GRUPO EDUCACIONAL ITECNE VERA MARCIA GOBBO TEDESCHI ENVELHECIMENTO: UM PROCESSO NATURAL E DINÂMICO Artigo científico apresentado como requisito de conclusão de curso de Especialização em Metodologia do Trabalho com Famílias, do Grupo Educacional Itecne. Orientadora: Marta Abatepaulo de Faria CURITIBA 2011 2 ENVELHECIMENTO: PROCESSO NATURAL E DINÂMICO Vera Marcia Gobbo Tedeschi1 RESUMO O objetivo deste artigo é discutir a evolução das políticas públicas direcionadas a uma categoria de idade acima dos 60 anos, focalizando a resiliência, que, nesta fase da vida, pode ser considerada como um tipo de plasticidade, que é o desenvolvimento de um potencial para a manutenção e a recuperação dos níveis de adaptação e superação de suas adversidades, ainda com fortalecimento para uma vida satisfatória. A resiliência é inata no ser humano, mas pode ser estimulada e desenvolvida em qualquer fase da vida. As políticas públicas voltadas para os idosos têm o objetivo de garantir a dignidade de vida, bem como manter o direito a cidadania, além disso, aliadas a resiliência, tem um papel fundamental na ampliação do autoconhecimento e na promoção do autocuidado. Sancionado em 2003, o Estatuto do Idoso foi uma grande conquista para este grupo etário. Palavras- chaves: Envelhecimento. Resiliência. Políticas Públicas. INTRODUÇÃO Esta pesquisa possibilitará uma reflexão sobre um tema que faz parte do desenvolvimento humano, o envelhecimento. A velhice, até a metade do século passado, estava associada à incapacidade de produzir, como sinônimo de invalidez. A partir daí, a senilidade começou a ser vista com outros olhos, dando início às instituições voltadas para o acolhimento da população com mais idade, os então denominados asilos. Os estudos na área do envelhecimento populacional e seus sujeitos são recentes e tendem a aumentar, uma vez que estão ganhando espaço e visibilidade social cada vez maior. Fato que ocorre em virtude do crescimento da taxa da 1 Vera Márcia Gobbo Tedeschi / Assistente Social da Fundação de Ação Social – Curitiba/PR 3 população idosa em comparação com os demais grupos etários, o que está causando um envelhecimento populacional, enquanto um fenômeno mundial. O Brasil envelheceu em 35 anos e por isso não pode ser comparado com a situação da Europa ocidental, que envelheceu em 100 anos. Quando ocorreu o envelhecimento de suas populações, de forma gradual, a maioria dos países europeus já oferecia níveis sócio-econômicos e culturais que proporcionavam condições de vida satisfatórias a uma grande parte de suas populações. Com isso, as dificuldades provenientes do envelhecimento populacional puderam ser planejadas com ações e políticas direcionadas a esse segmento etário. Mesmo assim, tem sido uma tarefa difícil resolver os problemas resultantes do aumento da população idosa. O envelhecimento de uma população ocorre quando acontece uma queda na taxa da fertilidade, ou seja, uma redução no nascimento da população, que faz com que, consequentemente, a proporção de jovens e adultos diminua. Se, “simultânea ou posteriormente, há também uma redução das taxas de mortalidade (fazendo com que a expectativa de vida da população, como um todo, torne-se maior), o processo de envelhecimento de tal população torna-se ainda mais acentuado” (KALACHE, 2010, p.1). O envelhecimento é um fato irreversível. É um processo dinâmico. Através de dados do IBGE, constata-se que esta realidade deverá se acentuar, em um futuro próximo e imediato. Em 2002, o Brasil tinha 16.022.231 de pessoas com 60 anos ou mais representando 9,3% da população. Parece pouco, mas segundo projeções populacionais realizadas pelo IBGE, em 2020 os idosos chegarão a 25 milhões de pessoas, que irão compor 11,4% da população. Já em 2030, acredita-se que cerca de 40% dos brasileiros deverão ter entre 30 e 60 anos. (IBGE, 2007) Constata-se que a cada década a população de idosos aumentará em proporção bem maior que a população com outra faixa etária. Estas informações mostram, também, que existe uma necessidade de produção de conhecimento e serviços direcionados a esta demanda que está por vir em futuro muito próximo. O momento é de reorganização social, pois, como afirma Lima Filho: “A participação social de pessoas da terceira idade é uma realidade que muitos ainda não crêem, e não estão preparados para vivenciá-la” (2007, p. 5). Diante da realidade de uma população cada vez mais envelhecida, no caso 4 brasileira, parte-se da hipótese de que o processo de envelhecimento se expressa de forma diferenciada na atualidade, uma vez que a própria população idosa tem procurado estratégias para superar suas dificuldades cotidianas. Assim sendo, este trabalho