Texto na Íntegra 0,6MB

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DÉBORA CAMARGO DE VASCONCELOS
EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA: INCLUSÃO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO
MARÍLIA
2012
DÉBORA CAMARGO DE VASCONCELOS
EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA: INCLUSÃO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob
orientação da Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges
Nasser Ferreira.
MARÍLIA
2012
Vasconcelos, Débora Camargo de
Empresa e ordem econômica: Inclusão da pessoa com deficiência no
mercado de trabalho/ Débora Camargo de Vasconcelos – Marília: UNIMAR,
2012.
111f.
Dissertação (Trabalho de Conclusão de Curso) – Curso de Mestrado
em Direito da Universidade de Marília, 2012.
1. Função Social da Empresa 2. Inclusão da Pessoa com Deficiência
3.Ordem Econômica I. Débora Camargo de Vasconcelos.
CDD: 341.378
Autor: Débora Camargo de Vasconcelos
Título: Empresa e ordem econômica: inclusão da pessoa com deficiência no mercado de
trabalho
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob a orientação da Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
Aprovado pela Banca Examinadora em 22/03/2012
_______________________________________
Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Orientadora
_______________________________________
Profa. Dra. Walkiria Martinez Heinrich Ferrer
Avaliadora Interna
_______________________________________
Prof. Dr. Osmar Viera da Silva
Avaliador Externo
Dedico este trabalho
À Cristo Jesus, maior exemplo de respeito ao próximo.
Ao meu filho João Felipe, amor incondicional.
Aos meus pais João e Jandira, fonte do saber advindo de Deus.
Ao Doutor Raze Rezek, possuidor de todo meu respeito e admiração.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por Sua misericórdia infinita. A Ele seja dada toda glória, todo o
louvor e toda adoração agora e eternamente!
Agradeço por Ele ter colocado em meu caminho pessoas incríveis, verdadeiros anjos
da guarda, se assim puder nomeá-las.
A começar pelos meus pais João e Jandira, me faltam as palavras para agradecer pelas
lições aprendidas, lições estas que não se aprendem em bancos de escola, mas que são
fundamentais para uma vida honesta e digna.
Ao meu filho João Felipe, presente precioso concedido por Deus, pelo apoio e torcida.
Aos meus irmãos, cunhados e sobrinhos, minha amada família, obrigada!
À toda família Rezek que me acolheu e de uma forma ou de outra contribuiu para a
minha formação intelectual e para que eu chegasse até aqui.
À todos os professores do Curso de Mestrado, em especial a Professora Doutora
Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira que maior que seu nome só a sua sapiência e
brilhantismo incomparáveis.
Não posso deixar de agradecer ao Professor Doutor Lourival José Oliveira pela rica
contribuição na elaboração do trabalho.
Aos amigos de verdade conquistados ao longo dessa jornada, pelo carinho e
companheirismo.
Enfim, a todos os meus anjos da guarda o meu muitíssimo obrigada por tudo, sem
vocês eu não venceria mais essa etapa da vida.
Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que
lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos
anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a
vida e estes são imprescindíveis.
Bertold Brecht
EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA: A INCLUSÃO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO
RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar a relação entre a empresa e a Ordem
Econômica, considerando a imperativa observância constitucional aos direitos fundamentais
das pessoas com deficiência, como a sua inclusão social pelo trabalho, com vistas à garantia
de existência digna. A empresa é sujeito de direito capaz de cooperar com o Estado na
realização desse mister, na medida em que interage com a sociedade que a circunda, tendo por
dever o cumprimento de sua função social. Os desafios para a efetivação da função social da
empresa no tocante a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho competitivo
ultrapassam a tutela legal, notadamente quando depara-se com um rico arcabouço jurídico
pertinente à espécie e uma realidade de exclusão. As políticas públicas de inclusão social
vinculam a empresa e sociedade e devem servir para promover a autonomia das pessoas com
deficiência. A mudança de postura dos sujeitos que integram a Ordem Econômica, atendendo
aos ditames constitucionais e convenções internacionais é meio de efetivação da igualdade de
oportunidades na inclusão social pelo trabalho das pessoas com deficiência.
Palavras-chave: Função Social da Empresa. Inclusão da Pessoa com Deficiência. Ordem
Econômica.
BUSINESS AND THE ECONOMIC ORDER: PEOPLE WITH SPECIAL
NEEDS AND THEIR INCLUSION IN THE WORKING PLACE
ABSTRACT: This actual study has as an objective to analyze the relationship between the
business and the Economic Order, considering the constitutional imperatives on enforcing the
fundamental rights of people with special needs, such as their social work inclusion,
envisioning their guarantee to live with dignity. The business is liable to cooperate attending
to the proper demands of the State in the fulfillment of this goal, interacting properly within
its social context, guided always by its duty to accomplish its social function. The challenges
for the business to effectively fulfill its social functions concerning the inclusion of people
with special needs in a competive working place go beyond the legal sponsorship, notably
when it is faced with broad lawful norms pertinent to the specie in question and the reality of
exclusion. The public policies for social inclusion bind up the business with society and they
must be apt to promote the autonomy of people with special needs. The change of attitude of
the subjects that form the Economic Order, observing the constitutional demands and the
international conventions is the means to adquire effective equal opportunities in the social
inclusion generated by the work of people with special needs.
Key words: Business Social Function. People with Special Needs Inclusion. Economic Order.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1
ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988...................13
1.1
RESSALVA METODOLÓGICA: TERMINOLOGIA ADEQUADA..........................14
1.2
FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA..........................................................15
1.2.1
Valorização do trabalho humano...................................................................................15
1.2.2
Livre iniciativa..............................................................................................................19
1.2.3
Garantia de existência digna.........................................................................................23
1.2.4
Justiça social.................................................................................................................27
1.3
OBJETIVOS E PRINCÍPIOS DA REPÚBLICA E DA ORDEM ECONÔMICA.......30
1.3.1
Soberania nacional........................................................................................................32
1.3.2
Propriedade privada e sua função social.......................................................................35
1.3.3
Redução das desigualdades sociais e regionais.............................................................38
1.3.4
Busca do pleno emprego...............................................................................................40
1.4
A
ASCENSÃO
DOS
PRINCÍPIOS
NA
MODERNA
DOGMÁTICA
CONSTITUCIONAL................................................................................................................42
2
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MUDANÇA SOCIAL.........................46
2.1
O MODELO LIBERAL, INTERVENCIONISTA E NEOLIBERAL E SUAS
REPERCUSSÕES.....................................................................................................................46
2.1.1 Desenvolvimento
econômico
nas
constituições
do
Brasil.........................................................................................................................................49
2.2
A
EMPRESA
NA
ORDEM
ECONÔMICA
CONSTITUCIONAL
CONTEMPORÂNEA...............................................................................................................51
2.2.1 Função social da empresa..............................................................................................54
2.3
RESPONSABILIDADE ÉTICA E MORAL DA EMPRESA E A INCLUSÃO DE
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.............................................................................................60
2.3.1 O direito ao trabalho da pessoa com deficiência como garantia da cidadania e os
entraves na sua efetivação.........................................................................................................64
3
POLÍTICAS INCLUSIVISTAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A
CONSEQUENTE INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E EMPRESA..................................72
3.1
POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS VOLTADOS PARA A INCLUSÃO DE
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.............................................................................................73
3.1.1 Políticas de integração e políticas de inclusão: do modelo médico da deficiência ao
modelo social da deficiência.....................................................................................................73
3.1.2 Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência...................................75
3.1.3 Lei de Cotas: uma política de incentivo ao trabalho das pessoas com deficiência?.....78
3.1.4 Programa Nacional de Acessibilidade...........................................................................84
3.1.5 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência..........................................86
3.1.6 Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência..............................................89
3.2
EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS INCLUSIVAS: LIMITES E POSSIBILIDADES....93
3.2.1 Corrupção política: um limitador da efetivação de políticas emancipatórias...............93
3.2.2 Benefício de Prestação Continuada e Contrato de Aprendizagem................................94
3.3
POLÍTICAS EMPRESARIAIS: A NECESSÁRIA MUDANÇA ATITUDINAL........96
3.3.1 Acessibilidade empresarial............................................................................................97
3.3.2 Emprego Apoiado..........................................................................................................98
3.4
A EFETIVA INCLUSÃO E SEUS REFLEXOS MULTIFACETADOS....................100
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................104
REFERÊNCIAS....................................................................................................................106
11
INTRODUÇÃO
A economia capitalista no Brasil fez erigir como um dos seus pilares a livre iniciativa
com a proteção constitucional da propriedade privada, de outro lado o respaldo prevalece
desde que observada a sua função social. A valorização do trabalho humano com o fim
precípuo de garantir existência digna a todos sem qualquer distinção, conforme os ditames da
justiça social, encontra-se em patamar idêntico.
A presente investigação tem por objetivo analisar o antagonismo manifestado no
artigo 170 da Constituição Federal que trata da ordem econômica, considerando seus reflexos
na atividade econômica e na inclusão da pessoa com deficiência, isso porque os fundamentos
constitucionais devem ser interpretados de forma abrangente, na medida em que a valorização
do trabalho humano acarreta o cumprimento da função social da empresa, pelo que, a análise
da Ordem Econômica, sua estrutura principiológica e objetivos fins dão substrato à
compreensão do modelo institucional brasileiro escolhido.
À empresa foi conferido papel de destaque na Ordem Econômica, pois é responsável
pelo desenvolvimento econômico e suas atitudes ainda repercutem diretamente em seu
público interno, externo e perante toda sociedade, razão pela qual a mudança de foco para o
desenvolvimento dos padrões éticos e morais com vistas à garantia da dignidade humana
torna-se um imperativo constitucional, ante a estreita ligação dos direitos fundamentais no
âmbito econômico, como a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência na
inclusão social pelo trabalho.
A importância da presente pesquisa repousa no fato de que a igualdade de
oportunidades a todos é sem dúvida a pedra de toque para o progresso da nação e
cumprimento dos preceitos constitucionais, mormente para as pessoas com deficiência, que
segundo o último censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE1 representam 23,91% da população brasileira, ou seja, 45,6 milhões de pessoas com
deficiência congênita ou adquirida ao longo da vida.
O trabalho visa demonstrar que a inclusão dessa categoria de pessoas no mercado de
trabalho tem sua relevância no sentido de ser o fio condutor do resgate da cidadania e
consolidação de uma nação cuja premissa básica é a garantia dos direitos fundamentais e
concomitantemente do crescimento e desenvolvimento econômico-social.
1
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Censo 2010. Disponível
<http://www.censo2010.ibge.gov.br/resultados_do_censo2010.php> Acesso em 28 dez. 2011.
em
12
Nesse contexto é que se estabelece a problemática voltada para a inclusão da pessoa
com deficiência no mercado de trabalho competitivo, delineando pelos métodos dedutivo e
dialético os limites e possibilidades a partir das seguintes hipóteses destacadas no presente
estudo: Qual o papel da empresa e suas implicações na execução de ações tendentes à
inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho? Como o Estado atua na inclusão
social das pessoas com deficiência? Existem mecanismos eficazes que concretizem a inclusão
social da pessoa com deficiência pelo trabalho?
Delimitados os objetivos e hipóteses da presente pesquisa, apresenta-se breve
exposição da estrutura do estudo proposto, cuja divisão se dá em três capítulos. O primeiro
apresenta um estudo sobre a Ordem Econômica, seus fundamentos e objetivos estruturais,
analisando a valorização do trabalho humano com vistas à garantia de existência digna e
justiça social. O entrelaçamento dos direitos fundamentais, em especial da pessoa com
deficiência, com os objetivos da atividade econômica, cuja interpretação se dá pelo método da
ponderação de valores.
O segundo capítulo aborda o desenvolvimento econômico e as transformações sociais
que implicam em novas demandas e novas soluções pelo Direito. Analisa, ainda o papel da
empresa na contemporaneidade e sua responsabilidade frente a inclusão das pessoas com
deficiência.
No terceiro capítulo, com o objetivo de responder ao problema levantado na
investigação demonstra-se as políticas públicas já implementadas que visam a inclusão das
pessoas com deficiência no mercado de trabalho, estabelecendo a interação entre o Estado e a
Empresa na sua execução, bem como uma análise crítica às ações públicas e empresariais,
considerando sua evolução no tempo.
A efetivação de políticas inclusivistas executadas por todos os responsáveis que
compõem a Ordem Econômica, também é assunto do terceiro capítulo, onde analisa-se os
reflexos multifacetados daí advindos.
13
1 ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE 1988
Para compreender a Ordem Econômica brasileira, seus fundamentos e objetivos,
necessário, primeiramente uma reflexão contextualizada, verifique as razões que a instituiu,
para em seguida verificar em que se fundamenta e quais os objetivos desse sistema.
A ordem econômica pode ser entendida economicamente como sendo um conjunto
formado por pessoas de direito público e privado que produzem bens e serviços, os faz
circular, distribuem para o consumo, gerando riquezas para o país. Sob o aspecto jurídico,
tem-se que ordem econômica é considerada um sistema que disciplina todo esse trajeto, desde
a produção ao consumo dos bens e serviços, almejando o desenvolvimento e o equilíbrio da
economia e sociedade. 2
Com base no regramento jurídico, pode-se extrair, ainda, o grau de atuação do Estado
na economia, o que se torna de suma importância para o presente estudo, visto que a presença
do Estado neste setor, seja em menor ou maior intensidade, informará qual o modelo
institucional vigente e qual deles se almeja.
A inserção de um título específico para tratar da Ordem Econômica no texto
constitucional de 1988, expressa a escolha “valorativa e ideológica por certo modelo de
tratamento da política econômica, pela presença de princípios programáticos, direitos
fundamentais econômicos e a organização da ação estatal na economia.”3 Pelo que, somente
uma constituição de caráter social é que insere e prestigia a observância de uma Ordem
Econômica.
A instituição da Ordem Econômica brasileira tal como erigida na Constituição Federal
de 1988, remete a inúmeras razões, tais como, ideológicas, sociais, econômicas, políticas,
entre outras, mas por questões didáticas, restringir-se-á às razões econômico-sociais.
O texto constitucional demonstra que o estabelecimento de um regime de mercado
orientado pelo liberalismo, mas com evidente intervenção estatal para o fim de coibir abusos e
preservar a livre concorrência, expressa que a liberdade econômica somente se legitima
quando pautada nos ditames da justiça social e valores do trabalho humano, sem qualquer tipo
de discriminação, consoante preceituam os artigos 170 e 3º da Constituição Federal.
2
BORGES, Alexandre Walmott. Preâmbulo da Constituição & a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 2003, p.
217.
3
Op. cit. p. 217.
14
Emerge daí a tutela dos direitos fundamentais de todos como a igualdade substancial e
a dignidade da pessoa humana, em especial das pessoas com deficiência, cuja efetivação se dá
pela sua inclusão no meio social, notadamente no mercado de trabalho.
O catálogo de regras e princípios constantes no dispositivo constitucional em análise
demonstra a carga valorativa escolhida pela Constituinte que deve direcionar o sistema
vigente do país, pois tem como fundamentos os valores sociais do trabalho humano e da livre
iniciativa, com objetivo de assegurar existência digna a todos, sempre pautada na justiça
social. Sob esse prisma é que passa-se a apresentar de forma analítica alguns desses princípios
e objetivos impostos pela Carta Magna que alicerçam a Ordem Econômica brasileira.
1.1 RESSALVA METODOLÓGICA: TERMINOLOGIA ADEQUADA
Antes de adentrar às especificidades dos fundamentos da Ordem Econômica, é de
rigor esclarecer que ainda não há um consenso acerca da questão terminológica das pessoas
com deficiência, ora utilizando-se a doutrina da nomenclatura “pessoas com necessidades
especiais”, ora “pessoas portadoras de deficiência”.
Outras expressões foram utilizadas ao longo da história para designar as pessoas com
algum tipo de limitação física, mental ou sensorial, como “excepcionais”, termo adotado a
partir da Emenda Constitucional n. 1/1969, “débeis mentais”, “inválidos” entre outros.4
No entanto, tais expressões a despeito de conceituarem, na verdade discriminavam as
pessoas com deficiência, pois davam ênfase à limitação em si e não à pessoa, indo na
contramão dos fundamentos constitucionais, como da dignidade da pessoa humana, não mais
sendo adotado.
Quanto aos termos “pessoas portadoras de necessidades especiais” e “pessoas
portadoras de deficiência”, amplamente utilizados, pois tinham por finalidade valorizar a
pessoa e não estigmatizá-la, com a evolução dos estudos, também não foram considerados
corretos.
A expressão ‘pessoa com necessidades especiais’ é um gênero que contém as
pessoas com deficiência, mas também acolhe os idosos, as gestantes, enfim,
qualquer situação que implique tratamento diferenciado. Igualmente se
abandona a expressão ‘pessoa portadora de deficiência’ com uma
concordância em nível internacional, visto que as deficiências não se portam,
4
GONÇALVES, Nair Lemos. A pessoa excepcional e a legislação brasileira. Disponível em
<http://www.2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181038/1/000360866.pdf> Acesso em 20 fev. 2012.
15
estão com a pessoa ou na pessoa, o que tem sido motivo para que se use,
mais recentemente, conforme se fez ao longo de todo este texto, a forma
‘pessoa com deficiência’; esta é a denominação internacionalmente mais
freqüente, [...]. 5
A expressão “pessoa portadora de necessidades especiais” é por demais abrangente e
não consegue denominar as pessoas com deficiência, de igual modo as chamadas “pessoas
portadoras de deficiência” não expressam a real condição das pessoas com deficiência, visto
que aquele que porta algo, pode deixar de portar, o que não ocorre com a deficiência.
Corroborando com Fonseca, Araujo6 explica que a expressão utilizada atualmente é
“pessoa com deficiência”, notadamente porque a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência da Organização das Nações Unidas – ONU, ratificada pelo Brasil pelo
Decreto-Legislativo n. 186 de 09 de julho de 20087, portanto com status de emenda
constitucional, nos termos do procedimento do artigo quinto, parágrafo terceiro da
Constituição Federal, sendo promulgada referida Convenção Internacional por intermédio do
Decreto n. 6.949/20098. Razão pela qual, respeitados entendimentos doutrinários em
contrário, adotou-se a nomenclatura “pessoas com deficiência” no presente trabalho.
1.2 FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA
A Ordem Econômica brasileira além de manter uma economia de mercado, está
alicerçada em dois fundamentos, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, tendo
por objetivo precípuo, garantir a existência digna a todos, conforme os preceitos da justiça
social.
Sob essa perspectiva híbrida, que por essa razão é sobremodo complexa e intrigante,
se volta a Ordem Econômica Nacional contemporânea.
1.2.1 Valorização do trabalho humano
5
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos
humanos:
o
direito
do
trabalho,
uma
ação
afirmativa.
Disponível
em:
<http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2423/2/TESE_PRONTA_E_REVISADA.PDF>. Acesso em:
05 dez. 2011.
6
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. 4. ed. ver. ampl e
atual.– Brasília: CORDE, 2011. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/protecao_const1.asp>. Acesso em
20 fev. 2012.
7
BRASIL,
Congresso
Nacional.
Decreto
Legislativo
n.
186,
2008.
Disponível
em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Congresso/DLG186-2008.htm> Acesso em 17 dez. 2011.
8
BRASIL,
Presidência
da
República.
Decreto
6.949,
2009.
Disponível
em
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm> Acesso em 21 fev. 2012.
16
Desde os tempos remotos o trabalho foi visto apenas como meio de se manter a
subsistência do homem. Ao longo da história, foi desprestigiado a tal ponto que muitos seres
humanos tiveram tratamento como escravo. Isso porque não havia uma consciência de
respeito aos menos favorecidos. O cristianismo foi responsável por iniciar o discurso do valor
da pessoa e de seu trabalho, posteriormente e com maior relevo no século XIX, doutrinas
socialistas disseminaram a importância do valor social do trabalho. A partir da revolução
francesa, que foi um marco para a economia, passou-se a valorizar não apenas o capital, mas
também o trabalho.9
É pelo trabalho que se alcança a independência, o poder de escolha do homem sobre
qual caminho a seguir, emergindo, diante disso, a necessidade do Estado em colocar à
disposição regramentos capazes de assegurar direitos e garantias dos trabalhadores, por tratarse o trabalho também de um bem social capaz de proporcionar a existência digna.
No Brasil, no século XX, alguns direitos do trabalhador com vistas ao exercício de
uma vida digna, foram alçados a patamar constitucional mais especificamente a partir do
advento da Constituição Federal de 1934, com o estabelecimento de um capítulo apartado
denominado “Da ordem econômica e social”, onde a proibição de discriminação quanto ao
recebimento de salários para trabalho idêntico representa um marco para o direito à igualdade
e valorização do trabalho humano. A preocupação com o trabalho de menores de dezoito anos
e de mulheres começa a receber a tutela do Estado.10
A intervenção estatal com vistas à proteção do trabalhador dá início no país com o
advento da Constituição de 1934, mas observa-se que é a partir da edição da Constituição de
1946 que a valorização do trabalho humano se equipara à liberdade de iniciativa como
princípio da ordem econômica e social.
A Constituição social-democrática de 1946 trouxe um texto consonante com
o influxo democrático que se sucedeu ao término da Segunda Grande
Guerra, rompendo, ‘assim, com o corporativismo da Carta Constitucional de
1937’ [...]. Consagrou o trabalho, ademais, como uma obrigação social e se
propôs a assegurá-lo a todos, garantindo ao cidadão uma existência digna.11
9
TOLEDO, Gastão Alves. O Direito Constitucional Econômico e sua Eficácia. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 172.
10
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos
humanos:
o
direito
do
trabalho,
uma
ação
afirmativa.
Disponível
em:
<http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2423/2/TESE_PRONTA_E_REVISADA.PDF>. Acesso em:
05 dez. 2011.
11
Op. cit.
17
A dignidade da pessoa pela valorização do trabalho foi inserida no texto constitucional
bem antes da edição da Lei Magna de 1988, contudo, é de rigor consignar que nenhuma outra
Constituição conseguiu abarcar toda gama de direitos como a Constituição Federal vigente.
A Ordem Jurídica instituída, com a edição da Lei Magna de 1988, sem dúvida, buscou
materializar de forma ampla o princípio da valorização do trabalho humano, consoante se
depreende das normas contidas no artigo 7º ao garantir uma série de direitos para o fim de
proporcionar melhor condição social. Frise que o prestígio a ser dado ao trabalho humano não
se restringe aos “hipossuficientes”, mas também aos inventores, autores, artistas e outros
(artigo 5º, incisos XXVII, XXVIII e XXIX), ou seja, a todos os trabalhadores sem distinção.
O trabalho passou a possuir um caráter valorativo, erigido a fundamento da República
Federativa do Brasil e essa garantia de direitos ao trabalhador visa a concretização da
dignidade da pessoa humana, o qual também é fundamento do Estado brasileiro, nos termos
do artigo 1º, inciso III do texto constitucional.
Além da posição de destaque que o trabalho ocupa como alicerce do próprio Estado,
passou a ser princípio da Ordem Social, consoante artigo 193 da Constituição Federal, onde
dispõe que “a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bemestar e a justiça sociais”. E, ainda, é o trabalho humano fundamento da Ordem Econômica,
nos termos do artigo 170 da Constituição Federal, como meio de se alcançar os objetivos
fundamentais da República que estão elencados no artigo 3º do texto constitucional, a saber,
uma sociedade livre, justa e solidária, plenamente desenvolvida, sem preconceitos e
discriminações.
Isso quer dizer que o Brasil se sustenta sobre o valor social do trabalho, tendo também
neste princípio o fundamento da ordem econômica e social. O valor moral do trabalho,
conquistado ao longo do tempo, representa o seu grau de importância, seja para o crescimento
individual, seja para o da coletividade
Dessa maneira, o trabalho ganha importância (social, econômica, política) e,
por isso, precisa das garantias jurídicas necessárias. Nas sociedades
democráticas, é possível a existência de tais garantias, na medida em que se
elejam princípios os quais os cidadãos entendem como importantes para o
seu desenvolvimento. [...].
O princípio da valorização do trabalho, agora elevado a status constitucional,
determina que o desenvolvimento seja orientado nas duas perspectivas já
explicadas: social e econômica. Pretende-se assim evitar os abusos
cometidos no passado e buscar a construção de uma sociedade mais justa,
fraterna, tal como é o objetivo das democráticas contemporâneas.12
12
BOCORNY, Leonardo Raupp. A valorização do trabalho humano no Estado Democrático de Direito. Porto
Alegre: SAFE, 2003, p. 71/72.
18
A Constituição Cidadã, como se observa, dá tratamento diferenciado ao trabalho ao
expressá-lo como valor moral do homem e não pura e simplesmente um meio de geração de
riquezas. O trabalho é, pois, forma de se exercer a cidadania, porque tem o condão de integrar
pessoas em atividades produtivas com vistas ao retorno econômico e concomitantemente à
inserção social.
Para a efetiva valorização do trabalho humano com vistas ao desenvolvimento
econômico e social do país, é de rigor a criação de oportunidades a todos que estão aptos a
cooperar para o progresso, isso em igualdade material de direitos, em especial para as pessoas
com deficiência, que lutam pela sua plena inserção na vida social que se dá, inclusive, pelo
trabalho que gera a independência, - assunto que será abordado de forma específica
posteriormente -, pelo que, ainda são consideradas por muitos como pessoas inválidas, sem
condições de serem inseridas na atividade laboral.
Tendo em vista que o modelo institucional do Brasil é o Democrático de Direito,
notadamente por se respaldar a ordem econômica em dupla ótica (econômica e social), faz-se
imperiosa a intervenção do Estado para normatizar as relações entre capital e trabalho,
coibindo os abusos e garantindo direitos a todos os trabalhadores sem distinção de qualquer
natureza, assim como preconiza a Constituição Federal, para possibilitar harmonioso
progresso social e econômico.
Como mencionado, a materialização do princípio do valor do trabalho humano na sua
plenitude, é tarefa árdua, como bem assinala Oliveira ao indagar:
Como se valoriza o trabalho? Em primeiro momento, através da geração de
mais postos de trabalho: que haja um melhor trabalho com mais satisfação,
com menos riscos, com mais criatividade, com a participação de quem
trabalha no gerenciamento empresarial, sem discriminação; que seja melhor
retribuído, com a efetivação dos direitos sociais consubstanciados nos
artigos 6º a 11 da C.F.; que haja uma efetiva política pública de qualificação
da mão de obra, capacitando criativamente o ser humano. 13
Sob esse ponto de vista, observa-se que se deve, então, empreender esforços em
conjunto da iniciativa privada e do Estado para a efetivação da justiça social e da dignidade
do homem pela valorização do trabalho, pois esse é o comando inserto no regramento
constitucional.
13
OLIVEIRA, Lourival José. Da Inconstitucionalidade da Atividade Empresarial quando resulta na
Desvalorização do Trabalho Humano in Atividade Empresarial e mudança social/Jussara Suzi Assis Borges
Nasser Ferreira, Maria de Fátima Ribeiro, orgs. São Paulo: Arte & Ciência; Marília: Unimar, 2009, p. 86.
19
Todavia, assim como as pessoas com deficiência sofrem com a exclusão social, em
pleno século XXI, segundo informação divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), 251 empregadores ainda submetem seus empregados a condições análogas a de
escravidão14, na contramão da liberdade e dignidade. Mas, o Governo Federal tem
empreendido esforços para a erradicação do trabalho escravo ao implementar medidas que
restringem as relações negociais dos inscritos no cadastro do MTE de empregadores que
desrespeitam os direitos e garantias dos empregados, uma espécie de “ficha suja”que além de
impedir a livre negociação desses infratores, ainda impõe aos mesmos multa pecuniária.
A intervenção estatal nesse particular, embora a passos lentos, tem surtido efeitos
positivos, na medida em que a divulgação dos empregadores que violam os princípios
constitucionais que norteiam o Estado Democrático de Direito, conscientiza sobre a
responsabilidade imposta pelo Manual Supremo ao tomador de serviço, ao proprietário dos
meios de produção, à empresa, que tem o dever de observar os preceitos democráticos da
ordem jurídica para a promoção do bem de todos e desenvolvimento econômico-social.
1.2.2 Livre iniciativa
Com previsão na Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso IV e artigo 170, caput,
a livre iniciativa é considerada fundamento da ordem econômica. Elevada à condição de
princípio fundamental, juntamente com valores sociais do trabalho.
Silva15 ensina que a livre iniciativa significa “liberdade de desenvolvimento da
empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das
facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas pelo mesmo”.
É uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar
incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não
lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal.
Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à
realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação
econômica equivale ao direito de todos tem de lançarem-se ao mercado da
produção de bens e serviços por sua conta e risco.16
14
MINISTÉRIO
DO
TRABALHO
E
EMPREGO,
disponível
em
<http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A316B68810131727755744EA6/cadastro_empregadores.pdf>Aces
so em 29 jul. 2011.
