inúmeras as variáveis que devem ser levadas em consideração, como sugere o depoimento a seguir: “Temos que analisar tudo, pois o preço é um fator importantíssimo aqui no SAARA”. (Entrevistado 1) Dentre estas inúmeras variáveis, levantadas pelos comerciantes, pôde-se destacar três fontes de informações que parecem ser importantes para a decisão dos preços: os preços 74 exercidos pela concorrência, os custos que a empresa possui e a opinião do cliente em relação ao preço. “Verifico o preço que os concorrentes estão colocando e procuro colocar o meu preço um pouco abaixo dos outros. Mas isso, sem deixar de lado os meus custos. Não posso também ter prejuízo. Outra fonte de informação importante é a reação do cliente ao preço, tenho que levar a opinião dele em consideração, pois é ele quem compra.” (Entrevistado 1) Um dos entrevistados, além de selecionar esses três fatores descritos anteriormente, lembra que em algumas circunstâncias o comerciante não pode se basear no preço da concorrência, pois pode incorrer em uma guerra de preços acarretando em grandes prejuízos. “Eu vejo nos anúncios de promoções das outras lojas, eu vejo na reação da demanda se o produto está vendendo ou não, eu acompanho os concorrentes. Aqui nós temos um pessoal que freqüentemente faz uma tomada de preços nas outras lojas como, por exemplo: agora nós vamos começar a vender caixas de Bombom Garoto, já estamos recebendo do fornecedor e já estamos fazendo uma tomada de preços no mercado. É lógico, que sabemos que existem momentos que não podemos brigar por preço com a concorrência, pois existem firmas que revendem alguns produtos a preço de custo com a finalidade de fazer propaganda e atrair o cliente para suas lojas. É uma promoção para chamar o cliente para loja. Nestes casos não podemos entrar 75 nestas brigas pois podemos acabar tendo um prejuízo muito alto.” (Entrevistado 3) Relativamente à alteração dos preços dos produtos, depois de terem sido postos a venda, os varejistas asseveram que procuram não fazer modificações que possam criar uma imagem negativa da loja na mente do consumidor, seja aumentando ou diminuindo o preço. No entanto, em havendo alteração, esta ocorre, geralmente, para abaixar os preços. Afirmam, ainda, que, devido à estabilidade econômica, ou seja, baixa inflação, não existe a necessidade de se aumentar o preço com freqüência. “Mas, tirando os lançamentos, eu procuro sempre manter o mesmo preço para que o cliente tenha uma imagem boa da loja.” (Entrevistado 6) “Quando há uma alteração ela sempre é para baixo em decorrência de uma resposta negativa em vendas. Eu nunca coloco o preço para cima, ainda mais agora que a inflação está bem baixa.” (Entrevistado 2) 4.4 – A Decisão Quanto às Promoções Verifica-se, por meio das entrevistas realizadas, que as promoções mais utilizadas pelos comerciantes do SAARA estão intimamente ligadas ao final de cada data do calendário promocional do varejo brasileiro. Isso ocorre em virtude da preocupação dos varejistas com o excesso de estoque que pode significar prejuízo. Dessa forma, para que o prejuízo não ocorra, realizam-se constantes promoções (baseadas na redução de preço do produto) ao final de cada uma dessas épocas, o que serve também de chamariz para 76 novos clientes e para aquisição de outras mercadorias na loja. Ressalte-se, ainda, que segundo informações dos varejistas que trabalham com produtos que apresentam data de validade (especiarias, comidas,...), há constante promoção desse tipo de mercadoria ao se aproximar da data do vencimento do produto. Cumpre observar, que no tocante ao preço destas promoções, eles chegam a se aproximar do custo da mercadoria adquirida pelo comerciante. “Faço promoções normalmente no final de coleções, por exemplo final de verão e final de inverno. Os preços chegam praticamente aos custos que tive com a mercadoria, não tenho quase margem de lucro nestas mercadorias. Eu faço estas promoções para que estas mercadorias não fiquem obsoletas, portanto o preço que eu coloco é só para cobrir os custos com a compra da mercadoria.” (Entrevistado 2) “Quando estou com medo da mercadoria vencer, boto o preço lá embaixo.” (Entrevistado 5) Uma outra forma de promoção utilizada por alguns dos entrevistados, são os descontos oferecidos quando o cliente opta por comprar um número elevado da mesma mercadoria. 77 “...nós fazemos promoções da seguinte forma: se o consumidor comprar acima de seis peças do mesmo produto, eu faço um abatimento no preço.” (Entrevistado 3) No tocante a utilização de propagandas pelos comerciantes, constata-se que não existe um veículo de propaganda padrão, utilizado por todos ou pela maioria dos varejistas, apesar da grande maioria dos entrevistados fazer uso de algum tipo de veículo. A única forma de propaganda que pode ser considerada como comum a todos os varejistas entrevistados é o “boca-a-boca”. Segundo eles, é uma das formas de comunicação mais eficiente no SAARA: “Eu acho que a melhor propaganda é a boca-a-boca.” (Entrevistado 2) “...nossa propaganda aqui no SAARA é um fenômeno, ajuda muito também. É a propaganda através de reportagem, que é propaganda barata, e a propaganda feita pelo próprio freguês, a propaganda boca-a-boca.” (Entrevistado 4) O veículo de propaganda mais utilizado pelos comerciantes entrevistados é a rádio local chamada Rádio SAARA. É através dela que muitas lojas fazem as promoções e divulgações das suas mercadorias. “...durante o ano todo trabalhamos com a Rádio SAARA.” (Entrevistado 3) 78 “Eu faço propaganda na Rádio SAARA, mas não uso pregoeiro.” (Entrevistado 4) Verifica-se, também, que existem dois tipos de opiniões, dos varejistas, quanto à utilização de pregoeiros (pessoas que ficam na frente das lojas anunciando as mercadorias e as promoções) como meio de comunicação com o cliente. Uma delas é contrária ao uso desse tipo de veículo, pois entende que é prejudicial ao comércio: “Sou contra pregoeiro porque incomoda o vizinho e incomoda o cliente que está indo na sua loja. Isso é um anti-comércio.” (Entrevistado 5) ; A outra é a favor pois acha o veículo eficiente para captar clientes: “Só faço propaganda através do pregoeiro. Tem um funcionário que anuncia, na porta da loja, a nossa mercadoria a um preço mais barato. Na verdade, ele fica na frente da loja anunciando as promoções, falando das mercadorias e chamando o cliente para entrar.” (Entrevistado 1) Quanto à propaganda realizada através de jornais e revistas, constata-se que, eventualmente, alguns poucos comerciantes utilizam tais meios: “Fizemos agora no ano passado no Jornal Extra que é mais ligado ao nosso público”. (Entrevistado 3) “Já fiz propaganda algumas vezes em veículos como jornais e revistas internas da Embratel e da Petrobrás oferecendo descontos para funcionários, mas não é uma prática usada, freqüentemente, pela minha empresa”. (Entrevistado 2) 79 Em relação ao resultado obtido através do uso de propagandas, independente do veículo utilizado, os comerciantes entrevistados parecem acordar, que, na maioria das vezes, é positivo. Segundo alguns varejistas, o resultado pode “ser sentido” tanto pelo aumento significativo nas vendas como pelo comentário do próprio cliente, conforme mostram as afirmativas a seguir: “Bom, sempre foi positivo. Sempre melhora um pouco a venda. Dá para sentir o resultado na própria venda diária, podendo até conferir através das notas emitidas, o produto que mais saiu depois da propaganda”; (Entrevistado 4) “O resultado é positivo, dá para sentir bem. Muitas vezes o cliente chega a comentar que veio aqui porque ouviu na rádio”; (Entrevistado 5) “Sempre que eu coloco a propaganda no Extra eu faço um trabalho de levantamento de saída deste produtos que foram divulgados, e realmente eu vejo que dá um impulso bem forte nas vendas, eu tenho uma resposta muito boa. Tem determinados produtos que chegam a aumentar de 100 a 200% na venda”; (Entrevistado 3) Afirmam, ainda, os entrevistados, que gostariam de fazer um número maior de propagandas devido ao retorno positivo e que os veículos