Medicamento. CONCERTA. TDAH. Parecer da Assistência

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Ministério Público-MG
Nota Técnica nº 006/2009
Assunto: Promotoria de Justiça da Comarca de São Roque de Minas. Deficit de
Atenção. Medicamento Concerta. Negativa. Vulnerabilidade Social. Universalidade.
Parecer da Assistência Social. Ilegalidade.
1. DOS FATOS
Cuida-se de pedido de providências encetado pela usuária M.L.P.M.
junto à Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de São Roque de Minas
ao fundamento de que dois dos seus três filhos, F.P.M. e M.P.M., com oito e seis anos
respectivamente, são portadores de Déficit de Atenção e Concentração e devem fazer
uso do medicamento CONCERTA, de acordo com receituário médico (SUS).
Diante desses fatos, em tempo e modo próprios, conforme
preconizado pela Diretriz da Câmara de Promotores de Justiça de Defesa da Saúde
(Rede-Saúde), o Ministério Público requisitou daquela Secretaria Municipal de Saúde o
fornecimento do referido fármaco. Contudo, referido órgão gestor negou atendimento
ao fundamento de que a genitora dos menores não se enquadra nos casos de “vulnerabilidade
social”, conforme parecer técnico exarado pela Assistente Social do Município (Ofício
082/2009).
2. DO TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE
(TDHA)
Segundo
a
Associação
Brasileira
do
Déficit
de
Atenção/Hiperatividade (ABDA), em documento denominado CARTA DE PRINCÍPIOS
DA ABDA1, baseada e adaptada da Carta de Princípios sobre TDAH da National
Consumer’s League (Liga de Defesa do Consumidor) dos Estados Unidos, da qual são
signatárias a Associação Médica Americana de Pediatria e a Associação Psiquiátrica
Americana, são os seguintes os fundamentos científicos sobre o Transtorno do Déficit
de Atenção com Hiperatividade (TDAH):
a) O TDAH é um transtorno médico verdadeiro, reconhecido como tal por
associações médicas internacionalmente prestigiadas, que se caracteriza
por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade.
b) O TDAH é um transtorno sério, uma vez que os portadores apresentam
maiores riscos de desenvolver vários transtornos psiquiátricos (tais como
depressão e ansiedade), abuso e dependência de drogas e álcool, maior
freqüência de acidentes, maiores taxas de desemprego e divórcio e menos
anos completados de escolaridade.
c) O TDAH pode ser diagnosticado e tratado. Existem diretrizes
publicadas por instituições científicas de renome internacional sobre o
diagnóstico e seu tratamento adequado.
d) O TDAH também pode ser diagnosticado em adultos. Mais da metade
das crianças com TDAH ingressa na vida adulta com sintomas
clinicamente significativos do transtorno.
1
Poderá ser encontrada no site www.tdah.org.br
e) O TDAH é muito pouco diagnosticado e tratado na população em
geral.
E prossegue, na mesma Carta de Princípios, descrevendo as
responsabilidades e direitos da criança, do adolescente e do adulto: (a) O direito de ser
reconhecido como portador de um transtorno médico sério; (b) O direito a diagnóstico e
tratamento por um profissional de saúde que conheça adequadamente o transtorno; (c) O direito
de tomar decisões baseadas nas informações científicas disponíveis acerca dos benefícios, riscos
e custos do tratamento de acordo com a individualidade de cada caso; (d) O direito de receber,
como aluno, um atendimento especial pelos educadores e instituições; (e) O direito de receber,
como empregado, uma alocação ou realocação específicas, bem como as adaptações
profissionais necessárias às suas dificuldades. (f) Os portadores de TDAH devem se
responsabilizar por seus atos em toda e qualquer circunstância, contribuindo de forma positiva
para a comunidade em que vivem.