15
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 760.
16
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. vol. 7, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 16.
20
Contudo, a livre iniciativa é relativizada, conforme se depreende do parágrafo único
do artigo 170, onde pode se impor restrições mediante lei para o livre exercício de uma
determinada atividade.
A liberdade de iniciativa se manifesta entre outros pela livre concorrência, sendo certo
que ambas estão umbilicalmente ligadas, se complementando entre si, não havendo o que se
falar em livre iniciativa se não existir a livre concorrência.
É, pois, pela liberdade de iniciativa que se concretiza o direito do homem de escolher
livremente o seu trabalho e se lançar em determinada atividade econômica. De igual maneira,
como um ciclo, é o exercício dessa liberdade que propicia a existência digna do homem,
alcançando uma das finalidades da Ordem Econômica.
Considerada desde a perspectiva substancial, tanto como resistência ao
poder, quanto como reivindicação por melhores condições de vida (liberdade
individual e liberdade sócio econômica), podemos descrever a liberdade
como sensibilidade e acessibilidade a alternativas de conduta e de resultado.
Pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe de sua
possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento – aí
a sensibilidade; e não se pode chamar livre, também, aquele ao qual tal
acesso é sonegado – aí a acessibilidade.17
O livre acesso ao empreendedorismo, nos termos da Constituição Federal, em seu
artigo 170, deve ser estimulado de forma universalizada, notadamente no que diz respeito às
pessoas com deficiência, pois quando trabalhadas suas potencialidades, participam
positivamente no desenvolvimento econômico, bem como na construção da dignidade
humana.
A liberdade proclamada constitucionalmente somente se desenvolve numa sociedade
consciente tanto dos seus direitos, como de seus deveres, além de um Estado pontualmente
intervencionista na repressão do abuso e no fomento do progresso democrático.
O valor social da livre iniciativa é contemplado na Constituição Cidadã como
fundamento da República Federativa do Brasil, sendo imposto que a ordem econômica deve
ser fundada na livre iniciativa, além de considerar como princípio da ordem econômica a livre
concorrência.
Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa devem ser tomados em conjunto e
não de forma individualizada. Isso porque, a livre iniciativa só será válida como fundamento
da República Federativa do Brasil quando expressar o seu valor social.
17
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 203.
21
São fundamentos da República, isto é, do Brasil, entre outros, o valor social
do trabalho e o valor social da livre iniciativa. A ordem econômica (mundo
do ser) deve estar fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa – a Constituição consagra, aí, note-se, valorização do trabalho
humano e livre iniciativa, simplesmente. A livre iniciativa, ademais, é
tomada no quanto expressa de socialmente valioso; por isso não pode ser
reduzida, meramente, à feição que assume como liberdade econômica,
empresarial (isso é, da empresa, expressão do dinamismo dos bens de
produção); pela mesma razão não se pode nela, livre iniciativa, visualizar
tão-somente, apenas, uma afirmação do capitalismo. Assim, livre iniciativa é
expressão de liberdade titulada não apenas pelo capital, mas também pelo
trabalho.18
A Constituição Federal de 1988 impõe que a economia deve ser pautada pelo sistema
de livre iniciativa, onde o mercado capitalista tem relevante papel no desenvolvimento
econômico. Inobstante essa natureza eminentemente capitalista instituída, o trabalho humano
tem primazia na ordem econômica. Esses dois fundamentos devem caminhar juntos para
viabilizar a construção de um país desenvolvido que garante a dignidade de sua Nação, caso
contrário, a finalidade da Ordem Econômica se perderá no trajeto, não havendo mais razão de
ser.
Dizer que a livre iniciativa é fundamento da Ordem Econômica é também
afirmar que a estrutura desta está centrada na atividade das pessoas e dos
grupos e não na atividade do Estado. Não significa a exclusão deste, mas
ressalta que o exercício da atividade econômica, na produção, na gestão, na
direção, na empresa, está regulado originariamente pelo chamado princípio
da exclusão: o que não está proibido, está permitido. Obviamente, isto não é
um reconhecimento do laissez fair. Há de se ter em conta que livre iniciativa
e valorização do trabalho humano devem estar conjugados. Trata-se de uma
Ordem com dois fundamentos. Liberdade, como base, está em ambos. Na
iniciativa, em termos de liberdade negativa, de ausência de impedimentos
para a expansão da própria criatividade. Na valorização do trabalho humano,
em termos de liberdade positiva, de participação sem alienação na
construção da riqueza econômica. 19
O imperativo constitucional é bem claro ao determinar que a livre iniciativa deve
observância ao valor do trabalho humano, à pessoa em si, na medida em que os princípios são
tomados em conjunto, o que conduz ao exercício da função social na atividade econômica e à
promoção da dignidade da pessoa humana.
18
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 214.
19
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Revistas da Procuradoria
Geral do Estado – Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Disponível:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm> Acesso em 15 fev. 2011.
22
O entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADI 2.649 demonstra a efetividade
da norma constitucional ao conjugar a livre iniciativa com a valorização da pessoa com
deficiência.
Ação direta de inconstitucionalidade: Associação Brasileira das Empresas de
Transporte Rodoviário Intermunicipal, Interestadual e Internacional de
Passageiros – ABRATI. Constitucionalidade da Lei 8.899, de 29 de junho de
1994, que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência.
Alegação de afronta aos princípios da ordem econômica, da isonomia, da
livre iniciativa e do direito de propriedade, além de ausência de indicação de
fonte de custeio (arts. 1º, IV; 5º, XXII; e 170 da CF): improcedência. [...] Em
30-3-2007, o Brasil assinou, na sede da ONU, a Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo,
comprometendo-se a implementar medidas para dar efetividade ao que foi
ajustado. A Lei 8.899/1994 é parte das políticas públicas para inserir os
portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de
oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos
fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o
que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados.20
Observa-se que a livre iniciativa não se legitima quando entendida de forma ilimitada,
ou seja, sem respeitar os demais escopos constitucionais como a proteção da pessoa com
deficiência, em especial quando em jogo a acessibilidade desta classe de pessoas para a
concretização, inclusive da valorização do trabalho humano.
E, para a realização desses preceitos constitucionais, cabe ao Estado, fiscalizar,
estimular e planejar a atividade econômica de forma indireta, nos termos do artigo 174 da
Carta Magna, o qual atuará sobre a economia, implantando políticas de incentivo para
fomentar o desenvolvimento econômico e também social, bem como de forma direta, quando,
extraordinariamente for necessária a atuação do Estado na economia (como empresário),
desde que reste comprovado que essa atuação servirá para resguardar a segurança nacional ou
atender relevante interesse coletivo, consoante artigo 173 da Constituição Federal.21
Essa intervenção do Estado sobre a economia garante, entre outros, o exercício da
livre concorrência na atividade econômica, cuja finalidade precípua é a garantia da efetiva
igualdade de oportunidades a todos, equilibrando as relações econômicas de forma justa e
igualitária e, em contrapartida, viabiliza o exercício do segundo fundamento e não menos
20
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.649, Relatora Ministra Carmen Lucia, julgamento em 08-052008,
Plenário,
DJE
de
17-10-2008.
Disponível
em
<http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201664> Acesso em 20 fev. 2012.
21
BARROSO, Luis Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de
Preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº. 14, junho/agosto, 2002.
Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 15 fev. 2011.
23
importante, o da valorização do trabalho humano, cujo fim maior é a garantia da dignidade
humana.
1.2.3 Garantia de existência digna
Por muito tempo a dignidade da pessoa, inobstante os ensinamentos bíblicos, esteve
relacionada com a posição social ocupada e consequente prestígio perante seus pares, mas
mesmo assim, foram tais valores cristãos uma fonte de inspiração para em séculos seguintes,
em meio às atrocidades decorrentes de duas grandes guerras, para respaldar movimentos
sociais, notadamente no continente europeu, culminando na aprovação da Declaração
Universal dos Direitos do Homem em 1948.
A Declaração dos Direitos do Homem reconheceu o valor da vida humana como
fundamento do progresso individual e coletivo, sendo este o ponto de partida para que os
países signatários inserissem os valores provenientes da dignidade humana em seus
Ordenamentos, considerando que a proteção de tais direitos está umbilicalmente relacionada
com a transformação da sociedade, seja no âmbito social, seja no econômico.22
O aviltamento da dignidade da pessoa humana, ao contrário, torna inócua a condição
do homem, visto que a dignidade é um atributo inerente da própria pessoa e a sua violação
atinge outros direitos fundamentais como o direito à igualdade de oportunidades a todos, daí a
busca constante pela sua proteção para a manutenção e desenvolvimento do indivíduo e da
coletividade.
O resgate da dignidade como valor do homem ocorreu com a Declaração de Direitos
Humanos da ONU, sendo que a Alemanha, no ano seguinte cuidou de inserir sua proteção
pela Lei Fundamental Alemã (Grundgesetz), em 1976 foi a vez de Portugal, quando da
promulgação de sua Constituição da República e posteriormente em 1978 pela Espanha com
advento de sua Constituição.23
O Brasil, apesar de inserir a garantia de existência digna no Ordenamento Jurídico
desde a edição da Constituição Federal de 1934, foi a partir da Constituição Federal de 1988,
com respaldo nas diretrizes traçadas pela Declaração Universal e espelhando-se nas
constituições democráticas até então proclamadas, que conseguiu adequar de forma plena toda
22
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, p. 88.
23
BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos
Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.
162.
24
a carga valorativa e principiológica necessária a reconhecer e garantir os direitos do homem e
sua dignidade ao estabelecer como fundamento do Estado Democrático de Direito a garantia
de existência digna a todos, como instrumento para construção de uma sociedade justa e
solidária.
Nos termos do artigo 1º da Constituição Federal, inciso III, a dignidade da pessoa
humana é fundamento da República Federativa do Brasil, bem como finalidade da Ordem
Econômica, consoante artigo 170, caput, da Constituição Federal.
Isso quer dizer que o Estado brasileiro será considerado uma efetiva democracia, nos
moldes da Constituição Federal enquanto garantir a dignidade da pessoa humana, sendo
assegurada, concomitantemente a soberania, os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa.
A promoção da dignidade da pessoa humana como fim da Ordem Econômica
brasileira, demonstra uma preocupação maior no exercício da atividade econômica, pois se
não observada a existência digna, restará violado princípio duplamente contemplado na
Constituição, razão pela qual o próprio texto constitucional estabeleceu a medida da
responsabilidade de todos os sujeitos de direito que integram o meio econômico,24 com vistas
ao equilíbrio no crescimento e desenvolvimento econômico atrelado ao social.
Isso porque, como visto, a Ordem Econômica do Brasil foi humanizada, a exemplo de
outras democracias que adotaram como alicerce do Estado a proteção dos direitos
fundamentais, onde não se concebe mais a prevalência do capitalismo em detrimento da
dignidade do homem.
Como bem observa Canotilho, ao ensinar que a elevação da dignidade da pessoa
humana a fundamento essencial da República portuguesa, representa a conscientização do real
valor do homem para o desenvolvimento de uma sociedade justa, até porque a República foi
idealizada e instituída pelos desígnios do homem e não o contrário.
[...] a República é uma organização política que serve o homem, não é o
homem que serve os aparelhos político-organizatórios. A compreensão da
dignidade da pessoa humana associada à idéia de homo noumenon justificará
a conformação constitucional da República Portuguesa onde é proibida a
pena de morte (artigo 24º) e a prisão perpétua (artigo 30.º/1). A pessoa ao
serviço da qual está a República também pode cooperar na República, na
medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a condição de cidadão,
ou seja, um membro normal e plenamente cooperante ao longo da sua vida.
24
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 199.
25
Por último, a dignidade da pessoa humana exprime a abertura da República à
idéia de comunidade constitucional inclusiva pautada pelo multiculturalismo
mundividencial, religioso ou filosófico. (grifos do autor).25
A preocupação em assegurar existência digna a todos, diz respeito não apenas à
proteção da integridade física e mental do homem, mas, sobretudo, ao seu desenvolvimento
social, tendo o Estado Constitucional português como postulado, a possibilidade de acesso ao
trabalho, capacitação profissional e programas assistenciais, nos termos da Constituição da
República Portuguesa, em seus artigos 53.º, 58.º, 63.º, 64.º
Apesar de o Brasil ter adotado viés idêntico ao português em compasso com a
Declaração Universal e as demais constituições democráticas dos países estrangeiros, onde a
dignidade da pessoa humana passou a ser considerada a espinha dorsal do Estado com o
advento da Constituição de 1988, a sua concretização vai além da positivação, na medida em
que a garantia de existência digna pressupõe a proteção de vários outros direitos fundamentais
que, por vezes são sonegados numa economia de mercado, mormente de um Estado como o
brasileiro que carrega um fardo de desigualdade sem precedentes.
E isso gera um problema estrutural, de modo que a falta de viabilização dos direitos
que integram o exercício da dignidade do homem, como os direitos sociais, melhor
distribuição de oportunidades e outros fundamentalmente importantes, atenta não apenas
contra a democracia, mas contra a própria humanidade do indivíduo.
Lembrando-nos de que, se atentarmos contra a dignidade, estaremos, na
verdade, atentando contra a própria humanidade do indivíduo. Além disso, é
preciso ressaltar que ao Estado não apenas é vedada a possibilidade de tirar a
vida (daí, por exemplo, a proibição da pena de morte) mas também que a ele
se impõe o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui
a própria razão de ser do Estado, além de pressuposto para o exercício de
qualquer direito (fundamental ou não). Não nos parece absurda a observação
de que negar ao indivíduo os recursos materiais mínimos para a manutenção
de sua existência (negando-lhe por exemplo uma pensão adequada na
velhice, quando já não possui condições de prover seu sustento) pode
significar em última análise, condená-lo à morte por inanição, por falta de
atendimento médico, etc.26
A aplicação dos princípios constitucionais, aqui em especial da dignidade, é medida de
rigor, pois não se pode falar em efetivação de direitos, quando, por exemplo, há o
reconhecimento formal dos direitos das pessoas com deficiência a tratamentos de habilitação
25
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina,
Coimbra, 2002, p. 225.
26
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005, p. 352.
26
e reabilitação com vistas à sua inclusão social, nos termos do artigo 196 da Constituição
Federal e o Estado ser omisso ao não implementar políticas públicas pertinentes à espécie.
O princípio da dignidade humana e principalmente a sua proteção é considerada a
fonte de vida da liberdade e democracia, supraprincípios que direcionam uma sociedade justa
e solidária. Diante da magnitude desse princípio, tem o Estado importante papel na efetivação
dos direitos inerentes à promoção do exercício da dignidade humana individual e também
coletiva, o qual se instrumentaliza tanto de forma negativa pelo direito a liberdade, igualdade
e suas garantias daí advindas, como de cunho positivo, através de políticas públicas
prestacionais e emancipatórias, direcionando e inclusive, criando condições para possibilitar a
aplicação da dignidade.
Todavia, merece ser ressaltado mais uma vez que o Estado por vezes sonega seu dever
de garantir a existência digna dos cidadãos brasileiros, com uma triste e pálida justificativa de
demandas sociais infinitas em contraste com a insuficiência de recursos aptos a satisfação de
todas as necessidades econômicas, sociais e culturais. Ocorre que direitos constitucionalmente
assegurados devem ser acatados pelo Estado e quando não o são, é dever do Judiciário suprir
a omissão para a concretização dos escopos constitucionais.
APELAÇÃO - Obrigação de Fazer – Fornecimento gratuito de dieta enteral
a pessoa idosa e enferma - Inadmissibilidade de recusa pela Administração
Pública - Defesa de direito indisponível (direito à saúde) – Solidariedade
entre União, Estados e Municípios em relação ao dever de prestar assistência
à população na área da saúde - O atendimento à apelada é medida de rigor,
ante a proteção constitucionalmente prevista que se relaciona com o direito à
vida e à dignidade da pessoa humana - Inaplicabilidade da Teoria da Reserva
do Possível em matéria de preservação do direito à vida e à saúde Precedentes do STF e do STJ - Inteligência do artigo 196 da Constituição
Federal, bem como do Estatuto do Idoso - Recurso desprovido.27
No presente caso o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou, com
fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade entre os entes
federativos no que diz respeito à saúde, que o Município de Taubaté fornecesse o suplemento
alimentar postulado mediante impetração de Mandado de Segurança e em caso de
impossibilidade de atendimento pelo Município, que a obrigação fosse suprida pelo Estado.
A aplicação do principio da igualdade com vistas ao exercício da dignidade da pessoa
humana também pode ser observada pelo julgamento do Mandado de Segurança impetrado no
27
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n. 990.10.058994-6. 9. Câmara de
Direito Público. Relator Desembargador Sérgio Gomes. DJ 07.04.2010. Disponível em
<http://www.tj.sp.gov.br> Acesso em 27 mai. 2011.
27
Estado de Goiás, onde o impetrante que é pessoa deficiente postulou pela isenção tributária
para a aquisição de um automóvel em seu nome para ser conduzido por um terceiro, com
fundamento na lei 7.853/198928 que dispõe sobre a integração da pessoa com deficiência no
meio social.
MANDADO DE SEGURANÇA. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM
ISENÇÃO DE ICMS E IPVA POR DEFICIENTE FÍSICO PARA USO
PRÓPRIO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE.
MALFERIMENTO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
ISONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1 - A
Legislação referente aos benefícios fiscais tem que ser interpretada em
consonância com as disposições da Lei nº 7.853/89, que tutela o interesse
dos portadores de necessidades especiais. 2 - A isenção legal de impostos
para a aquisição de veículo por portador de necessidades especiais, para uso
próprio, não pode ser interpretada restritivamente, sob pena de violar os
princípios constitucionais da Isonomia Tributária e Dignidade da Pessoa
Humana. Segurança concedida.29
O Poder Judiciário, numa interpretação abrangente dos princípios constitucionais e
suas regulamentações, entendeu por bem conceder a segurança, pois em jogo a dignidade de
um cidadão que como qualquer outro tem o direito à acessibilidade e por ser pessoa com
deficiência, deve receber especial atenção do Estado.
Isso porque a escolha valorativa da República Federativa do Brasil em ascender ao
ápice a dignidade da pessoa humana como seu firmamento, aponta para a necessidade da sua
devida materialização, sob pena de se assinar o atestado de óbito da democracia.
O exercício da dignidade humana deve ser promovido e garantido também pela
iniciativa privada em cooperação com o Estado em cumprimento às determinações dos artigos
3º e 170 da Lei Maior, tudo para concretizar o ideário de uma sociedade desenvolvida
economicamente, mas também justa e solidária.
1.2.4 Justiça social
Um dos princípios que regem a atividade econômica brasileira é o princípio da justiça
social. Conforme artigo 170 da Constituição Federal, é pelo exercício da justiça social que se
28
BRASIL,
Presidência
da
República.
Lei
n.
7.853,
1989.
Disponível
em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm> Acesso em 21 fev. 2012.
29
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação em Mandado de Segurança n. 36517726.2011.8.09.0000. 3. Câmara Cível. Relator Desembargador Rogério Aredio Ferreira. DJ 16.02.2012.
Disponível
em
<http://www.tjgo.jus.br/index.php?sec=consulta&item=decisoes&subitem=jusrisprudencia&acao=consultar>
Acesso em 21 fev. 2012.
28
assegura a existência digna. Isso porque a promoção da justiça nas suas mais variadas formas,
aqui em especial no âmbito social, tem a ver com um tratamento de equidade para com a
sociedade inserida direta ou indiretamente na Ordem Econômica.
O princípio da justiça social é meio instrumentalizador da busca pelo equilíbrio na
atividade econômica, capaz de realizar os direitos fundamentais como igualdade, liberdade,
existência digna, ou seja, o valor da justiça é o norte para a realização da cidadania e para o
bem estar de todos.
Ocorre que o capitalismo vigente no país não enxerga o princípio da justiça social
como pressuposto garantidor da existência digna a todos, mas tão somente uma justiça nas
relações privadas, razão pela qual não ser tarefa fácil a sua efetivação nesse sistema
econômico.
É que a justiça social só se realiza mediante equitativa distribuição da
riqueza. Um regime de acumulação ou de concentração do capital e da renda
nacional, que resulta da apropriação privada dos meios de produção, não
propicia efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande
diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao
lado da minoria afortunada. A história mostra que a injustiça é inerente ao
modo de produção capitalista, mormente do capitalismo periférico. Algumas
providências constitucionais formam agora um conjunto de direitos sociais
com mecanismos de concreção que devidamente utilizados podem tornar
menos abstrata a promessa de justiça social. Esta é realmente uma
determinante essencial que impõe e obriga que todas as demais regras da
constituição econômica sejam entendidas e operadas em função dela.30
O acúmulo de riquezas nas mãos de uma minoria, condição inerente de uma economia
de mercado, não pode justificar a inaplicabilidade do princípio da justiça social, por ser, assim
como os demais princípios fundamentais, estrutura central da Ordem Econômica Brasileira.
Na tradição ocidental, deve entender a justiça como um princípio formal que
se preenche substantivamente das demais virtudes ou, como diríamos agora,
dos demais valores. Justiça, neste sentido, é afirmação de um sentimento de
inconformismo perante certas diferenças (valor igualdade), perante
arbitrariedades (valor segurança), perante a miséria (valor bem-estar),
perante a apatia (valor desenvolvimento), perante a negação da dignidade da
pessoa como um ser capaz de autodeterminar-se e de participar na realização
do bem-comum (valor liberdade). A justiça, como valor fundante, organiza
os demais valores e se revela, num sentido substantivo próprio, como
30
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros
Editores, 2004, p. 789.
29
equilíbrio axiológico, ponderação e prudência, mas também como desafio e
realização.31
A realização da justiça social deve estar voltada para a dignidade da pessoa humana
com vistas ao seu progresso e não apenas à satisfação das suas necessidades, por exemplo a
concessão de benefícios governamentais às pessoas com deficiência, sob o ponto de vista da
justiça social em si, conforma-se com o sistema jurídico, todavia, sob o prisma da construção
da dignidade pelo trabalho, viola-se um princípio fundamental e consequentemente não
cumpre o próprio princípio da justiça social, pois ao optar pela política assistencialista ao
fomento da qualificação e empreendedorismo dessa classe de pessoas, impede-se que pessoas
se tornem aptas para o trabalho e exerçam a efetiva igualdade de acesso e a dignidade.
O princípio da justiça social realiza o princípio da existência digna e assim a
complementa. É também a justiça social um dos objetivos da República. Seu alcance não se
restringe à justa distribuição de riqueza, mas vai além, chegando à fronteira do princípio da
dignidade da pessoa humana. Assim, a Constituição Federal consagrou a economia capitalista
em nosso sistema, mas buscou humanizá-la, sujeitando a ordem econômica aos ditames da
justiça social com o fim de se garantir a existência digna a todos.
Os desafios para a materialização da justiça social parecem obstáculos quase
intransponíveis quando se depara com o histórico de desigualdade estrutural do país, por
diversas razões - que serão analisadas mais detidamente a tempo e modo no decorrer do
trabalho -, são sonegados direitos fundamentais das pessoas, como por exemplo, o acesso à
saúde digna, educação de qualidade, oportunidade de trabalho decente sem discriminação e
por conseqüência, violado o princípio da justiça social tolhendo o direito à existência digna do
cidadão.
Por não ser mais considerado o princípio da justiça social uma mera imposição ética,
mas uma exigência da política econômica capitalista contemporânea, nos termos da
Constituição Federal, sua concretização deve demandar esforços não apenas do Estado, como
garantidor do bem estar social, mas também da iniciativa privada que tem sua quota de
responsabilidade dentro da Ordem Econômica, notadamente quando diz respeito ao
mandamento constitucional no cumprimento de sua função social que se traduz entre outros
pela inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, como será tratado no
decorrer do trabalho.
31
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Em http: //
www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm. Acesso em 25 ago 2011.
30
1.3 OBJETIVOS E PRINCÍPIOS DA REPÚBLICA E DA ORDEM ECONÔMICA
Estabelece o texto constitucional em seu artigo 3º que os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil são: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; e, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Esses objetivos fundamentais são a “bússola” para dar a direção do fim almejado pela
Constituinte, qual seja, a concretização da existência digna do homem como indivíduo e como
Nação, sendo certo que os meios para essa travessia, ou podemos dizer o “barco e os remos”,
são as prestações positivas dos agentes participantes desse contexto que servem como o
instrumental para a realização da efetiva democracia econômica, social e cultural.
Constituição dirigente que é, a de 1988 reclama – e não apenas autoriza –
interpretação dinâmica. Volta-se à transformação da sociedade,
transformação que será promovida na medida em que se reconheça, no art. 3º
- e isso se impõe - , fundamento à reivindicação, pela sociedade, de direito à
realização de políticas públicas. Políticas públicas que, objeto de
reivindicação constitucionalmente legitimada, hão de importar o
fornecimento de prestações à sociedade.32
Vale mencionar que a República Portuguesa se pauta no respeito e na garantia da
concretização dos direitos e liberdades fundamentais, consoante artigo 2.º da Constituição da
República Portuguesa. Essas liberdades, como ensina Canotilho33, indicam uma ordem
constitucional livre em consequência da junção de dois tipos de direitos: os direitos
individuais que o autor nomencla de “direitos e liberdades de natureza pessoal” e os direitos
coletivos, citado pelo autor como “direitos e liberdades de participação política” na ordem
democrática.
A República Portuguesa também possui um viés social, eis que, muito embora
apresente características de natureza liberal, como respeitar o direito de propriedade privada
(artigo 62.º) e a liberdade de iniciativa (artigo 61.º), visa o bem comum com a busca pela
solução das questões sociais.
32
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 217.
33
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina,
Coimbra, 2002, p. 226.
31
O direito que informa a juridicidade estatal aponta para a ideia de justiça. O
que é que faz a diferença entre um estado de direito e um estado de direito
justo? A resposta depende da esfera de justiça que se pretenda reconhecer.
Estado de justiça é aquele em que se observam e protegem os direitos
(rights) incluindo os direitos das minorias (Dworkin). Estado de justiça é
também aquele em que há equidade (fairness) na distribuição de direitos e
deveres fundamentais e na determinação da divisão de benefícios da
cooperação em sociedade (Rawls). Estado de Justiça considerar-se-á ainda o
‘estado social de justiça’ (justiça social) em que existe igualdade de
distribuição de bens e igualdade de oportunidades (Marx). Embora a ideia de
justiça compreenda diversas esferas, nela está sempre presente (embora com
ela não se identifique) uma idéia de igualdade: ‘direito a ser considerado
como um igual’ (Rawls), ‘direito a ser titular de igual respeito e
consideração’ (Dworkin), ‘direito a iguais atribuições na comunicação
política’ (Ackerman, Habermas), ‘direito a ser tratado igualmente pela lei e
pelos órgãos aplicadores da lei’. A justiça fará, assim, parte da própria idéia
de direito (Radbruch) e esta concretizar-se-á através de princípios jurídicos
materiais cujo denominador comum se reconduz à afirmação e respeito da
dignidade da pessoa humana, à proteção da liberdade e desenvolvimento da
personalidade e à realização da igualdade (cf. AC TC 132/91).34
A justiça somente se realiza de forma concreta numa sociedade que prima pela
igualdade. A Constituição Federal de 1988 apresenta expressa vedação a qualquer tipo de
discriminação, tendo como direito fundamental do Estado a igualdade. É garantida pelo texto
constitucional no seu sentido formal (por exemplo, artigo 5º, caput), onde estabelece que
todos são iguais perante a lei no artigo 7º, inciso XXX, onde proíbe diferenças de salário e
discriminação por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e o inciso XXXI, que veda a
discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de
deficiência.
Contudo não se pode afirmar que o Brasil é um Estado de efetiva Justiça Social, que
promove o pleno exercício da igualdade material, onde todos são respeitados nas suas
igualdades e diferenças, sejam étnicas, sociais e físicas. Somente uma postura consciente e
pró-ativa do Estado e dos demais sujeitos de direito em cooperação, é capaz de concretizar
esse arcabouço de direitos e garantias constitucionais.
Sabemos que esta igualdade material não oferece, cria-se; não se propõe,
efectiva-se; não é um princípio, mas uma conseqüência. O seu sujeito não a
traz como qualidade inata que a Constituição tenha de confirmar e que
requeira uma atitude mero respeito; ele recebe-a através de uma série de
prestações, porquanto nem é inerente às pessoas, nem preexistente ao
Estado. Onde bastaria que o cidadão exercesse ou pudesse exercer as
próprias faculdade (sic) jurídicas, carece-se doravante de actos públicos em
34
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina,
Coimbra, 2002, p. 245.