mais interessantes seriam os Jornais e a Televisão, no entanto, os custos são muito elevados. Quanto à utilização de 80 outros veículos (Rádio SAARA, pregoeiros, etc) os comerciantes afirmam que já fazem um número de anúncios suficiente. “Gostaria de fazer muita propaganda, mas os custos são muito altos e estão muito além da minha possibilidade. Se fosse viável, eu faria propaganda na televisão e nos jornais”; (Entrevistado 2) “Através do pregoeiro não, acho que já faço o suficiente. Gostaria de fazer em um jornal popular como o Extra para sentir o quanto de resultado isso me traria”. (Entrevistado 1) Relativamente aos elevados custos dos anúncios em jornais, somente um dos entrevistados afirma estar procurando formas alternativas para reduzí-los na intenção de continuar trabalhando com este meio de comunicação. “Neste momento estou procurando fazer algumas parcerias, a gente faz a propaganda e alguns fornecedores colaboram com um percentual para cobrir os custos.” (Entrevistado 3) 4.5 – Processo de Seleção dos Vendedores Contata-se que na maioria dos casos a seleção dos novos candidatos a vendedores é feita pelo próprio dono da empresa. Observa-se, ainda, que não existe um processo de seleção em comum, ou seja, utilizado por todos os comerciantes entrevistados. Porém, um dos fatores que parece ser indispensável, no momento da seleção dos funcionários, é 81 a indicação deste candidato por amigos (proprietários de lojas onde o candidato já tenha trabalhado) ou por outros funcionários de confiança da empresa. Esta indicação, segundo os entrevistados, ajuda o varejista a reduzir o risco de contratar um funcionário que possa vir a furtar produtos na loja. “Na hora de escolher a funcionária eu levo em consideração a indicação. Eu só contrato por indicação de outras funcionárias da minha confiança ou por amigos. No meu ramo o índice de roubo dentro da própria loja (por meio dos empregados) é muito alto, por isso tenho que me precaver”; (Entrevistado 6) “Procuro sempre dar prioridade às candidatas que são indicadas pelas atuais funcionárias”. (Entrevistado 1) No tocante aos outros fatores relevantes para a seleção do novo funcionário, pode-se afirmar que eles variam muito de loja para loja. Por exemplo, enquanto alguns comerciantes exigem do candidato noções mínimas de matemática e português, outros levam em consideração a vontade de trabalhar demonstrada pelo candidato. “A vendedora deve ter noções mínimas de matemática, multiplicação e divisão, e português”; (Entrevistado 1) “Eu procuro ver se o candidato quer trabalhar, se tem vontade de trabalhar”. (Entrevistado 3) 82 No entanto, apenas um entre os sete varejistas entrevistados, afirmou exigir que o candidato tenha alguma experiência profissional passada, relativamente, a área em que ele irá atuar na loja: “Primeiro que o candidato tenha alguma experiência no que ele se propõe. Se ele quer ser balconista ou vendedor, ele deve ter alguma experiência.” (Entrevistado 2) Quanto ao treinamento dos funcionários recém contratados, verifica-se, segundo os entrevistados, que não existe nenhum tipo de treinamento específico (formal) elaborado pelas empresas. Na verdade, após a contratação de um novo funcionário, o(a) gerente da loja fica encarregado(a) de explicar as funções que o funcionário irá exercer, passar alguns conselhos e recomendações relativas ao atendimento prestado aos clientes, explicar um pouco a respeito da política e da cultura da loja e supervisionar o novo funcionário durante um curto período de tempo. Isto acontece, não só com o intuito de dar suporte, como também de verificar se o vendedor está atendendo às expectativas da empresa. “Ele recebe, primeiro, algumas instruções básicas do departamento de pessoal. Depois ele chega aqui e fica sob supervisão do gerente, o gerente é quem auxilia e treina o vendedor. Se o vendedor não progredir não continua na firma, ele é substituído. O vendedor só fica com o gerente o tempo suficiente para aprender a fazer sozinho suas funções, depois que ele aprende, passa a vender sozinho.” (Entrevistado 7) 83 “Durante uma ou duas semanas esta vendedora, recém contratada, vai ficar sendo observada pela gerente e por mim. Se durante este período ela corresponder às nossas expectativas, ela é contratada”. (Entrevistado 1) Apenas um dos entrevistados afirma estar interessado em adotar pequenos treinamentos para que os vendedores dominem o conhecimento sobre a mercadoria que é vendida na loja. Afirma, ainda, que o fato do vendedor não conhecer bem a mercadoria pode acarretar em grandes perdas de vendas: Muitas vezes o cliente pede um produto que temos na loja, mas utiliza um nome não muito conhecido pelo vendedor. Por este motivo você pode acabar perdendo muitas vendas. Isso aconteceu comigo agora no “volta às aulas”. Deixamos de vender alguns produtos pois os nomes dos produtos nas listas escolares eram diferentes dos nomes conhecidos por alguns vendedores. No ano que vem eu vou chamar uma pessoa especializada nesta área de papelaria e escola para treinar os meus funcionários. (Entrevistado 3) Por fim, ao se inquirir sobre as recomendações que os varejistas entrevistados consideram como principais para um vendedor que está começando, constata-se que a maioria dos comerciantes acorda com as recomendações do tipo: “deve-se tratar o cliente de forma muito respeitosa e cordial”, “procurar atender as necessidades do cliente”, “o cliente está em primeiro lugar” e “o cliente tem sempre a razão”. 84 Uma recomendação levantada por um dos entrevistados, como forma de complementar a recomendação anterior é a de atender o cliente com muita precaução para que ele não se sinta pressionado e vigiado ou, então, ignorado, isto é, saber ponderar na hora de atender: “O vendedor tem que atender o cliente e ao mesmo tempo deixá-lo à vontade, pois ninguém gosta de ser atendido como se estivesse sendo vigiado ou com um guarda-costas. Às vezes o cliente quer fazer um comentário com a sua filha ou acompanhante e com a presença do funcionário o cliente se sente inibido. Ao mesmo tempo o cliente não pode ser deixado de lado. O funcionário tem que ter a capacidade de fazer estas duas coisas, dar atenção e ao mesmo tempo deixar o cliente à vontade”. (Entrevistado 3) 4.6 – Satisfação e Fidelização dos Clientes No tocante aos principais fatores, elencados pelos varejistas entrevistados, que levam à satisfação de seus clientes, foram encontradas diversas respostas, tais como: - qualidade da mercadoria; - preço baixo (que deve ser menor do que os dos concorrentes); - bom atendimento; - flexibilidade no prazo de troca da mercadoria; - conforto oferecido ao cliente (que vai desde um ambiente mais agradável com ar condicionado até o oferecimento de água mineral aos clientes); - grande sortimento das mercadorias oferecidas; - tradição da loja. 85 Porém, ao perguntar aos comerciantes quais destes fatores eles consideram como indispensáveis, houve praticamente um consenso. Os comerciantes entrevistados, em sua maioria, acordam que os fatores mais críticos, em termos de trazerem satisfação aos clientes são o bom atendimento e o preço baixo. Como sugerem os depoimentos a seguir: “Eu acho que o bom preço e o bom atendimento são fundamentais e caminham juntos”; (Entrevistado 2) “...além do bom atendimento o preço é muito importante. Muitas pessoas vem para o SAARA a procura de um preço menor”; (Entrevistado 1) “O atendimento é o principal. Uma pessoa mal atendida pode acarretar em uma repercussão negativa muito grande, ela faz uma propaganda negativa para todos os conhecidos e estes, com certeza, não comprarão na sua loja. Já a pessoa bem atendida tem uma repercussão positiva, mas não na mesma proporção que a negativa. Muitas lojas hoje estão trabalhando com um número pequeno de funcionários, seguindo o estilo das lojas no exterior, então o freguês entra na loja e não encontra ninguém para atendê-lo, além disso as lojas não gostam que os fregueses coloquem a mão na mercadoria. A gente sempre trabalha ao contrário, as minhas lojas tem