tem como objetivos: analisar as mudanças na questão do envelhecimento atual, discutir as políticas públicas direcionadas aos idosos, bem como identificar os impactos da mudança de fases de vida com foco na resiliência. Para tanto, foi utilizada a pesquisa bibliográfica. O ponto de partida para tratar do tema proposto foi um estudo sobre a trajetória histórica das políticas sociais voltadas para a população idosa no Brasil, com ênfase na Política Nacional de Assistência Social – PNAS, Política Nacional do Idoso – PNI e, também, no Estatuto do Idoso. Todos voltados para a população idosa como importantes marcos regulatórios que instituem parâmetros nacionais voltados às políticas públicas, na perspectiva da melhoria das condições de vida e de cidadania. Trata-se, portanto, de uma reflexão antropológica acerca da velhice e da resiliência como (uma) estratégia para superar as adversidades vivenciadas pela população brasileira na contemporaneidade. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS VOLTADAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA Este capítulo tem por objetivo pontuar a trajetória das políticas sociais de atenção ao idoso. Políticas essas que podem ser entendidas como opções para o enfrentamento das desigualdades sociais ou econômicas. O surgimento de políticas sociais para o Estado pode ter uma conotação de “amenizar as desigualdades existentes sob a forma de controle da sociedade, na manutenção do sistema” (MILLER, 2001, p.24), o que gera uma ação paliativa ou fragmentada, direcionando muitas vezes a responsabilidade somente para a família assegurar a subsistência do idoso. Neste viés, a assistência tem suas primeiras demonstrações oriundas de ações com atividades assistencialistas. As políticas sociais voltadas para os idosos procuram valorizar a qualidade de vida e a longevidade, visam promover a integralidade social dos mais velhos, valorizar a importância de sua participação na sociedade, reforçando os princípios 5 constitucionais que asseguram a cidadania, a dignidade e proporcionar atividades que venham a estimular o desenvolvimento em diferentes âmbitos na terceira idade. O idoso começa realmente a ganhar esta discreta visibilidade e uma política social, que é fundamental para a garantia de seus direitos em dois momentos que valem ser ressaltados. Um primeiro na década de 70, com a Lei 6.179 de 11 de dezembro de 74, que institui amparo previdenciário para maiores de setenta anos de idade – cria a Renda Mensal Vitalícia através do INPS. O que houve anterior a esta data, em termos de amparo a esta fatia populacional, faz parte de artigos do Código Civil do ano de1916, Código Penal de 1940 e do Código Eleitoral do ano de 1965. Paralelo a estes citados, houve também inúmeros decretos, leis, portarias. Um segundo destaque é a Constituição Federal de 1988, que contempla as pessoas idosas em seus artigos, 14, 40, 201, 203, 229, e 230. Vale salientar que, anterior à década de 70, as atividades direcionadas aos “idosos no Brasil eram de cunho caritativo, desenvolvido especialmente por ordens religiosas ou entidades leigas e/ou filantrópicas” (SILVA, 2006, p. 20). Política Nacional do Idoso – PNI Devido à falta de uma rede de proteção social, as pessoas idosas não tinham como se manter depois de estarem fora do mercado de trabalho, independente de terem trabalhado durante a vida. Ficavam na dependência da família, da caridade de entidades religiosa ou outras. No ano de 1982, em Viena, foi realizada uma Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, organizada pela Organização das Nações Unidas – ONU, encontro este que foi significativo para o debate do envelhecimento da população global. Esta assembleia oportunizou um resultado positivo para a construção do texto constitucional de 1988, onde mereceu um capítulo especial sobre a questão social. O enfoque assistencialista que predominava até então é superado, instituindose a Assistência Social como Política Social pública para todos que dela necessitam, incluindo-se o idoso; tal política passa a ser oficialmente tida como um direito de cidadania, criando assim uma rede de proteção que seja capaz de atender as demandas desta população. No Brasil é promulgada a Lei 8.842, em 04 de janeiro de 1994, criando a Política Nacional do Idoso, pelo então Presidente Itamar Franco e regulamentada 6 pelo decreto 1.948 de 03 de julho de 1996, assinado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em seu artigo 1º, apresenta como “objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade” (BRASIL, 1994). E para efeito desta lei, é considerada idosa pessoa maior de sessenta anos de idade, no seu artigo 2º da mesma