32
autônoma discricionariedade. Onde preexistiam direitos, imprescindíveis,
descobrem-se condições externas que se modificam, se removem ou se
adquirem. Assim, o conceito do direito à igualdade consiste sempre num
comportamento positivo, num facere ou num dare.35
Necessário, pois, a mudança de paradigmas para corrigir a desigualdade histórica que
assola o país, que ora é ignorada pelos destinatários dos preceitos constitucionais, ora é
observada de forma desvirtuada pelo Estado, que por não raras vezes prioriza a
implementação de políticas públicas assistenciais e se “esquece” das emancipatórias, que dão
continuidade e garantem o processo da democracia sócio-econômica, como se verá adiante.
A democracia econômica e social abrange as duas dimensões da tríade
clássica: liberte e égalité. Em face da Constituição, não se pode interpretar o
princípio da igualdade como ‘princípio estático’ indiferente à eliminação
das desigualdades, e o princípio da democracia econômica como um
‘princípio dinâmico’, impositivo de uma igualdade material. Isto poderia
significar, de novo, quer a relativização do princípio da igualdade, quer a
relativização do princípio da democracia social. Aquele interpretar-se-ia no
sentido de igualdade formal perante a lei, esquecendo a dimensão da
‘dignidade social’ (cfr. Art. 13.º); este constituiria tão-somente um
instrumento de diminuição de desigualdades fácticas. A igualdade material
postulada pelo princípio da igualdade é também a igualdade real veiculada
pelo princípio da democracia econômica e social. Nesta perspectiva, o
princípio da democracia econômica e social não é um simples ‘instrumento’,
não tem uma função instrumental a respeito do princípio da igualdade,
embora se lhe possa assinalar uma ‘função conformadora’ tradicionalmente
recusada ao princípio da igualdade: garantia de igualdade de oportunidades
e não apenas de uma certa ‘justiça de oportunidades’.36
O acesso à igualdade de oportunidades às pessoas com deficiência que estejam aptas a
contribuírem para o desenvolvimento econômico do país, ou mesmo aquelas que após um
trabalho de adaptação e qualificação, são incluídas no mercado competitivo de trabalho,
concretiza a democracia econômica e social e acima de tudo, gera a liberdade e dignidade, nos
termos da Constituição Cidadã.
1.3.1 Soberania Nacional
A soberania Nacional é fundamento do Estado brasileiro, nos termos do artigo 1º da
Constituição Federal, além de princípio informador da Ordem Econômica, consoante se
35
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 2. ed., rev. e actual., Coimbra: Coimbra
Editora Limitada, 1993, p. 95.
36
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina,
Coimbra, 2002, p. 350.
33
constata pela dicção do inciso I do artigo 170 da Lei Maior. Como fundamento da República,
a soberania nacional se relaciona no contexto sócio-político, onde o Estado detém o poder
para atuar no plano interno, sem se submeter a outros países, ante a sua auto-suficiência. Já
como princípio da Ordem Econômica, pode-se dizer que a soberania tem a ver com a
independência econômica do Estado perante os demais.
Para tanto, o desenvolvimento interno é de rigor, nos exatos termos do artigo 219 do
Texto Constitucional, o qual prevê que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será
incentivado de modo a viabilizar desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem estar da
população e a autonomia tecnológica do país, nos termos de lei federal.
Contudo, o fenômeno da globalização desestruturou todas as bases conceituais sobre a
soberania construídas até então, principalmente dos países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento. Isso porque os avanços da tecnologia e da informação das grandes
potencias mundiais disseminaram por todo o mundo, o que fez transformar a visão da
soberania nacional no cenário atual.
O processo de mundialização econômica está causando a redução dos
espaços políticos, substituindo a razão política pela técnica. Há um processo
de tentativa de substituição dos governos que exprimem a soberania popular
pelas estruturas de governance, cujos protagonistas são organismos
nacionais e internacionais “neutros” (bancos, agências governamentais
“independentes”,
organizações
não-governamentais,
empresas
transnacionais, etc) e representantes de interesses econômicos e financeiros.
A estrutura da governance, portanto, é formada por atores técnicoburocráticos sem responsabilidade política e fora do controle democrático,
cujo objetivo é excluir as decisões econômicas do debate político.37
O postulado da soberania nacional tal como interpretado no texto constitucional, foi
relativizado ante as transformações advindas do processo da globalização, todavia, não se
afigura razoável apresentá-lo como a vulneração do Estado.
Ora, se é certo que a Constituição Federal foi escolhida como manual da República e
que deve ser observada no seu todo, necessário atentar para os objetivos principais do Estado
elencados no texto constitucional, cuja finalidade é a supremacia da dignidade humana,
criando-se novas perspectivas, como por exemplo, colocar em prática o quanto estabelecido
no artigo 219 da Constituição, na medida em que a promoção do desenvolvimento social,
econômico e tecnológico do país, que somente se dará com a criação de oportunidades
decentes e justas, bem como investimentos sérios no setor da tecnologia e informação, serão
37
BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: para uma crítica do Constitucionalismo. São Paulo:
Quartier Latin, 2008, p. 334.
34
capazes de tornar o Brasil um Estado forte e competitivo perante os demais, além de que a
realização do apontado regramento constitucional dará margem ao exercício da cidadania.
Afirmar a soberania econômica nacional como instrumento para a
realização do fim de assegurar a todos existência digna e como objetivo
particular a ser alcançado é definir programa de políticas públicas voltadas –
repito – não ao isolamento econômico, mas a viabilizar a participação da
sociedade brasileira, em condições de igualdade, no mercado internacional.38
O princípio da soberania nacional não pode pressupor o fechamento econômico, mas a
transformação da economia e da sociedade, rompendo com a desigualdade que torna o país
extremamente dependente, resultado do desenvolvimento industrial tardio, comparado aos
países desenvolvidos, com economias capitalistas estruturadas. Pelo que, a partir da moderna
concepção de soberania econômica, os países não perderam sua força como Estado Soberano,
mas passaram a ser interdependentes, colaboradores entre si para o fim de realizar o
desenvolvimento econômico, que deve estar sempre atrelado ao bem estar da sociedade.
Mencionada interdependência entre os Estados, sem violação à Soberania Nacional,
pode ser facilmente constatada pelas deliberações de entidades internacionais, como a
Organização Internacional do Trabalho – OIT e Organização das Nações Unidas – ONU, que
em decorrência da universalização dos direitos fundamentais e da necessária tutela também
universal, trabalham para que os Estados sejam cooperadores entre si para a concretização da
liberdade e dignidade de todos os povos, sem qualquer discriminação.
A Convenção n. 111 da OIT de 1958 e ratificada pelo Brasil em 1965, inaugura as
diretrizes internacionais que tutelam os direitos fundamentais ao abolir qualquer tipo de
discriminação, propiciando igualdade de oportunidades, visando o progresso material e
desenvolvimento espiritual pelo trabalho. A Convenção 159 da OIT de 1983 e ratificada pelo
Brasil em 1990, trata especificamente sobre habilitação e reabilitação das pessoas com
deficiência para a sua participação plena na vida social e no desenvolvimento econômico. 39
O Brasil e outros países signatários não perdem a sua soberania ao ratificarem as
convenções internacionais, mas fazem uma escolha valorativa em relativizar seu poder
nacional para fomentar a proteção aos direitos fundamentais de seus cidadãos.
A Convenção Interamericana da Guatemala de 1999 e ratificada pelo Brasil em 2001,
prevê a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência,
38
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p.232.
39
OIT, Organização Internacional do Trabalho. Promovendo o trabalho decente. Convenções ratificadas pelo
Brasil. Disponível em <www.oit.org.br/convention> Acesso em 21 fev. 2012.
35
comprometendo-se os Estados Partes a empreenderem esforços com a implementação de
medidas para integração plena das pessoas com deficiência à sociedade, como o acesso
facilitado a transporte, comunicação, remoção de barreiras arquitetônicas, pesquisas em
cooperação científica e tecnológica com vistas à prevenção, tratamento e reabilitação das
pessoas com deficiência, além da promoção de vida independente e auto-suficiente dessa
categoria de pessoas.40
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo, realizada em Nova York em 2007 e ratificada pelo Brasil em 2008,
também é outro exemplo de cooperativismo entre os Estados para a proteção e melhora das
condições de vida das pessoas com deficiência.
Os direitos fundamentais e aqui em especial os direitos das pessoas com deficiência,
não podem respeitar barreiras ante a sua universalidade, sendo certo que o deliberado
cooperativismo entre os Estados não tem outra finalidade que não seja a busca pelo
desenvolvimento individual das pessoas com deficiência, bem como o econômico e social da
coletividade e do Estado.
1.3.2 Propriedade privada e sua função social
A proteção da propriedade privada se justificou para o fim de garantir ao indivíduo a
sua subsistência, no entanto, segundo GRAU41, a civilização contemporânea deixa de ter na
propriedade privada, seu único meio de sustento, passando a ser o trabalho, o justo salário, as
prestações assistenciais do Estado, educação, formação profissional, entre outros.
Daí porque os regramentos contemporâneos consideram que a empresa se insere na
proteção garantida à propriedade privada, e, por isso deve realizar a correspondente função
social da propriedade. Assim, a propriedade não deixa de pertencer ao seu titular, mas este
deve cumprir a função social dessa propriedade.
[...] o princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a
quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-lo em
benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem.
Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte de
imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e
40
AMPID, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e
Pessoas com Deficiência. Convenções e Declarações da ONU sobre a Pessoa com Deficiência. Disponível em
<http://www.ampid.org.br/Docs_PD/Convencoes_ONU_PD.php> Acesso em 21 fev. 2012.
41
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p.240.
36
não, meramente de não fazer – ao detentor do poder que deflui da
propriedade.42
A propriedade privada sofre estrutural mudança ao cumprir a função social imposta no
texto constitucional, pois é a partir desse exercício que se busca realizar os ditames da justiça
social e a existência digna.
O princípio da propriedade privada é fruto do princípio da liberdade, sendo esta a viga
mestra que orienta a democracia. A propriedade privada é resguardada pelo ordenamento
constitucional, assim como os demais direitos fundamentais. A propriedade privada e a sua
função social foram erigidas a princípios da Ordem Econômica, consoante incisos II e III do
artigo 170 da Constituição Federal, respectivamente.
Essa garantia da propriedade privada, no entanto, é relativizada pela própria
Constituição Federal em casos específicos, notadamente quando diz respeito à sua destinação.
Isso porque o inciso II do artigo 170 estabelece a proteção da propriedade como princípio da
Ordem Econômica e, logo em seguida, o inciso III determina que essa propriedade privada
cumpra a sua função social. Pelo que, a proteção à propriedade privada é legítima e
constitucionalmente assegurada desde que esta cumpra a sua função social.
Como apontado, a propriedade privada e a função social da propriedade foram
elevadas a princípios da ordem econômica. A primeira, direito individual puro, denota que o
sistema econômico é voltado para o liberalismo. A segunda atende ao fim que almeja a ordem
econômica: existência digna a todos, conforme os ditames da justiça social. Ambos os
princípios, evidenciam que a ordem econômica é fundada nas concepções da economia de
mercado, com ênfase na iniciativa privada, mas o conceito de propriedade é relativizado para
possibilitar a efetivação da justiça social.
Silva distingue propriedade de bens de consumo e dos meios de produção, assinalando
que, a primeira diz respeito a apropriação eminentemente privada. Trata-se de alimentos,
vestuário, moradia, etc. A segunda diz respeito às ferramentas, matérias-primas, fábricas, etc.,
é a produção de rendas ou de outros bens.
A função social desses bens consiste precisamente na sua aplicação imediata
e direta na satisfação das necessidades humanas primárias, o que vale dizer
que se destinam à manutenção da vida humana. Disso decorre que sejam
predispostos à aquisição de todos com a maior possibilidade possível, o que
justifica até a intervenção do Estado no domínio da sua distribuição, de
modo a propiciar a realização ampla de sua função social. E este é um
42
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p.250.
37
princípio que se superpõe mesmo ao da iniciativa privada. Assim, a
intervenção direta na distribuição de bens de consumo (conceito que inclui
também os de uso pessoal duráveis: roupa, moradia etc.), para fomentar ou
mesmo forçar o barateamento do custo de vida, constitui um modo legítimo
de fazer cumprir a função social da propriedade.43
O artigo 5º, inciso XXIII da Carta Constitucional, trata da função social da
propriedade de modo geral, no entanto a dicção do dispositivo em questão abarca todo e
qualquer tipo de propriedade. Diante disso, a função social da propriedade está diretamente
correlacionada com os valores do trabalho e dos demais ditames sociais, e por conseqüência
lógica envolve a empresa, sujeito de direito responsável pela contratação desse trabalho
humano para a produção de bens e serviços, com o fim de gerar riquezas e desenvolvimento e,
simultaneamente, observar os valores sociais impostos pela Ordem Econômica.
O art. 170, III ao ter a função social da propriedade como um dos princípios
da ordem econômica, reforça essa tese, mas a principal importância disso
está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à realização
da existência digna de todos e da justiça social. Correlacionando essa
compreensão com a valorização do trabalho humano (art. 170, caput), a
defesa do consumidor (art. 170,V), a defesa do meio ambiente (art 170, VI),
a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170,VII) e a busca do
pleno emprego (art. 170, VIII), tem-se configurada a sua direta implicação
com a propriedade dos bens de produção, especialmente imputada à
empresa pela qual se realiza e efetiva o poder econômico, o poder de
dominação empresarial. Disso decorre que tanto vale falar de função social
da propriedade dos bens de produção, como de função social da empresa,
como função social do poder econômico.44
Nesse contexto, Ferreira45 apresenta os princípios orientadores para a eficácia da
função social da empresa, quais sejam: dignidade empresarial, cuja relação com a ética e
consideração às regras de mercado são primordiais; moralidade empresarial, que se revela
pela plena diligência e cuidado com a reputação da empresa, seja com o seu público externo,
seja com seu público interno, além da qualidade dos produtos ou serviços colocados à
disposição do consumidor em geral; por fim e não menos importante, o princípio da boa-fé
empresarial, que se expressa pelo respeito ao próximo em todas as fases contratuais, inclusive
nas pré e pós contratuais, pautando-se sempre pela honestidade.
43
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros
Editores, 2004, p. 813.
44
Op. cit. p. 814.
45
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Ética da Empresa. Revista Jurídica da Unifil,
Ano II – n. 2. Disponível em: <web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf> Acesso em 15 fev.
2011, p. 78.
38
A função social da empresa está intrinsecamente relacionada com o acesso ao trabalho
das pessoas com deficiência, na medida em que a inclusão eficaz dessa classe de pessoas no
mercado proporciona o exercício da sua dignidade e valoriza a diversidade, em contrapartida
ainda projeta-se uma imagem humanizada e preocupada com o desenvolvimento não só
econômico, mas também social. É, acima de tudo, o cumprimento dos escopos
constitucionais.
1.3.3 Redução das desigualdades regionais e sociais
Conforme inciso III do artigo 3º da Constituição Federal, também constitui objetivo
fundamental da República a redução das desigualdades regionais e sociais, além de ser
princípio geral da atividade econômica, nos termos do inciso VII do artigo 170 do texto
constitucional.
Esse cunho ideológico inserto no artigo 3º da Constituição Federal é a busca pelo
desenvolvimento equilibrado, porém, num país que adota a economia de mercado e onde a
riqueza está monopolizada com uma minoria, se faz premente a conduta ativa do Estado para
buscar a efetivação desse postulado, na medida em que é dever principal do Estado o
desenvolvimento equilibrado da ordem econômico-social, nos termos do parágrafo 1º do
artigo 174 da Constituição Federal.
Como ocorre com a participação em fundos públicos (rendas tributárias), que se
realiza por critérios legais, por exemplo, o número populacional, o PIB, entre outros, tudo nos
termos do artigo 159 da Lei Constitucional.
Outra maneira que almeja o desenvolvimento regional com previsão constitucional é a
implementação de políticas públicas de incentivos fiscais para o fomento das regiões mais
carentes, como forma de tentar compensar as dificuldades daí advindas e, assim, buscar
nivelar o desenvolvimento, propiciando o exercício da igualdade e liberdade, bem como, por
conseqüência, a dignidade da pessoa humana.
Isso porque a equiparação de renda nas regiões menos desenvolvidas ou o
desenvolvimento econômico dessas regiões irá concorrer para reduzir as proporções da
pobreza, gerando trabalho para os menos favorecidos e recursos.46
Nesse contexto, o fomento da produção geraria aumento de empregos e
consequentemente, maior renda e em tese, cumpriria o mandamento constitucional do artigo
46
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 376.
39
3º da Lei Magna no tocante à redução das desigualdades sociais e regionais. Muito embora
sejam necessárias políticas de incentivo à produção, imprescindível um trabalho articulado
porque
De nada adiantam as políticas agressivas de obtenção de mais recursos ou
indústrias para as áreas menos desenvolvidas (levadas a cabo recentemente
por vários Estados por meio da ‘guerra fiscal’), sem que haja uma política de
desenvolvimento e reorientação do gasto público em todos os níveis, voltada
para a melhoria das condições de vida da população. O planejamento
regional precisa ser retomado sem o caráter acessório que o condenou. Para
tanto, as políticas públicas nacionais devem ser regionalizadas, adequando
melhor os investimentos públicos e fazendo com que o planejamento
regional adquira um papel essencial no planejamento nacional. A solução da
‘Questão Regional’ é política, não meramente técnica.47
O princípio da redução das desigualdades regionais e sociais, erigido a princípio
constitucional fundamental e objetivo da República, é de observância obrigatória e vincula a
todos os Poderes Públicos (Legislativo, Judiciário e Executivo), assim como os atores da
atividade econômica.
A ideologia constitucional não é neutra, é política, e vincula o intérprete. Os
princípios constitucionais fundamentais, como o art. 3º da CF, são expressão
das opções ideológicas essenciais sobre as finalidades sociais e econômicas
do Estado, cuja realização é obrigatória para os órgãos e agentes estatais e
para a sociedade ou, ao menos, os detentores de poder econômico ou social
fora da esfera estatal. Constitui o art. 3º da CF um verdadeiro programa de
ação e de legislação, devendo todas as atividades do Estado brasileiro
(inclusive as políticas públicas, medidas legislativas e decisões judiciais)
conformarem-se formal e materialmente ao programa inscrito no texto
constitucional.48
O problema da desigualdade regional e social vivenciado no Brasil é tratado mediante
a implementação de políticas públicas voltadas para a sua redução com vistas à transferência
de renda, como ocorre, por exemplo, com o Programa Bolsa Família e com o Benefício de
Prestação Continuada da Assistência Social – BPC – LOAS, este voltado para pessoas idosas
e pessoas com deficiência.
A instituição do Plano Brasil Sem Miséria pelo Decreto 7.492/201149 visa articular o
aumento da renda da população em situação de extrema pobreza e a sua inclusão produtiva,
47
BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p.
97.
48
Op. cit. p. 110.
49
BRASIL,
Presidência
da
República.
Decreto
n.
7.492,
2011.
Disponível
em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/Decreto/D7492.htm> Acesso em 25 fev. 2012.
40
seja no âmbito rural, com assistência técnica para melhor produção para o autoconsumo e
comercialização e transferência de recursos para fomento da unidade produtiva familiar, seja
no âmbito urbano com inclusão social no mercado de trabalho mediante qualificação
profissional com cursos de qualificação gratuitos.
A execução do Plano Brasil Sem Miséria depende da cooperação de todos os entes
estatais e da sociedade, o que demonstra estar em compasso com os valores estatuídos no
artigo 3º da Constituição Federal, aqui em especial da redução das desigualdades regionais e
sociais, pois necessário um verdadeiro engajamento da sociedade com vistas à efetivação da
democracia participativa.50
O trabalho em cooperação para a redução das desigualdades regionais e sociais
envolve a empresa que também é responsável por este mister, seja na contratação de pessoas,
seja na sua manutenção no mercado e com o seu desenvolvimento, reduz o problema da
desigualdade.
As pessoas com deficiência assistidas pelo Plano Brasil Sem Miséria podem usufruir
além do benefício assistencial, também da qualificação profissional e serem incluídas no
mercado de trabalho, reduzindo assim uma desigualdade social pelo emprego.
1.3.4 Busca do pleno emprego
O princípio da busca pelo pleno emprego está inserido no rol de princípios-fins da
Ordem Econômica, conforme se vê no inciso VIII do artigo 170 da Constituição Federal, o
qual é considerado um dos instrumentos para a realização da função social da propriedade
(empresa), porque, ao proporcionar o emprego efetivamente pleno ao trabalhador, estará
cumprindo a sua função social.
E como já assinalado, é pelo trabalho que a pessoa conquista não apenas o meio para a
sua subsistência, mas também o exercício da sua dignidade na inserção social do cidadão que
trabalha e coopera para o progresso econômico e social do país.
Também se garante proteção ao trabalhador, notadamente por estar intrinsecamente
relacionado com a valorização do trabalho humano e ao direito social ao trabalho, nos termos
do artigo 6º, caput, da Constituição Federal.
50
BRAVO, Álvaro A. Sánchez. Políticas Públicas de Inclusión Social in As políticas públicas no
constitucionalismo contemporâneo [recurso eletrônico]: tomo 1/ organizadores:Jorge Renato dos Reis, Rogério
Gesta Leal, Marli Marlene Moraes da Costa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009. Disponível em
<http://www.unisc.br/edunisc> Acesso em 03 jan. 2011.
41
A busca do pleno emprego é um princípio diretivo da economia que se opõe
às políticas recessivas. Pleno emprego é expressão abrangente da utilização,
ao máximo grau, de todos os recursos produtivos. Mas aparece, no art. 170,
VIII, especialmente no sentido de propiciar trabalho a todos quantos estejam
em condições de exercer uma atividade produtiva. Trata-se do pleno
emprego da força de trabalho capaz. Ele se harmoniza, assim, com a regra de
que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano. Isso
impede que o princípio seja considerado apenas como mera busca
quantitativa, em que a economia absorva a força de trabalho disponível,
como o consumo absorve as mercadorias. Quer-se que o trabalho seja a base
do sistema econômico, receba o tratamento de principal fator de produção e
participe do produto da riqueza e da renda em proporção de sua posição na
ordem econômica.51
A preocupação da Ordem Constitucional brasileira na busca por proporcionar o pleno
emprego, repousa no alto grau de importância que o trabalho detém na viabilização do
crescimento e desenvolvimento econômico e social, sem olvidar do exercício da dignidade
humana.
Trabalho é atividade do homem denominada pela relação meio/fim, uma
atividade instrumentalizadora que tem um produto: aquilo que o trabalhador
fabrica e coloca no mundo, como algo que vem da sua arte e esforço e ganha
vida própria no comércio com os outros. Pelo trabalho, o homem acresce a
natureza, ao mudá-la conforme os seus propósitos. O trabalho, assim,
humaniza a natureza, criando o mundo humano, o mundo das coisas
permanentes que o homem criou como realidade objetiva. A valorização do
trabalho liga-se, deste modo, à valorização dessa auto-realização do artifício
humano que guarda, no seu íntimo, o sentido da liberdade. Trabalho, assim,
é início, livremente disposto, e fim, produto acabado ao cabo de um
processo, que todos podem perceber e sentir como algo que não havia e
passou a existir. Nesse sentido, apanágio da cidadania!52
O pleno emprego buscado pela Ordem Econômica se conforma com a garantia de
existência digna, mas a realidade vivenciada no mercado capitalista globalizado encontra
dificuldades na materialização de tal princípio constitucional, principalmente em países com
desenvolvimento tardio como o Brasil, que na ânsia pela manutenção da competitividade
econômica por vezes deixam as questões sociais em segundo plano.
Mas não se pode perder de vista que a busca do pleno emprego é princípio impositivo
com natureza de norma-objetivo, revestida de caráter constitucional conformadora, que impõe
a realização de ações instrumentalizadoras da efetivação da função social da propriedade e
51
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros
Editores, 2004, p. 797.
52
FERRA JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Disponível em
<http://www.pge.sp.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm> Acesso em 15 fev 2011.
42
valorização do trabalho humano, tendo por conseqüência a promoção da dignidade humana
que foi erigida a direito fundamental de caráter universal. 53
A busca do pleno emprego tem sido uma preocupação das Organizações
Internacionais como a Organização Internacional do Trabalho – OIT que tem empreendido
esforços para a implementação do denominado trabalho decente, tendo por fim concentrar os
princípios fundamentais definidos na Declaração dos Direitos do Homem e todos os demais
direitos daí advindos, como por exemplo, o respeito aos direitos trabalhistas, a liberdade
sindical, a erradicação do trabalho degradante, escravo, do trabalho infantil, a eliminação de
todos os tipos de discriminação e a promoção do trabalho que seja produtivo e de qualidade,
tendo garantido todos os direitos sociais necessários para uma existência digna.54
O combate às injustiças que permeiam as sociedades capitalistas é um desafio do
Estado, na implementação e promoção dos direitos e garantias sociais e da sociedade civil, em
especial a empresa, responsável pela contratação e manutenção dos trabalhadores no mercado.
Deste modo, tem-se que a observância do princípio do trabalho decente ou como definido na
Lei Maior de pleno emprego, refletirá diretamente no cumprimento da função social da
empresa. Com todo efeito, tais princípios constitucionais convergem entre si para impedir o
retrocesso social e garantir a viabilização do progresso.
1.4
A
ASCENSÃO
DOS
PRINCÍPIOS
NA
MODERNA
DOGMÁTICA
CONSTITUCIONAL
Como elencado, a Constituição Federal de 1988, passou a carrear em seu bojo um
arcabouço de princípios, onde os valores são adotados como regras de conduta, tudo em
resposta aos anseios sociais. No entanto, uma norma somente alcançará a sua finalidade
quando efetivamente aplicável e justa no caso concreto. Para tanto o processo hermenêutico é
primordial para possibilitar a sua equânime concretização.
Contudo, a interpretação dos princípios constitucionais gerou não pouco transtorno, na
medida em que o sistema, plenamente positivista, sempre se pautou na exclusiva utilização da
regra da subsunção, o qual se aplica o fato concreto à norma, chegando ao seu resultado, de
modo que por serem as regras descritivas de condutas, incidindo ou não no caso concreto
conforme o modelo tradicional (subsunção), a previsibilidade e objetividade do Ordenamento
53
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 257/258.
54
OIT, Organização Internacional do Trabalho. O que é trabalho decente? Disponível em
<http://www.oit.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente> Acesso em 07 set 2011.
43
Jurídico se fazem presentes, emergindo daí, no pensamento positivista, a segurança jurídica,
pois, as regras sempre foram objetivas e determinadas.
Todavia, ao se deparar com questões mais complexas trazidas pelos princípios
constitucionais, como valores a serem garantidos, apenas a subsunção passou a ser ineficaz.
Isso porque questões como os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, a
liberdade, por exemplo, carecem de um método interpretativo mais abrangente, que permitam
normas mais flexíveis e abstratas, como os princípios, possibilitando a sua aplicação a um
maior contingente de situações.
A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal
proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto,
principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se
prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes
pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura
dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista
dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos
fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com
vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema
a ser resolvido55.
Por ser a Constituição Federal dotada de caráter principiológico, não é suficiente um
único meio de resposta, como ocorre com o método do tudo ou nada da subsunção. Na
interpretação do Direito, se faz premente o método da ponderação quando em jogo questões
complexas.
A interpretação do direito tem caráter constitutivo – não, pois, meramente
declaratório – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos
normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas
a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de uma
norma de decisão.56
A necessidade de uma interpretação principiológica pelo método da ponderação de
valores quando tratar-se de direitos fundamentais como a dignidade da pessoa com
deficiência, a mera aplicação do fato à norma é insuficiente para a efetiva aplicação do direito.
Por conterem os princípios uma maior carga valorativa com base na ética, por não
haver hierarquia entre eles e, quando em jogo valores contrapostos, como a liberdade de
55
BARROSO, Luis Roberto. O começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos
princípios
no
Direito
brasileiro.
Disponível
em
<http://www.femparpr.org.br/userfiles/file/texto_principios_constitucionais_barroso.pdf> Acesso 4 mar 2011.
56
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 161.
44
iniciativa e a valorização do trabalho humano, por exemplo, evidente a necessidade de uma
interpretação diversa daquela simples adequação do fato à norma para a solução do caso
concreto. Assim, quando em cena tais antagonismos, aplica-se a denominada técnica da
ponderação.
A técnica em questão é utilizada notadamente na atividade jurisdicional, onde os
interesses, bens e valores são sopesados quando existentes princípios em colisão, devendo
prevalecer o mais apropriado à situação real, sendo certo que todo procedimento
hermenêutico
deve
ser
pautado
no
“princípio
instrumental
da
razoabilidade
e
proporcionalidade” 57, também previstos na Constituição Federal, mesmo que implícitos.
A regra da subsunção na interpretação das normas constitucionais, não foi
abandonada, mas agregaram-se a ela novos métodos a fim de almejar a solução mais
adequada e justa ao caso concreto dentre diversas possibilidades interpretativas sobre uma
mesma hipótese, frente às modernas demandas estabelecidas pela Ordem Jurídica.