um número elevado de vendedores, o freguês chega e pode mexer na mercadoria, com isso, o 86 freguês sai satisfeito. O cliente deve se sentir em casa dentro da loja para que ele possa efetuar boas compras e sair satisfeito”; (Entrevistado 3) Além de preço baixo e bom atendimento, cabe ressaltar, também, o destaque dado à variedade de produtos disponíveis nas lojas como mais um importante diferencial para a satisfação dos consumidores: “Dentro do meu ramo a gente costuma oferecer uma linha muito extensa de produtos. Na verdade eu procuro fazer com que a minha loja seja uma “temtudo”. O próprio cliente fica com isso em mente. O cliente pensa: vou lá na LOJA X pois na LOJA X tem tudo que eu preciso. Eu acho que na minha loja os clientes procuram uma grande diversidade de produtos, dentro do ramo que eu atuo, e um bom atendimento”. (Entrevistado 3) Quando perguntado aos varejistas o que eles fazem para fidelizar ou manter seus clientes, a maioria respondeu que o bom atendimento é considerado como o fator principal tanto para a satisfação quanto para a fidelização. “...o cliente só fica fiel se for bem atendido. Tem muitos clientes que entram na loja e parecem até parentes dos funcionários. Eles dizem: vou procurar a atendente X que já me atende a anos”. (Entrevistado 3) 87 No entanto, no tocante a fidelização, aparece um aspecto mais tangível como diferenciador, ou seja, a apresentação constante de novos produtos e o reconhecimento de que sem novidades o consumidor migra para a concorrência. “Sendo a clientela praticamente a mesma, o que você deve fazer para que o cliente volte sempre é oferecer um sortimento muito grande de mercadorias junto com as novidades do momento. Eu procuro estar ciente dos lançamentos para me diferenciar dos concorrentes. (Entrevistado 6) Outra maneira de fidelizar os clientes, segundo um dos entrevistados, é oferecendo formas diferenciadas de pagamento, como por exemplo: cheques pré-datados, crediário, pagamento em 3 vezes sem juros no cartão de crédito, etc. Segundo este entrevistado, como o seu público-alvo dispõe de um orçamento restrito, quando a loja oferece diversas opções de pagamento, o cliente consegue comprar o que deseja e acaba voltando sempre. “ A gente fideliza muito no crediário, nós buscamos oferecer várias alternativas de pagamento para o cliente”. (Entrevistado 3) Quanto aos esforços relativos à captação de novos clientes, constata-se que: os comerciantes parecem agir de forma indireta, ou seja, acreditam que ao proporcionar satisfação ao cliente, esse se encarregará de incentivar os amigos e parentes a comprarem na loja. No entanto, alguns entrevistados asseveram que agem, também, de forma direta na captação de novos clientes, através da utilização de ferramentas como 88 propaganda e promoção. Seguem-se declarações relativas aos dois tipos de posicionamento descritos anteriormente: “Objetivamente não faço nada. Mas de forma indireta, acho que as minhas bancas de mercadorias são convidativas e acredito também na propaganda boca-a-boca. O freguês vem, sai satisfeito e conta para amigos e parentes”; (Entrevistado 6) A propaganda se encarrega disso, como eu já disse, eu faço propaganda mensal na revista do SAARA e isso acaba atraindo novos compradores. (Entrevistado 7) 4.7 – O Chamariz e a Concorrência Dentro e Fora do SAARA Verifica-se, com base nas declarações dos varejistas entrevistados, que os maiores atrativos do SAARA parecem ser o preço baixo e uma grande variedade de produtos oferecidos, ou seja, pode-se encontrar de tudo por um preço bem inferior aos dos outros lugares e shoppings. “Com certeza o maior atrativo do SAARA é que você pode encontrar uma grande variedade de produtos, desde cama e mesa, eletrodomésticos até jóias, por um preço bem baixo.” (Entrevistado 2) “O que traz as pessoas ao SAARA é o preço baixo e a grande variedade de produtos.” (Entrevistado 7) 89 Constata-se que os entrevistados acreditam que os atrativos de suas respectivas lojas são os seus próprios diferenciais em relação a concorrência. Observa-se, também, que a maioria dos lojistas aponta o atendimento prestado pela própria loja, como sendo um dos seus diferenciais. No entanto, concomitantemente ao atendimento, os comerciantes entrevistados apresentam outros fatores que não são comuns a todos, tais como: - arrumação da loja; - grande variedade de mercadorias; - lançamentos e novidades (produtos novos ainda não encontrados em outras lugares); - tradição da loja; - qualidade da mercadoria; - preço baixo. Ao se indagar sobre a concorrência, dentro e fora do SAARA, verifica-se que a maioria dos comerciantes acorda que a grande concorrência está dentro do próprio SAARA, e que fora do SAARA podem até existir concorrentes que atendam ao mesmo públicoalvo, mas estes não conseguem praticar o mesmo preço que os varejistas de lá. Portanto, não são considerados como fortes concorrentes. Afirmam, ainda, alguns varejistas, que, muitas vezes, comerciantes de fora do SAARA vão até lá para comprar mercadorias e revender em suas lojas. “A maioria das lojas de roupas infantis no SAARA podem ser consideradas meus concorrentes. Agora, fora do SAARA eu acho que não tenho 90 concorrência, pois o freguês quando chega aqui ele já sabe que vai encontrar um preço bem baixo e um produto de qualidade. É muito difícil encontrar um produto que vendemos aqui por um preço mais baixo aí fora”;(Entrevistado 1) “Fora do SAARA eu não considero nenhum deles meus concorrentes, pois a maioria das lojas de fora vem até o SAARA comprar as mercadorias aqui. A grande questão é que o público deles não vem até o SAARA fazer compras, pois aqui nós temos os mesmos produtos por um preço bem mais barato. Afinal de contas somos nós, muitas vezes, que fornecemos para eles”. (Entrevistado 6) Contudo, dois dos entrevistados que atuam, respectivamente, no ramo de Roupas e Utensílios Esportivos e Alimentos/Especiarias, afirmam não ter concorrentes dentro SAARA. Apenas um deles, do ramo de Roupas e Utensílios Esportivos, afirma possuir concorrência fora do SAARA que, segundo ele, não é tão expressiva pois não consegue exercer preços competitivos. Eis a seguir os depoimentos: “Não possuo concorrência nem dentro nem fora do SAARA” (Entrevistado5) “Não, aqui no meu ramo não tenho concorrência. Fora do SAARA eu tenho outros concorrentes sim, mas eles não conseguem manter os preços que eu apresento aqui, por isso não são muito expressivos. Lá fora eles possuem outras despesas mais elevadas e, o modo de comprar do fornecedor, também, influencia um pouquinho. No geral nós compramos do fornecedor à vista, 91 fazendo com que a mercadoria nos seja fornecida a um preço melhor. Com isso fica difícil para os meus concorrentes colocarem um preço tão baixo quanto o meu.” (Entrevistado 4) 4.8 – Expectativa de Investimentos Futuros Ao se perguntar aos varejistas o que eles fariam se tivessem, hoje, um dinheiro sobrando para investir em seus negócios, observa-se que os entrevistados, em geral, disseram que remodelariam e informatizariam suas lojas de forma a criar um maior valor para o cliente, através de um maior conforto (tanto em relação a um ambiente físico mais agradável e confortável, quanto em relação a um ambiente com atendimento cordial, amistoso e informal) e rapidez na prestação do serviço. “Modernizaria o negócio. Faria uma reforma total na loja a moldes modernos. Seria uma reforma visual e de disposição do produto. Resumindo uma reforma em todo ambiente com bastante conforto.” (Entrevistado 2) “Eu, recentemente, fiz uma reforma na loja, mas se tivesse um extra sobrando eu procuraria melhorar mais ainda as minhas instalações de forma a dar mais conforto para o meu cliente.” (Entrevistado 6) “Informatizava, ampliava algumas lojas...” (Entrevistado 5) Um dos entrevistados acrescentou, além dessas modificações, um outro tipo de mudança que seria oferecer a seus clientes um atendimento mais personalizado, através 92 da contratação de mais vendedores e do oferecimento de formas mais flexíveis de pagamento, sem aumentar o