lei. Esta política representa um marco para o reconhecimento da importância deste segmento populacional, uma vez que foi edificada a partir de demandas da sociedade brasileira e alicerçada pelos princípios da Constituição Federal de 1988. A Política Nacional do Idoso, desde sua promulgação e implantação, trata das questões dos idosos pautadas pelas diretrizes de que estes são sujeitos de direitos e de cidadania. Objetiva atender as necessidades básicas da população acima dos sessenta anos no tocante à educação, saúde, habitação, esporte, trabalho, assistência social e justiça. Esta política indica várias modalidades de atendimento ao idoso, entre as quais podemos citar: Centros de Convivência; Centros de Cuidados Diurnos: Hospital-Dia e Centro-Dia; Casa-Lar; atendimento domiciliar. Recentemente, foi estabelecida pelo CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) a resolução 109, inscrevendo a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, em que se colocam serviços, entre os quais se prevê o atendimento domiciliar e/ou outros que o SUAS( Sistema Único da Assistência Social) deve oferecer a esta população que se encontra em vulnerabilidade social, através do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e em risco social, através do CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). Tais ações e serviços se apresentam no sentido de implementar o previsto na PNI. A atenção ao idoso deve ser responsabilidade da família, da sociedade e do Estado, que cabe assegurá-la em toda a sua abrangência. Pode-se considerar que esta política para o idoso demonstra um avanço do poder público no sentido de criar normas para os direitos sociais deste, garantindo sua autonomia. Especialistas avaliam que esta política é uma das mais avançadas do mundo, uma vez que seu conteúdo vem de encontro com a realidade da população a que está destinada; procura valorizar a qualidade de vida e a longevidade e valoriza os princípios constitucionais que asseguram a cidadania, a dignidade e a integração social. 7 A PNI baseia-se na idade cronológica para os fins de proteção legal; a condição biológica e a sócio econômica do indivíduo não são contadas como critério para o repasse de benefícios. Autores como Martinez (1997), quando se refere a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), mais especificamente ao BPC, cita que a PNI possui norma específica. ASSISTÊNCIA SOCIAL VOLTADA PARA O IDOSO Este item busca analisar a trajetória da Política de Assistência Social. Quando a Constituição Federal, em 1988, assegurou o reconhecimento da assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, a assistência social passou então a integrar o sistema de seguridade social no Brasil, junto com a saúde e a previdência social, conforme descreve o caput do art. 194º. “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (Constituição Federal, 1988). Pensar na Assistência Social como uma política social é uma realidade recente. Portanto, há uma herança de ações e práticas que não podem ser esquecidas, uma vez que alicerçaram os pilares dessa nova proposta de política social. O ato de exercer o assistencialismo é remoto na humanidade e em diferentes culturas. A compreensão da solidariedade aos pobres, aos idosos e aos incapazes era dada pela benemerência, pela filantropia e com conotação de clientelismo, até mesmo político. Segundo Mestriner (2001), o marco da grande regulação da assistência social no Brasil foi à instalação do Conselho Nacional de Serviço Social – CNSS – criado em julho de 1938. Este Conselho estava ligado ao Ministério da Educação e Saúde e funcionava nas dependências destes Ministérios. Foi criado como um órgão de cooperação. Era composto por cidadãos ilustres da sociedade cultural e filantrópica. Neste período, as relações entre o Estado e os segmentos da classe dominante é que vão ponderar o merecimento em conceder auxílios e subsídios para a sociedade civil. Segundo Sposati, este Conselho “tem função próxima às vigentes ao Serviço Social, quando de sua criação em 1936, e se propõe a fazer inquéritos sociais” (2008, p.14). 