DÉBORA CAMARGO DE VASCONCELOS EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA: INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO MARÍLIA 2012 DÉBORA CAMARGO DE VASCONCELOS EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA: INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação da Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira. MARÍLIA 2012 Vasconcelos, Débora Camargo de Empresa e ordem econômica: Inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho/ Débora Camargo de Vasconcelos – Marília: UNIMAR, 2012. 111f. Dissertação (Trabalho de Conclusão de Curso) – Curso de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, 2012. 1. Função Social da Empresa 2. Inclusão da Pessoa com Deficiência 3.Ordem Econômica I. Débora Camargo de Vasconcelos. CDD: 341.378 Autor: Débora Camargo de Vasconcelos Título: Empresa e ordem econômica: inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob a orientação da Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira. Aprovado pela Banca Examinadora em 22/03/2012 _______________________________________ Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira Orientadora _______________________________________ Profa. Dra. Walkiria Martinez Heinrich Ferrer Avaliadora Interna _______________________________________ Prof. Dr. Osmar Viera da Silva Avaliador Externo Dedico este trabalho À Cristo Jesus, maior exemplo de respeito ao próximo. Ao meu filho João Felipe, amor incondicional. Aos meus pais João e Jandira, fonte do saber advindo de Deus. Ao Doutor Raze Rezek, possuidor de todo meu respeito e admiração. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por Sua misericórdia infinita. A Ele seja dada toda glória, todo o louvor e toda adoração agora e eternamente! Agradeço por Ele ter colocado em meu caminho pessoas incríveis, verdadeiros anjos da guarda, se assim puder nomeá-las. A começar pelos meus pais João e Jandira, me faltam as palavras para agradecer pelas lições aprendidas, lições estas que não se aprendem em bancos de escola, mas que são fundamentais para uma vida honesta e digna. Ao meu filho João Felipe, presente precioso concedido por Deus, pelo apoio e torcida. Aos meus irmãos, cunhados e sobrinhos, minha amada família, obrigada! À toda família Rezek que me acolheu e de uma forma ou de outra contribuiu para a minha formação intelectual e para que eu chegasse até aqui. À todos os professores do Curso de Mestrado, em especial a Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira que maior que seu nome só a sua sapiência e brilhantismo incomparáveis. Não posso deixar de agradecer ao Professor Doutor Lourival José Oliveira pela rica contribuição na elaboração do trabalho. Aos amigos de verdade conquistados ao longo dessa jornada, pelo carinho e companheirismo. Enfim, a todos os meus anjos da guarda o meu muitíssimo obrigada por tudo, sem vocês eu não venceria mais essa etapa da vida. Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis. Bertold Brecht EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA: A INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar a relação entre a empresa e a Ordem Econômica, considerando a imperativa observância constitucional aos direitos fundamentais das pessoas com deficiência, como a sua inclusão social pelo trabalho, com vistas à garantia de existência digna. A empresa é sujeito de direito capaz de cooperar com o Estado na realização desse mister, na medida em que interage com a sociedade que a circunda, tendo por dever o cumprimento de sua função social. Os desafios para a efetivação da função social da empresa no tocante a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho competitivo ultrapassam a tutela legal, notadamente quando depara-se com um rico arcabouço jurídico pertinente à espécie e uma realidade de exclusão. As políticas públicas de inclusão social vinculam a empresa e sociedade e devem servir para promover a autonomia das pessoas com deficiência. A mudança de postura dos sujeitos que integram a Ordem Econômica, atendendo aos ditames constitucionais e convenções internacionais é meio de efetivação da igualdade de oportunidades na inclusão social pelo trabalho das pessoas com deficiência. Palavras-chave: Função Social da Empresa. Inclusão da Pessoa com Deficiência. Ordem Econômica. BUSINESS AND THE ECONOMIC ORDER: PEOPLE WITH SPECIAL NEEDS AND THEIR INCLUSION IN THE WORKING PLACE ABSTRACT: This actual study has as an objective to analyze the relationship between the business and the Economic Order, considering the constitutional imperatives on enforcing the fundamental rights of people with special needs, such as their social work inclusion, envisioning their guarantee to live with dignity. The business is liable to cooperate attending to the proper demands of the State in the fulfillment of this goal, interacting properly within its social context, guided always by its duty to accomplish its social function. The challenges for the business to effectively fulfill its social functions concerning the inclusion of people with special needs in a competive working place go beyond the legal sponsorship, notably when it is faced with broad lawful norms pertinent to the specie in question and the reality of exclusion. The public policies for social inclusion bind up the business with society and they must be apt to promote the autonomy of people with special needs. The change of attitude of the subjects that form the Economic Order, observing the constitutional demands and the international conventions is the means to adquire effective equal opportunities in the social inclusion generated by the work of people with special needs. Key words: Business Social Function. People with Special Needs Inclusion. Economic Order. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11 1 ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988...................13 1.1 RESSALVA METODOLÓGICA: TERMINOLOGIA ADEQUADA..........................14 1.2 FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA..........................................................15 1.2.1 Valorização do trabalho humano...................................................................................15 1.2.2 Livre iniciativa..............................................................................................................19 1.2.3 Garantia de existência digna.........................................................................................23 1.2.4 Justiça social.................................................................................................................27 1.3 OBJETIVOS E PRINCÍPIOS DA REPÚBLICA E DA ORDEM ECONÔMICA.......30 1.3.1 Soberania nacional........................................................................................................32 1.3.2 Propriedade privada e sua função social.......................................................................35 1.3.3 Redução das desigualdades sociais e regionais.............................................................38 1.3.4 Busca do pleno