preço da mercadoria. “Eu remodelaria as instalações das lojas, colocaria mais luminosidade, daria mais conforto através da colocação de ar condicionado, faria todas as alterações necessárias para que o cliente se sentisse em casa, com todo conforto. Aumentaria o número de vendedores, parcelaria as compras em mais vezes, aceitaria outros tipos de cartões de crédito, sem aumentar o preço da minha mercadoria.” (Entrevistado 1) Um outro varejista, que já havia modernizado e remodelado suas instalações recentemente, declarou que gostaria de expandir seus negócios. Ele mostrou ter uma certa aversão a shopping centers, mas afirmou identificar uma oportunidade no crescimento de lojas em bairros residenciais: “Acho que se eu estivesse com esse dinheiro sobrando para investir no meu negócio eu abriria um ponto em outro lugar. Hoje, eu vejo um crescimento das lojas em bairros residenciais. De repente iria para um bairro da Zona Norte. Agora shopping não!”; (Entrevistado 3) Dois entrevistados, no entanto, mostraram desmotivação com o negócio atual: “Olha, no meu local aqui já não há mais como investir, porque a área de trabalho já está cheia e é pequena para todos. Mas eu investiria em outros 93 setores, em outros locais, mas talvez em imóveis, ou em automóveis, em outras coisas. Eu talvez saísse para outro ramo”. (Entrevistado 4) “A bem da verdade, eu apenas compraria dólar”. (Entrevistado 7) 4.9 – Definição das Empresas Ao pedir para os varejistas entrevistados definirem suas lojas com somente uma frase, alguns pensaram no que pode ser chamado de declaração de posicionamento (RIES e TROUT, 1986): Entrevistado 1 – Ramo de roupas infantis: “A loja mais barata que vende produtos de qualidade com um ótimo atendimento” Entrevistado 2 – Ramo de jeans feminino: “Moda feminina, a moda por um bom preço!” Entrevistado 3 – Ramo de festas: “A loja que possui o que você procura com qualidade e bom atendimento” Entrevistado 5 – Ramo de alimentos e especiarias: “Tradição e qualidade a mais de 60 anos” 94 Entrevistado 7 – Ramo de brinquedos: “Loja X”2 Um dos entrevistados, no entanto, definiu de forma emocional sua loja, mostrando um alto envolvimento afetivo: Entrevistado 4 – Ramo de roupas e utensílios esportivos: “Essa loja é o motivo da minha vida e por isso ela sempre atende bem aos seus clientes” Por fim, outro entrevistado preferiu citar não uma definição própria mas a visão do consumidor que parece tê-lo encantado: Entrevistado 6 – Ramo de bijuterias: “Eu definiria com a frase que a freguesa me disse há pouco tempo: “Foi muito bom comprar na sua loja, em loja nenhuma eu fui tão bem atendida e vi tanta novidade. Que bom ter conhecido a sua loja”.” 2 Aqui o entrevistado falou o nome da loja que essa pesquisa determinou não identificar. O entrevistado afirmou acreditar que o nome da loja era suficiente para resumir sua loja, ou seja, tinha uma forte tradição e era muito conhecida. 95 Capítulo 5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS Neste capítulo procurar-se-á proceder à análise e à interpretação dos resultados obtidos, ancoradas na seguinte pergunta da pesquisa: Quais os principais fatores que influenciam nas tomadas de decisões dos varejistas do SAARA relativas ao composto de marketing? Essa pergunta foi desdobrada em outras três relativas aos produtos vendidos, aos preços dos produtos vendidos e às promoções dos produtos vendidos, que objetiva-se responder para, em seguida, apresentar sugestões para pesquisas futuras. 5.1 – Quais os principais fatores que influenciam nas tomadas de decisões dos varejistas do SAARA relativas aos produtos vendidos? Quem é o público-alvo do SAARA? Os entrevistados não foram perguntados diretamente sobre a caracterização dos seus consumidores. No entanto, ao longo das entrevistas eles foram descritos como classe social média-baixa: “Como a minha freguesia é composta por uma classe social médiabaixa...”(Entrevistado 2) Essa afirmativa dos varejistas parece ser reforçada por Barros (2001). Apesar de afirmar que o público do SAARA é eclético, a autora considera que “a base do consumo do SAARA é popular, constituída por pessoas das chamadas ‘classes trabalhadoras’ dominando a cena em busca das melhores ofertas de produtos”. 96 A caracterização desses consumidores parece ser importante para o entendimento de como as empresas determinam seu mix de produtos. Se por um lado, o perfil dos compradores do SAARA não parece encontrar divergências entre os entrevistados, por outro lado, a diversidade dos negócios desse estudo, pode ter dificultado a avaliação da decisão relativa ao mix de produtos. Os principais fatores encontrados por meio dessa pesquisa foram: as tendências da moda, ditada pela mídia, a procura dos consumidores por um determinado produto, a qualidade do produto e o preço do produto oferecido pelo fornecedor. Uma das fontes de informação utilizada pelos varejistas, a procura dos consumidores por um determinado produto, parece ser uma fonte de informação que surge meio ao acaso. No entanto, os comerciantes mostram-se atentos às informações trazidas pela mídia como sugerem os testemunhos que falam da moda trazida pela novela “O Clone”, pelo programa infantil “Sítio do Pica-Pau Amarelo” e pela dupla de cantores Sandy e Junior. Surge, portanto, uma dúvida. Será que as duas fontes de informações - o que pedem os consumidores e o que mostra a mídia - não estariam diretamente relacionadas? Sabe-se, por exemplo, da grande influência da moda/produto das novelas no consumidor brasileiro (Mercado Global, 2000), o que sugere que a mídia desperta o desejo no consumidor, que vai, então, até a loja procurar satisfazer tal desejo (a procura de um determinado produto). Caso esteja correta essa hipótese, poderiam os varejistas procurar 97 obter um canal de informação melhor junto à mídia e seus fornecedores, de forma a se anteciparem no oferecimento desse tipo de produto. Morgado (1999) assevera que, no momento da definição da linha de mercadorias, o varejista deve ter clara noção do público-alvo que pretende atingir para adequá-la às necessidades do consumidor em termos de benefícios e características procuradas. De acordo com os comerciantes entrevistados, outros benefícios e características, também, se somam a decisão do mix de produtos: a qualidade, que é um conceito subjetivo e que está na percepção do consumidor e o preço, benefício associado de forma direta à percepção de qualidade (Kotler e Armstrong, 1999). Tendo em vista a classe social que parece predominar nesta região varejista, a equação procurada pelos comerciantes é preço baixo x qualidade alta. Porém, a decisão por vender produtos de qualidade parece se basear na percepção de qualidade dos comerciantes. Nesse processo de escolha do mix de produtos, somente um dos entrevistados levantou um ponto diferente dos demais e que parece ter relação com a definição de Deng e Dart (1994) sobre a orientação de empresas para o mercado. De acordo com o Entrevistado 7, um dos fatores mais importantes para a tomada de decisão de produto é o conhecimento adquirido com o tempo e com a prática do negócio. Deng e Dart (1994) asseveram que uma empresa orientada para o mercado cria e desenvolve um know-how de mercado apropriado sobre as necessidades presentes e futuras dos consumidores e as habilidades que as empresas possuem para satisfazê-las. Dessa forma, a loja do Entrevistado 7, parece ter esse tipo de orientação quando afirma que: 98 “...a gente chega a uma idade, depois de muitos anos de trabalho no ramo e acaba desenvolvendo um certo conhecimento do negócio. Esse conhecimento ajuda na hora da escolha dos produtos que ponho na minha loja.” (Entrevistado 7) Talvez outras lojas do SAARA também possuam essa orientação, uma vez que a origem dos negócios nesse local está baseada em estruturas familiares, ou seja, os negócios são transmitidos de pai para filho. Provavelmente, o conhecimento adquirido pelas gerações mais antigas é difundido entre as mais novas. O sortimento dos produtos das lojas que, segundo a maioria dos varejistas entrevistados, é dividido em dois mix diferentes dentro da mesma loja (mix básico mantido por um longo período de tempo e o mix de produtos de épocas que é freqüentemente substituído), parece estar adequado ao alto índice de sazonalidade desse mercado, por conta do calendário promocional do varejo brasileiro (composto por diferentes datas e eventos, tais como, Ano Novo, Volta às Aulas, Carnaval, Páscoa, Dia das Mães, Dia das Crianças, Natal, Verão, Inverno, etc), o que é uma característica do comércio varejista em geral (Levy e Weitz, 2000). 