Nesse contexto, busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o
direito posto; procura empreender uma leitura moral da Constituição e das
leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas. No conjunto de idéias ricas e
heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluemse a reentronização dos valores na interpretação jurídica, com o
reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença
qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da
argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o
desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a
dignidade da pessoa humana. Nesse ambiente, promove-se uma
reaproximação entre o Direito e a ética.58
A evolução hermenêutica aqui apresentada de forma sumária, experimentada no Brasil
a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, tem como finalidade superar as
desigualdades históricas ao estabelecer direitos fundamentais aos cidadãos e garantia de
existência digna no contexto social, político e econômico, onde ao texto constitucional é
concedida a supremacia sobre as demais normas do sistema jurídico, devendo todo o
Ordenamento com ele se compatibilizar.
O direito a inclusão das pessoas com deficiência no meio econômico e social é direito
fundamental e deve se conformar com os princípios constitucionais, devendo ser observado
57
BARROSO, Luis Roberto. O começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos
princípios
no
Direito
brasileiro.
Disponível
em
<http://www.femparpr.org.br/userfiles/file/texto_principios_constitucionais_barroso.pdf> Acesso 4 mar 2011.
58
Id. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo
modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 249/250.
45
pela Ordem Econômica e todos os atores que a compõem, sob pena de violação à
Constituição.
Essa é a concepção que todos os institutos jurídicos por conseqüência devem ser
compreendidos e aplicados, sempre a partir dos preceitos estatuídos na Lei Maior, onde a
dignidade humana foi erigida a supraprincípio e pedra angular do Estado Democrático de
Direito.
46
2. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MUDANÇA SOCIAL
2.1 O MODELO LIBERAL, INTERVENCIONISTA E NEOLIBERAL E SUAS
REPERCUSSÕES
A Revolução Industrial ocorrida no século XVIII deu início ao processo de
crescimento econômico em países como a Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, adotandose o capitalismo como principal sistema econômico.
A célebre “mão invisível” defendida por Adam Smith tinha por finalidade demonstrar
que a presença do Estado na economia não traria qualquer benefício para esta, ao contrário,
impossibilitaria a total liberdade de mercado, imprescindível para o alcance do crescimento
econômico.
Por aquele modelo econômico, a presença do Estado na economia seria uma
agressão às liberdades do mercado e, assim, às liberdades do homem
(indivíduo), e deveria ser combatida a todo custo. Ora, o mercado teria
condições de cuidar de si próprio, já que a livre concorrência entre os
agentes econômicos, eliminando os mais fracos e ineficientes, manteria o
equilíbrio necessário para o seu funcionamento.
O indivíduo seria o único capaz de saber como aplicar o seu capital da
melhor forma e, assim, ao procurar o melhor para si, indiretamente, buscaria
o melhor para a sociedade. Desta forma, a presença do Estado é rejeitada e
desnecessária, cabendo a ele, apenas, preservar a paz e proteger a
propriedade, esta acima de tudo.59
A ideologia do liberalismo econômico na época foi amplamente defendida pela classe
em ascensão, a burguesia, com o que “a aceleração da taxa de crescimentos da renda total e
também taxas mais altas de crescimento populacional permeadas por inovações tecnológicas
que permitiram produção agrícola crescente, apesar do êxodo rural em direção às cidades, o
que intensificou a urbanização, característica moderna do crescimento econômico”
60
,
perdurou até o início do século XX.
Todavia, com o passar do tempo, além da exploração dos trabalhadores, a liberdade de
mercado sem a interferência do Estado, com a “eliminação dos mais fracos” não trouxe o tão
propalado equilíbrio, na medida em que inúmeras indústrias tiveram que fechar suas portas,
59
SOUZA, Washington Peluso Albino, CLARK, Giovani, coordenadores. Direito econômico e a ação
econômica estatal na pós-modernidade. São Paulo: LTr, 2011, p. 48.
60
KIECKHÖFER, Adriana Migliorini. Do Crescimento Econômico ao Desenvolvimento Sustentável in
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasse Ferreira, RIBEIRO, Maria de Fátima. Empreendimentos
econômicos e desenvolvimento sustentável (org). São Paulo: Arte & Ciência; Marília, UNIMAR, 2008.
47
provocando um crescente desemprego. Diante do caos instalado, esses trabalhadores agora
desempregados, começaram a se organizar e reivindicar por melhores condições de vida. Pelo
que, frente às mudanças de postura do proletariado face ao excesso do poder econômico nas
mãos de uma minoria, as intervenções do Estado foram necessárias para promover o
restabelecimento da saúde econômica e buscar uma pacificação social.
Manifesta-se então um certo capitalismo assistencial, que sobrevive graças à
crescente transferência dos custos das empresas ao conjunto da coletividade
– isto é, à classe trabalhadora – e através da inversão financeira massiva em
títulos públicos de crédito. Os custos empresariais, assim, são ‘bancados’
pelo Estado e, nos mais desenvolvidos, o imperialismo os exporta aos de
capitalismo mais frágil.61
O denominado Estado do Bem-Estar-Social instituído na Europa no pós Segunda
Guerra Mundial, buscou o desenvolvimento econômico e social, onde uma maior atuação do
Estado se fez premente para a reconstrução do continente europeu.
Ocorre que esse movimento intervencionista do Estado na economia não tinha o
condão de socializar o mercado, mas tão somente visava a manutenção e fomento do próprio
capitalismo com medidas assistencialistas. Entendeu-se que a presença do Estado na vida
econômica de forma pontual era meio de se garantir a segurança, reduzindo riscos para a
plena realização do fim maior, a acumulação de riquezas.
Porém, o ideário liberal não foi esquecido, principalmente porque entendeu-se que o
controle ostensivo do Estado era o responsável pela posterior crise econômica,62 sendo certo
que nos anos setenta, agora os neoliberais ressurgem para buscar o restabelecimento do
mercado com a diminuição do Estado. Entre alguns exemplos da ideologia neoliberal pode-se
citar a desestatização da economia, com a privatização das empresas, flexibilização dos
direitos trabalhistas, redução de gastos sociais, entre outros.63
O comprometimento, a partir dos anos setenta do século XX, dos níveis
necessários de lucros das empresas e o desencadeamento de processos
inflacionários que inevitavelmente conduziriam a uma crise generalizada das
economias de mercado impunham, na concepção neoliberal – observa ainda
61
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 27.
62
FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. A crise financeira e a nova realidade criada pela dinâmica do
mercado mundial in FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasse Ferreira, RIBEIRO, Maria de Fátima.
Empreendimentos econômicos e desenvolvimento sustentável (org). São Paulo: Arte & Ciência; Marília,
UNIMAR, 2008.
63
SOUZA, Washington Peluso Albino, CLARK, Giovani, coordenadores. Direito econômico e a ação
econômica estatal na pós-modernidade. São Paulo: LTr, 2011, p. 49.
48
Perry Anderson – a manutenção de um Estado forte em sua capacidade de
romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos
os gastos sociais e nas intervenções econômicas. ‘A estabilidade monetária –
prossegue o autor – deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para
isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos
gastos com bem-estar, e a restauração da taxa ‘natural’ de desemprego, ou
seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os
sindicatos. [...]. O desenho do programa se completa com a política de
privatizações.64
A ideologia neoliberal, no entanto, apresentou diversos problemas, principalmente de
ordem social, na medida em que o Estado mínimo volta-se as costas para as necessidades
dessa parte mais vulnerável que é a população, nas suas mais variadas vertentes, além de que
o livre mercado ocasiona a desestabilização monetária. Tanto isso é verdade – e aqui se faz
nova ressalva por se tratar de assunto que se reveste de caráter provisório e portanto, passível
de alterações- que países que sempre foram considerados desenvolvidos, amargam a pior crise
econômica e fiscal desde a Segunda Guerra Mundial.
Quanto ao crescimento, ao emprego e à equidade o resultado é francamente
negativo.
As taxas de crescimento são inferiores às do período ‘intervencionista’.
Além disso, o capitalismo falha escandalosamente em sua capacidade de
gerar empregos, de oferecer segurança aos que consegue empregar e de
alentar os empregados com as perspectivas de melhores salários. Aumentam
significativamente as desigualdades, tanto nas sociedades desenvolvidas
quanto nas regiões periféricas.
As taxas de desemprego alcançam o percentual de 10% da população
economicamente ativa na Comunidade Européia. [...].
As decisões que permitiram esses dramas foram tomadas, muito
conscientemente, inspiradas pelo neoliberalismo.65
O continente europeu que sempre foi sinônimo de desenvolvimento econômico-social
agora vivencia a crise financeira do século. Países como Grécia, Itália, Portugal, Irlanda e
Espanha, gastaram mais do que arrecadaram, ocasionando um descontrole das suas contas
públicas. Para tentar solucionar esse problema estrutural, medidas foram impostas, como corte
de salários e congelamento de benefícios sociais, o que acarretou mobilizações da população
descontente com as medidas nada sociais.66
64
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 47.
65
Op. cit. p. 51.
66
VEJA.COM. Crise na Europa – Perguntas e Respostas. Disponível em <http://veja.abril.com.br/perguntasrespostas/crise-europa.shtml> Acesso em 23 out. 2011.
49
O resultado da população nas ruas protestando por soluções éticas e eficazes foi a
mudança do Primeiro Ministro tanto da Grécia como da Itália, tudo para tentar restaurar a
confiança do mercado, tendo em vista que todos os problemas fiscais somado ao baixo
crescimento dos países do continente europeu são fatores que preocupam não só a zona do
euro, mas todo o mundo67, frente aos impactos negativos na economia globalizada.
A atual crise na Europa é irônica, notadamente por ter eclodido na riqueza, mas
independente disso, após vir à tona todos os problemas apontados, as relações estruturais
clássicas entre Estado, Mercado e Sociedade carecem de mudanças fundamentais para uma
adequada reestruturação de todos os agentes que compõem esse continente.
2.1.1 Desenvolvimento econômico nas constituições do Brasil
No Brasil, as transformações se deram a passos lentos, na medida em que a primeira
Constituição da República, a de 1891 tinha como única tutela individual, o direito ao habeas
corpus, que embora tratasse de um remédio constitucional contra prisão arbitrária, o Judiciário
passou a fazer uma interpretação abrangente do instituto, relacionando-o com a tutela da
liberdade, com vistas a dar maior amplitude à tutela. Com relação à ordem econômica, a
Constituição de 1891 apenas trouxe proteção à livre iniciativa, já a Constituição de 1934, deu
início à positivação dos direitos sociais e a ordem econômica, passando pela Constituição de
1937, com caráter nitidamente corporativista, tratando o trabalho como um dever social.68
A Consolidação das Leis do Trabalho (1943) foi editada a partir das concepções da
Constituição de 1937, demonstrando a necessidade de uma tutela específica para
determinadas classes, como aqui dos trabalhadores considerados hipossuficientes.
A Constituição de 1946 incrementou o título da ordem econômica e social ao inserir
em seu bojo além da livre iniciativa, o princípio da justiça social e a valorização do trabalho
humano, bem como ao assegurar o direito ao trabalho a possibilitar existência digna.
A Constituição de 1967 manteve os princípios estatuídos na Constituição anterior e
acrescentou o princípio da função social da propriedade. A mudança trazida pela Emenda de
67
TERRA NOTÍCIAS. Europa enfrenta pior crise desde 2ª Guerra, diz Merkel. Disponível em
<http://not.economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201111141359_RTR_SPE7AD09Z> Acesso
em 14 nov. 2011.
68
AFONSO, Túlio Augusto Tayano. Evolução constitucional do trabalho na ordem econômica jurídica
brasileira.
Disponível
em
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/tulio_augusto_tayano_afonso.pdf> Acesso em 28
fev. 2012.
50
1969 foi no sentido de que a finalidade da ordem econômica além da justiça social era a
realização do desenvolvimento nacional.69
Aqui ficou bem clara a necessidade de coexistência entre a ordem econômica e a
ordem social com vistas ao equilíbrio entre ambos, embora antagônicos entre si. Mas foram as
transformações sociais, com o aparecimento de novos atores (grupos, classes e categorias) a
compor o cenário econômico, que novos anseios e necessidades surgiram, carecendo de um
processo de reestruturação. Nesse contexto econômico desenvolvimentista, o Direito
compareceu mais uma vez para acompanhar os movimentos e reivindicações dessa sociedade
de massas.
A Constituição Federal de 1988 apresenta-se como um marco na história, pois
manteve os escopos constitucionais de 1946, 1967 e de 1969, em especial sobre a ordem
econômica e social, acrescentando novos direitos, direitos fundamentais e transindividuais. A
tutela dos direitos transindividuais, de origem do sistema anglo-saxão70, abarca uma gama de
categorias de pessoas determinadas, determináveis e até indeterminadas. Esclarece Gregório
Assagra de Almeida que essa mudança de postura quanto a tutela do direito coletivo atende
aos ditames da própria Constituição Federal, pois que esta consagra uma nova summa divisio,
a saber, direito individual e coletivo, superando a summa divisio clássica público e privado.71
Por conta disso, os regramentos privatistas recebem uma nova roupagem, uma
roupagem socializada, onde os pilares do direito são modificados em decorrência da ordem
constitucional ora apresentada, para o fim de se adequar às necessidades dessa sociedade em
transformação.
A tutela das pessoas com deficiência está inserida nesse rol de direitos e deve ser
observada por todos os entes que atuam na atividade econômica, mas a tarefa não cabe
somente ao Estado, pois o texto constitucional é enfático ao estabelecer que a livre iniciativa e
portanto, os sujeitos de direito que a compõem, são responsáveis em cooperação com o
Estado, assim, nos termos do artigo 170 da Constituição Federal, a empresa avoca para si
parte significante da responsabilidade, não apenas a grande empresa, mas a média, pequena e
microempresa, em especial esta que responde por bilhões ao ano perante a economia
69
AFONSO, Túlio Augusto Tayano. Evolução constitucional do trabalho na ordem econômica jurídica
brasileira.Disponívelem<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/tulio_augusto_tayano_afon
so.pdf> Acesso em 28 fev. 2012.
70
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 2 ed.
ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 33.
71
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Teoria crítica do Direito e o acesso à Justiça como novo método de
pensamento. MPMG Jurídico – Publicação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Ano V – n. 19,
janeiro/fevereiro/março – 2010.
51
brasileira72, ou seja, todos estes importantes sujeitos de direito que usufruem da livre
iniciativa, que cumprem seus fins sociais e ambientais, que atendem aos consumidores,
também atendem ao trabalhador.
Ascende então, uma grande força chamada empresa, que viabiliza o fomento da
dignidade trazida pelo trabalho e que deve recepcionar as mudanças para se aproximar das
questões sociais, notadamente da inclusão das pessoas com deficiência.
2.2 A EMPRESA NA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
O Estado Liberal teve por premissa a liberdade negocial, onde a intervenção estatal era
totalmente estranha desse contexto, a autonomia privada definiu como finalidade comercial a
obtenção de lucro e, como se não bastasse, o lucro a qualquer custo.
Como analisado em tópico anterior essa postura excludente imperou absoluta por
muito tempo, até que, após chancela constitucional, a empresa passou a protagonizar um
importante papel, tendo em vista o reconhecimento de que ela (empresa) também satisfaz as
necessidades da sociedade porque tem por fim a produção e distribuição de bens e serviços,
gerando riquezas, empregos e oportunidades aos cidadãos, cujos impactos ultrapassam o
estabelecimento em si, produzindo efeitos na sociedade a ponto de transformá-la. Esse
protagonismo exercido pela empresa a remete a uma nova posição no cenário atual, a de
sujeito de direitos e deveres perante o Estado e perante a sociedade.
Instituição dotada de personalidade jurídica, no seio da qual se organizam os
fatores da produção com vistas ao exercício de atividades econômicas ou
prestação de serviços em face dos princípios ideológicos adotados na
Constituição. No contexto de um modelo econômico que abriga princípios
de economia de mercado, a empresa, pública ou privada, assume um papel
tão preponderante e compromissos tão sérios perante a ordem jurídicoeconômica, que considerá-la simples ‘objeto’ de apropriação do Estado ou
do particular, não parece a posição mais adequada.73
Na pós modernidade a empresa tornou-se um agente transformador do sistema
produtivo e ainda da sociedade, sendo considerada sujeito de direito econômico, pois deve ser
rentável e gerar resultados econômicos viáveis, mas também social, porque é objetivo
72
SEBRAE
ESTUDOS
E
PESQUISAS
Disponível
em
http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/647A69372200E76D8325771F005EF39A/$File/NT000440A
6.pdf>Acesso em 17 nov. 2011.
73
VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense. 1993, p. 481.
52
fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sendo certo
que a empresa, por ser integrante da sociedade, é também participante e deve contribuir para o
desenvolvimento do Estado Democrático Brasileiro.
Deve ser ressaltado que a corrente clássica não reconhecia a personificação da
empresa, a considerando tão somente como um organismo destinado à atividade econômica,
tendo no empresário que a dirige, a figura pessoal.74
Mas tem-se constatado que os Tribunais, com respaldo numa interpretação sistemática
da legislação conforme a Constituição Federal consolidou o entendimento no sentido de ser a
empresa sujeito de direito e não mero objeto de direito, na medida em que a empresa exerce
importante função transformadora no âmbito econômico e social. Direitos e garantias
inerentes ao homem como a privacidade, por exemplo, abarcam a sociedade empresária, como
ocorreu quando da apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça do caso da Abecitrus75, que
postulou segredo de justiça em processo administrativo, sob pena de violação ao direito de
privacidade da empresa, o que foi concedido pelo Tribunal Superior, ante a prevalência do
direito a privacidade da empresa sobre o interesse público dos dados do processo.
A Constituição Federal de 1988 humanizou a Ordem Econômica de tal forma, que a
empresa, antes voltada para um único fim, qual seja, a obtenção de lucro, ressurge
funcionalizada, tendo como foco central das relações negociais a pessoa humana, revestida
pela sua dignidade, num viés ético, coletivo, solidário, rompendo com a figura individualista e
patrimonialista do passado liberal.76
A empresa, como sujeito de direito, é titular das relações negociais e em decorrência
da livre iniciativa, detém a liberdade para praticar todos os atos não proibidos por lei. Esse
poder de transformar trabalho em lucro exercido pela empresa, fez com que a Ordem
Constitucional a unisse com a valorização da pessoa humana, para o fim de se cooperar para a
concretização dos objetivos do Estado Democrático de Direito, considerando que esta ordem
econômica, com respaldo constitucional, tem o poder de garantir a liberdade aos sujeitos de
direito de se lançarem no mercado para exercerem livremente suas atividades econômicas,
estes tem como forma de contraprestação pelo exercício desse direito garantido pela
Constituição, o dever de valorizar a dignidade da pessoa humana.
74
SIMÃO FILHO, Adalberto. A Nova Empresarialidade. FMU Dir.: Curso Dir. Cent. Univ. Fac. Metrop.
Unidas – UniFMU, São Paulo, a.17, n. 25, p. 11-51, 2003.
75
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar 13.103/SP. Disponível em <http//:www.stj.jus.br>
Acesso em 24 set 2011.
76
NALIN, Paulo Roberto Ribeiro (coord.). Contrato & sociedade: princípios de direito contratual. vol. II.
Curitiba: Juruá, 2006. p. 20.
53
A Ordem econômica passa, então, a considerar a empresa como a mola propulsora da
atividade econômica e parceira na promoção do progresso econômico e social do país,
mormente por ter em mãos os fatores de produção capazes de satisfazer as necessidades afins
e ser instrumento transformador no meio em que se encontra.
O mercado, na atualidade, é institucionalizado pelo Direito, conforme se
infere no artigo 170 da CR, formado e informado pela Carta, no sentido de
não se limitar aos clássicos valores patrimoniais de troca e permitir a busca
de interesses diversos (existenciais). Esse direito, apresentado por
PERLINGIERI como “buon diritto”não se presta ao serviço da razão
econômica, mas ao seu adverso [...], não estando inclinado somente à
conservação da sociedade, como também à sua transformação, fato este que
contribui e promove a elevação do nível de vida social e, em nosso país,
cabe a projeção, que reduz desigualdades sociais.77
A Ordem Econômica pós Constituição Federal de 1988 é pautada pelos preceitos
solidaristas e humanistas, sendo certo que a proteção da pessoa humana é requisito primordial
para o cumprimento dos princípios e objetivos fundamentais da República, nos termos dos
artigos 1º e 3º da Lei Maior. Sendo assim, as regras constitucionais estão postas em favor da
pessoa e da sua existência, que deve ser digna, livre, ter assegurada a igualdade, segurança
etc. A pessoa passa a ser o centro das atenções nas relações negociais nesse novo cenário
econômico e social.78
Os fundamentos da função social da empresa se deram a partir do tratamento
humanista adotado pela Constituição Federal de 1988 com relação à propriedade privada e
seus fins sociais, como se observa pela dicção do artigo 170 que eleva a função social da
propriedade a princípio da ordem econômica, o artigo 182 e seguintes que tratam da política
urbana, assim como o artigo 5º, XXVI que promove o desenvolvimento da pequena
propriedade, expressando a sua função social.
Foi então que os valores constitucionais, notadamente o da finalidade social da
propriedade foram inseridos no âmbito empresarial, socializando as atividades dos meios de
produção com vistas à proteção da dignidade da pessoa humana, o que, sem sombra de
dúvida, possibilitou a mudança de foco ideológico, para o fim de consolidar a justa
democracia empresarial.
Importante considerar que a função social da empresa, como se vê no texto
constitucional, foi escolhida como meio de se promover o bem de todos. Sua observância não
77
NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Do Contrato: Conceito Pós- Moderno (em busca de sua formulação na
perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2001. p. 189.
78
Op. cit. p. 87.
54
é optativa, mas imperativa, sob pena de se inviabilizar a concretização dos direitos
fundamentais da ordem econômica e social, daí a sua importância no sistema jurídicoeconômico.
No contexto atual, a empresa passa a considerar não apenas a finalidade de lucro pura
e simplesmente, mas volta o seu olhar para todos os fatores que a integram, como seu público
interno, por exemplo, e para a sociedade que a circunda, visando os interesses da coletividade,
em observância aos princípios constitucionais que orientam as relações empresariais,
almejando o desenvolvimento social. Com isso a empresa muda seu paradigma ao reconhecer
a dignidade de todos os participantes do cenário negocial.
2.2.1 Função social da empresa
Com a humanização da ordem econômica que se deu com maior amplitude a partir da
edição da Constituição Federal de 1988, a socialização das leis de mercado ganhou relevo
jamais dado anteriormente. A funcionalização do direito e de seus institutos (res)surgiu como
uma fênix para um pleno alcance dos seus objetivos e efeitos, seja no próprio Estado, na
comunidade empresarial e na sociedade.
No entanto, algumas dúvidas podem surgir quanto a esse fenômeno da funcionalização
adotado pela Constituição Cidadã, sendo necessário visitar a obra de Nalin que esclarece com
precisão sobre o tema.
Funcionalizar, na perspectiva da Carta de 1988, significa oxigenar as bases
(estruturas) fundamentais do Direito com elementos externos à sua própria
ciência. Sociologia, filosofia, economia, antropologia, biologia, psicanálise,
história e especialmente a ética, acabam, nesse prisma interdisciplinar, se
revelando como instrumentos de análise do Direito em face de sua função,
com o objetivo de atender às respostas da sociedade, em favor de uma ordem
jurídica e social mais justa. É romper com a auto-suficiência do Direito,
hermético em sua estrutura e tecnicismo outrora mais preocupado com os
aspectos formais da (sic) regras, do princípio e do instituto, que com sua
eficácia social. Por isso, a função perseguida é a social.
Funcionalizar, sobretudo, em nosso contexto, é atribuir ao instituto jurídico
uma utilidade ou impor-lhe um papel social, ‘[...] atinentes à dignidade da
pessoa humana e à redução das desigualdades culturais e materiais.79
O que se busca com a funcionalização adotada pelo Texto Constitucional é promover a
concepção de justiça em todas as suas vertentes, (re)colocando o ser humano no centro da
79
NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Do Contrato: Conceito Pós- Moderno (em busca de sua formulação na
perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2001. p. 217.
55
questão jurídica, onde os interesses sociais devem prevalecer quando em confronto com os
individuais, num convívio harmonioso.
Sob esse prisma, observa-se que o Direito foi revisto pelo Ordenamento Jurídico ao
primar pela realização do bem comum, onde, segundo BREUS80, a funcionalização do Direito
se vincula a três pressupostos: “a transcendência do interesse a ser realizado, o dever do
sujeito de perseguir a realização desse interesse e a atribuição de poder jurídico necessário
para a realização desse interesse”.
Nesse passo, pode-se afirmar que todos os atos jurídicos tendem a gerar efeitos que
extrapolam os interesses das partes envolvidas, sendo de rigor, com base na funcionalidade e
para o seu cumprimento, a observância às regras de conduta permissivas e proibitivas, sob
pena de não se concretizar os preceitos constitucionais.
A Constituição Federal rompeu definitivamente o individualismo que permeava o
direito negocial, com a introdução de profundas mudanças, razão pela qual, deve ser
consignado que a transformação não foi de pronto incorporada em sua plenitude, sendo certo
que os civilistas à época (o regramento vigente era o Código Civil de 1916), entenderam por
bem manter-se o viés eminentemente patrimonialista e individualista do direito de
propriedade e por conseqüência, do direito de empresa - que àquele está inserido -, consoante
se via no caput do artigo 524 do Diploma Civil de 1916, o qual assegurava ao proprietário o
direito absoluto sobre a sua propriedade.
O aspecto funcional da propriedade que já estava prescrito no Texto Magno, ainda era
totalmente estranho ao Código Civil, cujas alterações foram inseridas após 14 anos, com a
introdução da Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002, conforme mudança retratada no artigo
1228, onde prescreve que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com os
fins econômicos, sociais e ambientais.
O cumprimento dos preceitos constitucionais na relação negocial vai “da indiferença à
convivência intensa”
81
. Com efeito, o exercício do direito de propriedade passou então à
obrigatoriedade de estar vinculado às suas finalidades econômicas, sociais e ambientais,
ratificando, tardiamente, os fundamentos constitucionais da função social.82
O tema função social da propriedade, porém, não foi questão inédita na Constituição
de 1988, tendo em vista que tal assunto já havia sido tratado na Constituição de 1946, época
80
BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos
Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.
117.
81
BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 367.
82
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 303.
56
em que o Brasil, motivado pelo regime assistencialista e de socialização europeu, passou a
intervir na propriedade privada, contudo essa restrição não surtiu os efeitos desejados de
justiça distributiva e bem estar social. A Constituição de 1967 também tratou sobre a função
social da propriedade, mas de forma secundária.83
Ainda não se pode esquecer de que a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6404/1976)
foi regramento nacional pioneiro em atribuir à atividade empresarial uma finalidade social e
direcionar a prática de atos socialmente responsáveis com vistas a beneficiar o público interno
e a sociedade que de uma maneira ou de outra colabora para o desenvolvimento dos bens de
produção.
Contudo, a positivação em apreço não foi incorporada como deveria pela comunidade
empresária à época, sob a pálida justificativa de ausência de definição do conteúdo da
norma84, ou seja, pela alegada falta de regulamentação da matéria não se aplicava uma
conduta condizente com a função social da empresa. Mas, verifica-se que foi a partir daí que a
semente foi plantada em solo fértil, tendo a mobilização da sociedade como adubo, o que
resultou no nascimento da efetiva preocupação com a funcionalidade e prestabilidade da
atividade empresarial na promoção da dignidade do homem, seja do proprietário dos meios de
produção, seja do trabalhador que oferece sua força de trabalho e exerce em contrapartida sua
dignidade, seja da sociedade que usufrui das práticas sociais da empresa.
A Constituição Federal foi clara ao definir a importância da utilização responsável dos
bens de produção, tendo como fim assegurar existência digna, que se instrumentaliza pelo
respeito aos interesses da sociedade e o mesmo vale para o respeito aos trabalhadores e
consumidores. Portanto, tem-se que a Lei Maior designa o conteúdo da norma, mesmo que de
forma genérica, mas suficiente para a sua aplicabilidade imediata.
As mudanças experimentadas pela sociedade reverteram a perspectiva de
outrora, deslocando a ‘primazia do individual para o coletivo; da vontade
para a norma jurídica; da liberdade para a cooperação [...]’. O homem, então,
valorizou-se não por suposta individualidade formal e egoística, mas pela
sua substância e integração na coletividade. Teve de se sintonizar com seus
(dela) interesses gerais (considerados a partir do que a maioria entende como
tais). Daí porque as atividades sociais ou econômicas das pessoas, os bens
que os complementam, as regras jurídicas, enfim, têm de ser compreendidas
pela sua ‘funcionalização’, pela sua legítima, escorreita e regular
prestabilidade jurídico-social, mediante aferição, conforme a Constituição
83
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 306/307.
TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A Função Social da Empresa. RT/Fasc. Civ Ano 92, v. 810, abr. 2003, p.