8 Uma grande e forte instituição de assistência social tem sua origem marcada pela presença das mulheres e pelo patriotismo da LBA - Legião Brasileira de Assistência. A relação da assistência social com o sentido patriótico foi exponenciada quando Darcy Vargas, a esposa do presidente, reúne as senhoras da sociedade para acarinhar pracinhas brasileiros da FEB – Força Expedicionária Brasileira – combatentes da II Guerra Mundial, com cigarros e chocolates e instala a Legião Brasileira de Assistência – LBA. A ideia de legião era a de um corpo de luta em campo, ação. (SPOSATI, 2004, p.19). A Constituição Cidadã, que acaba de completar vinte e dois anos, teve progressos significativos na Seguridade Social, no terreno da Assistência Social, principalmente ao romper uma prática assistencialista herdada da era Vargas e assumir um projeto de transformar em direito do cidadão o que sempre era visto como favor. Cinco anos depois, com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, teve início uma nova metodologia de construção da gestão pública e participativa da assistência social, através da criação de conselhos nas três esferas do governo. Assistência Social no Brasil, continuamente, esteve vinculada a práticas conservadoras de manutenção da pobreza, conforme afirma Potyara (2008): ... período de Transição Democrática ou Nova República caracterizou-se em primeiro lugar, por uma reorganização institucional que culminou com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, em 1986, e, em segundo, por uma concepção de proteção social na qual tanto os direitos sociais quanto as políticas concretizadoras desses direitos receberam atenção especial. Data dessa época a inclusão, pela primeira vez na história do país, da assistência social ( com a proposta de satisfação de mínimos sociais) numa Constituição Federal, na condição de componente(integral e endógeno) do Sistema de Seguridade Social e de direito de cidadania. (POTYARA, 2008,p 148). Depois de vetada a primeira redação da LOAS, em 1990, em 1993, após amplos debates e negociações envolvendo diferentes atores, foi aprovada a LOAS, onde inicia-se um processo de construção da gestão pública e participativa da assistência social, através de conselhos deliberativos e paritários nas esferas federal, estadual e municipal. Além disso, se estabelece um sistema descentralizado e participativo. 9 Em consonância com o disposto na LOAS, capítulo II, seção I, artigo 4º, a Política Nacional de Assistência Social/2004 rege-se pelos seguintes princípios democráticos: I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II - Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade. IV - Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalências às populações urbanas e rurais; V - Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (BRASIL, 2009, p.8). Estes princípios apontam que a assistência social deve ser prestada a quem dela necessitar, conforme preconiza a nossa carta maior, a Constituição Federal, a partir dos princípios da universalidade. Direito do cidadão e dever do Estado, a LOAS é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. No artigo 2º, a assistência social tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; III - a promoção da integração no mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuírem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. No que diz respeito ao idoso, a política pública de Assistência Social oportuniza uma cobertura expressiva nas esferas federal e na esfera estadual. No âmbito federal de abrangência nacional, tem-se o Benefício de Prestação Continuada – BPC, direito constitucional que é regulamentado pela LOAS. É um benefício assistencial pago pelo Governo Federal no valor de um salário mínimo para idosos com mais de sessenta e cinco anos e para pessoas com deficiência que comprovem renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo, ou seja, sem condições de prover sua subsistência. Trata-se de um benefício não contributivo, ele 10 não é vitalício e, em caso de morte, não pode ser transferido para outra pessoa da família ou outro dependente que possa vir a ter. Estatuto do Idoso Em 1º de outubro de 2010, a lei 10.741, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, completou sete anos de vida no Brasil. Ainda pouco conhecido, não só pelos brasileiros em geral, mas, principalmente, pelos próprios idosos que são os beneficiados diretos com o cumprimento deste. Este Estatuto amplia os direitos dos cidadãos com idade acima dos 60 anos. Em relação ao Plano Nacional do Idoso, é mais abrangente, uma vez que institui penas rígidas para quem desrespeita este estatuto. É uma importante ferramenta, uma vez que aborda pontos em que os direitos fundamentais dos idosos devem ser garantidos. Direito à vida, a liberdade, ao respeito e à dignidade, dos alimentos, à saúde, da educação, cultura, esporte e lazer, da profissionalização, do trabalho, da previdência social, da assistência social, da habitação, do transporte, sendo este último garantido aos maiores de sessenta e cinco anos No que se refere ao controle social e fiscalização, quando define a responsabilidade do governo; enfatiza no artigo 9º: “É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade” (BRASIL,2003). São instituídos também instrumentos e ações de fiscalização das atividades das organizações governamentais e não governamentais, com critérios de padronização de instalações físicas e ações prioritárias, inclusive indicando a necessidade de sua inscrição em órgãos como Vigilância Sanitária, Conselhos de Direito do Idoso e/ou de Assistência Social, em que a prioridade deve ser a preservação dos vínculos familiares, participação em atividades comunitárias, preservação de identidade e respeito a sua dignidade. 