emprego...............................................................................................40 1.4 A ASCENSÃO DOS PRINCÍPIOS NA MODERNA DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL................................................................................................................42 2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MUDANÇA SOCIAL.........................46 2.1 O MODELO LIBERAL, INTERVENCIONISTA E NEOLIBERAL E SUAS REPERCUSSÕES.....................................................................................................................46 2.1.1 Desenvolvimento econômico nas constituições do Brasil.........................................................................................................................................49 2.2 A EMPRESA NA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEA...............................................................................................................51 2.2.1 Função social da empresa..............................................................................................54 2.3 RESPONSABILIDADE ÉTICA E MORAL DA EMPRESA E A INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.............................................................................................60 2.3.1 O direito ao trabalho da pessoa com deficiência como garantia da cidadania e os entraves na sua efetivação.........................................................................................................64 3 POLÍTICAS INCLUSIVISTAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A CONSEQUENTE INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E EMPRESA..................................72 3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS VOLTADOS PARA A INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.............................................................................................73 3.1.1 Políticas de integração e políticas de inclusão: do modelo médico da deficiência ao modelo social da deficiência.....................................................................................................73 3.1.2 Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência...................................75 3.1.3 Lei de Cotas: uma política de incentivo ao trabalho das pessoas com deficiência?.....78 3.1.4 Programa Nacional de Acessibilidade...........................................................................84 3.1.5 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência..........................................86 3.1.6 Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência..............................................89 3.2 EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS INCLUSIVAS: LIMITES E POSSIBILIDADES....93 3.2.1 Corrupção política: um limitador da efetivação de políticas emancipatórias...............93 3.2.2 Benefício de Prestação Continuada e Contrato de Aprendizagem................................94 3.3 POLÍTICAS EMPRESARIAIS: A NECESSÁRIA MUDANÇA ATITUDINAL........96 3.3.1 Acessibilidade empresarial............................................................................................97 3.3.2 Emprego Apoiado..........................................................................................................98 3.4 A EFETIVA INCLUSÃO E SEUS REFLEXOS MULTIFACETADOS....................100 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................104 REFERÊNCIAS....................................................................................................................106 11 INTRODUÇÃO A economia capitalista no Brasil fez erigir como um dos seus pilares a livre iniciativa com a proteção constitucional da propriedade privada, de outro lado o respaldo prevalece desde que observada a sua função social. A valorização do trabalho humano com o fim precípuo de garantir existência digna a todos sem qualquer distinção, conforme os ditames da justiça social, encontra-se em patamar idêntico. A presente investigação tem por objetivo analisar o antagonismo manifestado no artigo 170 da Constituição Federal que trata da ordem econômica, considerando seus reflexos na atividade econômica e na inclusão da pessoa com deficiência, isso porque os fundamentos constitucionais devem ser interpretados de forma abrangente, na medida em que a valorização do trabalho humano acarreta o cumprimento da função social da empresa, pelo que, a análise da Ordem Econômica, sua estrutura principiológica e objetivos fins dão substrato à compreensão do modelo institucional brasileiro escolhido. À empresa foi conferido papel de destaque na Ordem Econômica, pois é responsável pelo desenvolvimento econômico e suas atitudes ainda repercutem diretamente em seu público interno, externo e perante toda sociedade, razão pela qual a mudança de foco para o desenvolvimento dos padrões éticos e morais com vistas à garantia da dignidade humana torna-se um imperativo constitucional, ante a estreita ligação dos direitos fundamentais no âmbito econômico, como a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência na inclusão social pelo trabalho. A importância da presente pesquisa repousa no fato de que a igualdade de oportunidades a todos é sem dúvida a pedra de toque para o progresso da nação e cumprimento dos preceitos constitucionais, mormente para as pessoas com deficiência, que segundo o último censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE1 representam 23,91% da população brasileira, ou seja, 45,6 milhões de pessoas com deficiência congênita ou adquirida ao longo da vida. O trabalho visa demonstrar que a inclusão dessa categoria de pessoas no mercado de trabalho tem sua relevância no sentido de ser o fio condutor do resgate da cidadania e consolidação de uma nação cuja premissa básica é a garantia dos direitos fundamentais e concomitantemente do crescimento e desenvolvimento econômico-social. 1 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Censo 2010. Disponível <http://www.censo2010.ibge.gov.br/resultados_do_censo2010.php> Acesso em 28 dez. 2011. em 12 Nesse contexto é que se estabelece a problemática voltada para a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho competitivo, delineando pelos métodos dedutivo e dialético os limites e possibilidades a partir das seguintes hipóteses destacadas no presente estudo: Qual o papel da empresa e suas implicações na execução de ações tendentes à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho? Como o Estado atua na inclusão social das pessoas com deficiência? Existem mecanismos eficazes que concretizem a inclusão social da pessoa com deficiência pelo trabalho? Delimitados os objetivos e hipóteses da presente pesquisa, apresenta-se breve exposição da estrutura do estudo proposto, cuja divisão se dá em três capítulos. O primeiro apresenta um estudo sobre a Ordem Econômica, seus fundamentos e objetivos estruturais, analisando a valorização do trabalho humano com vistas à garantia de existência digna e justiça social. O entrelaçamento dos direitos fundamentais, em especial da pessoa com deficiência, com os objetivos da atividade econômica, cuja interpretação se dá pelo método da ponderação de valores. O segundo capítulo aborda o desenvolvimento econômico e as transformações sociais que implicam em novas demandas e novas soluções pelo Direito. Analisa, ainda o papel da empresa na contemporaneidade e sua responsabilidade frente a inclusão das pessoas com deficiência. No terceiro capítulo, com o objetivo de responder ao problema levantado na investigação demonstra-se as políticas públicas já implementadas que visam a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, estabelecendo a interação entre o Estado e a Empresa na sua execução, bem como uma análise crítica às ações públicas e empresariais, considerando sua evolução no tempo. A efetivação de políticas inclusivistas executadas por todos os responsáveis que compõem a Ordem Econômica, também é assunto do terceiro capítulo, onde analisa-se os reflexos multifacetados daí advindos. 