33-50.
84
57
Federal e as suas pautas axiológicas, tradutores dos fundamentos e objetivos
85
da nação brasileira.
A consolidação do viés social no cenário econômico por meio da Constituição Cidadã,
transformou a postura da propriedade privada e necessariamente da empresa, que não
abandona a geração e circulação de riquezas – porque é cediço que o crescimento econômico
e a obtenção de lucro são finalidades inerentes numa economia de mercado- mas passa a ter
um enfoque coletivo, consoante os objetivos fins previstos no Texto Constitucional, o qual
conjuga a concepção de empresa e todos os seus consectários de natureza capitalista com os
princípios da socialidade e eticidade.
O Código Civil de 2002 veio ratificar os fundamentos constitucionais ao adotar como
princípios basilares das relações jurídicas e empresariais, a eticidade, a operabilidade e a
sociabilidade.
Santos86 aponta que o resgate dos valores éticos no Ordenamento Jurídico era de rigor,
frisando que o formalismo jurídico não foi de todo abandonado, mas se compatibiliza com os
valores éticos em harmoniosa convivência.
Desta forma a empresa deve ter como pedra angular os valores éticos, tais como
exemplificados no Código Civil de 2002, em especial os artigos 113 e 422, onde
expressamente preceitua que os negócios jurídicos devem ser interpretados com base na boafé, sendo certo que o seu abuso é reprimido, nos termos do artigo 187 do mesmo Diploma
Legal.
O princípio da operabilidade expressa que o direito só terá eficácia enquanto
realizável, executável. A lei deve exprimir a realidade de um povo no seu tempo e no seu
espaço, caso contrário, de nada servirá. Infelizmente muitas leis são criadas com intuitos
nobres, mas não são concretizadas, seja por falta de conscientização da sociedade, seja por
falta de fiscalização, um exemplo é a lei que determina a disponibilização de vagas exclusivas
para estacionamento de veículos utilizados por idosos e pessoas com de deficiência nas
cidades e estabelecimentos públicos,87 para fim de promover a acessibilidade, o que por vezes
é desrespeitado por pessoas que ignoram e não observam a finalidade da norma imposta.
85
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Ética da Empresa. Revista Jurídica da Unifil,
Ano II – n. 2. Disponível em : <web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf> Acesso em 15 fev.
2011, p. 69/70.
86
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 96.
87
BRASIL.
Congresso
Nacional.
Lei
nº
10.098,
de
19
de
dezembro
de
2000.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm> Acesso em 28 jul. 2011.
58
Quanto a sociabilidade, pautou-se o legislador nas necessidades de uma sociedade em
constante evolução, onde o social predomina sobre o individual. O artigo 421 do Código Civil
bem expressa essa concepção ao determinar que a liberdade de contratar seja exercida em
razão e nos limites da função social do contrato, prevalecendo assim, os valores da
coletividade.
A sociabilidade é o contraponto do individualismo que semeou grande parte
da idade moderna, plasmando civilizações e culturas. O apego exagerado à
declaração de vontade, o tomar o indivíduo em si e por si, como se fosse
uma entidade que pudesse viver com auto-suficiência, é substituído pela
pessoa encadeada à comunidade em que atua, confundindo-se indivíduo e
meio social. Os fatores internos de cada um, já não podem ser materializados
88
sem que seja pensada a finalidade social do ato manifestado.
E é nesse contexto que a empresa se encontra, porque é fato incontestável que por
estar inserida no meio social, suas atitudes repercutem na sociedade, tendo em vista que para a
realização de seus fins, precisa contratar funcionários, fazer uso de recursos naturais, precisa
dos consumidores para adquirir os bens e serviços produzidos e circular as riquezas, ou seja,
assim como o Estado, a empresa tem o objetivo de promover o crescimento econômico
individual e conseqüentemente, o desenvolvimento social coletivo, objetivos almejados no
artigo 3º da Constituição Federal.
Segundo Nalin89, a função social, ainda tem o condão de se manifestar em dois níveis,
quais sejam, intrínseco e extrínseco, e, muito embora o viés adotado pelo autor seja sutilmente
diverso, pois trata da função social do contrato, oportuna e esclarecedora sua lição, visto que o
contrato tem entre outras funções a de instrumentalizar a atividade empresarial, assim,
perfeitamente aplicável o ensinamento da função social do contrato à empresa e suas
atividades.
A perspectiva intrínseca, como considera o autor, se refere às partes contratantes e os
princípios que as mesmas devem observar na relação jurídica, como igualdade material,
equidade e boa-fé objetiva, princípios tais que procedem da “grande cláusula constitucional da
solidariedade. Por sua vez, o perfil extrínseco, preocupa-se com os impactos em face da
coletividade advindos da relação jurídica, eis que esta passa a interessar não apenas às partes
contratantes, mas também a terceiros. Pelo que, impõe-se à empresa e aos contratantes em
88
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 99/100.
NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Do Contrato: Conceito Pós- Moderno (em busca de sua formulação na
perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2001. p. 226.
89
59
geral o cumprimento dos valores éticos e solidários dentro e fora das relações negociais,
tutelando os direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana.
Sob um prisma diverso, Santos90 aponta que o direito em todas as suas nuances, atinge
a sua finalidade social de maneira protetiva e repressiva.
[...] o direito atinge sua finalidade, ou seja, protege os atos ilícitos por meio
da emissão de mandados negativos (proibições) e também com sanções
negativas, que é o direito como aparato coativo. A finalidade do
ordenamento protetor-repressor é o uso cada vez mais freqüente de técnicas
de estímulo, e assim, quando nos damos conta desse novo fenômeno,
aparece uma nova imagem: a do ordenamento jurídico como ordenamento
com função promocional. O objetivo do ordenamento protetor-repressor é
impedir, quanto possível, a realização de atos socialmente não desejados,
enquanto no ordenamento promocional a finalidade é provocar a execução
dos atos socialmente desejados.91
A proibição de discriminação de qualquer natureza constante na Constituição Cidadã
existe porque a postura de discriminar não é aceitável na sociedade, seria, então, o meio
repressor do direito.
Já a Lei de Cotas, inserta na lei 8213/9192, em especial no seu artigo 93, que determina
a contratação pelas empresas de pessoas com deficiência, busca demonstrar que esta atitude é
justa e vai de encontro com os objetivos do Estado, mormente a promoção da dignidade da
pessoa humana, igualdade, cidadania e redução das desigualdades sociais, fomentando, assim,
a prática de atos socialmente desejados pela sociedade consciente, mesmo que de forma
coercitiva, mas conforme se verá adiante, a boa intenção da norma não surtiu os efeitos
desejados.
O intuito do regramento é a incorporação de práticas socialmente responsáveis pela
comunidade negocial e sociedade em geral, passando a constituir-se um costume inerente da
atividade empresária, o que transformaria o meio repressor do direito em finalidade
promocional de atitudes que vão de encontro com os ditames constitucionais.
A função social da empresa tem por fim romper com a concepção individualista que
imperou absoluta por décadas. Hodiernamente, a empresa segue outro rumo, onde os
interesses da coletividade se sobrepõem aos dos meramente individuais.
Contudo, não se pode olvidar que o sistema econômico ainda reluta em priorizar a
pessoa e depois o lucro, principalmente em países de desenvolvimento tardio como o Brasil
90
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 104.
Op. cit. p. 104.
92
BRASIL. Constituição Federal, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária.
6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
91
60
que em muitos segmentos não possuem estrutura suficiente para se manter competitivos,
tendo em vista que a observância dos padrões sociais, como a inclusão de pessoas com
deficiência no mercado de trabalho, requer diversos investimentos, como a questão ambiental
da acessibilidade e treinamentos específicos e diferenciados para este público.
Ocorre que o Texto Constitucional, manual supremo do Estado brasileiro, numa
interpretação sistemática, estabelece que é dever de todos cooperarem para o bem comum,
com o fim de promover a igualdade substancial e efetiva dignidade não apenas da pessoa, mas
de toda a nação, como expressamente se denota no dever de se cumprir a função social da
propriedade. Desta feita, para a efetiva promoção dos objetivos-fins da República Federativa
do Brasil, não apenas o Estado tem o dever de tutelar os direito e garantias constitucionais,
mas também todos aqueles que o integram, do que não escapa a empresa.
A mudança de paradigma da empresa ao conciliar a geração e circulação de riquezas,
criação e manutenção de empregos, maximização de lucro, pagamentos de tributos com os
princípios orientadores da eticidade, socialidade e da boa-fé, sem prejuízo dos valores
basilares da pessoa humana, potencializará a democracia empresarial adjetivando a empresa
de socialmente responsável, cumpridora de sua função social prescrita na Constituição
Cidadã.
2.3 RESPONSABILIDADE ÉTICA E MORAL DA EMPRESA E A INCLUSÃO DE
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Apesar da visão humanizada construída com fundamento na Constituição Federal pela
empresa contemporânea – tema já abordado - não se pode negar que a economia global
modificou a estrutura do capitalismo, uma triste realidade foi que se acentuaram as diferenças,
distanciando os países mais ricos dos mais pobres, ante as desigualdades econômicas, sociais
e políticas daí decorrentes entre ambos os blocos.
As empresas que passam a imperar o mercado são as denominadas transnacionais
(diferente das multinacionais, na busca de melhores preços e menos burocracia, contratam
prestadores de serviços e não empregados assalariados com direitos garantidos pela legislação
local). Além disso, usufruem de regras maleáveis em todos os sentidos, permitindo maior
liberdade de expansão nos países estrangeiros93. Culminou-se, assim, no poderio de uma
minoria sobre a maioria.
93
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006, p. 425.
61
A globalização trouxe muito crescimento, mas, em contrapartida, emergiu a
vulnerabilidade dos países com desenvolvimento tardio. Sendo certo que as empresas
nacionais, vivem em constante mudança para tentar se manter competitivas, passam a reduzir
ao máximo seus custos, atingindo principalmente escala mais frágil nesse contexto, a mão de
obra assalariada.
Essa postura excludente e seu desenvolvimento ao longo da história é delineada por
Comparato94, pois com maestria o autor faz um giro nos séculos passados, relatando que esse
modo de conduzir os negócios e a vida social, vem sendo moldado de forma organizada,
desde o século XVI, consolidando-se a partir da Revolução Industrial.
Os pensamentos que emergiram à época era no sentido de que os fins justificavam os
meios, em outras palavras, tudo era válido para se alcançar o poder e a riqueza e, ao valorizar
apenas os interesses individuais, a ética foi preterida ante a vigência da “lei do mais forte”. A
explicação para tal postura tinha respaldo no exclusivo e desprezível egoísmo, porque a
pregação era de que agindo assim os interesses da coletividade seriam naturalmente
satisfeitos.
Concomitantemente à evolução do “capitalismo selvagem” e seus efeitos, desenvolvese, também há séculos, uma marcha também organizada pela solidariedade mundial, em busca
do respeito à igualdade de todos com vista a uma vida digna. John Locke, no final do século
XVII já sustentava que os direitos individuais deveriam ser respeitados pelas autoridades de
forma irrestrita. Rousseau, no século XVIII, com um discurso mais elaborado, afirmou que a
soberania pertencia somente ao povo, mas o seu exercício não poderia ser delegado, sob pena
de tornar-se ilegítimo. Segundo Rousseau, o exercício da igualdade conduzia à liberdade.
Kant, depois Hegel e por derradeiro Mahatma Gandhi, foram estudiosos que influenciaram
sobremaneira o resgate dos valores éticos e a evolução dos direitos humanos95, sem embargo
de tantos outros conhecidos e anônimos que certamente contribuíram para o progresso desse
movimento ético.
Valioso exemplo disso é a Primeira Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do
Cidadão aprovada no final do século XVIII, com o que a Europa selou o compromisso com a
preservação e garantia dos direitos individuais, dando início à sua afirmação no decorrer da
história, como se observa pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em
94
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006, p. 431.
95
Op. cit. p. 434/435.
62
1948, após a devastação causada pelas guerras mundiais, onde reacendeu a necessidade de se
dignificar o homem e sua vida.96
Todavia, numa análise comparativa, observa-se que o desenvolvimento do respeito aos
direitos do homem, notadamente a dignidade e igualdade das pessoas com deficiência, não
conseguiu acompanhar na mesma proporção a dominação econômica globalizada, contudo,
como visto, não sucumbiu a ela, dando azo ao conhecimento e consciência ética,
gradualmente deu-se início aos princípios éticos como normas de conduta da humanidade.
E a empresa não ficou alheia a essa tendência que cresceu sem precedentes, exercendo
influência inclusive sobre todo o processo econômico e para se adequar ao “novo” sistema,
imprescindível a mudança de postura empresarial, onde a finalidade única sempre foi o lucro,
muda-se o foco para o desenvolvimento dos padrões éticos e morais, alterando-se a pedra
angular dessa construção econômico-social para o respeito à dignidade humana.
Por óbvio que o trabalho se traduz em uma das formas de se exercer a dignidade do
homem, como direito à sua subsistência e à cidadania. Com efeito, pelo princípio da
igualdade, não poderia ser diferente com as pessoas com deficiência, por serem cidadãs como
quaisquer outras, mas as dificuldades encontradas por estas em especial na oportunidade de
emprego vão desde o vergonhoso preconceito à falta de qualificação para a efetiva inclusão.
E, inobstante a Constituição Federal já tenha tratado de vedar a discriminação de
qualquer natureza das pessoas com deficiência, inclusive pertinente a critérios de admissão no
mercado de trabalho e salários, com o fito de incluir socialmente essa categoria de pessoas,
nos termos do inciso XXXI do artigo 7º, além de regramento infraconstitucional para
regulamentar o comando constitucional, como visto no artigo 93 da lei 8213/91, que dispõe
sobre a específica reserva de mercado (lei de cotas para deficientes nas empresas), muito
ainda precisa ser feito e assimilado por todos os sujeitos da Ordem Econômica brasileira, para
que o exercício da dignidade dessas pessoas seja realmente concretizado de forma justa e
igualitária para todos.
A positivação dos direitos e garantias, não obstante sua necessidade na organização da
nação é insuficiente para a realização da ética empresarial, isso porque “a norma ética, por
mais excelente que seja, não tem real vigor ou vigência [...], se não estiver viva na consciência
96
BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos
Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.
162/163.
63
dos homens, ou seja, se não corresponder a uma disposição individual e coletiva de viver
eticamente.”97
Adela Cortina98 ensina que a escolha pela prática constante de atitudes justas e
prudentes na vida cotidiana e aqui em especial na comunidade empresária, fará com que a
justiça e a prudência sejam inseridas gradual e naturalmente nas decisões. Pelo que, quando a
empresa decide mudar sua postura, adquirindo práticas sustentáveis, dificilmente atuará em
sentido contrário, pois já terá se acostumado a agir de forma socialmente responsável.
Assim, como já lembrado, se faz necessária uma inversão dos valores empresariais,
onde as práticas das empresas e consequentemente de seus gestores devam ser pautadas na
moralidade, em observância às normas éticas.
Este tipo de gestor ‘moral’, mantendo as preocupações quanto aos objectivos
de ordem econômica, orienta a sua actuação, e as decisões empresariais
subseqüentes, segundo padrões éticos (e, obviamente, legais), como a
equidade, a justiça e a não-discriminação. Pode afirmar-se, porém, que a
principal questão para o administrador que tem preocupações desta natureza
não é apenas detectar os empregados (incluindo quadros superiores) com
comportamentos não-éticos. De facto, a supervisão do cumprimento de
regras, ainda que necessária, não assegura uma conduta ética nos negócios.
Então, a prioridade de todo o líder empresarial é concentrar-se não apenas
naquilo que não deve ser feito, mas também, naquilo que é positivo para a
empresa e para a sociedade. Isto é, uma postura ‘proactiva’, no plano moral e
econômico, influenciando activamente o comportamento ético na empresa
[...].99
Além de cumprir a sua função social, a empresa passa a ter como regra de conduta a
responsabilidade ética para com o seu público interno e com a sociedade onde está inserida,
considerando ser a empresa um sujeito de direito com natureza econômica, social e jurídica ou
conforme Hentz100, com respaldo em Asquini, por ter a empresa um perfil poliédrico,
necessário então, adotar-se uma consciência coletiva, onde o lucro passa a ser um requisito e
não o objetivo maior buscado, na medida em que as transformações sociais de forma gradual,
mas enfática, tem levantado a bandeira da justiça social a ponto de se exigir um universo
97
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006, p. 497.
98
CORTINA, Adela. Ética de la Empresa. Disponível em < http://negociosyemprendimiento.com/etica-de-laempresa-por-adela-cortina-orts/> Acesso em 26 jul 2011.
99
NUNES, Cristina Brandão. A Ética Empresarial e os Fundos Socialmente Responsáveis. Porto: Vida
Econômica, 2004, p. 72.
100
HENTZ, Luis Antonio Soares. A teoria da empresa no novo Direito de Empresa. Jus Navigandi, Teresina,
ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3085>. Acesso em: 21
maio 2010.
64
humanizado, principalmente no contexto econômico, onde o histórico de desigualdade é sem
precedentes.
Por conta disso, existe um avanço da comunidade empresarial preocupada com a sua
credibilidade na construção de códigos que regulamentam a postura ética da empresa a ser
seguida101, cuja força obrigacional é idêntica aos acordos e convenções coletivas e por isso
fazem lei entre as partes. Nesse caso, a ética empresarial se vincula aos códigos de conduta,
trazendo maior efetividade aos preceitos da dignidade da pessoa humana e consequentemente,
da democracia.
2.3.1 O direito ao trabalho da pessoa com deficiência como garantia da cidadania e os
entraves na sua efetivação
Quando se trata de questão envolvendo pessoa com deficiência, resta evidente que a
promoção de sua inclusão no mercado de trabalho constitui o fio condutor para a sua inserção
na sociedade, propiciando o exercício da dignidade e cidadania. Considerando o grau de
desigualdade existente há séculos, justifica-se, a princípio, a proteção jurídica de tal categoria
de pessoas pela reserva de mercado, na busca de corrigir a exclusão social que sempre foi uma
triste realidade.
Uma reflexão acerca da evolução desse tema se faz imperiosa, notadamente porque
sempre existiram pessoas com deficiência e a cada época da história lhes era dispensado um
tipo de tratamento, desde o extremismo da antiguidade que ora as eliminavam por
constituírem óbice ao bom andamento do grupo, como na Roma antiga, onde o regramento
(Lei das XII Tábuas) previa a autorização aos pais para matarem seus filhos recém nascidos
quando constatada alguma deficiência, ora as protegiam por serem vistas como semideuses,
como em Atenas, por exemplo, que as pessoas com deficiência eram sustentadas pelos demais
integrantes da polis.102
Sob a influência do Cristianismo, a idade média foi a época do assistencialismo
predominante às pessoas com deficiência, muito embora em alguns momentos, entendia-se
que a epilepsia, por exemplo, era manifestação demoníaca.
101
CORTINA, Adela. Ética de la Empresa. Disponível em < http://negociosyemprendimiento.com/etica-de-laempresa-por-adela-cortina-orts/> Acesso em 26 jul 2011.
102
GUGEL, Maria Aparecida, CASAGRANDE, Cássio Luis. A inserção da pessoa portadora de deficiência e
do
beneficiário
reabilitado
no
mercado
de
trabalho.
Disponível
em
<http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/doutrina/id250.htm>. Acesso em 21 mai 2011.
65
As concepções de liberdade, igualdade e fraternidade, advindas do pensamento que
respaldou a Revolução Francesa, foi um marco que deu início à proteção jurídica das pessoas
com deficiência, principalmente o seu acesso ao trabalho, mas pouco foi efetivamente feito,
ante a esmagadora exclusão da maioria, que por óbvio era a mais vulnerável social e
economicamente.
Inobstante essa realidade, foi nessa época (pós revolução francesa), que vários
inventos surgiram para o fim de facilitar o acesso e a vida das pessoas com deficiência, como
a cadeira de rodas, bengalas, muletas, próteses, veículos adaptados, o Código Braille, entre
outros.103
Mas foi somente após a Segunda Guerra Mundial, em meio aos reflexos ocasionados
pelo nazismo e fascismo, além dos mutilados regressos do combate, é que a Assembléia Geral
da Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), dando início a preocupação universal com a garantia de existência digna a
toda a humanidade sem qualquer distinção.
A lei foi considerada o mecanismo hábil a proteger todas as pessoas, (aqui em especial
aquelas com deficiência), para o fim de conduzir o exercício da cidadania. Com todo o efeito,
a promoção e o acesso ao trabalho às pessoas com deficiência sempre foi motivo de
preocupação da comunidade internacional e a partir da Declaração dos Direitos Humanos,
vários outros documentos foram celebrados com vistas à proteção universal das pessoas,
como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, onde o
Brasil o ratificou em 1992, tendo por objeto a garantia a todos ao trabalho e remuneração
justos. Em 1971, o primeiro instrumento específico à garantia das pessoas com deficiência foi
a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental, o qual entre vários direitos assegurados há a
oportunidade – quando possível – do acesso ao trabalho. Em 1975 a ONU aprovou a
Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, estabelecendo a proteção econômica e social
com a geração de oportunidade a um emprego decente.104
Também em 1975, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, tratou pela
primeira vez da questão do direito ao trabalho das pessoas com deficiência, na recomendação
nº 99, mas foi a Convenção nº 159/1983, inclusive ratificada pelo Brasil em 1990, que
mobilizou de forma ascendente a necessidade da inclusão no mercado de trabalho das pessoas
103
GUGEL, Maria Aparecida, CASAGRANDE, Cássio Luis. A inserção da pessoa portadora de deficiência e
do
beneficiário
reabilitado
no
mercado
de
trabalho.
Disponível
em
<http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/doutrina/id250.htm>. Acesso em 21 mai 2011.
104
PIOVESAN, Flávia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de Carvalho (coord.). MONTAL, Zélia Maria
Cardoso. O Trabalho como Direito Humano da Pessoa com Deficiência. In Direitos Humanos e Direito do
Trabalho.São Paulo: Atlas, 2010, p. 179.
66
com deficiência, tratando da habilitação e reabilitação profissional dessas pessoas,
assegurando a todos a igualdade de oportunidades com vista à inclusão social no mercado de
trabalho.
No plano nacional, a Constituição Federal de 1946 inaugurou, mesmo que sumaria e
indiretamente, a tutela das pessoas com deficiência, ao tratar do direito previdenciário das
pessoas que em decorrência de doenças tornavam-se “inválidas”.
Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos
seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos
trabalhadores:
[...]
XVI - previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do
empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença,
da velhice, da invalidez e da morte;105
A preocupação com questões sociais tem início com a promulgação da Constituição de
1946, na medida em que se organizava um regime democrático no país, contudo, o tratamento
dispensado às pessoas com deficiência era meramente assistencialista e a igualdade prevista
era formal, pois não se editou leis infraconstitucionais específicas sobre a tutela dessa
categoria de pessoas.
A Constituição de 1967, decretada no período da ditadura militar, nada apresentou
sobre os direitos das pessoas com deficiência. A Emenda Constitucional 01 de 1969 trouxe
pela primeira vez e de forma direta a tutela da educação dos excepcionais, em seu artigo 175,
parágrafo quarto.106
A Emenda Constitucional 12 de 1978, em seu artigo único, estendeu os direitos das
pessoas com deficiência ao assegurar à estas, melhor condição social e econômica, pela
educação, reabilitação para serem reinseridos econômica e socialmente, a proibição de
discriminação e a acessibilidade a edifícios e logradouros públicos.
Artigo único. É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social
e econômica especialmente mediante:
I - educação especial e gratuita;
II - assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País;
105
BRASIL, Presidência da República. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946).
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm> Acesso em 28 fev.
2012.
106
BRASIL, Presidência da República. Emenda Constitucional n. 1, 1969. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm> Acesso em 28
fev. 2012.
67
III - proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou
ao serviço público e a salários;
IV - possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.107
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal à época, promulgaram mencionada
Emenda Constitucional com um único artigo, mas responsável por estrear a proteção das
pessoas com deficiência de forma ampliada, abrangendo os eixos principais a possibilitar o
exercício da dignidade da pessoa com deficiência, como a educação, a reinserção econômica e
social, que deu substrato posteriormente à inclusão social no mercado de trabalho, além da
preocupação em proibir a discriminação desse grupo de pessoas.
A promulgação da Emenda Constitucional 12/1978, foi reflexo da Declaração dos
direitos das pessoas portadoras de deficiência de 1975 que, como já citado, estabeleceu a
proteção econômica e social das pessoas com deficiência.
Isso significa que a conexão entre mudança social e mudança na teoria e na
prática dos direitos fundamentais sempre existiu; o nascimento dos direitos
sociais apenas tornou essa conexão mais evidente, tão evidente que agora já
não pode ser negligenciada. Numa sociedade em que só os proprietários
tinham cidadania ativa, era óbvio que o direito de propriedade fosse levado a
direito fundamental; do mesmo modo, também foi algo óbvio que, na
sociedade dos países da primeira revolução industrial, quando entraram em
cena os movimentos operários, o direito ao trabalho tivesse sido elevado a
direito fundamental. A reivindicação do direito ao trabalho como direito
fundamental – tão fundamental que passou a fazer parte de todas as
Declarações de Direitos contemporâneos.108
A transformação da sociedade e a mudança de postura, foi responsável pela evolução
nos direitos das pessoas com deficiência, principalmente ante a carga valorativa da
Declaração de 1975, cujo objetivo se traduz no desenvolvimento econômico e social desse
grupo, gerando efeitos no ordenamento jurídico.
A Constituição Federal de 1988 revestiu os mesmos direitos já positivados pela
Emenda Constitucional 12/1978, com princípios e regras fundantes espalhados pelo texto
constitucional e essa nova roupagem tem “um novo perfil, paternalista em alguns momentos,
moderno e efetivo, em outras passagens.” 109
107
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Emenda Constitucional n. 12, 1978. Disponível em
<http://www2.camara.gov.br/legin/fed/emecon/1970-1979/emendaconstitucional-12-17-outubro-1978-366956publicacaooriginal-1-pl.html> Acesso em 01 out. 2011.
108
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, p. 91.
109
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. 4 ed., rev., ampl. e
atual. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, 2011. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/protecao_const1.asp> Acesso em 20 fev. 2012.
68
Isso porque a positivação dos direitos das pessoas com deficiência não é suficiente
para a sua plena inclusão social. O paternalismo se faz presente, por exemplo, nas ações
assistencialistas, como os benefícios previdenciários, além da obrigatória reserva de mercado
às pessoas com deficiência. O perfil efetivo e moderno se traduz no direito à educação
inclusiva, à acessibilidade, com vistas à liberdade de escolha de seus próprios caminhos.
A república preserva os bons valores e as boas instituições já existentes na
sociedade, mas procura sempre transformá-la em função de certos objetivos
considerados fundamentais. O espírito republicano é uma exigência
permanente de aperfeiçoamento ético da comunidade.
É no sentido desse processo de permanente otimização da vida em
sociedade, que deve ser entendida a noção de desenvolvimento nacional ou
mundial. Ele se orienta, sempre, em função de três objetivos fundamentais: o
crescimento econômico sustentável, a equalização das condições básicas de
vida para todos e a participação efetiva do povo nas grandes decisões
políticas.110
Considerando que a ordem jurídica abandonou o velho e egoísta estigma
patrimonialista para assumir uma postura mais humanizada, o qual, por força dos preceitos
constitucionais, a pessoa humana foi colocada no palco central do sistema, a ascensão dos
direitos fundamentais do homem como forma de realização da democracia, atingiu todos os
espaços que compõem o contexto político, econômico e social, com a introdução de inegáveis
e estruturais mudanças. Volta-se o olhar para a importância do homem na sociedade, a
satisfação de suas necessidades existenciais e principalmente na sua capacidade de somar
forças instrumentalizadoras para o progresso econômico e social do país.
Em observância aos preceitos constitucionais da garantia aos direitos das pessoas com
deficiência, a Lei 7.853/89 foi criada para definir a Política Nacional para a Integração da
Pessoa com deficiência. O regramento em questão dispõe sobre normas gerais que garantem o
exercício dos direitos individuais e coletivos das pessoas com deficiência com a sua
integração social, disciplinando ainda sobre a educação inclusiva, a criação de programas na
área da saúde, apoio e garantia de inclusão social pela reserva de mercado, capacitação
profissional e acessibilidade, entre outros.
O artigo 93 da Lei 8.213/91 regulamentou o artigo 2º, inciso III, “d”, da Lei 7.853/89,
ao especificar sobre a reserva de mercado às pessoas com deficiência nas empresas da
iniciativa privada. A Lei de Cotas, como é conhecida, foi criada com o intuito de amenizar a
110
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006, p. 621.
69
desigualdade histórica sofrida pelas pessoas com deficiência, onde a empresa é considerada
cooperadora do Estado e sociedade.