No tocante aos familiares de portadores de TDAH, referida Cartilha
apresenta igualmente os seguintes direitos e responsabilidades: (a) A responsabilidade
de se educar, bem como aos outros, sobre a natureza do TDAH seja através de instituições,
organizações ou profissionais capacitados; (b) A responsabilidade de aderir ao tratamento
proposto e procurar ajuda profissional sempre que necessário; (c) O direito de solicitar ao
profissional de saúde informações científicas sobre os tratamentos disponíveis e seus riscos e
benefícios; (d) O direito de solicitar atendimento especial pelos educadores e instituições para
os alunos portadores do TDAH.
Por sua vez, os profissionais de saúde possuem as seguintes
responsabilidades: (a) De diagnosticar e tratar corretamente crianças e adultos com TDAH,
de acordo com diretrizes estabelecidas pela comunidade científica; (b) De fornecer ao portador
ou seus familiares informações científicas e atualizadas acerca da natureza do TDAH, suas
conseqüências e as formas disponíveis de tratamento; (c) De oferecer um tratamento sempre
individualizado, levando em consideração aspectos específicos do portador, sua família e o
contexto sócio-cultural em que vivem.
3. DO MEDICAMENTO CONCERTA
De acordo com informações extraídas na rede de computadores 2, o
medicamento concerta “é indicado para o tratamento do Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH). A eficácia de Concerta* no tratamento do TDAH foi
estabelecida em três ensaios clínicos controlados de crianças com idade entre 6 e 12
anos que preenchiam os critérios do DSM IV para TDAH”.
O seu princípio ativo é o cloridrato de metilfenidato que “é um
estimulante do sistema nervoso central. O mecanismo de ação terapêutica no
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) não é conhecido. Acredita-se
que o metilfenidato bloqueie a recaptação de norepinefrina e dopamina no neurônio
pré-sináptico e aumente a liberação destas monoaminas no espaço extraneuronal. O
metilfenidato é uma mistura racêmica composta por isômeros d e I. O isômero d tem
atividade farmacológica maior que o isômero”.
De
acordo
com
consulta
feita
ao
sítio
da
Anvisa
(www.anvisa.gov.br) o referido medicamento é fabricado pela empresa JANSSENCILAG FARMACÊUTICA LTDA, sendo o seu registro válido até 08/2012, sendo
classificado como medicamento da categoria PSICOANALETICOS.
O medicamento Concerta® é encontrado nas apresentações de
comprimidos com 18mg, 36mg ou 54mg do fármaco. O preço máximo ao consumidor
de uma caixa do medicamento contendo 30 comprimidos de 36mg (Concerta®) é de
R$ 367,50.
Esse medicamento devido ao seu elevado valor unitário ou pela
natureza do tratamento da doença (crônica) ao qual ele se destina se torna
2
www.medicinanet.com.br/bula/1641/concerta.htm
excessivamente caro para ser suportado pela população, o que, em princípio, o torna
um medicamento que deveria constar das relações estaduais - medicamentos
excepcionais.
Os medicamentos considerados excepcionais, incluídos em tal
Programa, foram padronizados pelo Ministério da Saúde, por meio da Portaria MS/GM
nº 106/2009, a qual, juntamente com a Portaria MS/GM nº 2577/2006, estabelece os
critérios e normas para dispensação (fornecimento) desses medicamentos.
Ocorre que, até o momento o Ministério da Saúde ainda não se
manifestou oficialmente quanto à possibilidade de inclusão do medicamento
metilfenidato no elenco de medicamentos excepcionais, o que, se ocorrer, deverá ser
observado por todas as Secretarias de Estado de Saúde do país. Sendo assim,
esgotadas as vias administrativas para a aquisição do referido medicamento, não resta
outra opção a não ser a via judicial.
4. DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE
O princípio da universalidade vem esculpido no artigo 196 da
Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A lei 8.080/90 também o fez em seu artigo 7º, inciso I, dispondo:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados
contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde
(SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo
198 da Constituição Federal obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência;
(...)
Ora, nesse sentido, a expressão “acesso universal” deverá ser
entendida como a medida que garante as ações e serviços de saúde para toda a
população, em todos os níveis de assistência, sem a possibilidade de imposição de
qualquer preconceito ou privilégio.