11 REFLEXÕES ANTROPOLÓGICAS SOBRE A VELHICE A velhice é uma categoria socialmente produzida, que pode ser qualificada, também, como um fator natural e universal, que é o ciclo da vida, nascimento, crescimento, morte e como um fator social, que é a história em que a vida foi efetivamente vivida. A Antropologia clássica estuda justamente este viés, pesquisa as particularidades culturais com foco na humanidade em seu conjunto. Estudando formas de vida em diferentes sociedades, umas diferentes das outras, para assim romper com o juízo que uma sociedade tem de seus costumes próprios e tendem a ser concebidos como inabaláveis. Quando se estuda um período da vida, como é a proposta deste artigo, depara-se com afirmações como a de Debert (1998), que diz; Fases da vida, como a infância, a adolescência e a velhice não se constituem em propriedades substanciais que os indivíduos adquirem com o avanço da idade cronológica. Pelo contrário, o próprio da pesquisa antropológica sobre os períodos da vida é mostrar como um processo biológico é elaborado [...] entre idades pelas quais indivíduos passam e que não são necessariamente as mesmas em todas as sociedades. (DEBERT, 1998 p.09). Texto este que mostra como as etnografias possuem grades de idade específicas conforme os costumes, particularidades sociais, culturais e históricas, provocando estudos para a antropologia, afirmando que a velhice não é uma categoria natural e as formações de grupos etários são construções históricas e sociais que possuem variações até mesmo nos subgrupos de uma sociedade. Na Idade média, a categoria criança não fazia parte da grade de idade, somente a partir do século XIII houve um discreto distanciamento que separava as crianças dos adultos. Na França medieval não havia separação de crianças e adultos. Somente ao longo do século, e de maneira gradual, houve uma diferenciação na maneira de criação das crianças, como roupas, brincadeiras e escolas específicas para atender a população infantil. Na França do século XII, a juventude compreendia da saída da infância até o casamento, não era uma idade cronológica, era uma espera de momento para uma substituição na gestão familiar. Nas sociedades pré-modernas, o curso da vida não possuía estágios definidos, o status social era mais respeitado do que o etário, como 12 exemplo desta passagem pode-se citar o jovem Luís XIV, mesmo criança, detinha poderes sobre aqueles que estavam a sua volta. Pode-se dizer que os recortes da idade que acompanham o desenvolvimento capitalista, na metade do século XIX, foram o marco do início das instituições no atendimento de uma população com idade mais avançada, uma vez que na França o Estado esboçava grandes preocupações com quem ficaria velho, quando não produzisse mais, surgia então o sistema de aposentadoria com objetivo de “contribuir para a subsistência coletiva do grupo familiar, e não de reivindicar a independência financeira dos velhos em relação aos filhos, como iria ocorrer posteriormente” (DEBERT e SIMÕES,1998, p.32). Nos estudos específicos sobre o envelhecimento, Debert tenta buscar o que haveria de comum no cotidiano na última etapa da vida e escreve que a “busca de universais é prejudicada [...] pela dificuldade de definir a especificidade e precisar os limites dessa etapa. Na pesquisa antropológica, muitas vezes é a impressão que o pesquisador tem sobre a aparência do pesquisado que o leva a caracterizar os indivíduos como velhos” (1998 p.14). A idade cronológica, que é a passagem do tempo decorrido em dias, meses e anos desde o nascimento, não leva em conta práticas que podem antecipar a maturidade de uma sociedade específica. A idade cronológica torna-se importante e determinante quando se fala de políticas públicas. É a idade cronológica que vai definir o direito ao acesso aos benefícios, porém é um processo longo e nem sempre regular. Na introdução deste artigo, cita-se que nas sociedades ocidentais a velhice vem se tornando um problema social, porém a antropologia pode colaborar na compreensão de como este problema é formado e o conjunto de representações que norteiam as práticas designadas para solucioná-los. A antropologia, no que trata das questões do envelhecimento, mostra que a velhice é uma construção social. E a idade cronológica não é um fator isolado para determinar grupos etários. Vivemos em uma sociedade que nos instiga a pensar sobre a base da construção da identidade do idoso em nosso país, uma sociedade capitalista onde se torna cruel envelhecer, principalmente para a mulher, uma vez que temos um padrão cultural de beleza formado pela mídia e lembrado constantemente pela imprensa falada e escrita, onde perdas decorrentes do envelhecer estão ligadas a conceitos de decadência, enfraquecimento. 