13 1 ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE 1988 Para compreender a Ordem Econômica brasileira, seus fundamentos e objetivos, necessário, primeiramente uma reflexão contextualizada, verifique as razões que a instituiu, para em seguida verificar em que se fundamenta e quais os objetivos desse sistema. A ordem econômica pode ser entendida economicamente como sendo um conjunto formado por pessoas de direito público e privado que produzem bens e serviços, os faz circular, distribuem para o consumo, gerando riquezas para o país. Sob o aspecto jurídico, tem-se que ordem econômica é considerada um sistema que disciplina todo esse trajeto, desde a produção ao consumo dos bens e serviços, almejando o desenvolvimento e o equilíbrio da economia e sociedade. 2 Com base no regramento jurídico, pode-se extrair, ainda, o grau de atuação do Estado na economia, o que se torna de suma importância para o presente estudo, visto que a presença do Estado neste setor, seja em menor ou maior intensidade, informará qual o modelo institucional vigente e qual deles se almeja. A inserção de um título específico para tratar da Ordem Econômica no texto constitucional de 1988, expressa a escolha “valorativa e ideológica por certo modelo de tratamento da política econômica, pela presença de princípios programáticos, direitos fundamentais econômicos e a organização da ação estatal na economia.”3 Pelo que, somente uma constituição de caráter social é que insere e prestigia a observância de uma Ordem Econômica. A instituição da Ordem Econômica brasileira tal como erigida na Constituição Federal de 1988, remete a inúmeras razões, tais como, ideológicas, sociais, econômicas, políticas, entre outras, mas por questões didáticas, restringir-se-á às razões econômico-sociais. O texto constitucional demonstra que o estabelecimento de um regime de mercado orientado pelo liberalismo, mas com evidente intervenção estatal para o fim de coibir abusos e preservar a livre concorrência, expressa que a liberdade econômica somente se legitima quando pautada nos ditames da justiça social e valores do trabalho humano, sem qualquer tipo de discriminação, consoante preceituam os artigos 170 e 3º da Constituição Federal. 2 BORGES, Alexandre Walmott. Preâmbulo da Constituição & a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 2003, p. 217. 3 Op. cit. p. 217. 14 Emerge daí a tutela dos direitos fundamentais de todos como a igualdade substancial e a dignidade da pessoa humana, em especial das pessoas com deficiência, cuja efetivação se dá pela sua inclusão no meio social, notadamente no mercado de trabalho. O catálogo de regras e princípios constantes no dispositivo constitucional em análise demonstra a carga valorativa escolhida pela Constituinte que deve direcionar o sistema vigente do país, pois tem como fundamentos os valores sociais do trabalho humano e da livre iniciativa, com objetivo de assegurar existência digna a todos, sempre pautada na justiça social. Sob esse prisma é que passa-se a apresentar de forma analítica alguns desses princípios e objetivos impostos pela Carta Magna que alicerçam a Ordem Econômica brasileira. 1.1 RESSALVA METODOLÓGICA: TERMINOLOGIA ADEQUADA Antes de adentrar às especificidades dos fundamentos da Ordem Econômica, é de rigor esclarecer que ainda não há um consenso acerca da questão terminológica das pessoas com deficiência, ora utilizando-se a doutrina da nomenclatura “pessoas com necessidades especiais”, ora “pessoas portadoras de deficiência”. Outras expressões foram utilizadas ao longo da história para designar as pessoas com algum tipo de limitação física, mental ou sensorial, como “excepcionais”, termo adotado a partir da Emenda Constitucional n. 1/1969, “débeis mentais”, “inválidos” entre outros.4 No entanto, tais expressões a despeito de conceituarem, na verdade discriminavam as pessoas com deficiência, pois davam ênfase à limitação em si e não à pessoa, indo na contramão dos fundamentos constitucionais, como da dignidade da pessoa humana, não mais sendo adotado. Quanto aos termos “pessoas portadoras de necessidades especiais” e “pessoas portadoras de deficiência”, amplamente utilizados, pois tinham por finalidade valorizar a pessoa e não estigmatizá-la, com a evolução dos estudos, também não foram considerados corretos. A expressão ‘pessoa com necessidades especiais’ é um gênero que contém as pessoas com deficiência, mas também acolhe os idosos, as gestantes, enfim, qualquer situação que implique tratamento diferenciado. Igualmente se abandona a expressão ‘pessoa portadora de deficiência’ com uma concordância em nível internacional, visto que as deficiências não se portam, 4 GONÇALVES, Nair Lemos. A pessoa excepcional e a legislação brasileira. Disponível em <http://www.2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181038/1/000360866.pdf> Acesso em 20 fev. 2012. 15 estão com a pessoa ou na pessoa, o que tem sido motivo para que se use, mais recentemente, conforme se fez ao longo de todo este texto, a forma ‘pessoa com deficiência’; esta é a denominação internacionalmente mais freqüente, [...]. 5 A expressão “pessoa portadora de necessidades especiais” é por demais abrangente e não consegue denominar as pessoas com deficiência, de igual modo as chamadas “pessoas portadoras de deficiência” não expressam a real condição das pessoas com deficiência, visto que aquele que porta algo, pode deixar de portar, o que não ocorre com a deficiência. Corroborando com Fonseca, Araujo6 explica que a expressão utilizada atualmente é “pessoa com deficiência”, notadamente porque a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas – ONU, ratificada pelo Brasil pelo Decreto-Legislativo n. 186 de 09 de julho de 20087, portanto com status de emenda constitucional, nos termos do procedimento do artigo quinto, parágrafo terceiro da Constituição Federal, sendo promulgada referida Convenção Internacional por intermédio do Decreto n. 6.949/20098. Razão pela qual, respeitados entendimentos doutrinários em contrário, adotou-se a nomenclatura “pessoas com deficiência” no presente trabalho. 