Diante desse princípio constitucional deve-se frisar que o SUS atua
estrategicamente em prol daqueles que mais precisam, daqueles que ocupam as
estatísticas de exclusão social deste país, porém, não se deve olvidar que tal princípio
atende a todos indistintamente, ou seja, mesmo aqueles que não figuram entre os
mais carentes socialmente não podem ser excluídos do sistema.
Vale lembrar aqui as palavras proferidas pela Defensoria Pública
Estadual de São Paulo,3 durante a audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal
Federal, no dia 29 de abril de 2009, versando sobre saúde pública.
(...)
O olhar que a Defensoria traz é o olhar dessa pessoa carente, mas, em
absoluto, sem deslegitimar – muito pelo contrário -, reforçando a
universalização da prestação desse serviço, que é um dever do Estado e
3
Defensor Público Estadual Vitore Maximiano.
um direito que cabe a todos indistintamente – como aqui já foi tão
ressaltado -, independentemente da questão social. (...)
Ora, no caso concreto da demanda, soa despropositada a
conclusão apresentada pelo Gestor local no sentido de inexistência de vulnerabilidade
social que justificasse a concessão do fármaco aos menores dele dependentes. O fato
de eventualmente ser aquela renda familiar de R$ 1.300,00 em nada afasta a norma
cogente (constitucional) da universalidade do acesso aos serviços públicos de saúde.
Ademais, a hipossuficiência não poderá ser mensurada exclusivamente pelo só fato da
expressão econômica (renda familiar). Por último, há que se registrar o elevado custo
do medicamento requerido, orçado em R$ 267,00 (duzentos e sessenta e sete reais),
cuja prescrição médica exigiu para a adequada terapêutica farmacêutica o consumo de
uma caixa desse fármaco mensalmente.
Importante não se deslembrar o fato de que o município de São
Roque de Minas, nos Termos do Compromisso de Gestão Municipal por ele firmado,
conforme Portaria nº 699/GM, de 30 de março de 2006 (Pacto pela Saúde), possui
responsabilidades gerais da gestão do SUS; na Regionalização; no Planejamento e
Programação; na Regulação, Controle, Avaliação e Auditoria; na Gestão do Trabalho;
na Educação da Saúde e; na Participação e Controle Social.
5. DA ASSISTÊNCIA SOCIAL x SAÚDE PÚBLICA
Embora ambas pertençam constitucionalmente à Seguridade
Social, conforme se infere da simples interpretação léxica da Constituição Federal, a
Saúde e a Assistência Social não se confundem. Vejamos o disposto no artigo 194 da
Carta Maior:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Com isso esclarece-se que no âmbito da Assistência Social pode
haver a aferição da condição econômica em determinados casos, porém em se
tratando de ações e serviços públicos de saúde, assim consideradas em um Sistema
Único de Saúde, eventual consideração sobre a vulnerabilidade social do usuário é
passível de questionamento junto ao Poder Judiciário.
6. CONCLUSÃO
Em razão das análises acima descritas conclui-se que as
justificativas fornecidas pela Secretaria Municipal de Saúde do município de São Roque
de Minas não se coadunam com os princípios constitucionais do SUS, particularmente o
da universalidade do acesso às ações e serviços públicos de saúde, portanto
absolutamente diferenciado da política da Assistência Social.
Contudo, não se pode negar que devido ao alto custo do
medicamento e a natureza do tratamento da doença (crônica), o referido
medicamento, embora não incluído na lista de medicamentos excepcionais pelo
Ministério da Saúde, encontra-se caracterizado como um integrante da farmácia de alto
custo, de responsabilidade do Gestor Estadual e não do município.
Nesse sentido, se for o caso, esgotadas as possibilidades nas vias
administrativas junto à Gerência Regional de Saúde de referência, persistindo a
negativa do atendimento, sugere-se o ingresso de ação em face da Secretaria Estadual
de Saúde do estado de Minas Gerais, representada pela GRS correspondente.
É a presente Nota.
Belo Horizonte, 13 de outubro de 2009.
RAFAEL MEDINA MACHADO
Analista do Ministério Público
MAMP: 3973
GILMAR DE ASSIS
Promotor de Justiça
Coordenador CAO-SAUDE
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