13 Perdas estas que estão ligadas a mudanças na aparência física, como rugas faciais, cabelos embranquecidos, flacidez no corpo, perdas visuais e auditivas, Transformações que são naturais do ciclo da vida e, sendo assim, não são apontadas como doenças pelos clínicos, mas podem facilmente levar a doenças como depressão, uma vez que estão relacionadas à auto-estima. Teixeira observa, no texto Envelhecer com Dignidade, que o conceito da “velhice, presente no imaginário das pessoas em geral, foi se impregnando de valores estigmatizadores, nos quais foram evidenciados os aspectos negativos do envelhecimento, tendo como parâmetro a imagem do jovem” (2000, p.1). No entanto, somente através da vivência, do dia a dia, é que podemos adquirir e acumular experiências, então deve-se quebrar paradigmas e associar sua imagem à potencialidade humana, respeitar as suas experiências. Mudar esta situação, expressa entender a velhice como um estágio do desenvolvimento humano. Estudiosos apontam que estamos atravessando uma fase de transição, estamos indo para a pós-modernidade, Featherstone comenta que estamos “assistindo à reversão daquelas tendências com uma maior diversidade e embaçamento das grades etárias” (1998 p.57). Exemplifica, apontando que há um aumento do retorno da mão de obra feminina à força de trabalho e à educação superior na meia idade e um aumento de pessoas do sexo masculino aposentandose mais cedo, o redescobrir da velhice, onde a enfermidade física e o empobrecimento mental avaliados como fenômenos normais na senilidade podem afetar os indivíduos em qualquer fase da vida. A pós-modernidade marca uma maior flexibilidade que altera as categorias de idade e suas fronteiras, multiplicidade e diferenças são aceitas. Sugere o autor Featherstone: mais apropriado não falar em curso da vida no singular, mas aceitar a crescente pluralidade dos cursos da vida. Isso implica uma tendência contrária à universalidade, homogeneidade e um padrão de aceitação maior das diferenças e da desordem. Assim, se com a expansão da modernidade, temos a construção de um curso da vida rígido para todos, patrocinada pelo estado e por outras instituições, na pós-modernidade temos a desconstrução do curso da vida com a tendência à uma maior flexibilidade e varidade. (FEATHERSTONE ,1998, p.58). É possível usar a metáfora de uma via de mão única para a vida humana, no que se refere ao ciclo de vida, do nascimento à morte. Nas transformações 14 históricas observa-se que o curso da vida na modernidade inclui a repetição de suas práticas somente se forem justificáveis. RESILIÊNCIA E VELHICE Com origem no latim, resílio denota o retorno a um estado anterior, na área da engenharia, bem como na física, é definida como a capacidade de um corpo físico retornar ao seu estado normal e/ou natural após ter passado pressão sobre si. A palavra resiliência apresenta diversas definições de acordo com a área em que se emprega o termo. Em ciências humanas representa a capacidade de um indivíduo, mesmo num ambiente desfavorável, desenvolver estratégias e construirse positivamente frente às adversidades, ou seja, aproveitar da situação desfavorável para um crescimento pessoal que permita obter condutas para ter uma boa qualidade de vida. Estão sempre relacionados com os sentimentos positivos. Estudos sobre a resiliência mostram que “as pessoas não nascem resiliêntes, ou seja, essa característica não é inata no ser humano, mas pode ser estimulada e desenvolvida em qualquer pessoa” (RODRIGUES, MAGALHÃES, 2008 p.164). A resiliência origina-se em função de processos sociais e intrapsíquicos. Lichtenfes utiliza a metáfora de um esporte para ilustrar o termo resiliência e comenta que: observando um atleta quando salta com sua vara, ele corre, toca a ponta da vara no chão e esta se enverga até o ponto máximo, fazendo uma curva e, quando se endireita, ela leva o atleta para cima, até o alto, na esperança de ultrapassar o obstáculo. Resiliência pode ser comparada metaforicamente com esta vara, que sofre o impacto, aguenta o peso, se endireita e arremessa o