1.2 FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA A Ordem Econômica brasileira além de manter uma economia de mercado, está alicerçada em dois fundamentos, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, tendo por objetivo precípuo, garantir a existência digna a todos, conforme os preceitos da justiça social. Sob essa perspectiva híbrida, que por essa razão é sobremodo complexa e intrigante, se volta a Ordem Econômica Nacional contemporânea. 1.2.1 Valorização do trabalho humano 5 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2423/2/TESE_PRONTA_E_REVISADA.PDF>. Acesso em: 05 dez. 2011. 6 ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. 4. ed. ver. ampl e atual.– Brasília: CORDE, 2011. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/protecao_const1.asp>. Acesso em 20 fev. 2012. 7 BRASIL, Congresso Nacional. Decreto Legislativo n. 186, 2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Congresso/DLG186-2008.htm> Acesso em 17 dez. 2011. 8 BRASIL, Presidência da República. Decreto 6.949, 2009. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm> Acesso em 21 fev. 2012. 16 Desde os tempos remotos o trabalho foi visto apenas como meio de se manter a subsistência do homem. Ao longo da história, foi desprestigiado a tal ponto que muitos seres humanos tiveram tratamento como escravo. Isso porque não havia uma consciência de respeito aos menos favorecidos. O cristianismo foi responsável por iniciar o discurso do valor da pessoa e de seu trabalho, posteriormente e com maior relevo no século XIX, doutrinas socialistas disseminaram a importância do valor social do trabalho. A partir da revolução francesa, que foi um marco para a economia, passou-se a valorizar não apenas o capital, mas também o trabalho.9 É pelo trabalho que se alcança a independência, o poder de escolha do homem sobre qual caminho a seguir, emergindo, diante disso, a necessidade do Estado em colocar à disposição regramentos capazes de assegurar direitos e garantias dos trabalhadores, por tratarse o trabalho também de um bem social capaz de proporcionar a existência digna. No Brasil, no século XX, alguns direitos do trabalhador com vistas ao exercício de uma vida digna, foram alçados a patamar constitucional mais especificamente a partir do advento da Constituição Federal de 1934, com o estabelecimento de um capítulo apartado denominado “Da ordem econômica e social”, onde a proibição de discriminação quanto ao recebimento de salários para trabalho idêntico representa um marco para o direito à igualdade e valorização do trabalho humano. A preocupação com o trabalho de menores de dezoito anos e de mulheres começa a receber a tutela do Estado.10 A intervenção estatal com vistas à proteção do trabalhador dá início no país com o advento da Constituição de 1934, mas observa-se que é a partir da edição da Constituição de 1946 que a valorização do trabalho humano se equipara à liberdade de iniciativa como princípio da ordem econômica e social. A Constituição social-democrática de 1946 trouxe um texto consonante com o influxo democrático que se sucedeu ao término da Segunda Grande Guerra, rompendo, ‘assim, com o corporativismo da Carta Constitucional de 1937’ [...]. Consagrou o trabalho, ademais, como uma obrigação social e se propôs a assegurá-lo a todos, garantindo ao cidadão uma existência digna.11 9 TOLEDO, Gastão Alves. O Direito Constitucional Econômico e sua Eficácia. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 172. 10 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2423/2/TESE_PRONTA_E_REVISADA.PDF>. Acesso em: 05 dez. 2011. 11 Op. cit. 17 A dignidade da pessoa pela valorização do trabalho foi inserida no texto constitucional bem antes da edição da Lei Magna de 1988, contudo, é de rigor consignar que nenhuma outra Constituição conseguiu abarcar toda gama de direitos como a Constituição Federal vigente. A Ordem Jurídica instituída, com a edição da Lei Magna de 1988, sem dúvida, buscou materializar de forma ampla o princípio da valorização do trabalho humano, consoante se depreende das normas contidas no artigo 7º ao garantir uma série de direitos para o fim de proporcionar melhor condição social. Frise que o prestígio a ser dado ao trabalho humano não se restringe aos “hipossuficientes”, mas também aos inventores, autores, artistas e outros (artigo 5º, incisos XXVII, XXVIII e XXIX), ou seja, a todos os trabalhadores sem distinção. O trabalho passou a possuir um caráter valorativo, erigido a fundamento da República Federativa do Brasil e essa garantia de direitos ao trabalhador visa a concretização da dignidade da pessoa humana, o qual também é fundamento do Estado brasileiro, nos termos do artigo 1º, inciso III do texto constitucional. Além da posição de destaque que o trabalho ocupa como alicerce do próprio Estado, passou a ser princípio da Ordem Social, consoante artigo 193 da Constituição Federal, onde dispõe que “a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bemestar e a justiça sociais”. E, ainda, é o trabalho humano fundamento da Ordem Econômica, nos termos do artigo 170 da Constituição Federal, como meio de se alcançar os objetivos fundamentais da República que estão elencados no artigo 3º do texto constitucional, a saber, uma sociedade livre, justa e solidária, plenamente desenvolvida, sem preconceitos e discriminações. Isso quer dizer que o Brasil se sustenta sobre o valor social do trabalho, tendo também neste princípio o fundamento da ordem econômica e social. O valor moral do trabalho, conquistado ao longo do tempo, representa o seu grau de importância, seja para o crescimento individual, seja para o da coletividade Dessa maneira, o trabalho ganha importância (social, econômica, política) e, por isso, precisa das garantias jurídicas necessárias. Nas sociedades democráticas, é possível a existência de tais garantias, na medida em que se elejam princípios os quais os cidadãos entendem como importantes para o seu desenvolvimento. [...]. O princípio da valorização do trabalho, agora elevado a status constitucional, determina que o desenvolvimento seja orientado nas duas perspectivas já explicadas: social e econômica. Pretende-se assim evitar os abusos cometidos no passado e buscar a construção de uma sociedade mais justa, fraterna, tal como é o objetivo das democráticas contemporâneas.12 12 BOCORNY, Leonardo Raupp. A valorização do trabalho humano no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: SAFE, 2003, p. 71/72. 