O Decreto 3.298/1999 que regulamentou a Lei 7.853/89 de maneira mais abrangente,
tratou dos objetivos e mecanismos para a não discriminação e fomento da igualdade de
oportunidades.
A lei de cotas se traduz numa política pública que tem por objetivo a promoção de
emprego às pessoas com deficiência. Todavia, o problema das pessoas com deficiência não se
soluciona pela mera reserva de mercado, na medida em que a falta de oportunidades
anteriores ao emprego obstam a efetivação da lei, como por exemplo, a falta de acesso a
saúde, educação, transporte e qualificação dignos.
Essa forma de incentivar a inclusão da pessoa com deficiência foi positivada em
Portugal, podendo citar como exemplo a Lei 38/2004 que estabelece cotas para a contratação
de trabalhadores deficientes tanto na iniciativa privada, como na pública. O Código do
Trabalho Francês, em seu artigo L323-1, prevê regra similar. Na Alemanha e na Áustria, além
da reserva de mercado, o setor empresarial contribui para um fundo de participação que
capacita das pessoas com deficiência. No Peru, a Lei Geral da Pessoa com Deficiência,
garante benefícios não somente para as empresas que contratam pessoas com deficiência, mas
também para estas que se dispõem a trabalhar. Dentre os benefícios, pode-se mencionar as
facilidades de obtenção de créditos e financiamentos, preferência nos procedimentos
licitatórios, bem como dedução da renda bruta de uma percentagem das remunerações paga às
pessoas com deficiência.111
Numa análise comparativa, pode-se observar que o arcabouço de leis no Brasil
ultrapassa o dos demais países, inclusive tendo à disposição regramentos avançados seja no
âmbito
constitucional,
instrumentos
internacionais
já
ratificados,
seja
legislação
infraconstitucional, tudo para o fim de abranger de forma plena os direitos das pessoas com
deficiência. Pelo que, pode-se afirmar que se não todos, a grande maioria dos direitos e
interesses das pessoas com deficiência estão positivados no sistema jurídico brasileiro.
No entanto a exclusão social é tema da ordem do dia em pleno século XXI, sendo
certo que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, não é tanto o de
justificá-los, mas o de protegê-los” 112. Lamentavelmente, pode-se afirmar que esse rol de leis
111
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. A Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de
Trabalho.2 ed. – Brasília: MTE, Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT, 2007.
112
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004.
70
que protegem as pessoas com deficiência, por si só, não é capaz de concretizar a cidadania
dessa classe de pessoas.
A intolerância, o preconceito, como é cediço, não são dissipados com a simples
promulgação de leis. É preciso tomar posições, claro com esteio no Ordenamento Jurídico,
capazes de transformar as relações sociais com a promoção da inclusão, acarretando a
autonomia das pessoas com deficiência e consequentemente a dignidade humana, fundamento
do Estado Democrático.
Há empresas que cumprem o seu papel no âmbito da acessibilidade e inclusão social, a
título de exemplo, cita-se o caso da Unimed Paulistana, IBM, Usiminas, Itaú, Unibanco,
TAM, Coca-Cola e HSBC que criaram programas para a inclusão social do trabalhador com
deficiência e capacitação para a sua recolocação no mercado, o que por óbvio engrandece a
imagem da empresa e acima de tudo, cumpre o seu papel funcional prescrito na Lei
Magna.113, outras, porém, não conseguem atender aos ditames da lei.
As dificuldades vão desde a concepção equivocada da inclusão social à ausência de
trabalhadores com deficiência para assumirem uma função laboral, isso por inúmeras razões,
como a falta de transporte adaptado para se chegar ao posto de trabalho, incapacitando a
pessoa com deficiência à oportunidade de um emprego.
Não basta a mera contratação, há que haver trabalho, inclusão na empresa, o
que implica uma mudança atitudinal do empregador e dos demais
trabalhadores não deficientes. Trata - se de ação afirmativa que se reflete
diretamente na célula jurídica interpessoal e dirige o próprio impulso
contratual.114
O alicerce do trabalho e da inclusão social das pessoas com deficiência está na
igualdade de oportunidades, imperativo constitucional por tratar-se de direito fundamental e
sob esse prisma deve ser observado, voltando-se as ações de inclusão das pessoas com
deficiência mediante o trabalho para primeiramente a solução dos problemas existentes nas
empresas, como por exemplo, os estruturais que imposssibilitam o acesso físico das pessoas
com deficiência e os atitudinais tanto da comunidade empresária como de seus funcionários.
113
TERRA, Reportagem de Marina Pita. Feira em SP leva 7 mil vagas de emprego para deficientes. Disponível
em<http://invertia.terra.com.br/terra-dadiversidade/noticias/o,,OI5082608EI17840,00Feira+em+SP+leva+mil+vagas+de+emprego+para+deeficientes.ht
ml> Acesso em 18 abr 2011.
114
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos
humanos:
o
direito
do
trabalho,
uma
ação
afirmativa.
Disponível
em
<http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2423/2/TESE_PRONTA_E_REVISADA.PDF> Acesso em 05
dez. 2011.
71
Não é a pessoa com deficiência que precisa se adaptar ao local de trabalho para então
ser incluída socialmente, mas o ambiente e as pessoas sem deficiência é que se adaptam para a
concretização da efetiva inclusão. Daí porque a existência da positivação dos direitos em
referência de nada serve se a busca por sua concretização não se realizar por meio do Estado,
da iniciativa privada, da sociedade e da própria pessoa com deficiência, onde cada qual tem a
sua cota de responsabilidade, como será tratado no capítulo seguinte.
Antes de adentrar ao terceiro capítulo, pertinente ressalvar que no tocante ao papel do
Estado na inclusão social, será necessária uma abordagem detida acerca das políticas públicas
existentes voltadas para as pessoas com deficiência e sua inclusão no mercado de trabalho e
uma crítica quanto a sua efetivação, bem como a postura da sociedade a respeito, para em
seguida analisar como a empresa cumpre o seu mister de co-participante na promoção da
inclusão social como fio condutor da democracia.
72
3.POLÍTICAS
INCLUSIVISTAS
PARA
PESSOAS
COM
DEFICIÊNCIA:
INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E EMPRESA
Os direitos fundamentais, em especial o direito à igualdade de oportunidades das
pessoas com deficiência para o exercício de uma vida digna, impõem, por força
constitucional, a criação de condições para a sua realização, o que se instrumentaliza, a
princípio, por meio de ações ou políticas implementadas pelo Estado.
Aqui se faz premente uma ressalva, na medida em que não há como tratar de inclusão
social no mercado de trabalho para pessoas com deficiência, sem adentrar ao tema “políticas
públicas”, bem como buscar subsídios em disciplina diversa, como no Serviço Social, pois, no
tocante a políticas públicas, muito embora esta se refira a programas de ações
governamentais, é cediço que a participação de outros atores, como a sociedade civil e a
empresa, tem um papel fundamental para o sucesso dessas ações, consolidando assim os
escopos constitucionais da vigente ordem jurídica instituída com o advento da Constituição
Federal de 1988. Já com relação a interdisciplinaridade do Direito com o Serviço Social tem
sua importância na construção do conhecimento e na busca de inovação.
Se o Estado Constitucional significa a refundação de uma ordem
constitucional pautada na supremacia da Constituição, na força normativa
vinculante dos princípios e dos Direitos Fundamentais e na consolidação de
um Estado como instrumento de efetivação de um modelo substancial de
justiça, pautado pelas normas constitucionais, é necessária a formação de ma
estrutura capaz de efetivamente concretizar essa nova ordem. E essa
estrutura deve englobar uma atuação do Estado e uma plena e conjugada
participação da sociedade civil. [...] A ação estatal, que congrega a
participação popular na tomada de decisão política, recebeu ampla referência
na Carta Constitucional de 1988, que buscou promover uma descentralização
do Poder Público e a promoção de uma regulação social das políticas, com o
escopo de possibilitar uma efetiva interação entre a sociedade civil e o Poder
Público, tanto no sentido da cooperação quanto no planejamento, no
monitoramento e na avaliação das políticas públicas.115
A promoção da dignidade da pessoa humana, como antes demonstrado, é um dos
objetivos do Estado brasileiro e por isso dá substrato à atuação estatal via políticas públicas.
Já a interação da sociedade civil na realização de políticas inclusivistas, em especial da
empresa, é conseqüência do lugar conquistado por ela (empresa) ao longo do tempo, na
medida em que foi alçada a sujeito de direito, mola propulsora do progresso econômico, pois
115
BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos
Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 206.
73
geradora de emprego, renda, riquezas e em contrapartida, recebeu como dever, por força
constitucional, a observância de sua função social.
No entanto, isso não quer dizer que o Estado transfere para a iniciativa privada a
responsabilidade da proteção dos direitos fundamentais, mas há, nos termos de Gesta Leal116
uma “reconformação” dos compromissos constitucionais, onde a construção e concretização
dos direitos fundamentais deve ser compartilhada quando assim necessário para a construção
de uma sociedade efetivamente justa, solidária, fraterna e desenvolvida econômica e
socialmente.
A participação da empresa na realização das políticas do Estado voltadas para as
pessoas com deficiência aumenta a cada dia, tendo em vista que é a empresa a maior
responsável pela contratação e manutenção de trabalhadores e como já estudado, o trabalho é
considerado uma das formas de se promover o exercício da dignidade humana ao promover a
acessibilidade em todas as áreas e possibilitar a fruição da igualdade substancial.
Sob essa perspectiva é que passa-se a demonstrar as ações nacionais tendentes a
proporcionar a inclusão social das pessoas com deficiência, mais especificamente no âmbito
laboral, foco da pesquisa, para em seguida analisar criticamente os limites e possibilidades na
efetivação dessas políticas inclusivas.
3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS VOLTADOS PARA A INCLUSÃO SOCIAL
DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
3.1.1 Políticas de integração e políticas de inclusão: do modelo médico da deficiência ao
modelo social da deficiência
Antes de adentrar ao tema políticas públicas, oportuno conceituar o que seja
integração e inclusão social de pessoas com deficiência, pois muitos autores utilizam tais
termos como sinônimos, quando na verdade não são. A idéia de integração está relacionada
com o modelo médico da deficiência, onde a pessoa com deficiência era vista como doente e
necessitava de tratamento especial para ser curada, tratada ou reabilitada para após ser
inserida na sociedade, ou seja, a pessoa com deficiência precisava se adequar à sociedade.
A integração tinha e tem o mérito de inserir a pessoa com deficiência na
sociedade, sim, mas desde que ela esteja de alguma forma capacitada a
116
LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficaciais dos direitos fundamentais sociais: os desafios
do poder judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 76.
74
superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existentes. Sob a
ótica dos dias de hoje, a integração constitui um esforço unilateral tão
somente da pessoa com deficiência e seus aliados (a família, a instituição
especializada e algumas pessoas da comunidade que abracem a causa da
inserção social), sendo que estes tentam torná-la mais aceitável no seio da
sociedade. Isto reflete o ainda vigente modelo médico da deficiência.117
Compreende-se que a integração, embora ainda esteja vigente, não supre plenamente
as necessidades de todas as pessoas com deficiência, porque tem como principal conceito a
dependência da pessoa advinda do modelo médico, já citado, onde esta é considerada como
doente, necessitando se adequar à realidade da sociedade. Já a inclusão social apresenta-se
mais abrangente, tendo em vista ser uma via de mão dupla, na medida em que a sociedade
precisa se preparar para receber as pessoas com deficiência.
Conceitua-se a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se
adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com
deficiência (além de outras) e, simultaneamente, estas se preparam para
assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um
processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam,
em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a
equiparação de oportunidades para todos.118
A inclusão social é um mecanismo de transformação e superação nas mais variadas
áreas pela cooperação, tanto do Estado, como da sociedade e das pessoas com deficiência, o
que já é uma realidade no país. Nele o modelo social da deficiência é que predomina, ou seja,
os problemas para a incapacidade ou dificuldades para a geração de oportunidades em prol
das pessoas com deficiência podem estar na própria sociedade, seja em virtude de ambientes
inacessíveis, posturas discriminatórias entre outras.
Por certo que o método da integração não perdeu sua importância, pois em muitos
casos, somente este processo é suficiente para a participação da pessoa com deficiência, mas
resta demonstrado que a maioria necessita do processo de inclusão.
Atualmente o país encontra-se em fase de transição entre a integração e a inclusão,
pelo que a evolução demonstrará que a integração diminuirá até o ponto de não mais existir,
prevalecendo a inclusão que é dotada de maior amplitude.119 Isso porque a inclusão prima
pela valorização da diversidade, alterando não só os ambientes, mas as atitudes da sociedade,
117
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed,
2010, p. 33.
118
Op. cit. p. 39.
119
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A sociedade inclusiva e a cidadania das pessoas com deficiência.
Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/> Acesso em 13 dez. 2011.
75
o que é muito positivo e cumpre os preceitos constitucionais da construção de uma sociedade
justa e solidária.
3.1.2 Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência
Retomando o assunto políticas públicas, de rigor salientar que o fundamento para a sua
implantação encontra-se em especial no artigo 3º da Constituição Federal, o qual preceitua ser
objetivo do Estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Há, portanto, uma
obrigação por parte do Estado em cumprir os objetivos da Lei Maior, implementando ações
por meio de serviços à população que sejam suficientes e eficazes para o bem da coletividade.
Neste contexto, o serviço público assume um aspecto instrumental, no
sentido que se presta como meio hábil à realização dos fins da comunidade,
demarcados pelos objetivos, finalidades, valores e princípios da Carta
Política e mesmo de todo o sistema normativo, vinculando tanto Estado,
Mercado como Sociedade a tais misteres.120
A realização dessas ações públicas não cabe apenas ao Estado, embora este tenha a
maior cota de responsabilidade, nos termos da Constituição Federal, mas a outros
responsáveis, como no caso, a empresa e a sociedade.
A lei 7.853 de 24 de outubro de 1989 traçou diretrizes acerca dos direitos da pessoa
com deficiência, criando a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência – CORDE, para o fim de tutelar os interesses dessa classe de pessoas,
assegurando o pleno exercício dos direitos individuais e sociais.
Trata-se de uma política pública de integração das pessoas com deficiência no meio
social e econômico, que apresenta instrumentos legais para assegurar igualdade de
oportunidades às pessoas com deficiência e também de tratamento, seja na acessibilidade, na
educação, saúde, trabalho, lazer, previdência social entre outros direitos já previstos à todos os
cidadãos pela Constituição Cidadã.
Após dez anos, com o advento do Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999, é que se
regulamentou essa Política Nacional, fixando normas e conceituações sobre proteção,
organização, assistência, formas de incentivo à acessibilidade da pessoa com deficiência em
relação à educação e ao trabalho.
120
LEAL, Rogério Gesta Leal. Impactos econômicos e sociais das decisões judiciais: aspectos introdutórios.
Brasília:
ENFAM,
2010.
P.
271.
Disponível
em
<http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1768> Acesso em 02 mar. 2012.
76
São princípios do referido instrumento: “1) desenvolvimento de ação conjunta entre
Estado e sociedade; 2) mecanismos e instrumentos legais e operacionais atinentes ao pleno
exercício de direitos; e 3) respeito.”121
A ação conjunta entre o Estado e a sociedade e aqui deve-se incluir a comunidade
empresária é de suma importância, porque a inclusão das pessoas com deficiência se dá no
âmbito social e econômico, daí ser imperiosa a vinculação articulada, onde cada um exerce
uma função específica com a busca do resultado inclusivista.
O decreto 3298/99 tem por escopo dar concretude ao direito fundamental da dignidade
da pessoa humana pela igualdade de oportunidades e para isso ações no âmbito da saúde,
educação, trabalho, assistência social entre outros, são meios de realizar a inclusão das
pessoas com deficiência.
O respeito previsto no decreto regulamentador da política nacional de integração da
pessoa com deficiência é princípio que antecede a própria legislação, na medida em que tratase de uma condição para se viver dignamente.
O acesso ao trabalho pleno para as pessoas com deficiência é o fio condutor a
possibilitar uma vida digna e foi nesse contexto que os mencionados regramentos foram
editados, mas a previsão de reserva de mercado como política especial de emprego carece de
efetividade.
O artigo 34 do Decreto 3298/99 apresenta como finalidade primordial da política de
emprego, a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação
ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido. Por sua vez, o artigo 35
apresenta as modalidades de inserção laboral da pessoa com deficiência, sendo elas:
colocação competitiva, colocação seletiva e a promoção do trabalho por conta própria.
Segundo Sassaki, a lei em comento traz conceitos equivocados e entendimentos
ultrapassados, como se verifica no parágrafo único do artigo 34 que adota um tratamento de
segregação às pessoas com deficiência grave ou severa ao prescrever que tais pessoas poderão
ser inseridas em trabalhos alternativos como cooperativas sociais.
Já superamos a fase em que nós, especialistas em reabilitação profissional,
acreditávamos que somente as pessoas com deficiência ‘leve’ ou ‘moderada’
poderiam entrar no mercado de trabalho competitivo e encaminhávamos as
pessoas com deficiência ‘grave’ ou ‘severa’ para trabalhos ‘alternativos’,
tanto na forma de cooperativas sociais como na de oficinas protegidas de
trabalho. Esta fase teve seu ápice nas décadas de 60 e 70. É, pois,
121
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DIREITOS HUMANOS. A eficiência
do deficiente. Disponível em <http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/doutrina/id246.htm> Acesso em 21 mai 2011.
77
decepcionante ver que um decreto assinado em 1999 ainda traga um
entendimento descartado já na década de 80, quando novas práticas e novas
descobertas foram encorajadas pelo Ano Internacional das Pessoas
Deficientes, comemorado em 1981 sob a liderança da Organização das
Nações Unidas (ONU). Nos últimos 20 anos, foram desenvolvidas
experiências e tecnologias suficientes para colocarmos pessoas com
deficiência ‘leve, moderada, grave ou severa’ no mercado de trabalho
competitivo. Mas, é também verdade que ainda existem pessoas com
deficiência que não conseguem trabalhos competitivos, independente de a
122
deficiência ser ‘leve, moderada, grave ou severa’.
A visão assistencialista que tanto prejudica a plena inclusão é mantida no regramento
em análise, pois não se considerou o avanço tecnológico e científico existente na atualidade.
A lei em comento simplesmente generalizou as pessoas com deficiência, não valorizando a
diversidade.
Estamos convencidos, porém, que as pessoas portadoras de deficiência
física, sensorial ou mental tem ampla perspectiva de sucesso profissional
desde que se lhes assegurem instrumentos hábeis a superar, em termos de
resultados, os limites impostos pela deficiência. A tecnologia, ademais, vem
desenvolvendo próteses, órteses e sistemas de informática, entre outros, que
viabilizam uma desenvoltura física e sensorial francamente compensatória a
aqueles que as tenham comprometidas, naturalmente. Trata-se, portanto, de
propiciar o instrumento certo a cada pessoa, rompendo-se, assim, o tabu da
invalidez.123
Por certo que a lei que instituiu a política de acesso ao emprego da pessoa com
deficiência (Decreto 3298/99) não apresenta resultados plenamente positivos quanto a sua
finalidade, seja porque ainda tem um caráter eminentemente assistencialista, seja porque os
métodos de habilitação e reabilitação não se conformam com os anseios do mercado de
trabalho e de suas complexidades do mundo capitalista contemporâneo.
Não se pode perder de vista, contudo, que as modificações são graduais,
principalmente quando se trata de uma questão enraizada desde os primórdios da civilização.
Tem-se que as diretrizes de uma sociedade inclusiva crescem aos poucos, pelo que a
transformação das relações sociais no tocante a promoção da inclusão terá por conseqüência a
promoção do desenvolvimento da autonomia das pessoas com deficiência, a ponto destas
terem ampla e irrestrita consciência de seus direitos e deveres, fazer escolhas e somar com a
sua diversidade.
122
SASSAKI, Romeu Kazumi. O acesso ao trabalho: análise à luz da inclusão. Revista Nacional de
Reabilitação, São Paulo, ano X, n. 59, nov./dez. 2007, p. 20-23.
123
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A sociedade inclusiva e a cidadania das pessoas com deficiência.
Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/> Acesso em 13 dez. 2011.
78
Vale mencionar que o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de
Deficiência – CONADE foi criado dentro da estrutura da CORDE, tendo por finalidade
acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para inclusão da pessoa
com deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social,
transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e política urbana dirigidos a esse grupo social,
com vistas a garantir que este possa tomar parte do processo de definição, planejamento e
avaliação das políticas destinadas à pessoa com deficiência, por meio da articulação e diálogo
com as demais instâncias de controle social e os gestores de administração pública direta e
indireta.124
Pertinente salientar, ainda, que em 2009 a CORDE foi alçada a Subsecretaria Nacional
de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) pela Lei 11.958 e Decreto
6.980/2009, tendo como função precípua coordenar e supervisionar o programa Nacional de
Acessibilidade e o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência,
ações afirmativas que serão estudadas adiante.
3.1.3 Lei de cotas: uma política de incentivo ao trabalho das pessoas com deficiência?
A reserva legal de cargos ou lei de cotas como é conhecida, estabelecida no artigo 93
da Lei 8.213/91 e já mencionada em tópicos anteriores, apresenta a obrigatoriedade de as
empresas com cem ou mais empregados contratarem pessoas com deficiência na seguinte
proporção: I – de 100 a 200 empregados – 2%; II – de 201 a 500 – 3%; III – de 501 a 1.000 –
4%; IV – de 1.001 em diante – 5%.
Referida lei tem o condão de servir para que a inclusão de pessoas com deficiência
seja assumida pela empresa como postura inerente à sua gestão organizacional. Ocorre que a
mera determinação de percentuais legais a serem cumpridas pelas empresas, sob pena de
multa, não é apta por si só a promover a inclusão social, muito menos proporciona a mudança
de atitude da organização empresarial e sociedade, tampouco conduz ao exercício da
cidadania da pessoa com deficiência.
Isso porque, embora mencionada lei tenha respaldo constitucional, nos termos do
artigo 3º da Lei Magna e tenha uma boa intenção, quando analisada no seu todo, a lei de cotas
é equivocada e ineficaz, considerando se tratar de um sistema antigo que já foi adotado no
124
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. CONADE. Conselho
Nacional
dos
Direitos
das
pessoas
portadoras
de
deficiência.
Disponível
em
<http://portal.mj.gov.br/conade/default.asp> Acesso em 10 dez. 2011.
79
país, mas sem surtir o resultado almejado de contratar o maior número de pessoas com
deficiência, como era o caso do revogado Decreto nº 60.501 de 1967 que em seu artigo 128
dispunha
Art. 128. As empresas vinculadas à previdência social com 20 (vinte) ou
mais empregados são obrigadas a reservar de 2% a 5% (dois a cinco por
cento) dos cargos para atender aos casos de beneficiários reabilitados, na
seguinte proporção, desprezadas as frações e com o mínimo de 1 (um):
I - Até 200 empregados - 2%
II - de 201 a 500 - 3%
III - de 501 a 1.000 - 4%
IV - de 1.001 em diante 5%125
O citado regramento já refletia o assistencialismo segregado que se encontra presente
na lei vigente. A visão da sociedade para com a pessoa com deficiência, nos termos das leis
em comento (revogada e vigente) é de incapacidade ou capacidade reduzida dessa classe de
pessoas a ponto de ser necessária a disponibilização de reservas para possibilitar o acesso ao
trabalho.
Embora com uma legislação primorosa, considerada uma das melhores e
mais completas de todo o mundo no que concerne à inclusão social da
pessoa com deficiência, a nossa realidade está longe de ser um reflexo da
normativa constitucional e legal. É necessário uma conscientização de todos
para que sejam expungidos a discriminação e o preconceito arraigados em
nossa sociedade, para conviver, aceitar e respeitar as diferenças. É
imprescindível, enfim, a compreensão de que todos somos seres humanos
com sentimentos, anseios, angústias, limitações e com os mesmos direitos.126
A reserva de mercado não é um mecanismo legal suficiente para a concretização dos
direitos das pessoas com deficiência, porque não resolve o problema da discriminação e da
indiferença.
Tanto é verdade que muitos países que adotaram o sistema de cotas, o revogaram ante
a sua ineficácia, como ocorreu com os Estados Unidos (em 1990), Canadá (em 1994), GrãBretanha (em 1995), Nova Zelândia, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Austrália e Portugal.127
125
BRASIL,
DECRETO
N.
60.501
de
14/03/67.
Disponível
em
<http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1967/60501.html> Acesso em 13 dez. 2011.
126
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O trabalho como direito humano da pessoa com deficiência. Direitos
humanos e direito do trabalho. Flávia Piovesan; Luciana Paula Vaz de Carvalho, coordenadoras. São Paulo:
Atlas, 2010, p. 167/168.
127
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed,
2010, p. 84.
80
Muito embora a Lei de Cotas tenha sido instituída como um mecanismo de política de
acesso ao trabalho implementado pelo Estado em conjunto com a iniciativa privada, não se
pode deixar de constatar que é um sistema mal sucedido, tanto que os países acima
mencionados o revogaram, optando por legislações antidiscriminatórias respaldadas na tutela
da igualdade de oportunidades e acessibilidade, como registrado na Conferência Internacional
sobre Vida Independente, realizada em Washington, DC (Distrito de Colúmbia), no ano de
1999.
O sistema de cotas tem sido há muito tempo um elemento das políticas de
emprego em certos países da Europa, Ásia e, em menor grau, da África,
variando desde aquele que requer apenas uma pequena porcentagem de
funcionários de governo (por exemplo, 2%) até sistemas sofisticados que
cobrem forças de trabalho públicas e particulares e exigem vários níveis de
multa em caso de descumprimento. Embora eles variem bastante quanto ao
cumprimento, monitoramento e cobertura, nenhum sistema de cotas é
considerado bem sucedido em atingir o seu objetivo original: aumentar os
níveis de contratação de pessoas com deficiência. Foi observado com ironia
que, em alguns países, o fluxo de dinheiro do sistema de cotas poderia ser
rastreado a partir das multas pelo descumprimento, pagas por empresas
particulares, dinheiro esse que então percorre o sistema e termina chegando
às portas das oficinas protegidas de trabalho: o mercado aberto subsidiando a
força de trabalho segregado e mal remunerado. Ficou claro, após os debates,
que nenhum país estava pretendendo adotar o sistema de cotas e que, ao
mesmo tempo, alguns países que já adotavam este sistema estão agora
elaborando uma legislação [antidiscriminatória] baseada em direitos para
enfrentar a questão do emprego e das medidas de acessibilidade.128
O regramento que trata da reserva de mercado na Constituição Federal deve ser
interpretado em conformidade com os demais preceitos constitucionais, pois é fato que
existem direitos antagônicos igualmente assegurados constitucionalmente que colidem entre
si, sendo então necessário o sopesamento de tais direitos, pautado no princípio da
razoabilidade e proporcionalidade, como explicitado no primeiro capítulo, para que haja uma
harmonia, o que lamentavelmente não ocorreu com a lei em comento, ocasionando a
ineficácia de tal medida.
É correto afirmar que a reserva de mercado não supre ou ameniza a exclusão histórica
sofrida pelas pessoas com deficiência. Ao instituir a lei, o Estado não se aparelhou, tampouco
colocou à disposição formas de viabilização da propalada inclusão social pela reserva de
mercado, mas apenas impôs a contratação de pessoas com deficiência pela iniciativa privada e
também pelos órgãos públicos.
128
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed,
2010, p. 87/88.
81
Ora, pretender que alguém exerça uma função por ser mulher, negro, índio,
deficiente ou estrangeiro, e não por ser competente, é evidentemente, retirar,
ao país que admite tal forma de enfrentar os desafios do futuro, a
possibilidade de superá-los. Por esse caminho ele nunca terá o nível de
competitividade necessário para acompanhar outros países que adotaram
apenas o critério da competência. [...] O aspecto mais interessante, todavia,
reside no fato de que a Constituição não permite tal proteção às avessas, pois
proíbe qualquer espécie de discriminação em função de idade, sexo, cor,
estado civil, deficiência física ou qualificações curriculares. Desse modo, a
Constituição fornece o antídoto às pretensas reservas legais de mercado, já
que todas essas reservas são necessariamente discriminatórias contra aqueles
que a elas não tem acesso. [...] A luta contra os preconceitos deve ser
intensa, mas não à custa do princípio de igualdade, que proíbe reservas
discriminatórias, e cujo desatendimento favorece a incompetência, retira
competitividade empresarial e fere a Constituição. A batalha do futuro exige
competência. No setor empresarial, esta é a única meta capaz de permitir a
evolução da economia. Todos os segmentos sociais, sem reservas, devem ter
acesso, sem discriminações às oportunidades existentes. Se o critério for o da
‘incompetência assegurada’, o país que adotar tal política perderá a corrida
do futuro.129
Nenhuma legislação transformará o errado em certo como num passe de mágica. O
acesso ao trabalho (decente) a todas as pessoas com ou sem deficiência é um direito
fundamental, mas não se pode olvidar que o setor empresarial é o motor que promove o
crescimento econômico – tão importante quanto o desenvolvimento econômico, notadamente
na atual conjuntura mundial – pelo que a gestão organizacional é obrigada a buscar
diuturnamente a excelência em seus negócios para manter a “máquina” seguindo em frente,
principalmente porque é dela (empresa) que advém os empregos primordiais para a garantia
da subsistência da classe trabalhadora, com ou sem deficiência.