atleta (LICHTENFELS, 2007, p.102). Uma das estratégias para superar as adversidades do envelhecimento é a resiliência, que é um termo mais comum nas pesquisas com crianças e adolescentes do que com adultos e idosos. Fato este que acontece em virtude de a resiliência e a velhice tratar-se de dois assuntos considerados novos. Com o aumento da expectativa de vida, que a ciência nos proporcionou, a mesma não elucidou de como o indivíduo deve viver este acréscimo de vida, se temos mais tempo para viver, temos que buscar um melhor tempo para viver. Como foi citado anteriormente, o envelhecimento não é uma patologia, mas, a partir dos trinta anos de idade, nosso corpo começa a diminuir a velocidade de 15 regeneração como um todo. Ao atingir uma idade mais avançada, o processo de desgaste fisiológico submete o indivíduo a um declínio modesto, inicia-se um processo leve de comprometimento do cognitivo, não alterando a sua vida independente. Para promover uma velhice com qualidade, no que compete ao cognitivo, uma das estratégias é a neuróbica (exercício cerebral que, através da quebra de padrões de atividades rotineiras, faz o cérebro manter-se ativo e saudável), formação de uma rede de segurança onde se obtém uma grande quantidade de informações relacionadas a um determinado assunto, para que, quando questionado tal assunto, várias informações possam vir à mente. Quando já existe um déficit, aprender a lidar com ele e enfrentá-lo pode-se descontinuar o declínio. Os estudos sobre resiliência dizem respeito a dois tipos de respostas adaptativas, a primeira aborda a “manutenção do desenvolvimento normal, apesar da presença de ameaças ou riscos, já a outra se refere à recuperação após um trauma” (RODRIGUES, MAGALHÃES, 2008, p.151). Algumas literaturas discorrem sobre a teoria do curso da vida, que diz que as experiências vivenciadas pelo indivíduo são grandes responsáveis pelo desenvolvimento do seu envelhecimento. Neste viés, da resiliência nos grupos etários com idade mais avançada, dois termos devem ser mencionados, termos estes que se referem um ao aumento ou a manutenção, ou ainda a recuperação dos níveis de adaptação, que é a plasticidade que fornece ao indivíduo flexibilidade e resistência para lidar com os desafios e exigências do cotidiano saudável, bem como a capacidade de reserva que também alude aos fatores que promovem o crescimento, além do nível normal de funcionamento, ou seja, significa o indivíduo superar o seu desempenho de base. Nesta fase de terceira idade, as possibilidades de ser acometido por doenças, principalmente, do sistema nervoso central, aumenta. Com o avançar da idade, podem ocorrer vários tipos de traumas, de maneira bem frequente, como a perda da serventia social, falecimentos de familiares bem próximos, de amigos, perda de papéis em domicílio. As doenças e perdas que ocorrem em outras fases da vida não são consideradas de risco, como quando ocorrem na fase senil. Para “alguns parecem desenvolver um comportamento que facilmente poderemos classificar como resiliente, no qual os acontecimentos normais e esperados de vida são sobre tudo precipitantes de novas expressividades, ao invés de ameaças à continuidade do self” 16 (SULIVAN & FISHER, 1994 apud LARANJEIRAS, 2007, p.329). Assim, o envelhecimento poderia ser considerado como um contexto de risco, no entanto, os idosos reagem de maneiras diversas frente as suas diversidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS O curso vida humana pode ser comparado com um movimento onde não existe a mão dupla, onde transitamos do nascimento até a morte, o envelhecer faz parte do ciclo da vida, atualmente com fases bem distintas e pré-determinadas, como o nascimento, a infância, a juventude, pré-maturidade, meia idade e velhice. Um processo inevitável e irreversível. Porém, o curso da vida se transforma em tempo de experiências, passando assim, na pós-modernidade, a serem cursos da vida, deixa de ser no singular e passa a ganhar o plural. Contudo, o processo de envelhecimento se expressa de forma diferente nos dias de hoje, percebe-se que na pré-modernidade a idade cronológica era substituída pelo status. As de sociedades modernas são baseadas na comercialização, industrialização e a administração pública dos cidadãos. O Estado moderno assumiu seu papel de padronizar e universalizar os direitos e deveres de seus cidadãos durante o curso da vida. É preciso se preparar para envelhecer bem social, econômica e intelectualmente, além da área de saúde que é fundamental. Uma preparação para este estágio da vida deve começar já na infância, pois envelhecemos conforme vivemos, uma vez que o envelhecimento não extingue os aspectos do