18 A Constituição Cidadã, como se observa, dá tratamento diferenciado ao trabalho ao expressá-lo como valor moral do homem e não pura e simplesmente um meio de geração de riquezas. O trabalho é, pois, forma de se exercer a cidadania, porque tem o condão de integrar pessoas em atividades produtivas com vistas ao retorno econômico e concomitantemente à inserção social. Para a efetiva valorização do trabalho humano com vistas ao desenvolvimento econômico e social do país, é de rigor a criação de oportunidades a todos que estão aptos a cooperar para o progresso, isso em igualdade material de direitos, em especial para as pessoas com deficiência, que lutam pela sua plena inserção na vida social que se dá, inclusive, pelo trabalho que gera a independência, - assunto que será abordado de forma específica posteriormente -, pelo que, ainda são consideradas por muitos como pessoas inválidas, sem condições de serem inseridas na atividade laboral. Tendo em vista que o modelo institucional do Brasil é o Democrático de Direito, notadamente por se respaldar a ordem econômica em dupla ótica (econômica e social), faz-se imperiosa a intervenção do Estado para normatizar as relações entre capital e trabalho, coibindo os abusos e garantindo direitos a todos os trabalhadores sem distinção de qualquer natureza, assim como preconiza a Constituição Federal, para possibilitar harmonioso progresso social e econômico. Como mencionado, a materialização do princípio do valor do trabalho humano na sua plenitude, é tarefa árdua, como bem assinala Oliveira ao indagar: Como se valoriza o trabalho? Em primeiro momento, através da geração de mais postos de trabalho: que haja um melhor trabalho com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade, com a participação de quem trabalha no gerenciamento empresarial, sem discriminação; que seja melhor retribuído, com a efetivação dos direitos sociais consubstanciados nos artigos 6º a 11 da C.F.; que haja uma efetiva política pública de qualificação da mão de obra, capacitando criativamente o ser humano. 13 Sob esse ponto de vista, observa-se que se deve, então, empreender esforços em conjunto da iniciativa privada e do Estado para a efetivação da justiça social e da dignidade do homem pela valorização do trabalho, pois esse é o comando inserto no regramento constitucional. 13 OLIVEIRA, Lourival José. Da Inconstitucionalidade da Atividade Empresarial quando resulta na Desvalorização do Trabalho Humano in Atividade Empresarial e mudança social/Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira, Maria de Fátima Ribeiro, orgs. São Paulo: Arte & Ciência; Marília: Unimar, 2009, p. 86. 19 Todavia, assim como as pessoas com deficiência sofrem com a exclusão social, em pleno século XXI, segundo informação divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 251 empregadores ainda submetem seus empregados a condições análogas a de escravidão14, na contramão da liberdade e dignidade. Mas, o Governo Federal tem empreendido esforços para a erradicação do trabalho escravo ao implementar medidas que restringem as relações negociais dos inscritos no cadastro do MTE de empregadores que desrespeitam os direitos e garantias dos empregados, uma espécie de “ficha suja”que além de impedir a livre negociação desses infratores, ainda impõe aos mesmos multa pecuniária. A intervenção estatal nesse particular, embora a passos lentos, tem surtido efeitos positivos, na medida em que a divulgação dos empregadores que violam os princípios constitucionais que norteiam o Estado Democrático de Direito, conscientiza sobre a responsabilidade imposta pelo Manual Supremo ao tomador de serviço, ao proprietário dos meios de produção, à empresa, que tem o dever de observar os preceitos democráticos da ordem jurídica para a promoção do bem de todos e desenvolvimento econômico-social. 1.2.2 Livre iniciativa Com previsão na Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso IV e artigo 170, caput, a livre iniciativa é considerada fundamento da ordem econômica. Elevada à condição de princípio fundamental, juntamente com valores sociais do trabalho. Silva15 ensina que a livre iniciativa significa “liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas pelo mesmo”. É uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação econômica equivale ao direito de todos tem de lançarem-se ao mercado da produção de bens e serviços por sua conta e risco.16 14 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, disponível em <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A316B68810131727755744EA6/cadastro_empregadores.pdf>Aces so em 29 jul. 2011. 15 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 760. 16 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. vol. 7, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 16. 20 Contudo, a livre iniciativa é relativizada, conforme se depreende do parágrafo único do artigo 170, onde pode se impor restrições mediante lei para o livre exercício de uma determinada atividade. A liberdade de iniciativa se manifesta entre outros pela livre concorrência, sendo certo que ambas estão umbilicalmente ligadas, se complementando entre si, não havendo o que se falar em livre iniciativa se não existir a livre concorrência. É, pois, pela liberdade de iniciativa que se concretiza o direito do homem de escolher livremente o seu trabalho e se lançar em determinada atividade econômica. De igual maneira, como um ciclo, é o exercício dessa liberdade que propicia a existência digna do homem, alcançando uma das finalidades da Ordem Econômica. Considerada desde a perspectiva substancial, tanto como resistência ao poder, quanto como reivindicação por melhores condições de vida (liberdade individual e liberdade sócio econômica), podemos descrever a liberdade como sensibilidade e acessibilidade a alternativas de conduta e de resultado. Pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe de sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento – aí a sensibilidade; e não se pode chamar livre, também, aquele ao qual tal acesso é sonegado – aí a acessibilidade.17 O livre acesso ao empreendedorismo, nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 170, deve ser estimulado de forma universalizada, notadamente no que diz respeito às pessoas com deficiência, pois quando trabalhadas suas potencialidades, participam positivamente no desenvolvimento econômico, bem como na construção da dignidade humana. A liberdade proclamada constitucionalmente somente se desenvolve numa sociedade consciente tanto dos seus direitos, como de seus deveres, além de um Estado pontualmente intervencionista na repressão do abuso e no fomento do progresso democrático. O valor social da livre iniciativa é contemplado na Constituição Cidadã como fundamento da República Federativa do Brasil, sendo imposto que a ordem econômica deve ser fundada na livre iniciativa, além de considerar como princípio da ordem econômica a livre concorrência. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa devem ser tomados em conjunto e não de forma individualizada. Isso porque, a livre iniciativa só será válida como fundamento da República Federativa do Brasil quando expressar o seu valor social. 17 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 203. 