5.2 - Quais os principais fatores que influenciam nas tomadas de decisões dos varejistas do SAARA relativas aos preços dos produtos vendidos? De acordo com as entrevistas, foram encontradas inúmeras variáveis que influenciam nas tomadas de decisões de preço, já que o mesmo é considerado, pelos varejistas, um dos fatores mais importantes no SAARA. Porém, apenas três dessas variáveis foram 99 constantes na maioria das entrevistas: os preços exercidos pela concorrência, os custos que a empresa possui e a opinião (reação) do cliente quanto ao preço. A primeira das variáveis descritas anteriormente parece ter relação com Kotler e Armstrong (1999) ao afirmarem que a decisão de preço do varejista deve ser tomada em relação à concorrência, ao sortimento de produtos e serviços e ao mercado varejista. Tal variável parece ser de grande importância para esse processo de decisão, uma vez que os próprios varejistas entendem que a grande concorrência se encontra dentro do SAARA, um shopping a céu aberto, em que há uma imensidão de lojas muito próximas uma das outras e onde a consulta (levantamento) de preço de um mesmo produto pode ser feita de maneira rápida e eficaz pelo próprio consumidor. Dessa forma, conhecer o preço dos concorrentes, com o intuito de decidir o seu próprio preço, passa a ser praticamente uma obrigação do varejista. Como o público do SAARA, segundo os varejistas, é sensível a preço, as declarações sugerem que é prudente a empresa buscar redução dos custos, sem queda no atendimento, fator entendido pelos varejistas como um dos mais importantes no relacionamento empresa-cliente, para que o fator custo não seja um empecilho na hora de oferecer um preço mais baixo do que o do concorrente com a finalidade de captar o cliente. Tais declarações dos varejistas, parecem estar de acordo com Morgado (1999), quando ressalta que o varejista na decisão de preço deve levar em consideração o nível de serviço que deseja oferecer e do público alvo que pretende atingir. Caso o varejista vise atender a um público mais sensível a preço, provavelmente, o varejista terá que 100 buscar uma redução de custos para exercer preços baixos. Do contrário, caso os serviços oferecidos sejam diferenciados, o atendimento personalizado, as instalações mais luxuosas, a linha de produtos mais completa, etc, o varejista tende a colocar preço e margens altos com o objetivo de suportar os custos elevados. A terceira e última variável, a opinião (reação) do cliente quanto ao preço, também, é descrita na literatura selecionada. Berry (2001) afirma que um, dentre os cinco, dos pilares utilizados pelos melhores varejistas como forma de criar valor para seus clientes, é a marcação de preços de forma justa. Segundo o autor, isso significa dizer que deve prevalecer o princípio da realidade, o preço deve ser correto, exato, com base no seu real valor, do contrário, se houver por parte do consumidor suspeita de uma margem excessiva de lucro, isto acarretará em quebra de confiança. Ainda de acordo com o autor, devem-se evitar grandes flutuações a curto prazo nos preços exercidos pelo varejista, eliminando, assim, o efeito surpresa e a insegurança do consumidor quanto ao preço justo. Esse conceito, definido por Berry (2001), parece ter sido, ainda que de maneira intuitiva, assimilado por varejistas do SAARA. O entrevistado 2, do ramo de jeans feminino, exemplifica essa suposição: “...eu presto atenção na reação dos clientes, se estão achando o preço bom ou alto demais.” 101 No entanto, apesar dos entrevistados entenderem que o preço baixo é um dos maiores atrativos do SAARA: “O que traz as pessoas até o SAARA é o preço. Qualidade dos produtos até se encontra no mercado, mas não no preço que nós temos.” (Entrevistado 5), Berry (1999, p.59) afirma que no varejo “vender barato deixou de ser a palavra da ordem”. Tal assertiva parece não estar de acordo com a realidade do SAARA, não só no entender do varejista, como também do consumidor. Em uma pesquisa realizada3 os consumidores, escolheram os preços baixos como fator mais atraente no SAARA com 60,87% das escolhas. Além disso, afirmam os varejistas não fazerem grandes alterações nos preços após colocados à venda, pois segundo eles, essas flutuações podem criar uma imagem negativa da loja na mente do consumidor. Cabe lembrar, no entanto, que antes do plano de estabilização monetária que se iniciou com o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994, as declarações dos varejistas sobre preocupações com a imagem da loja, face ao aumento de preços, dificilmente teriam lugar em uma economia altamente inflacionária. Alguns depoimentos dos entrevistados, indicam modificações recentes em relação à formação de preços: 3 Pesquisa realizada pelo site www.saarario.com.br. Cabe lembrar que pode existir um possível viés na pesquisa já que ela foi realizada eletronicamente e os internautas respondentes podem não constituir o público frequentador do SAARA que, segundo os varejistas entrevistados, pertencem à classe médiabaixa. Considere-se, ainda, que tal pesquisa foi realizada pelo site que não divulga a metodologia empregada, nem tampouco disponibiliza outros dados relevantes, tais como, número de respondentes, perfil, etc. 102 “Hoje não costumo alterar porque não há mais inflação no Brasil e se existe ela é pequena. Se você fica alterando o preço, o cliente passa a ter uma má impressão da loja. É diferente de um período inflacionário que quando você muda o preço o cliente não se assusta tanto.” (Entrevistado 7) “Hoje você tem que pensar em uma rotatividade maior do seu estoque, com isso a sua margem de lucro fica reduzida. Em função da dificuldade que temos hoje em dia, ou seja, dificuldade criada pelo aumento da concorrência e crescimento das lojas de bairros residenciais, temos que apresentar um diferencial que é o preço” (Entrevistado 6) A estabilidade da moeda parece ter mudado, também, a estrutura competitiva e, um dos determinantes, pode ser a possibilidade do consumidor conhecer preços e assim estar mais orientado para valor. Por fim, pode-se afirmar que é prudente analisar as três variáveis (concorrência,custos e opinião do cliente), concomitantemente, já que a utilização de uma só variável poderia comprometer o resultado (lucro) da empresa. Eis um exemplo: suponhamos que um varejista, no momento da decisão do preço de um produto, faça uma pesquisa acerca do preço desse produto, ou de produtos substitutos, nos concorrentes, e verifique que o preço no mercado é igual a X. Considerando essa informação, o varejista resolve colocar o mesmo preço X no seu produto, sem um estudo prévio dos seus custos. Após algum tempo ele verifica que esse produto lhe deu prejuízo, pois a sua estrutura de custos não suportava um preço tão baixo para tal produto. Da mesma forma, isso pode 103 acontecer com a percepção do consumidor quanto ao preço, ou seja, o varejista se baseia no preço da concorrência sem levar em consideração a percepção do cliente quanto a esse preço e acaba não vendendo o produto. 