desenvolvimento da vida do indivíduo. Recentemente o IBGE (2010) divulgou que a esperança de vida do brasileiro hoje é de 73 anos, e a previsão para 2050 pode chegar a 81 anos. Cada vez mais se faz necessário um preparo para a conquista de uma vida longa e completa. Dentro das estimativas, em quinze anos o Brasil será a sexta população em número de idosos no planeta, entende-se que há um despreparo da sociedade civil em administrar ainda esta realidade, a discriminação e o desrespeito com o idoso ainda são práticas comuns. O Estatuto do Idoso, com aproximadamente oito anos de aprovação, ainda uma criança, não foi assimilado por muitos segmentos da sociedade brasileira, o que se torna relevante, é que os próprios idosos não sabem 17 dos direitos que lhes são assegurados através da Lei 10.741, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso. O setor governamental, no que se refere a políticas públicas, busca uma melhoria das condições de vida desta grade de idade através de programas, projetos, serviços e benefícios. Lembrando sempre que o indicador para medir a idade de alguém é o cronológico. Neste caso, depara-se com duas situações; sabese que têm pessoas com idade de sessenta, oitenta anos que podem ter um desempenho intelectual e físico melhor do que uma pessoa com quarenta ou cinquenta anos de idade. Outra situação é a inversa, que pessoas que ainda não atingiram a idade cronológica para tais benefícios, como BPC, estão à mercê de amparos diversos para poderem superar as suas adversidades, ou seja, cronologicamente não são idosos, porém socialmente sim. Os indivíduos envelhecem de forma diferente, por isso deveríamos considerar a idade social, a psicológica e os valores culturais antes da idade cronológica. Para ilustrar, cabe lembrar que, no ano de 2007 ,o Nobel de Economia foi para Hurwicz, com noventa anos (O GLOBO, 15/10/2007), e o Nobel de literatura, do mesmo ano, foi para o escritor, Doris Lessing, com oitenta e oito anos. Um jornal, de grande circulação na cidade de Curitiba, Gazeta do Povo, toda quintafeira, no setor Vida e Cidadania, traz reportagens a respeito da terceira idade, vale salientar, também, que no dia 27 de janeiro do corrente ano, a reportagem na área de educação, informou que o Enem atraiu quatro mil idosos em 2010 para a realização de suas provas. Entre os 3,3 milhões de estudantes que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2010, um grupo de 4.268 candidatos tinha um perfil diferente do que é tradicionalmente esperado. Eram pessoas com mais de 60 anos que se misturaram aos jovens vestibulandos na disputa por vagas em universidades públicas. Entre os 100 participantes mais idosos da prova, as idades variaram entre 64 e 76 anos. As informações são da Agência Brasil.[...] Na avaliação do ministro da Educação, Fernando Haddad, o Enem se tornou uma “chave-mestra que abre muitas portas. [...] , o Enem possibilita, com a mesma prova, que uma pessoa humilde com quase 80 anos certifique a conclusão dos estudos e volte a sonhar com perspectivas educacionais.(GAZETA DO POVO,2011, p.10) Quando se pensa em políticas públicas resiliêntes para esta categoria de idade, imagina-se um cenário onde envelhecer com dignidade deve ser a proposta do Estado, da sociedade civil e, principalmente, do idoso. 18 O apoio social é um pilar de sustentação que favorece a resiliência, pois uma vez que as políticas públicas reconhecem o valor do indivíduo, estes desenvolvem o autoconhecimento, constroem a cidadania, promovem a autonomia, originando assim uma dependência menor deste na sociedade em geral. A velhice é também uma oportunidade de descobertas, de transformações e realizações pessoais. Neste sentido, pode-se considerar que as políticas públicas destinadas aos sujeitos com mais de sessenta anos podem e devem ser preparadas com a finalidade de estimular as potencialidades existentes nos idosos, fornecendolhes opções para uma vida com qualidade. REFERÊNCIAS BARROS, R.S.B. A arte de ser flexível promovendo a resiliência. Disponível em http://www.psicologia.org.br/internacional/pscl51.htm, Acesso em 05 de dez. 2010. BRASIL. Câmara dos Deputados. Idosos: legislação. 2ª ed., Brasília, DF: 1999 138p. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil - Texto Constitucional promulgado em 05 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 52/2006 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº1 a 6/94. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2006. BRASIL. Estatuto do idoso. Lei nº 10.741, de 1° de outubro de 2003. BRASIL, LOAS Anotada: Lei Orgânica de Assistência Social. MDS, Brasília, 2009. 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