21 São fundamentos da República, isto é, do Brasil, entre outros, o valor social do trabalho e o valor social da livre iniciativa. A ordem econômica (mundo do ser) deve estar fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa – a Constituição consagra, aí, note-se, valorização do trabalho humano e livre iniciativa, simplesmente. A livre iniciativa, ademais, é tomada no quanto expressa de socialmente valioso; por isso não pode ser reduzida, meramente, à feição que assume como liberdade econômica, empresarial (isso é, da empresa, expressão do dinamismo dos bens de produção); pela mesma razão não se pode nela, livre iniciativa, visualizar tão-somente, apenas, uma afirmação do capitalismo. Assim, livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pelo capital, mas também pelo trabalho.18 A Constituição Federal de 1988 impõe que a economia deve ser pautada pelo sistema de livre iniciativa, onde o mercado capitalista tem relevante papel no desenvolvimento econômico. Inobstante essa natureza eminentemente capitalista instituída, o trabalho humano tem primazia na ordem econômica. Esses dois fundamentos devem caminhar juntos para viabilizar a construção de um país desenvolvido que garante a dignidade de sua Nação, caso contrário, a finalidade da Ordem Econômica se perderá no trajeto, não havendo mais razão de ser. Dizer que a livre iniciativa é fundamento da Ordem Econômica é também afirmar que a estrutura desta está centrada na atividade das pessoas e dos grupos e não na atividade do Estado. Não significa a exclusão deste, mas ressalta que o exercício da atividade econômica, na produção, na gestão, na direção, na empresa, está regulado originariamente pelo chamado princípio da exclusão: o que não está proibido, está permitido. Obviamente, isto não é um reconhecimento do laissez fair. Há de se ter em conta que livre iniciativa e valorização do trabalho humano devem estar conjugados. Trata-se de uma Ordem com dois fundamentos. Liberdade, como base, está em ambos. Na iniciativa, em termos de liberdade negativa, de ausência de impedimentos para a expansão da própria criatividade. Na valorização do trabalho humano, em termos de liberdade positiva, de participação sem alienação na construção da riqueza econômica. 19 O imperativo constitucional é bem claro ao determinar que a livre iniciativa deve observância ao valor do trabalho humano, à pessoa em si, na medida em que os princípios são tomados em conjunto, o que conduz ao exercício da função social na atividade econômica e à promoção da dignidade da pessoa humana. 18 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 214. 19 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Revistas da Procuradoria Geral do Estado – Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Disponível: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm> Acesso em 15 fev. 2011. 22 O entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADI 2.649 demonstra a efetividade da norma constitucional ao conjugar a livre iniciativa com a valorização da pessoa com deficiência. Ação direta de inconstitucionalidade: Associação Brasileira das Empresas de Transporte Rodoviário Intermunicipal, Interestadual e Internacional de Passageiros – ABRATI. Constitucionalidade da Lei 8.899, de 29 de junho de 1994, que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência. Alegação de afronta aos princípios da ordem econômica, da isonomia, da livre iniciativa e do direito de propriedade, além de ausência de indicação de fonte de custeio (arts. 1º, IV; 5º, XXII; e 170 da CF): improcedência. [...] Em 30-3-2007, o Brasil assinou, na sede da ONU, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo, comprometendo-se a implementar medidas para dar efetividade ao que foi ajustado. A Lei 8.899/1994 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados.20 Observa-se que a livre iniciativa não se legitima quando entendida de forma ilimitada, ou seja, sem respeitar os demais escopos constitucionais como a proteção da pessoa com deficiência, em especial quando em jogo a acessibilidade desta classe de pessoas para a concretização, inclusive da valorização do trabalho humano. E, para a realização desses preceitos constitucionais, cabe ao Estado, fiscalizar, estimular e planejar a atividade econômica de forma indireta, nos termos do artigo 174 da Carta Magna, o qual atuará sobre a economia, implantando políticas de incentivo para fomentar o desenvolvimento econômico e também social, bem como de forma direta, quando, extraordinariamente for necessária a atuação do Estado na economia (como empresário), desde que reste comprovado que essa atuação servirá para resguardar a segurança nacional ou atender relevante interesse coletivo, consoante artigo 173 da Constituição Federal.21 Essa intervenção do Estado sobre a economia garante, entre outros, o exercício da livre concorrência na atividade econômica, cuja finalidade precípua é a garantia da efetiva igualdade de oportunidades a todos, equilibrando as relações econômicas de forma justa e igualitária e, em contrapartida, viabiliza o exercício do segundo fundamento e não menos 20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.649, Relatora Ministra Carmen Lucia, julgamento em 08-052008, Plenário, DJE de 17-10-2008. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201664> Acesso em 20 fev. 2012. 21 BARROSO, Luis Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº. 14, junho/agosto, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 15 fev. 2011. 23 importante, o da valorização do trabalho humano, cujo fim maior é a garantia da dignidade humana. 1.2.3 Garantia de existência digna Por muito tempo a dignidade da pessoa, inobstante os ensinamentos bíblicos, esteve relacionada com a posição social ocupada e consequente prestígio perante seus pares, mas mesmo assim, foram tais valores cristãos uma fonte de inspiração para em séculos seguintes, em meio às atrocidades decorrentes de duas grandes guerras, para respaldar movimentos sociais, notadamente no continente europeu, culminando na aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948. A Declaração dos Direitos do Homem reconheceu o valor da vida humana como fundamento do progresso individual e coletivo, sendo este o ponto de partida para que os países signatários inserissem os valores provenientes da dignidade humana em seus Ordenamentos, considerando que a proteção de tais direitos está umbilicalmente relacionada com a transformação da sociedade, seja no âmbito social, seja no econômico.22 O aviltamento da dignidade da pessoa humana, ao contrário, torna inócua a condição do homem, visto que a dignidade é um atributo inerente da própria pessoa e a sua violação atinge outros direitos fundamentais como o direito à igualdade de oportunidades a todos, daí a busca constante pela sua proteção para a manutenção e desenvolvimento do indivíduo e da coletividade. O resgate da dignidade como valor do homem ocorreu com a Declaração de Direitos Humanos da ONU, sendo que a Alemanha, no ano seguinte cuidou de inserir sua proteção pela Lei Fundamental Alemã (Grundgesetz), em 1976 foi a vez de Portugal, quando da promulgação de sua Constituição da República e posteriormente em 1978 pela Espanha com advento de sua Constituição.23 O Brasil, apesar de inserir a garantia de existência digna no Ordenamento Jurídico desde a edição da Constituição Federal de 1934, foi a partir da Constituição Federal de 1988, com respaldo nas diretrizes traçadas pela Declaração Universal e espelhando-se nas constituições democráticas até então proclamadas, que conseguiu adequar de forma plena toda 22 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 88. 