A geração de oportunidades de acesso ao trabalho deve sempre ter como requisito a
competência, porque a grande maioria das pessoas com deficiência busca uma vida digna e
independente e não um mero mecanismo de caridade e assistencialismo como se evidencia na
Lei de Cotas. De igual forma, a empresa que tem o dever de cumprir sua função social
estabelecida a nível constitucional também tem o direito, quiçá até o dever de crescer e gerar
riquezas ao país e para tanto, necessita de mão-de-obra qualificada com vistas a suprir toda a
demanda, o que não ocorre com o sistema de cotas da forma como imposto. Observa-se,
assim, que ambas as questões são de grande importância e por isso merecem ser consideradas
na mesma proporção.
Não é demais repisar que a pouca eficácia da lei de cotas ou a sua total ineficácia,
reflete-se inclusive no que pertine a sua fiscalização e aplicação das sanções correspondentes,
129
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Discriminação às avessas. Revista Exane.com. Disponível em
<http://exame.abril.com.br/noticia/discriminacao-as-avessas-m0047506> Acesso em 15 dez. 2011.
82
bem como a própria interpretação que por vezes distoa do razoável, como entendeu o Egrégio
Tribunal Superior do Trabalho ao negar provimento no agravo de instrumento do Ministério
Público do Trabalho que postulou a aplicação de multa pelo alegado descumprimento da lei
de cotas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI do Rio Grande do Sul.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA DESCABIMENTO. TRABALHADORES REABILITADOS PELO INSS
OU
PORTADORES
DE
DEFICIÊNCIA.
APRENDIZAGEM
INDUSTRIAL
PROFESSORES
E
INSTRUTORES.
OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO. ART. 93 DA LEI Nº
8.213/91. O art. 93 da Lei nº 8.213/91 não possui qualquer comando em
relação ao momento em que a regra deva ser inteiramente implementada. Por
outra face, o escopo do art. 93 da Lei nº 8.213/91 é coibir, no âmbito das
relações trabalhistas, a discriminação das pessoas portadoras de deficiências.
Na hipótese dos autos, não há qualquer referência, na petição inicial ou
mesmo no curso do processo, no sentido de que o recorrente tenha praticado
qualquer ato discriminatório. À ausência de discriminação, a exigência de
dispensa dos empregados que não atendam às condições em foco refoge à
razoabilidade. Não há, assim, que se falar em violação direta e literal do
preceito no bem lançado acórdão regional. Agravo de instrumento a que se
nega provimento.130
Nos termos do entendimento do Ministro relator, a importância da não discriminação é
fundamental para cumprir os ditames constitucionais, mas não pode contudo se esquecer “a
outra face da sociedade”, na medida em que deve ser analisado cada caso concreto, mormente
porque a lei de cotas sequer determinou o momento em que a regra lá estabelecida deve ser
inteiramente implementada, tampouco há imposição quanto à seleção de novos empregados.
Por ter o SENAI função precípua de formação profissional, onde o seu rol de funcionários é
basicamente composto de professores e instrutores, nítida a necessidade de tais empregados
terem formação e conhecimento específicos nas áreas de atuação.
Outra falha de interpretação da lei tratada no respeitável acórdão, diz respeito à
questão do quadro de pessoal do SENAI que à época da edição da referida lei já estava
completo, não sendo crível a dispensa de empregados sem deficiência para a substituição por
candidatos com deficiência. Sendo certo que essa mudança deve ocorrer ao longo do tempo
para não ocasionar problemas estruturais, cabendo ao empregador quando da nova seleção de
profissionais, abster-se de qualquer postura discriminatória.
130
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo 9413300-83.2003.900-04-00 AIRR. 3. Turma. Relator
Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Data julgamento 04 nov. 2009. Disponível em
http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/brs/nspit/n_nspitgen_un.html&p=1&r=5&f=G&l=0> Acesso em 21 mai
2011.
83
O entendimento que tem prevalecido no Tribunal Superior é o do cumprimento
imediato da Lei de Cotas, sob pena de imputação das sanções correspondentes em caso de
recusa injustificável.
RECURSO DE REVISTA. CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE
DEFICIÊNCIA. RESERVA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE TOTAL DE
CUMPRIMENTO DO ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91 NÃO
DEMONSTRADA. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA CONFIGURADA.
Eventual exclusão da obrigação de preenchimento de cargos com
beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência só se
justificaria ante à impossibilidade total da empresa em contratar empregados
que se enquadrem como reabilitados ou portadores de deficiência. O que não
restou demonstrado, já que a diminuição no número de deficientes
contratados e o estabelecimento de exigências mínimas para contratação de
deficientes demonstra conduta discriminatória da empresa. Recurso de
Revista conhecido e provido.131
O julgador considerou a eventual impossibilidade da empresa no cumprimento das
proporções estabelecidas em lei, no entanto, entendeu ser imprescindível a comprovação cabal
de justificado descumprimento da cota imposta, o que não ocorreu no caso em apreço na
medida em que a empresa (Cooperativa Agroindustrial Consolata – COPACOL do Estado do
Paraná), embora tenha adotado condutas com vistas ao cumprimento da lei de cotas, fez
inúmeras exigências para a contratação, bem como apurou-se que houve a contratação de 800
funcionários e a diminuição do número de trabalhadores com deficiência.
Tem-se, portanto que o Judiciário, no que pertine a análise da exigência legal de
reserva de mercado, tem buscado sopesar a existência ou não de condições de concretizar a lei
de cotas, analisando cada caso concreto nos limites do “razoável e possível”, o que demonstra
um amadurecimento da instituição ao abrir mão da simples subsunção do fato à norma quando
em jogo direitos fundamentais contrapostos, mas de semelhante relevância.
Logo, a compreensão que se tem até aqui é que a lei de cotas não trouxe a solução para
o problema da exclusão social, principalmente considerando o lapso temporal entre a edição
do Decreto nº 60.501/67 e a presente data, são exatamente 44 anos para demonstrar que a
mera exigência legal não dissipa a postura discriminatória e preconceituosa, tanto que o
próprio Judiciário, como visto, cumpre o mister de reconstruir o Direito, no caso uma lei
131
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo 344700-80.2009.5.09.0071 RR. 8. Turma. Relator Juiz
Convocado Sebastião Geraldo de Oliveira. Data julgamento 21 set. 2011. Disponível em
<http://brs02.www.tst.gov.br/cgi-bin/nphbrs?d=ITRE&S1=trabalhadores+reabilitados+e+defici%EAncia&s2=&u=> Acesso em 15 dez. 2011.
84
falha, tendo como núcleo a Constituição Federal, carregada de valores como a igualdade e
dignidade da pessoa humana.
Restou, pois demonstrado ao longo da história nacional e internacional, que a
problemática não se limita à reserva legal de vagas no mercado de trabalho em prol de
pessoas com deficiência para garantir a inclusão social. Por essa razão é que defende-se a
implementação de ações afirmativas que sejam eficazes com vistas à construção de uma
sociedade inclusiva e consequentemente uma empresa inclusiva.
Assim, necessário se faz analisar as ações afirmativas de caráter inclusivista, bem
como seus limites e possibilidades frente a realidade econômico-social contemporânea, como
se verá a partir do tópico 3.2 do estudo.
3.1.4 Programa Nacional de Acessibilidade
O acesso facilitado às pessoas com deficiência, como no transporte, na comunicação e
sinalização e nos postos de trabalho sempre foi a busca para possibilitar uma vida
independente dessa classe de pessoas e consequentemente a equiparação das oportunidades.
Urge então aqui a importância de se estudar o direito à acessibilidade no contexto da inclusão
social no mercado de trabalho.
O programa nacional de acessibilidade foi instituído pela lei 10.098 de 19 de
dezembro de 2000132, para dar cumprimento aos termos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos da ONU de 1948 de que todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção. A
Constituição Federal também foi observada na edição da lei em comento, como se verifica no
artigo 227, parágrafo primeiro, inciso II; parágrafo segundo e artigo 244 que tratam do acesso
a bens e serviços, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos, dispõem
sobre a necessidade de criação de lei para o fim de normatizar sobre a construção de
logradouros, edifícios e meios de transporte que proporcionem o acesso adequado às pessoas
com deficiência.
O Decreto n. 5296 de 02 de dezembro de 2004133 regulamentou a Lei n. 10.098/2000,
estabelecendo normas gerais sobre a acessibilidade, como construção, reforma e ampliação de
edificações públicas e de uso coletivo, atendendo às regras da Associação Brasileira de
Normas Técnicas – ABNT.
132
BRASIL. Presidência da República. Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm> Acesso em 17 dez. 2011.
133
Op. cit.
85
Verifica-se que a legislação brasileira é rica no que diz respeito à normatização do
direito à acessibilidade das pessoas com deficiência, contudo, o reconhecimento formal não é
o suficiente para a promoção da autonomia das pessoas com deficiência, na medida em que a
implantação de acessibilidade arquitetônica em todas as dimensões (trabalho, educação,
lazer), ainda se limita a poucas áreas das cidades, na maioria das vezes apenas aos grandes
centros, excluindo-se os demais locais, o que acarreta inúmeros problemas, sendo o principal
deles a impossibilidade de locomoção (o ir e vir) que tolhe o direito ao acesso a iguais
oportunidades para as pessoas com deficiência.
Muitas empresas atentam para a necessidade de adaptações específicas de
acessibilidade, mas considerando que a maioria das pessoas, entre elas, aquelas com
deficiência, não moram nos grandes centros, é correto afirmar que a acessibilidade ainda está
distante de sua plena concretização, muito embora haja previsão expressa na Constituição
Federal em seu artigo 182, no sentido de que a política de desenvolvimento urbano tem por
escopo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, com garantia do bem estar da
população, além da função social da propriedade, há ainda a necessidade de se voltar para a
concretude do direito ao acesso facilitado para as pessoas com deficiência.
Ante a discrepância entre a norma e a realidade aqui evidenciada, faz-se necessário
pontuar que por ser a acessibilidade um direito fundamental, tem-se que não apenas o Estado
é o responsável por este mister, mas também os particulares devem agir em conformidade
com os escopos constitucionais. Bem por isso, devem os particulares – aqui entendidos a
população em geral e a empresa - buscar a realização dos direitos fundantes como a dignidade
da pessoa humana, promovendo a concretização da acessibilidade e assim, contribuir com o
Estado para a efetivação dos objetivos da República Federativa do Brasil.
Aliás, esse foi o entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal no Recurso
Extraordinário 201819/RJ e muito embora trate de assunto diverso da presente pesquisa,
aborda com precisão o assunto da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que vincula
os particulares.
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO
BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM
GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.
RECURSO
DESPROVIDO.
I.
EFICÁCIA
DOS
DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos
fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e
o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e
jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados
86
pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos,
estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos
poderes privados. [...]. A vedação das garantias constitucionais do devido
processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício
profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade
e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus
sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos
fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à
ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.134
A eficácia dessas garantias constitucionais deve ser oponível não apenas ao Estado,
mas observa-se que ante a essencialidade da proteção dos direitos fundamentais, a sua
aplicação deve ser de forma direta inclusive nas relações entre os particulares. E essa questão
é de vital importância para compreender a responsabilidade de cada cidadão no tocante a
acessibilidade das pessoas com deficiência, por exemplo, ao criar obstáculos nas calçadas
como degraus ou não fazer as manutenções necessárias, inviabiliza o exercício da autonomia
dessa classe de pessoas, fazendo-se premente a observância dos direitos fundamentais
também por parte dos atores privados, ante a supremacia da Constituição Federal.
3.1.5 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência foi aprovada pela
Organização das Nações Unidas - ONU em 2006 e ratificada pelo Congresso Nacional pelo
Decreto Legislativo n. 186/2008, que em decorrência da aprovação nas duas Casas
Legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), nos termos do artigo quinto,
parágrafo terceiro da Constituição Federal passou a ter status de emenda constitucional.
Referido documento apresenta uma visão inclusivista de valorização da diversidade,
como se denota em seu primeiro artigo, pois tem como propósito promover, proteger e
assegurar o desfrute pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua
inerente dignidade.
O caráter inclusivista no tocante ao acesso e permanência no trabalho das pessoas com
deficiência pela dicção do artigo 27 da Convenção é evidenciado pelo reconhecimento do
direito das pessoas com deficiência de trabalhar em igualdade de oportunidades com as
134
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 201.819/RJ. Segunda Turma. Relatora
Ministra Ellen Gracie. Relator para acórdão: Ministro Gilmar Mendes. DJ 11 out. 2005. Disponível em
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=388784> Acesso em 21 dez. 2011.
87
demais pessoas. Este direito abrange o direito à oportunidade de se manter num trabalho de
sua livre escolha ou ser aceito no mercado laboral em ambiente de trabalho que seja aberto,
inclusivo e acessível a pessoas com deficiência.
Devem os Estados Partes salvaguardarem e promoverem a realização do direito ao
trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando
medidas apropriadas, incluídas na legislação para o fim de vedar a discriminação em todas as
suas formas, propiciar a ascensão profissional, condições salubres, tratamento justo e
isonômico em relação a remuneração e treinamento profissional e continuado.
A promoção do emprego tanto no setor público como no privado deve ser realizado
mediante políticas e medidas apropriadas, podendo se incluir programas de ação afirmativa,
incentivos e outras medidas aptas a efetivação da inclusão social. Há ainda a preocupação em
se promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de
cooperativas e estabelecimento de negócio próprio, quando assim for o propósito das pessoas
com deficiência. 135
A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência de 2006 não inovou no
que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência no aspecto jurídico, como ressaltado
por Fonseca136, mas trouxe em seu bojo o agrupamento dos propósitos da própria Organização
Internacional do Trabalho OIT e da Organização das Nações Unidas - ONU, o que demonstra
que a presente Convenção lapidou o que já havia sido construído desde a fundação dos
mencionados organismos internacionais, como se observa pela dicção do seu preâmbulo.
Os Estados Partes da presente Convenção,
a) Relembrando os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, que
reconhecem a dignidade e o valor inerentes e os direitos iguais e inalienáveis
de todos os membros da família humana como o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo,
b) Reconhecendo que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos,
proclamaram e concordaram que toda pessoa faz jus a todos os direitos e
liberdades ali estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, [...],
O reconhecimento da universalidade dos direitos fundamentais sem discriminação é o
primeiro passo para a inclusão das pessoas com deficiência. A igualdade de oportunidades
deve ser fomentada por ações positivas a nível local, regional, nacional e internacional. As
135
BRASIL. Congresso Nacional. Decreto Legislativo n. 186, 2008. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm> Acesso em 17 dez. 2011.
136
FONSECA. Ricardo Tadeu Marque da. Convenção comentada. Artigo 27 – Trabalho e Emprego. Disponível
em <http://www.bengalalegal.com/trabalho> Acesso em 17 dez. 2011.
88
questões sobre os direitos das pessoas com deficiência, nos termos da Convenção de 2006,
devem integrar as estratégias de desenvolvimento sustentável, tendo em vista que os
problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência, se negligenciados, impede o
desenvolvimento social do Estado.
k) Preocupados com o fato de que, não obstante esses diversos instrumentos
e compromissos, as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras
contra sua participação como membros iguais da sociedade e violações de
seus direitos humanos em todas as partes do mundo, [...],
m) Reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das
pessoas com deficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas
comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com
deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua
plena participação na sociedade resultará no fortalecimento de seu senso de
pertencimento à sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento
humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da
pobreza,
n) Reconhecendo a importância, para as pessoas com deficiência, de sua
autonomia e independência individuais, inclusive da liberdade para fazer as
próprias escolhas, 137
A Convenção de 2006 reconhece a fragilidade da positivação dos direitos das pessoas
com deficiência frente a realidade de exclusão por elas vivenciada e propõe a cooperação
internacional como meio de amenizar as condições de vida dessa classe de pessoas.
A ratificação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência de 2006
pelo Brasil, mediante o Decreto 186/2008, foi um grande avanço, pois fundamental para a
busca da superação da evidente fragilidade da eficácia dos regramentos já existentes, como a
Lei de Cotas estudada anteriormente e por ser o direito ao trabalho um direito humano
universal e fundamental é que tratou-se de criar diretrizes para essa realização, com vistas à
garantia da dignidade da pessoa humana em todos os seus aspectos, como saúde, alimentação,
liberdade, educação, moradia, acessibilidade entre outros. Isso porque os direitos
fundamentais são interdependentes, universais e indivisíveis.
Até porque a discriminação e os óbices enfrentados pelas pessoas com deficiência não
se encontram apenas no tocante ao mercado de trabalho, mas bem antes disso, tendo origem
na sonegação de direitos de assistência social e à saúde, bem como a educação, direitos estes
constitucionalmente assegurados (artigos 203, 207, 208 e 227).
137
BRASIL. Congresso Nacional. Decreto Legislativo n. 186, 2008. Disponível
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Congresso/DLG186-2008.htm> Acesso em 17 dez. 2011.
em
89
O direito ao trabalho é um Direito Humano universal assegurado desde a
Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esse direito só se realiza
plenamente, porém, com a implementação de outros inerentes à liberdade, à
educação, à moradia, à alimentação, à saúde, à habilitação e reabilitação, por
exemplo. Trata-se da mencionada inter-relação e interdependência dos
Direitos Humanos, que são, por isso mesmo, indivisíveis. Não há liberdade
sem igualdade, tampouco esta sem aquela e ambas jamais prosperarão se
medidas relativas à fraternidade humana não se implementarem.138
Essa inter-relação dos demais direitos humanos fundamentais com o direito ao
trabalho da pessoa com deficiência é imprescindível para a efetiva inclusão social,
notadamente porque um dos grandes entraves da não inclusão é a falta de qualificação, o que
somente pode ser solucionado com um sistema educacional inclusivo em todos os níveis.
Agora, não adianta uma educação inclusiva se a pessoa com deficiência não tem meios para
se deslocar, devendo haver políticas de acessibilidade de forma abrangente e eficaz. De igual
forma, nada disso se realizará sem as condições necessárias para garantir a saúde, alimentação
e moradia.
Em razão disso é mister assegurar todos os direitos elencados acima para que se
viabilize a inclusão social das pessoas com deficiência. Portanto se reafirma que tal tarefa é
compartilhada pelo Estado, Empresa e Sociedade. O primeiro ao colocar à disposição um
sistema de saúde digno, adotar políticas de pleno acesso à educação, meios de transporte e
habitação, bem como incentivar o empreendedorismo da pessoa com deficiência. A segunda,
tendo em vista o seu papel empregador amplamente estudado em tópicos anteriores, de se
abster do ranço discriminatório na admissão de funcionários e de adotar ações afirmativas na
permanência dessa classe de pessoas, não de forma segregada, mas que promova a interação e
diversidade e assim cumpra a sua função social. Quanto à terceira, que aprenda com as
próprias pessoas com deficiência, o valor da vida e do respeito ao próximo.
As políticas e programas governamentais, aqui em especial os de qualificação com
natureza emancipatória, que tem por fim disponibilizar recursos do Governo Federal aos
demais entes públicos para que estes em parceria com o Terceiro Setor (OSCIPs, ONGs)
executem tais programas, percorrem um longo trajeto e por vezes os desvios são uma triste
realidade que limitam a efetivação da cidadania, como se verificará em tópico próprio.
3.1.6 Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
138
FONSECA. Ricardo Tadeu Marque da. Convenção comentada. Artigo 27 – Trabalho e Emprego. Disponível
em <http://www.bengalalegal.com/trabalho> Acesso em 17 dez. 2011.
90
O Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Plano Viver sem Limite
instituído pelo Decreto 7612/2011, tem como eixos centrais a educação, a saúde, a inclusão
social e a acessibilidade, com metas a serem cumpridas até o ano 2014. Os executores do
plano são a União em colaboração com Estados, Distrito Federal, Municípios e Sociedade. As
diretrizes do Plano Viver sem Limite tem caráter inclusivista, pois busca a interação entre a
pessoa com deficiência e os demais atores, como a sociedade e a empresa, através da
acessibilidade e qualificação, com vistas à equiparação de oportunidades.
Art. 3º São diretrizes do Plano Viver sem Limite:
I - garantia de um sistema educacional inclusivo;
II - garantia de que os equipamentos públicos de educação sejam
acessíveis para as pessoas com deficiência, inclusive por meio de
transporte adequado;
III - ampliação da participação das pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, mediante sua capacitação e qualificação
profissional;
IV - ampliação do acesso das pessoas com deficiência às políticas de
assistência social e de combate à extrema pobreza;
V - prevenção das causas de deficiência;
VI - ampliação e qualificação da rede de atenção à saúde da pessoa
com deficiência, em especial os serviços de habilitação e reabilitação;
VII - ampliação do acesso das pessoas com deficiência à habitação
adaptável e com recursos de acessibilidade; e
VIII - promoção do acesso, do desenvolvimento e da inovação em
tecnologia assistiva. 139
Observa-se que as ações definidas no Plano Viver sem Limite se conformam com os
propósitos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006, pois tem
por objetivo a promoção da cidadania e fortalecimento da participação da pessoa com
deficiência na sociedade, pela autonomia, possibilitando a fruição e acesso a todos os bens,
serviços e iguais oportunidades a toda população com ou sem deficiência.
O termo de adesão voluntária é o meio pelo qual o Município, Estado ou Distrito
Federal poderá se vincular ao Plano Viver sem Limite, nos termos do artigo 9º do Decreto
7612/2011. Sendo certo que aderindo voluntariamente ao Plano, o aderente torna-se
responsável pelo cumprimento das medidas estatuídas no Decreto ora em análise.
A execução se dará por intermédio de convênios, acordos de cooperação e outros
instrumentos firmados com órgãos públicos diretos ou indiretos ou entidades privadas, nos
termos do artigo 10 do diploma legal em comento.
139
BRASIL. Presidência da República. Decreto 7612 de 17 de novembro de 2011. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7612.htm> Acesso em 17 nov. 2011.
91
Art. 10. Para a execução do Plano Viver sem Limite poderão ser firmados
convênios, acordos de cooperação, ajustes ou instrumentos congêneres, com
órgãos e entidades da administração pública federal, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, com consórcios públicos ou com entidades
privadas.
Com relação ao eixo Educação, o Plano tem por metas o transporte escolar acessível,
adaptações arquitetônicas das instituições federais de ensino superior e escolas públicas, com
vistas à acessibilidade; a implantação e atualização de salas; além de disponibilizar vagas em
cursos federais de formação profissional e tecnológica para pessoas com deficiência.
No que pertine à Saúde, há uma preocupação em se investir na prevenção e
monitoramento neonatal, para quando não for possível impedir a deficiência, que ela seja
amenizada. As ações de habilitação e reabilitação, atendimento odontológico, ampliação das
redes de produção e acesso a órteses e próteses também são metas buscadas no Plano Viver
sem Limite.
Na Acessibilidade, o Plano prevê ações conjuntas entre União, Estados e Municípios,
como o Programa Minha Casa, Minha Vida 2, que deverá projetar imóveis que tornem
possível a adaptação para pessoas com deficiência. A criação de cinco centros tecnológicos
para a formação, em nível técnico, de treinadores e instrutores de cães-guias em todas as
regiões do país. Ações de mobilidade urbana do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC 2) e da Copa de 2014 também cumprirão os requisitos de acessibilidade.
O plano ainda prevê a implantação de Centros de Referência, com a finalidade de
oferecer apoio para as pessoas com deficiência em situação de risco, como extrema pobreza,
abandono e isolamento social.140
A previsão orçamentária para a viabilização do Plano é de R$ 7,6 bilhões, tendo a
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) como coordenadora e
os seguintes órgãos do Governo Federal como integrantes: Casa Civil, Secretaria Geral da
Presidência da República, Ministérios da Educação, Saúde, Trabalho e Emprego,
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Esporte, Ciência, Tecnologia e Inovação,
Cidades, Fazenda, Planejamento, Comunicações, Previdência Social e Cultura.
O programa ainda inclui uma linha de crédito de R$ 150 milhões da Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), para pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias assistivas.
Além disso, o Governo Federal tem por objetivo subsidiar a compra de próteses e
140
BRASIL. Portal Brasil. Disponível em < http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/11/17/planobeneficia-45-6-milhoes-com-deficiencia> Acesso em 20 nov. 2011.
92
equipamentos para a população de baixa renda. 141 Um catálogo de diversos produtos como
teclados especiais, duplicadores braile, entre outros terão isenção de IPI, nos termos da
Medida Provisória 549/2011.142
A evolução nas políticas nacionais de inclusão das pessoas com deficiência tem
demonstrado o avanço nas ações estratégicas do Estado em cooperação com a sociedade e
comunidade empresária, com vistas ao valor da pessoa.
A partir principalmente das últimas décadas do século XX, temos uma
mudança de enfoque. Os instrumentos internacionais voltados à valorização
da pessoa humana manifestam preocupação especial com a pessoa com
deficiência buscando eliminar a discriminação e propiciar a inclusão social
dessas minorias, especialmente no mercado de trabalho.143
A preocupação com a busca e aprimoramento da autonomia da pessoa com deficiência
tem se concretizado, reconhecendo ser um meio que contribui para a inclusão social, na
medida em que os investimentos com educação, saúde e acessibilidade dão substrato à plena
inclusão.
A autonomia das pessoas com deficiência promove o exercício da dignidade e a
acessibilidade corresponde à mola propulsora para o seu alcance. Bem por isso que o
Conselho Monetário Nacional – CMN, pela Medida Provisória 550/2011144aprovou linha de
crédito especial para pessoas com deficiência, cuja ação é parte integrante do Plano Viver
Sem Limite.
As linhas de crédito especialmente para aquisição de bens e serviços como cadeira de
rodas, próteses, computadores portáteis braille, lupas eletrônicas portáteis, entre outros, serão
facilitadas para o fim de proporcionar o bem-estar das pessoas com deficiência que
comprovem renda mensal de até dez salários mínimos. As pessoas poderão financiar seus
produtos em até sessenta meses, com taxa de juros de 0,64%145
141
BRASIL. Portal Brasil. Disponível em < http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/11/17/planobeneficia-45-6-milhoes-com-deficiencia> Acesso em 20 nov. 2011.
142
BRASIL. Presidência da República. Medida provisória n. 549 de 17 de novembro de 2011. Disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2011/Mpv/549.htm> Acesso em 21 dez. 2011.
143
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O trabalho como direito humano da pessoa com deficiência. Direitos
humanos e direito do trabalho. Flávia Piovesan; Luciana Paula Vaz de Carvalho, coordenadoras. São Paulo:
Atlas, 2010, p. 171.
144
BRASIL,
Presidência
da
República.
Medida
provisória
550/20122.
Disponível
em
<http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/0pv/550.htm> Acesso em 04 mar.2012.
145
BRASIL, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em
<http://www.pessoascomdeficiencia.gov.br/app/noticias/ministra-destaca-importacia-de-linha-de-credito-parapessoas-com-deficiencia>. Acesso em 04 mar. 2012.
93
O estudo evidencia que o Plano Viver sem Limite revolucionou a condução das
políticas nacionais até então implementadas, na medida em que tratou do problema de como a
acessibilidade das pessoas com deficiência gera a dignidade, apresentando mecanismos
efetivos para a inclusão no meio econômico e social, se conformando com os princípios
estruturantes da Constituição Federal.
3.2 EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS INCLUSIVISTAS: LIMITES E POSSIBILIDADES
Após analisar algumas políticas voltadas para a inclusão de pessoas com deficiência,
importa enfrentar a questão da sua efetivação, incluindo os limites, possibilidades e desafios a
serem enfrentados, para que possa se falar em realização dos direitos e garantias
fundamentais. De qualquer sorte, o estudo se torna relevante, pois tais condições eficaciais
refletem diretamente sobre o mercado, na medida em que há um evidente entrelaçamento
entre a atuação do Estado e da empresa nesse aspecto, sendo a pedra de toque para a
construção de uma sociedade inclusiva, uma empresa inclusiva e um Estado inclusivo.
3.2.1 Corrupção política: um limitador da efetivação de políticas emancipatórias
Embora o tema central seja voltado para os desafios da empresa na concretização da
dignidade da pessoa com deficiência, a interação entre o Estado e a empresa, principalmente
quando se diz respeito a qualificação de pessoas com ou sem deficiência para a sua inclusão
no mercado de trabalho, é evidente, por isso, pertinente uma breve ponderação acerca desse
mal generalizado que assola o país e impede o seu progresso, chamado corrupção.