5.3 - Quais os principais fatores que influenciam nas tomadas de decisões dos varejistas do SAARA relativas às promoções dos produtos vendidos? Os fatores, citados pelos entrevistados, que influenciam nas decisões promocionais são: relativamente às promoções de vendas, o calendário promocional do varejo brasileiro e a conhecida sensibilidade do consumidor aos descontos em compras de um número maior de volumes; já em relação à utilização de propagandas, o fator mais lembrado pelos entrevistados em seu processo de decisão é o custo da propaganda. O primeiro fator, calendário promocional, está relacionado à decisão de promoção de mercadorias que são específicas de uma determinada época do ano, e que se não forem vendidas dentro desse prazo correm o risco de se tornarem obsoletas (Parente, 2000). Um exemplo disso são os produtos relativos à Copa do Mundo de Futebol: se não forem vendidos durante a copa, ao final, com exceção do país campeão, os produtos, provavelmente, não serão mais vendidos ou terão que esperar quatro anos enfrentando o risco de mudanças. Portanto, o comerciante faz uma promoção com o intuito de “queimar” o estoque e cobrir, ao menos, os custos com a mercadoria. Um outro exemplo, pode ser o final da estação de inverno: os varejistas, que trabalham com roupas, estariam preocupados em “queimar seus estoques”, fazendo, assim, promoções desses produtos, como mostram os testemunhos abaixo: 104 “Com isso eu me livro do risco de ficar com estas mercadorias encalhadas e ao mesmo tempo atraio os consumidores que ainda não compraram” (Entrevistado 3) “Faço promoções normalmente no final de coleções, por exemplo, final de verão e final de inverno. Os preços chegam praticamente aos custos que tive com a mercadoria” (Entrevistado 2) Quanto ao segundo fator, os varejistas, ao identificarem que os consumidores são sensíveis a descontos em compras de um número elevado de produtos, decidem por fazer promoções com a finalidade de atrair esses clientes que, provavelmente, vão acabar consumindo outras mercadorias em que a margem de lucro é maior. Tal técnica é descrita por Kotler e Armstrong (1999), como uma tática de apreçamento em que os varejistas baixam os preços dos produtos que podem servir como “iscas”, mantendo elevado o preço do produto principal. Segundo o entrevistado 3, essa promoção, normalmente, é feita da seguinte maneira: “Se o consumidor comprar acima de seis peças do mesmo produto, eu faço um abatimento no preço. Muitas vezes, o consumidor se sente atraído por esses descontos e acaba comprando outras mercadorias onde a minha margem é maior”. A sensibilidade do consumidor a esse tipo de promoção parece ser identificada através da rotatividade da mercadoria e do feeling do comerciante. 105 A maioria dos varejistas afirma só fazer propaganda nos meios mais convencionais de comunicação, ou seja, meios mais característicos do SAARA. Cabe lembrar que o SAARA pode ser descrito, de acordo com Blyth (1991), como uma atmosfera singular, tanto no aspecto visual, quanto sonoro. Segundo a autora, no SAARA é comum encontrar mercadorias penduradas nos vãos de entrada das lojas ou, então, expostas em bancas removíveis dispostas na rua, o que torna possível um contato maior do consumidor potencial com a mercadoria vendida (o consumidor parece estar sendo convidado a tocar na mercadoria). Outra característica do local, ainda, segundo a autora, é o comportamento dos vendedores que colocam-se, em pé, à entrada das lojas, muitas vezes anunciando em voz alta as ofertas e convidando o cliente a entrar. As vozes desses vendedores misturam-se, freqüentemente, aos anúncios publicitários transmitidos, ininterruptamente, pelo sistema de som da Rádio SAARA com suas caixas instaladas ao longo das ruas. Segundo um dos entrevistados, a utilização desses meios de comunicação mais característicos do SAARA, significa incorrer em baixos custos e obter bons resultados. O custo, terceiro fator destacado como influenciador no processo de decisão de promoção, parece ser um fator importante, uma vez que essas empresas, de uma forma geral, são de pequeno porte e, provavelmente, não comportariam um investimento pesado em “propaganda cara”, como, por exemplo, a televisiva. Para Parente (2000) uma das desvantagens da utilização de propaganda é que requer um alto investimento e isso acaba impedindo os pequenos varejistas de anunciarem. 106 São dois os meios de comunicação mais utilizados pela maioria dos varejistas entrevistados: o primeiro, é a Radio SAARA (rádio local) e o segundo, os pregoeiros. Muitos varejistas acreditam que, em termos de propaganda, a Radio SAARA é a que apresenta a melhor relação custo-benefício, ou seja, através dela é possível alcançar (divulgar seus produtos e promoções) todos os clientes que passeiam pelo SAARA, por um custo, relativamente, baixo, como ilustra o depoimento a seguir: “Em relação a custo-benefício, acho que o melhor é a Rádio SAARA.” (Entrevistado 5) Já os pregoeiros, são pessoas contratadas para ficar em frente à loja, anunciando as promoções e as mercadorias (no grito, ou por meio de um auto-falante). Relativamente à utilização de pregoeiros existe, hoje, praticamente, dois tipos de posicionamento dos varejistas: um, a favor da utilização de pregoeiros, ou seja, acreditase que o antigo recurso é muito eficiente na captação de clientes e possui um custo muito baixo – “Só faço propaganda através do pregoeiro”; e o outro, contra a utilização desse recurso, pois entende que esse tipo de comunicação incomoda os clientes e a vizinhança – “Dos pregoeiros eu não gosto, acho um atraso, nunca utilizei!”. Parece coerente afirmar que uma parte dos varejistas defende a tradição do uso do pregoeiro pois acredita que esse meio de comunicação provoca no cliente o desejo de ação, isto é, a sensação de que ele tem que aproveitar aquela oportunidade de comprar. 107 Esse tipo de estratégia parece eficaz quando o varejista deseja fazer um grande volume de vendas e deseja atingir um público, ainda, não tão bem definido. Ressalte-se, ainda, que essa técnica passou a ser utilizada e adaptada pelos grandes varejistas. Hoje em dia, alguns supermercados e algumas lojas de departamentos, ainda, fazem promoções relâmpagos e divulgações das mercadorias por meio de um auto-falante com microfone. No entanto, deve ser observado o tipo de negócio e, conseqüentemente, o tipo de produto e a sua adequação a essa estratégia promocional. Cabe lembrar que, ainda que os recursos promocionais como Rádio SAARA e pregoeiros pareçam eficazes, os varejistas mostram-se atraídos por outros meios de comunicação de massa como jornais e televisão, como sugerem os depoimentos abaixo: “Sim, sem dúvida gostaria de fazer mais propaganda. Gostaria de fazer na televisão” (Entrevistado 7) “Sim, mas tem determinados períodos que a propaganda no jornal fica muito cara então não conseguimos manter uma certa continuidade.”(Entrevistado 3) A atração dos varejistas por esses meios de comunicação parece estar de acordo com o levantamento do Ibope Monitor feito para Agências & Anunciantes apud Parente (2000), em que constatou-se que no comércio varejista, setor que mais anuncia no Brasil, o jornal é a mídia mais utilizada, consumindo 53% dos gastos de mídia, seguido pela TV (41%) e pelas revistas (6%). 108 A comunicação, citada pelos varejistas como a mais eficiente no SAARA é o boca-aboca: “O boca-a-boca é muito importante, o cliente bem atendido volta à loja e sempre traz alguém” (Entrevistado 7).Talvez, seja possível concluir, que essa crença se baseia na qualidade do serviço prestado pelos vendedores das lojas que, segundo os varejistas, é um fator determinante para que o cliente volte sempre (se torne fiel) – “Para que o cliente volte sempre é preciso um bom atendimento” (Entrevistado 7). Talvez, ainda, seja por isso que o conselho dos varejistas para seus vendedores é o de tratar o cliente respeitosa e cordialmente, procurando atender suas necessidades, pois o “cliente está em primeiro lugar” e “sempre tem razão”. Dessa forma, o varejista estaria dando força a essa propaganda boca-a-boca, que não custa nada e traz bons resultados junto a novos clientes. No entanto, em uma pesquisa realizada junto aos visitantes do site www.saarario.com.br, o segundo fator escolhido como mais deficiente nas lojas do SAARA foi o atendimento com 25% das escolhas. Por esse motivo, parece ser mais coerente afirmar que, por mais que os varejistas acreditem na eficiência do boca-a-boca, pois eles o elencam como a forma comunicação mais eficiente, isso pode estar acontecendo porque, em geral, eles não possuem recursos suficientes para investir em anúncios na TV, jornais, revistas e outdoors. Pode ser que seja uma justificativa devido a restrição orçamentária, de forma a reduzir uma dissonância (ex: eu não posso investir em comunicação de massa, mas o boca-a-boca é eficiente). 