23 BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 162. 24 a carga valorativa e principiológica necessária a reconhecer e garantir os direitos do homem e sua dignidade ao estabelecer como fundamento do Estado Democrático de Direito a garantia de existência digna a todos, como instrumento para construção de uma sociedade justa e solidária. Nos termos do artigo 1º da Constituição Federal, inciso III, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, bem como finalidade da Ordem Econômica, consoante artigo 170, caput, da Constituição Federal. Isso quer dizer que o Estado brasileiro será considerado uma efetiva democracia, nos moldes da Constituição Federal enquanto garantir a dignidade da pessoa humana, sendo assegurada, concomitantemente a soberania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. A promoção da dignidade da pessoa humana como fim da Ordem Econômica brasileira, demonstra uma preocupação maior no exercício da atividade econômica, pois se não observada a existência digna, restará violado princípio duplamente contemplado na Constituição, razão pela qual o próprio texto constitucional estabeleceu a medida da responsabilidade de todos os sujeitos de direito que integram o meio econômico,24 com vistas ao equilíbrio no crescimento e desenvolvimento econômico atrelado ao social. Isso porque, como visto, a Ordem Econômica do Brasil foi humanizada, a exemplo de outras democracias que adotaram como alicerce do Estado a proteção dos direitos fundamentais, onde não se concebe mais a prevalência do capitalismo em detrimento da dignidade do homem. Como bem observa Canotilho, ao ensinar que a elevação da dignidade da pessoa humana a fundamento essencial da República portuguesa, representa a conscientização do real valor do homem para o desenvolvimento de uma sociedade justa, até porque a República foi idealizada e instituída pelos desígnios do homem e não o contrário. [...] a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. A compreensão da dignidade da pessoa humana associada à idéia de homo noumenon justificará a conformação constitucional da República Portuguesa onde é proibida a pena de morte (artigo 24º) e a prisão perpétua (artigo 30.º/1). A pessoa ao serviço da qual está a República também pode cooperar na República, na medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a condição de cidadão, ou seja, um membro normal e plenamente cooperante ao longo da sua vida. 24 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 199. 25 Por último, a dignidade da pessoa humana exprime a abertura da República à idéia de comunidade constitucional inclusiva pautada pelo multiculturalismo mundividencial, religioso ou filosófico. (grifos do autor).25 A preocupação em assegurar existência digna a todos, diz respeito não apenas à proteção da integridade física e mental do homem, mas, sobretudo, ao seu desenvolvimento social, tendo o Estado Constitucional português como postulado, a possibilidade de acesso ao trabalho, capacitação profissional e programas assistenciais, nos termos da Constituição da República Portuguesa, em seus artigos 53.º, 58.º, 63.º, 64.º Apesar de o Brasil ter adotado viés idêntico ao português em compasso com a Declaração Universal e as demais constituições democráticas dos países estrangeiros, onde a dignidade da pessoa humana passou a ser considerada a espinha dorsal do Estado com o advento da Constituição de 1988, a sua concretização vai além da positivação, na medida em que a garantia de existência digna pressupõe a proteção de vários outros direitos fundamentais que, por vezes são sonegados numa economia de mercado, mormente de um Estado como o brasileiro que carrega um fardo de desigualdade sem precedentes. E isso gera um problema estrutural, de modo que a falta de viabilização dos direitos que integram o exercício da dignidade do homem, como os direitos sociais, melhor distribuição de oportunidades e outros fundamentalmente importantes, atenta não apenas contra a democracia, mas contra a própria humanidade do indivíduo. Lembrando-nos de que, se atentarmos contra a dignidade, estaremos, na verdade, atentando contra a própria humanidade do indivíduo. Além disso, é preciso ressaltar que ao Estado não apenas é vedada a possibilidade de tirar a vida (daí, por exemplo, a proibição da pena de morte) mas também que a ele se impõe o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui a própria razão de ser do Estado, além de pressuposto para o exercício de qualquer direito (fundamental ou não). Não nos parece absurda a observação de que negar ao indivíduo os recursos materiais mínimos para a manutenção de sua existência (negando-lhe por exemplo uma pensão adequada na velhice, quando já não possui condições de prover seu sustento) pode significar em última análise, condená-lo à morte por inanição, por falta de atendimento médico, etc.26 A aplicação dos princípios constitucionais, aqui em especial da dignidade, é medida de rigor, pois não se pode falar em efetivação de direitos, quando, por exemplo, há o reconhecimento formal dos direitos das pessoas com deficiência a tratamentos de habilitação 25 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2002, p. 225. 26 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 352. 26 e reabilitação com vistas à sua inclusão social, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal e o Estado ser omisso ao não implementar políticas públicas pertinentes à espécie. O princípio da dignidade humana e principalmente a sua proteção é considerada a fonte de vida da liberdade e democracia, supraprincípios que direcionam uma sociedade justa e solidária. Diante da magnitude desse princípio, tem o Estado importante papel na efetivação dos direitos inerentes à promoção do exercício da dignidade humana individual e também coletiva, o qual se instrumentaliza tanto de forma negativa pelo direito a liberdade, igualdade e suas garantias daí advindas, como de cunho positivo, através de políticas públicas prestacionais e emancipatórias, direcionando e inclusive, criando condições para possibilitar a aplicação da dignidade. Todavia, merece ser ressaltado mais uma vez que o Estado por vezes sonega seu dever de garantir a existência digna dos cidadãos brasileiros, com uma triste e pálida justificativa de demandas sociais infinitas em contraste com a insuficiência de recursos aptos a satisfação de todas as necessidades econômicas, sociais e culturais. Ocorre que direitos constitucionalmente assegurados devem ser acatados pelo Estado e quando não o são, é dever do Judiciário suprir a omissão para a concretização dos escopos constitucionais. APELAÇÃO - Obrigação de Fazer – Fornecimento gratuito de dieta enteral a pessoa idosa e enferma - Inadmissibilidade de recusa pela Administração Pública - Defesa de direito indisponível (direito à saúde) – Solidariedade entre União, Estados e Municípios em relação ao dever de prestar assistência à população na área da saúde - O atendimento à apelada é medida de rigor, ante a proteção constitucionalmente prevista que se relaciona com o direito à vida e à dignidade da pessoa humana - Inaplicabilidade da Teoria da Reserva do Possível em matéria de preservação do direito à vida e à saúde Precedentes do STF e do STJ - Inteligência do artigo 196 da Constituição Federal, bem como do Estatuto do Idoso - Recurso desprovido.27 No presente caso o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade entre os entes federativos no que diz respeito à saúde, que o Município de Taubaté fornecesse o suplemento alimentar postulado mediante impetração de Mandado de Segurança e em caso de impossibilidade de atendimento pelo Município, que a obrigação fosse suprida pelo Estado. A aplicação do principio da igualdade com vistas ao exercício da dignidade da pessoa humana também pode ser observada pelo julgamento do Mandado de Segurança impetrado no 27 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n. 990.10.058994-6. 