A investigação revela que a corrupção política limita a efetivação de ações
emancipatórias, em especial aquelas em prol das pessoas com deficiência, gerando um efeito
negativo, na medida em que recursos que deveriam ser investidos na promoção da autonomia
das pessoas com deficiência, nos mais variados segmentos, por intermédio de Organizações
não Governamentais – ONGs e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público –
OSCIPs, por exemplo, são desviados.
Um esquema escandaloso de criação e venda de organizações nãogovernamentais sem fins lucrativos foi descoberto pela Controladoria-Geral
da União (CGU), no decorrer das investigações sobre a atuação dessas
entidades na execução de convênios financiados por emendas parlamentares
para a realização de eventos festivos de interesse turístico.
94
Durante trabalho de levantamento do número de ONGs em pequenas
cidades, a CGU, através de seu Observatório da Despesa Pública, estranhou
o grande número dessas entidades existente na pequena cidade de Alto
Paraíso (Goiás), com menos de sete mil habitantes. O aprofundamento do
trabalho mostrou que uma única pessoa, Aline Aparecida Brazão, era ou
tinha sido dirigente de, pelo menos, 45 dessas entidades.
As investigações acabaram chegando ao site da “Vieira Consultoria”,
administrada por Antônio Carlos Travassos Vieira, e especializada em criar
e, simplesmente, colocar à venda Organizações Não-Governamentais e
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Em anúncio feito
abertamente no site de pesquisas Google a Consultoria Vieira oferece:
‘Compre sua OSCIP já aprovada e comece a operar imediatamente’.146
A promulgação da Constituição Federal em 1988, “Manual” Supremo do país, como
tratado no primeiro capítulo, rompeu definitivamente com a antiga estrutura institucional ao
estabelecer como fundamento do Estado, a dignidade da pessoa humana, priorizando a
existência digna do brasileiro ao (re)colocar a pessoa como protagonista do Estado e
destinatário dos direitos e garantias fundamentais, conforme os preceitos da justiça social.
Uma das formas de se promover o exercício da dignidade da pessoa humana é
colocando à disposição do cidadão um Governo honesto, eficiente, tendo como regra de
conduta os princípios constitucionais da Administração Pública, notadamente porque está
adstrito a eles, nos termos do artigo 37, da Constituição Cidadã.
Todavia, ao descurar dos seus deveres insculpidos na Lei Maior, os administratores
públicos e todos aqueles que de uma forma ou outra se beneficiaram indevidamente, devem
responder por seus atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa e
aos anseios da sociedade, tendo o cidadão e a sociedade civil o direito-dever fundamental
constitucionalmente assegurado de fiscalizar e denunciar os desmandos com vistas à
concretização da efetiva democracia e desenvolvimento do país.
3.2.2 Benefício de Prestação Continuada e Contrato de Aprendizagem
Outro limitador das políticas inclusivistas no mercado de trabalho para pessoas com
deficiência, se refere ao pagamento de benefícios assistenciais do Governo, como o
denominado Benefício de Prestação Continuada – BPC, da Lei Orgânica de Assistência Social
– LOAS, Lei n. 8.742/93147.
146
CGU - CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Notícias. Controladoria descobre esquema de venda de
ONGs e OSCIPs. Disponível em < http://www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2010/noticia15710.asp> Acesso em
23 dez. 2011.
147
BRASIL, Presidência da República. Lei n. 8.742 de 7 de dezembro de 1993. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742.htm> Acesso em 22 dez. 2011.
95
A lei em questão sofreu alterações pela Lei 12.435/2011148. O benefício em questão
tem respaldo na Constituição Federal em seu artigo 203 que garante às pessoas com
deficiência e idosos que comprovarem não ter condições de prover o próprio sustento, o valor
correspondente a um salário mínimo, independente de contribuição à seguridade social.
Isso porque, nos termos da lei, aqueles que recebem o BPC, em caso de ingresso no
mercado de trabalho, perdem a condição de beneficiários, e, em sendo o benefício vitalício,
poucos são aqueles que abrem mão de uma renda garantida e de quase impossível recuperação
para se “aventurarem” no mercado de trabalho, considerando suas limitações.
Tal dispositivo, contudo foi alterado pelo Decreto 7612/2011, que instituiu o Plano
Viver sem Limite, já analisado, onde após a necessária regulamentação, as pessoas com
deficiência beneficiárias do BPC poderão ingressar no mercado de trabalho e em caso de
saída dentro de período de dois anos, não será necessária toda a burocracia existente
atualmente de se submeter ao processo de requisição do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS).
A alteração da legislação que deve ser implementada até 2014, apresentou uma
alternativa para as pessoas que necessitam do benefício e querem se qualificar
profissionalmente, pois há possibilidade de se cumular o BPC em caso de contrato de
aprendizagem, pelo período de dois anos.
O contrato de aprendizagem a partir do Decreto 7612/2011 que instituiu o Plano Viver
sem Limite, foi revisto tornando-se uma possibilidade de efetivação da inclusão das pessoas
com deficiência, pois não fez limitação de idade a estas, considerando que cada uma tem
particularidades e habilidades diferenciadas, podendo então nos termos do artigo 428,
parágrafo quinto da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, cuja alteração se deu pela lei
11.180/2005149, se estender por período superior a dois anos.
A nova previsão coloca-nos à frente de uma medida de ação afirmativa
contundente pois, ao mesmo tempo em que reconhece a realidade do país de
existência de muitos jovens com deficiência completamente à margem do
aprendizado do ensino metódico e da formação profissional, cria e disciplina
a possibilidade de o jovem aprendiz poder acumular os valores recebidos da
remuneração do contrato de aprendizagem e do benefício da prestação
continuada (salário + BPC) pelo prazo máximo de dois anos, que é o prazo
legal para a vigência do contrato de aprendizagem na regra geral. E mais,
determina que o valor da remuneração recebido no contrato de aprendizagem
148
BRASIL,
Lei
n.
12435
de
6
de
julho
de
2011.
Disponível
em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12435.htm> Acesso em 22 dez. 2011.
149
BRASIL, Presidência da República. Lei n. 11.180 de 23 de setembro de 2005. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11180.htm> Acesso em 22 dez. 2011.
96
não será considerado para o cálculo da renda per capita da família, que é
inferior a ¼ do salário mínimo (condição para o beneficio da assistência
social). Estima-se que essa circunstancial previsão modificará o agir do
grupo familiar no sentido de se ver estimulado, diante da manutenção do
benefício da prestação continuada acrescido do salário decorrente do
contrato de aprendizagem, a direcionar o jovem com deficiência para o
aprendizado e para a convivência em sociedade.150
A legislação sofreu uma mudança positiva, com vistas à motivação não apenas das
pessoas com deficiência, mas de suas famílias a buscarem treinamento para a qualificação
dessa classe de pessoas para o fim de conquistarem sua autonomia, sem correrem o risco de
perder seu benefício. Além do mais outro fator positivo é com relação à educação, na medida
em que a concretização do contrato de aprendizagem está vinculado à matrícula e frequência
em instituição de ensino.
Muito embora a contratação de aprendizes com ou sem deficiência seja obrigatória
para as empresas, sob pena de aplicação de multas, (como ocorre com a lei de cotas), a
verdade é que essas organizações cumprem a sua função social ao propiciarem a oportunidade
dessas pessoas aprenderem uma profissão e terem condições de serem incluídas no mercado
de trabalho qualificadas, e assim não mais necessitando de benefícios governamentais ante a
conquista da autonomia e independência.
3.3 POLÍTICAS EMPRESARIAIS: A NECESSÁRIA MUDANÇA ATITUDINAL
O presente tópico tem por fim demonstrar que a concretização da inclusão social de
pessoas com deficiência no mercado de trabalho requer muito mais que a implementação das
políticas governamentais estudadas nos tópicos anteriores. Isso porque as barreiras mais
difíceis de serem transpostas são aquelas culturais, pois é necessário uma mudança de postura,
tanto do público interno da empresa quanto da sociedade, para que essa inclusão seja feita a
contento, sob pena da própria pessoa com deficiência preferir a exclusão e o exclusivo amparo
assistencial do Estado, a compor a classe de trabalhadores e consumidores que contribuem
para o crescimento e desenvolvimento do país.
A mudança na concepção dos paradigmas da ação social demonstra que há
um esforço da empresa em interagir com a coletividade. A idéia de ação
positiva não abarca somente as iniciativas de ordem empresarial, mas, em
150
GUGEL,
Maria
Aparecida.
Benefício
da
Prestação
Continuada.
Disponível
em
<http://vidaindependentebh.blogspot.com/2011/10/beneficio-da-prestacao-continuada.html> Acesso em 22 dez.
2011.
97
sua maioria, a força de um movimento que se abre para o modo como a
empresa encara sua relação com o ambiente social.151
A importância da efetiva inclusão da pessoa com deficiência nas organizações vai
além do cumprimento da criticada lei de cotas, tendo em vista que empresas voltadas para a
sustentabilidade social, que trabalham com ética, incorporando sua função social, tem se
destacado, causando impactos positivos no mercado globalizado.
Além dos impactos positivos na economia pela inclusão da pessoa com deficiência no
mercado de trabalho, pode-se evidenciar que a empresa será responsável pela realização dos
princípios fundamentais da Ordem Econômica Constitucional, como se verá adiante.
3.3.1 Acessibilidade empresarial
Quando se fala em acessibilidade o que logo vem à mente é aquela voltada ao aspecto
arquitetônico, no entanto, ao se tratar do paradigma da inclusão com vistas ao respeito à
diversidade humana, tem-se que a acessibilidade não se restringe a apenas um ponto e por isso
é que a empresa inclusiva se preocupa em adotar medidas de acessibilidade nas suas mais
variadas formas.
Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais físicas, no interior e
no entorno dos escritórios e fábricas e nos meios de transporte coletivo
utilizados pelas empresas para seus funcionários.
Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação interpessoal
(face a face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual etc.), na
comunicação escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo
textos em braile, textos com letras ampliadas para quem tem baixa visão,
notebook e outras tecnologias assistivas para comunicar) e na comunicação
virtual (acessibilidade digital).
Acessibilidade metodológica: sem barreiras nos métodos e técnicas de
trabalho (treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, execução de
tarefas, ergonomia, novo conceito de fluxograma, empoderamento etc.).
Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de
trabalho (ferramentas, máquinas, equipamentos, lápis, caneta, teclado de
computador etc.).
Acessibilidade programática: sem barreiras invisíveis embutidas em políticas
(leis, decretos, portarias, resoluções, ordens de serviço, regulamentos etc.).
Acessibilidade atitudinal: sem preconceitos, estigmas, estereótipos e
discriminações, como resultado de programas e práticas de sensibilização e
151
OLIVEIRA, Lourival José de. Das principais formas de se efetivar a integração dos portadores de
necessidades especiais no mercado de trabalho.Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, n. 19, jun/dez.
2011.
98
de conscientização dos trabalhadores em geral e da convivência na
diversidade humana nos locais de trabalho.152
Entende-se que a mudança de atitude é o ponto de partida para a inclusão de pessoas
com deficiência, principalmente no tocante à realidade de que a mão de obra da pessoa com
deficiência tem o mesmo peso daquela sem deficiência e esta união faz com que a empresa
cumpra seu papel econômico e também ético-social.
Vale registrar que essa postura inclusivista começa a ser uma busca real da sociedade
empresarial, o que somente foi possível de fato a partir da ratificação da Convenção sobre os
direitos das pessoas com deficiência e também agora com o Plano Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência, o “Viver sem Limite”, já mencionado, que tem por escopo a
promoção da autonomia da pessoa com deficiência com vistas a garantia de equiparação de
oportunidades na saúde, na educação, no trabalho e no lazer.
Espera-se que essa busca seja incorporada em todos os segmentos empresariais,
inclusive pelas micro e pequenas empresas, por serem consideradas as maiores geradoras de
postos de trabalho do país153, a nível quantitativo, o que por certo promoveria de forma
universal a diversidade, garantindo o exercício da dignidade da pessoa com deficiência.
3.3.2 Emprego apoiado
O emprego apoiado ou emprego com apoio é um programa criado nos Estados Unidos
no final da década de 70 e regulamentado desde o ano de 1984, data em que foi editada a Lei
de Deficiências de Desenvolvimento e em seguida, a Lei de Reabilitação Profissional em
1986, onde recursos financeiros e suportes são disponibilizados a todos os Estados do país,
com a finalidade de inserir a pessoa com deficiência na empresa e treiná-la com o apoio
individualizado de um responsável por treinar a pessoa na medida da sua limitação, até que
esta consiga por si mesma executar suas funções laborais. O emprego apoiado é adotado como
uma política pública.
A orientação, a supervisão e as ajudas técnicas entre outros elementos que
auxiliem ou permitam compensar uma ou mais limitações funcionais
motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, de modo
152
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed,
2010, p. 67/68.
153
SEBRAE, Estudo e pesquisas. Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa. Disponível em
<http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/25BA39988A7410D78325795D003E8172/$File/NT000472
76.pdf > Acesso em 23 dez. 2011.
99
a superar as barreiras da mobilidade e da comunicação, possibilitando a
plena utilização de suas capacidades em condições de normalidade. 154
O emprego apoiado prima pelo auxílio às pessoas com deficiência no ingresso ao
mercado de trabalho até a sua plena adaptação no meio ambiente do trabalho e qualificação
que deverá ocorrer após a contratação.
Países como Canadá e Espanha também adotam o processo de colocação de pessoas
com deficiência no mercado de trabalho por intermédio do emprego apoiado, onde o Estado
viabiliza o repasse de recursos para a implementação, inclusive remuneração e treinamento de
pessoal, aquisição de equipamentos, transporte etc.155
Importa dizer que o Brasil não adotou o processo de emprego apoiado, mas há no
Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999, que regulamentou a Política Nacional de
Integração da Pessoa com Deficiência, uma possibilidade para sua implementação.
Art. 35. São modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de
deficiência: [...]
§ 2o Consideram-se procedimentos especiais os meios utilizados para a
contratação de pessoa que, devido ao seu grau de deficiência, transitória ou
permanente, exija condições especiais, tais como jornada variável, horário
flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado às
suas especificidades, entre outros.156
Estudos evidenciam que a prática do emprego apoiado voltada para a inclusão de
pessoas com deficiência no mercado competitivo contribui na gestão da diversidade do capital
humano das empresas, possibilita a redução de despesas com pensões e subsídios sociais do
Estado. A relação custo benefício foi considerada positiva principalmente pelos resultados
refletidos nas pessoas com deficiência participantes do emprego apoiado, pois proporcionou
fortalecimento individual e social, empoderamento pessoal, sentimento de bem-estar e
realização, além da autonomia e independência.157
154
BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. A inclusão das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho. 2 ed., Brasília: MTE, SIT, 2007, p. 35.
155
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed,
2010, p. 81.
156
BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.htm > Acesso em 23 dez. 2011.
157
COELHO, Vera Pires. Os contributos do emprego apoiado para a integração das pessoas com doença
mental.
Análise
Psicológica
(2010),
3
(XXVIII):
465-478.
Disponível
em
<http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v28n3/v28n3a07.pdf> Acesso em 27 dez. 2011.
100
Os reflexos positivos ora apontados demonstram que o emprego apoiado possibilita,
mediante política inclusivista, o desenvolvimento social e econômico individual das pessoas
com deficiência e consequentemente, coletivo.
O recurso do emprego apoiado, embora ainda não esteja amparado por uma política
pública específica, tem se iniciado no país através de Organizações não Governamentais ONGs, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIPs e de pessoas com
deficiência engajadas na causa da inclusão social. A Secretaria de Ciência e Tecnologia para
Inclusão Social do Ministério da Ciência e Tecnologia – Secis/MCT reconheceu em 2008 o
emprego apoiado como tecnologia social e passou a desenvolver ações para transferência de
tecnologia. Instituições como a Pestalozzi de São Paulo, a Associação Nova Projeto, a Carpe
Diem, alguns professores da Universidade Estadual Paulista – Unesp, entre outros, tem
desenvolvido ações de emprego apoiado, mas reconhece-se que ainda são inexpressivas.158
A implementação da política do emprego apoiado no Brasil, em cooperação com o
empresariado, seria ferramenta útil para consolidar as demais políticas de inclusão social, pois
restou demonstrado em países aderentes à referida política que a colocação de pessoas com
deficiência no mercado de trabalho via emprego apoiado, possibilita que pessoas até então
“invisíveis” participem ativamente tanto do progresso individual como do coletivo.
As mobilizações no país em prol do processo de emprego apoiado progridem passo a
passo e como já restou demonstrado por estudos e pesquisas o seu sucesso em países que
consolidaram essa metodologia, é mister a implementação dessa prática com vistas à plena
inclusão e cumprimento das responsabilidades sociais dos entes que compõem o Estado
Democrático Brasileiro.
3.4 A EFETIVA INCLUSÃO E SEUS REFLEXOS MULTIFACETADOS
Como adiantado acima, a efetiva inclusão gera efeitos multifacetados em todos os
setores e de forma global. A eficácia da inclusão social, como visto, tem a ver com a mudança
atitudinal do Estado, da empresa, da sociedade e da pessoa com deficiência. De acordo com a
análise feita das políticas criadas pelo Estado, constata-se um avanço considerável que busca
acompanhar a evolução dos direitos humanos, como a ratificação da Convenção sobre os
158
REVISTA NACIONAL DE TECNOLOGIA ASSISTIVA. Edição outubro 2011. Emprego apoiado visa
inserir
pessoas
com
deficiência
no
mercado
de
trabalho.Disponível
em
<http://www.revistanacionalta.org.br/pagina.php?idA=12> Acesso em 22 dez. 2011.
101
direitos das pessoas com deficiência e o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência.
Esse avanço, embora positivo, ainda encontra-se em construção, requerendo
aperfeiçoamentos a cada transformação das relações sociais, assim, nunca estará pronto e
acabado, mas na busca das conformações pautadas na promoção do desenvolvimento da
autonomia dessa classe de pessoas e de toda sociedade.
O Judiciário brasileiro, no que pertine à tutela constitucional das pessoas com
deficiência, notadamente do exercício da dignidade pela autonomia dessa categoria de
pessoas, tem progredido a passos largos, como evidenciado no entendimento da Nona Câmara
Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que confirmou decisão
de Primeira Instância que condenou o Estado do Rio Grande do Sul a indenizar um aluno
cadeirante que teve sua autonomia limitada por ausência de rampa de acesso na escola
estadual.
APELAÇÃO CÍVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESCOLA PÚBLICA.
PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ACESSIBILIDADE.
PROCESSO CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA.
Tratando-se de reparação por danos extrapatrimoniais, admite-se que a parte
formule pedido genérico, não sendo a quantificação do dano pressuposto de
admissibilidade. Precedentes.
DANO MORAL. LOCOMOÇÃO DE ALUNO CADEIRANTE. DEVER
DE INDENIZAR CARACTERIZADO.
Hipótese dos autos em que a Escola a fim de resguardar a segurança dos
alunos alterou o local de acesso ao estabelecimento de ensino, pois no portão
secundário os estudantes ficavam expostos a agressões. Entretanto, o portão
principal não oferecia condições de acessibilidade ao aluno portador de
deficiência física, pois não possuía estrutura adequada à locomoção de um
cadeirante. Não há dúvidas de que a atitude da Escola violou os direitos
fundamentais do aluno deficiente físico, que teve desprezado o seu direito à
igualdade, à liberdade, à dignidade e à convivência comunitária, bem como
acarretou angustia e sofrimento aos seus pais, que despenderem esforços
com o objetivo de promoverem a integração do portador de necessidades
especiais com os demais estudantes. Conduta discriminatória caracterizada.
Dano moral configurado.159
A violação ao direito fundamental de ir e vir do aluno cadeirante, o impedindo de
adentrar nas dependências da escola pública com autonomia, foi fator determinante para
condenar o Estado ao pagamento de danos morais pela conduta discriminatória e de exclusão
social.
159
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação n. 70029544897. 9 Câmara Cível.
Relator Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary. DJ 30.09.2009. Disponível em <http://www.trjs.jus.br>
Acesso em 04 mar. 2012.
102
A promoção do desenvolvimento da autonomia da pessoa com deficiência e sua
conseqüente inclusão social, por óbvio, com o passar do tempo, irá desonerar o Estado que
poderá aplicar os recursos antes destinados a programas assistencialistas, em novas
necessidades.
Relativamente a empresa, verifica-se que a prática da plena inclusão social, onde a
ética é aplicada em todos os setores, inclusive na contratação e qualificação das pessoas com
deficiência, a conseqüência é a transformação da imagem organizacional para uma empresa
sustentável socialmente, o que sem sombra de dúvida agrega um inquestionável valor para a
comunidade empresarial.
A prática demonstra que um programa de responsabilidade social só traz
resultados positivos para a sociedade, e para a empresa, se for realizado de
forma autêntica. É necessário que a empresa tenha a cultura da
responsabilidade social incorporada ao seu pensamento. Desenvolver
programas sociais apenas para divulgar a empresa, ou como forma
compensatória, não traz resultados positivos sustentáveis ao longo do tempo.
Porém, nas empresas que incorporarem os princípios e os aplicarem
corretamente, podem ser sentidos resultados como valorização da imagem
institucional e da marca, maior lealdade do consumidor, maior capacidade de
recrutar e manter talentos, flexibilidade, capacidade de adaptação e
longevidade.160
Os impactos de uma empresa socialmente responsável também se estendem ao
mercado global, na medida em que uma organização que prima pelo cumprimento de seus
deveres (econômicos, ambientais e sociais), adquire boa reputação, o que facilita nas
negociações entre fornecedores, consumidores e funcionários.
De igual forma a sociedade é beneficiada com a inclusão social de pessoas com
deficiência, uma vez ser dever do povo cooperar para a realização de sua sociedade livre, justa
e solidária, até porque a pessoa com deficiência é cidadã como qualquer outra e merece ser
tratada com respeito e dignidade, com a sua inclusão, a sociedade cumpre o preceito medular
da Constituição Federal, o exercício da dignidade humana.
O sentido é de uma sociedade participativa na qual devemos caminhar para
uma participação autêntica de tudo o que se entende como povo, mesmo que
seja difícil, mas é necessário. Temos que integrar todos os elementos dentro
da sociedade. Uma sociedade que coloca à margem vários cidadãos não é
uma sociedade democrática, não é uma democracia participativa, ela precisa
integrar [incluir] todo cidadão com a satisfação das suas necessidades pelo
menos básicas e essenciais ao direito. [...] Hoje cidadão é o contribuinte, o
160
INSTITUTO
ETHOS.
Empresas
e
Responsabilidade
Social.
Disponível
em
<http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3344&Alias=Ethos&Lang> Acesso em 23 dez. 2011.
103
cego, o homossexual, o portador de AIDS, o ser humano no sentido
genérico. Não se pode entender mais cidadania como o indivíduo que
votava, como até pouco tempo correspondia àquele que exercia o seu direito
eleitoral. O conceito moderno de cidadania está revelando uma série de
concepções: é aquele que tem que ter as possibilidades da plenitude do
processo, da defesa, e também todos esses direitos que estamos discutindo.
Qualquer circunstância em que o indivíduo está ele tem que ser respeitado, a
cidadania vincula-se à dignidade humana.161
A tutela constitucional e legal das pessoas com deficiência no Brasil é a mais
abrangente possível, por isso não demanda mais regulamentação. A inclusão dessa categoria
de pessoas se efetiva no âmbito social quando a visão da sociedade está focada na democracia
participativa, onde todos os cidadãos são valorizados como ser humano independente de raça,
opção sexual, limitações físicas e psíquicas.
A sociedade inclusiva não se resume a disponibilizar apenas o acesso arquitetônico em
todos os ambientes públicos e de uso coletivo, mas “fortalece e valoriza as atitudes de
aceitação das diferenças individuais e enfatiza a importância da convivência, da cooperação e
da contribuição que todas as pessoas podem dar para construírem vidas mais justas, mais
saudáveis e mais satisfatórias”.162
Para a pessoa com deficiência, os benefícios da inclusão transcendem o cumprimento
de legislações, porque é uma resposta aos seus anseios, que por tempos viveu de forma
segregada. A inclusão social no mercado de trabalho resgata a dignidade e as rédeas de sua
própria vida.
Além do mais, por somarem uma grande parcela da sociedade, a inclusão social de
pessoas com deficiência no mercado de trabalho é a conseqüente transformação de meros
beneficiários do Estado em contribuintes e consumidores ativos que devolvem sua força de
trabalho e contribuem com o crescimento sustentável do país.
161
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A evolução dos direitos humanos e as pessoas com necessidades
especiais. II Seminário
Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas. Disponível em
<http://www.proex.pucminas.br/sociedadeinclusiva/sem2/abertura.pdf> Acesso em 21 mai 2011.
162
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed,
2010, p. 172.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo analisou os fundamentos da Ordem Econômica e verificou que a
atividade econômica tem assegurada a sua liberdade quando valorizado o trabalho humano, da
mesma forma, a propriedade privada, aqui compreendida a empresa, é dotada de respaldo
constitucional, desde que cumpra sua função social.
A tutela dos direitos fundamentais como a igualdade de oportunidades e acesso ao
mercado de trabalho, notadamente das pessoas com deficiência, permeia todos os princípios
que regem a Ordem Econômica e com eles deve se harmonizar. Observou-se que a
interpretação constitucional de princípios colidentes entre si, carece dos valores na
interpretação pelo método da ponderação frente às demandas em evolução, cujo alicerce é a
dignidade da pessoa humana.
A investigação revelou que as transformações sociais deram substrato ao
desenvolvimento econômico com repercussões no âmbito social e que a empresa assume
papel de destaque nas relações negociais, pois trata-se de sujeito de direito transformador do
meio em que se situa, na medida em que contrata a força de trabalho humano e gera riquezas.
A função social da empresa é imperativo constitucional que deve ser observado, nos
termos do artigo 170 da Lei Maior, bem por isso que a inclusão das pessoas com deficiência
na atividade econômica é meio de garantir a cidadania dessa classe de pessoas e de cumprir os
escopos constitucionais, porque é pelo trabalho que se promove o exercício da dignidade da
pessoa com deficiência, revelando-se fator de progresso econômico e social.
A socialização das atividades dos meios de produção mudou o foco ideológico da
atividade econômica, impondo-lhe uma utilidade social no contexto econômico, onde a
escolha por atitudes éticas e justas conduzem a sustentabilidade empresarial.
Todavia, a pesquisa apontou que a inclusão das pessoas com deficiência no mercado
de trabalho ultrapassa a proteção formal, na medida e, que a empresa contemporânea no
mercado globalizado encontra limitações em se manter competitiva e concomitantemente
adotar postura inclusiva.
O estudo demonstrou que as políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência
no mercado de trabalho, como a reserva de vagas de trabalho nas empresas da iniciativa
privada é ação ineficaz e não cumpre o papel inclusivista da norma, porque o mero
cumprimento da lei pelas empresas, sob pena de multa, não é garantia de respeito à
diversidade.
105
A pesquisa constatou que a ratificação da Convenção sobre os direitos das pessoas
com deficiência e mais recentemente o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, o Plano Viver sem Limite, que com aquele se conforma, foram passos
importantes para o país que aos poucos vem consolidando uma postura ética frente ao
problema da exclusão social das pessoas com deficiência.
A interação entre Estado e empresa na implementação das políticas de inclusão
refletem o grau de importância da empresa na ordem jurídica e na sua proporcional
responsabilidade econômica e social imposta pela Constituição Federal.
O trabalho apontou que os desafios para a inclusão das pessoas com deficiência no
mercado de trabalho tem início com a mudança de postura dos entes que compõem a Ordem
Econômica, cujo fio condutor é a acessibilidade proporcionada pela retirada de barreiras
visíveis e atitudinais.
Constatou-se que a mudança de conduta do Estado em cooperação com a empresa e
sociedade por meio de ações e mecanismos inclusivistas produzem generalizados efeitos
positivos.
Os reflexos são multifacetados recaindo sobre a empresa que agrega valor à sua
imagem ao promover a inclusão social, além de cumprir sua função social; o Estado cumpre o
seu mister previsto constitucionalmente ao implementar ações tendentes ao desenvolvimento
das capacidades intelectuais e profissionais das pessoas com deficiência, como a educação de
qualidade conduz o estabelecimento da valorização da diversidade.
A sociedade torna-se inclusiva, despida do ranço do preconceito e discriminação e a
pessoa com deficiência tem subsídios para desenvolver sua autonomia e poder de escolha da
própria vida.
Deste modo, constatou-se que o Estado ao colocar à disposição da população políticas
emancipatórias, somado a empresas que incorporam práticas sustentáveis, pautadas em sua
função social, juntamente com uma sociedade que respeita o próximo, os escopos
constitucionais da liberdade e dignidade sem qualquer tipo de discriminação serão manifestos
no meio econômico e social, conferindo real sentido e alcance aos ideais democráticos da
República Federativa do Brasil.
106
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