109 5.4 – Considerações Finais Com base na literatura selecionada e nos resultados da pesquisa, podemos afirmar que as decisões dos varejistas do SAARA estudados, relativamente ao mix de marketing, são calcadas nas necessidades dos clientes (do seu público-alvo), na disponibilidade de recursos financeiros da loja e talvez, ainda, no conhecimento adquirido do mercado. Apesar de encontradas algumas semelhanças entre a literatura selecionada e o relato dos entrevistados, muito provavelmente, os varejistas não conhecem o que os autores apontam sobre a tomada de decisão relativa ao marketing mix. Essa afirmativa pode ser confirmada através da observação do quadro 6 (Perfil dos Entrevistados) onde constatase que entre os sete varejistas entrevistados, apenas três já tiveram contato com a área de Administração de Empresas, durante o período de formação acadêmica. Verifica-se, ainda, com base nas informações colhidas nas entrevistas, que nenhum deles, durante os últimos anos fez algum curso acadêmico ou, então, teve contato com as fontes teóricas e acadêmicas da área de Administração como, por exemplo, consulta em revistas especializadas. As informações coletadas sugerem que as empresas no SAARA possuem, de maneira informal, uma orientação para o cliente na medida em que está baseada na satisfação das necessidades do mesmo (Churchill Jr. e Peter, 2000) e, provavelmente, também possuam uma orientação para o mercado, baseado no know-how adquirido (Deng e Dart, 1994). Tradicionalmente, esse tem sido um negócio de empresas familiares, muitas vezes carentes de sofisticação, mas ricas em intuição, verve e energia. Seus profissionais aprenderam muitas lições na prática, não com a teoria; eles prestam atenção em seus clientes, na busca de se estabelecer uma cultura comercial viável. 110 Tais orientações, que ocorrem de maneira informal no SAARA, parecem ter sido desenvolvidas pouco antes da segunda metade do século XIX, época em que, segundo Belik (1999), os mascates exerciam a atividade varejista no Brasil, ao percorrerem os povoados oferecendo diversos tipos de artigos. Foram os mascates (emigrantes de outros países), segundo o depoimento dos varejistas, os precursores e propulsores do varejo no SAARA e, provavelmente, em todo o Brasil. Ao passarem de porta em porta, vendendo seus produtos e indagando a respeito da necessidade dos consumidores por outros produtos, para que no dia seguinte eles pudessem conseguir esse produto e levar até o consumidor, praticavam os mascates, numa visão atual, uma orientação para o cliente. Com o passar do tempo, muitos desses mascates foram se instalando no Centro da Cidade (mais especificamente na área abrangida pelo SAARA) e abrindo seus próprios negócios, disseminando, assim, entre seus descendentes, seus métodos peculiares de atendimento ao cliente e seus conhecimentos adquiridos com a prática no mercado. Convém aqui citar a assertiva de Macedo apud Bastani (1949, p.323): “O mascate, (...), exerceu, no Brasil, uma função altamente econômica e civilizadora, porque era ele quem levava aos mais recônditos rincões de nosso país as mercadorias produzidas ou importadas nos grandes centros comerciais do litoral, facilitando, assim, a circulação das riquezas com a aproximação entre o produtor e o consumidor. Duas circunstâncias explicavam a sua existência: no interior, a falta de transporte mecanizados e as enormes distâncias entre os grandes centros e os 111 pequenos núcleos de consumidores, (...); na cidade a vida reclusa das senhoras, que preferiam adquirir no próprio lar as mercadorias por ele vendidas, o que lhes poupavam tempo e o trabalho de adquirí-las nas lojas da cidade”. Observa-se no SAARA um trabalho reflexivo e criativo dos varejistas, ao tentarem atender, de modo cada vez mais eficiente, a vontade do cliente. Fazem com que esse cliente sinta-se em casa, envolto num clima de cordialidade e camaradagem; é famosa a expressão árabe, ahlan ua sahlan (que significa sinta-se em casa, sinta-se como se estivesse no meio de seus familiares), com a qual, até hoje, os comerciantes árabes e seus descendentes recebem seus clientes e amigos. De acordo com DaMatta (2000) são as normas de recepção (hospitalidade, cordialidade, etc), traduzidas pura e simplesmente no respeito pela pessoa da visita e na satisfação de tê-la dentro do nosso teto, querendo conversar conosco, que amortecem a passagem entre a casa e a rua. Dessa forma, parece coerente afirmar, que no caso do SAARA, são essas normas de recepção, que amortecem a passagem entre a “loja e a rua”. Segundo Nasr (1993) há uma semelhança entre o povo brasileiro e o povo árabe: os dois são espirituais e sabem valorizar a amizade, a cordialidade, a harmonia das relações humanas; sabem ajudar, sabem ser generosos. Ressalta, o autor, que o brasileiro é muito acolhedor e não está imerso no materialismo. No Brasil, o árabe se sentiu tão à vontade que acabou se esquecendo de voltar; chegou para ficar dois ou três anos, acabou ficando trinta ou quarenta, a vida toda... A pluralidade de culturas- em contacto- é, certamente, fermento da criatividade desses comerciantes de ascendência árabe no SAARA. Curiosamente, parece que no SAARA 112 as relações comerciais que envolvem varejistas e clientes ganham ares de relações de amizade, ao se enfatizarem na mesma identidade de gênero e, fundamentalmente, a condição de serem “gente” com vontades que se complementam. É possível que se encontrem algumas características do que se chama hoje marketing de relacionamento no comportamento dos varejistas entrevistados, como algumas das apontadas por Yau (2000). Segundo o autor, o marketing de relacionamento é baseado em quatro fatores principais: vínculo, definido como uma das dimensões das relações de negócios que envolve duas partes na busca de um objetivo comum; empatia, dimensão que envolve a capacidade de uma das partes sentir o que a outra parte sentiria caso estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por esta outra; reciprocidade, implica troca ou permuta de benefícios entre as partes e abrange uma contingência bilateral, de interdependência mútua e igualdade na troca dos valores; confiança, definida como uma dimensão da relação de negócio que determina o grau de credibilidade que cada parte deposita nas promessas feitas pela outra. Não é por acaso que o SAARA lembra o sûq, mercado de rua, a céu aberto, que freqüentemente se encontra nas mais variadas cidades do Oriente Médio e da África do Norte, e que oferece os mais variados tipos de mercadorias. Nesse sentido convém lembrar a assertiva de Alves (2001, p.48): “No sûq compra-se, vende-se, conversa-se e convive-se. É o espaço humanizado da feira de rua.” Por tudo isso, pode-se concluir que o SAARA é o sûq carioca, o que confere aos varejistas locais um diferencial em relação aos demais concorrentes localizados fora daquele ambiente. É o espaço da convivência harmoniosa, em que é possível ao cliente 113 discutir e barganhar o preço da mercadoria, sem se sentir envergonhado, pelo contrário, tal prática é corriqueira e se dá de modo informal e cordial. De acordo com o entrevistado 1 essa informalidade é um dos maiores atrativos do SAARA: “Acho que o traz as pessoas ao SAARA, de uma forma geral, é o comércio informal.” Cumpre observar que não há como se afirmar que esse diferencial garanta a continuidade do sucesso do SAARA, enquanto empreendimento, já que a classe médiabaixa e baixa, descrita pelos varejistas entrevistados como público-alvo, passou a ser visada e explorada como um novo mercado potencial pelas grandes empresas. É conhecida a força dessas grandes empresas, no tocante a possibilidade de altos investimentos promocionais e instrumentos de captação de clientes. No entanto, não é possível afirmar que serão os clientes seduzidos por esta nova proposta, abandonando um espaço que não é só comercial, mas também cultural que integra a própria história da cidade do Rio de Janeiro. Pode-se, ainda, arriscar uma comparação do SAARA às grandes lojas de departamentos que, segundo a literatura selecionada nesse estudo, foram consideradas marcos da modernização do varejo no Brasil, ao se diferenciarem por seus layouts revolucionários (com mercadorias separadas por seções bem delimitadas), anúncios e promoções (diferenciados tanto pelo formato quanto pela comunicação com o cliente), estacionamento, preços competitivos em relação à concorrência, atendimento personalizado, etc. O SAARA funciona como uma mega loja de departamentos, onde o consumidor encontra: um enorme sortimento de produtos apresentados pelas lojas (que acabam funcionando como seções de uma loja de departamento, por serem em sua 114 maioria pequenas, e estarem bem a vista do consumidor); inúmeros anúncios e promoções, feitos através de cartazes, rádio e “berro”, e também diferenciados pelos formatos e pela comunicação com o cliente; segurança, garantida através dos próprios seguranças locais; amplo estacionamento gratuito aos Sábados (dia de maior movimento); atendimento personalizado; possibilidade de consulta de diferentes preços para um mesmo produto em um curto período de tempo; etc. A proximidade do grande e moderno shopping center parece estar presente, também, quando os entrevistados revelam como aplicariam seus recursos, caso houvesse verba financeira “sobrando”, ou seja, aplicariam na informatização de seus estabelecimentos comerciais. Cumpre observar que tal informatização parece ser referente a uma necessidade de maior controle financeiro (do caixa) e dos estoques, considerando-se que, hoje, tal controle é feito manualmente em grande parte das firmas. Talvez seja possível afirmar que a implementação de um sistema de código de barras traga ao varejista maior controle e conveniência, sendo, portanto, preferível incorrer em altos custos com essa implementação a continuar utilizando esse tipo de controle já ultrapassado. Caberá, dessa maneira, ao varejista fazer o cálculo do que pode ser mais vantajoso. Ainda no tocante à aplicação de recursos disponíveis, alguns dos varejistas entrevistados demonstraram interesse em tornar refrigerado o ambiente das lojas, modernizando, também, o layout com o intuito de criar um espaço mais agradável e com maior conforto para a clientela. No entanto, é possível que tal empreendimento possa vir a criar uma “barreira” entre o consumidor e a loja. Ao se colocar uma porta, mesmo de 115 vidro, alterar-se-ia o layout pelo qual as mercadorias são expostas (normalmente, em várias bancadas na calçada em frente à loja, com ofertas anunciadas em cartazes e sendo apregoadas pelos vendedores) reduzindo, também, a proximidade entre o consumidor e o vendedor. Além disso, a utilização de um layout moderno e diferenciado poderia dar a impressão ao cliente de que os preços das mercadorias naquele tipo de estabelecimento são mais caros. O SAARA que, até hoje, tem resistido com a sua simplicidade de comunicação e de operação aos avanços tecnológicos associados ao varejo, bem como às sucessivas mudanças de conjuntura econômica e problemas de uma cidade como o Rio de Janeiro, não foi, ainda, estudado com profundidade na área de administração, mais, especificamente, marketing. Por fim, espera-se com esse estudo fornecer uma contribuição para o desenvolvimento de pesquisas e trabalhos futuros sobre o varejo no Brasil, país caracterizado por uma enorme diversidade étnica, cultural, social e econômica. 5.5 – Sugestões para Próximas Pesquisas Com base na análise e conclusão dos resultados, seguem-se algumas sugestões para pesquisas futuras, que podem contribuir para um maior entendimento sobre o varejo no Brasil: - Um estudo setorial das atividades diferentes dentro do SAARA, ou seja, utilizando-se somente determinados ramos de atividades, tais como: festas, roupas infantis, flores, bijuterias, jóias, especiarias, etc. 116 - Estudo sobre os fatores que mais influenciam no processo de compra do cliente no SAARA. Até que ponto fatores como o layout da loja, atendentes, mercadoria, marca, preço, etc, podem influenciar nas decisões dos consumidores; - Estudo sobre as decisões dos varejistas em um shopping center onde o públicoalvo é composto por uma classe média-baixa, ou onde o público-alvo é composto por uma classe média-alta. - Estudo sobre formações varejistas com origem em outras etnias (portuguesas, espanholas, japonesas, judaicas, chinesas, coreanas, etc) das diversas regiões do Brasil. - Estudo sobre as decisões dos varejistas relativas ao marketing mix de outros tipos de ascendências, tais como, judaica, chinesa, coreana, no SAARA. 117 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ALVES, A. A herança árabe em Portugal. Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2001. 143 p. BARROS, C. P. Um exercício de observação etnográfica no SAARA. Cadernos Discentes Coppead, Rio de Janeiro, n.9, p. 5-19, 2001. BASTANI, T. J. Memórias de um mascate: o soldado errante da civilização. Rio de Janeiro: F. 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Como tudo começou? 1 – Como você escolhe os produtos que vende em sua loja? 2 – Quais fontes de informações são importantes para a tomada de decisão quanto ao mix de produtos com o qual você trabalha (informações provindas dos vendedores, fornecedores, histórico de vendas, fornecedores, concorrentes, opinião de clientes...)? 3 – Mudou alguma coisa no seu critério de escolha recentemente? 4 – Você costuma modificar com freqüência os produtos que você vende? 5 – Como você decide sobre o preço que coloca em seus produtos? 6 – Quais fontes de informações você julga como mais importantes para a tomada de decisão quanto aos preços que irá colocar em seus produtos (informações provindas dos vendedores, fornecedores, histórico de vendas, fornecedores, concorrentes, opinião de clientes, custos...)? 7 – Você costuma alterar os preços dos produtos após já terem sido postos a venda? Por que? (explorar alterações dos preços para cima e para baixo) 126 8 – Você costuma fazer muitas promoções? Como você decide quanto aos preços delas? (o fornecedor oferece um preço mais baixo...) 9 – Se você costuma utilizar promoções de vendas, quais as mais utilizadas? 10 – Alguma vez já fez propaganda? Quando? Porque? Onde? 11 – Como você avalia o resultado? 12 – Você gostaria de fazer mais propaganda? Por que? Onde? 13 – No seu entender quais os principais fatores que levam à satisfação de seus clientes? (O que deixa o seu cliente mais satisfeito?) 14 – Qual deles você considera como sendo o mais crítico? Por que? (Do que você falou, você destacaria algo? Por que?) 15 – De uma forma geral, o que você acha que o cliente procura encontrar na sua loja? 16 – O que você faz para fidelizar ou manter seus clientes? ( O que você faz para que o cliente volte sempre?) 17 – O que você faz para captar novos clientes? (Você faz alguma coisa para conseguir novos clientes?) 18 – Você acha que a sua loja possui algum diferencial em relação aos seus concorrentes? (O que na sua loja é diferente das lojas de seus concorrentes?) 19 – Você possui grandes concorrentes no SAARA? E fora do SAARA? 20 – O que traz as pessoas ao SAARA? E à sua loja? 127 21 – Quando você contrata um(a) novo(a) vendedor(a), como é o seu processo de seleção? 22 – Depois que você seleciona, o que acontece? (Algum treinamento, regras, recomendações, conselhos, alguém fica observando o comportamento por algum tempo?) 23 – Quais as recomendações que você considera mais importantes para um vendedor(a) que está começando? 24 – Se hoje você tivesse um dinheiro “sobrando” para investir no seu negócio, o que você faria? 25 – Se você tivesse que definir a sua loja com somente uma frase, como a definiria?