9. Câmara de Direito Público. Relator Desembargador Sérgio Gomes. DJ 07.04.2010. Disponível em <http://www.tj.sp.gov.br> Acesso em 27 mai. 2011. 27 Estado de Goiás, onde o impetrante que é pessoa deficiente postulou pela isenção tributária para a aquisição de um automóvel em seu nome para ser conduzido por um terceiro, com fundamento na lei 7.853/198928 que dispõe sobre a integração da pessoa com deficiência no meio social. MANDADO DE SEGURANÇA. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM ISENÇÃO DE ICMS E IPVA POR DEFICIENTE FÍSICO PARA USO PRÓPRIO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. MALFERIMENTO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1 - A Legislação referente aos benefícios fiscais tem que ser interpretada em consonância com as disposições da Lei nº 7.853/89, que tutela o interesse dos portadores de necessidades especiais. 2 - A isenção legal de impostos para a aquisição de veículo por portador de necessidades especiais, para uso próprio, não pode ser interpretada restritivamente, sob pena de violar os princípios constitucionais da Isonomia Tributária e Dignidade da Pessoa Humana. Segurança concedida.29 O Poder Judiciário, numa interpretação abrangente dos princípios constitucionais e suas regulamentações, entendeu por bem conceder a segurança, pois em jogo a dignidade de um cidadão que como qualquer outro tem o direito à acessibilidade e por ser pessoa com deficiência, deve receber especial atenção do Estado. Isso porque a escolha valorativa da República Federativa do Brasil em ascender ao ápice a dignidade da pessoa humana como seu firmamento, aponta para a necessidade da sua devida materialização, sob pena de se assinar o atestado de óbito da democracia. O exercício da dignidade humana deve ser promovido e garantido também pela iniciativa privada em cooperação com o Estado em cumprimento às determinações dos artigos 3º e 170 da Lei Maior, tudo para concretizar o ideário de uma sociedade desenvolvida economicamente, mas também justa e solidária. 1.2.4 Justiça social Um dos princípios que regem a atividade econômica brasileira é o princípio da justiça social. Conforme artigo 170 da Constituição Federal, é pelo exercício da justiça social que se 28 BRASIL, Presidência da República. Lei n. 7.853, 1989. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm> Acesso em 21 fev. 2012. 29 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação em Mandado de Segurança n. 36517726.2011.8.09.0000. 3. Câmara Cível. Relator Desembargador Rogério Aredio Ferreira. DJ 16.02.2012. Disponível em <http://www.tjgo.jus.br/index.php?sec=consulta&item=decisoes&subitem=jusrisprudencia&acao=consultar> Acesso em 21 fev. 2012. 28 assegura a existência digna. Isso porque a promoção da justiça nas suas mais variadas formas, aqui em especial no âmbito social, tem a ver com um tratamento de equidade para com a sociedade inserida direta ou indiretamente na Ordem Econômica. O princípio da justiça social é meio instrumentalizador da busca pelo equilíbrio na atividade econômica, capaz de realizar os direitos fundamentais como igualdade, liberdade, existência digna, ou seja, o valor da justiça é o norte para a realização da cidadania e para o bem estar de todos. Ocorre que o capitalismo vigente no país não enxerga o princípio da justiça social como pressuposto garantidor da existência digna a todos, mas tão somente uma justiça nas relações privadas, razão pela qual não ser tarefa fácil a sua efetivação nesse sistema econômico. É que a justiça social só se realiza mediante equitativa distribuição da riqueza. Um regime de acumulação ou de concentração do capital e da renda nacional, que resulta da apropriação privada dos meios de produção, não propicia efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao lado da minoria afortunada. A história mostra que a injustiça é inerente ao modo de produção capitalista, mormente do capitalismo periférico. Algumas providências constitucionais formam agora um conjunto de direitos sociais com mecanismos de concreção que devidamente utilizados podem tornar menos abstrata a promessa de justiça social. Esta é realmente uma determinante essencial que impõe e obriga que todas as demais regras da constituição econômica sejam entendidas e operadas em função dela.30 O acúmulo de riquezas nas mãos de uma minoria, condição inerente de uma economia de mercado, não pode justificar a inaplicabilidade do princípio da justiça social, por ser, assim como os demais princípios fundamentais, estrutura central da Ordem Econômica Brasileira. Na tradição ocidental, deve entender a justiça como um princípio formal que se preenche substantivamente das demais virtudes ou, como diríamos agora, dos demais valores. Justiça, neste sentido, é afirmação de um sentimento de inconformismo perante certas diferenças (valor igualdade), perante arbitrariedades (valor segurança), perante a miséria (valor bem-estar), perante a apatia (valor desenvolvimento), perante a negação da dignidade da pessoa como um ser capaz de autodeterminar-se e de participar na realização do bem-comum (valor liberdade). A justiça, como valor fundante, organiza os demais valores e se revela, num sentido substantivo próprio, como 30 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 789. 29 equilíbrio axiológico, ponderação e prudência, mas também como desafio e realização.31 A realização da justiça social deve estar voltada para a dignidade da pessoa humana com vistas ao seu progresso e não apenas à satisfação das suas necessidades, por exemplo a concessão de benefícios governamentais às pessoas com deficiência, sob o ponto de vista da justiça social em si, conforma-se com o sistema jurídico, todavia, sob o prisma da construção da dignidade pelo trabalho, viola-se um princípio fundamental e consequentemente não cumpre o próprio princípio da justiça social, pois ao optar pela política assistencialista ao fomento da qualificação e empreendedorismo dessa classe de pessoas, impede-se que pessoas se tornem aptas para o trabalho e exerçam a efetiva igualdade de acesso e a dignidade. O princípio da justiça social realiza o princípio da existência digna e assim a complementa. É também a justiça social um dos objetivos da República. Seu alcance não se restringe à justa distribuição de riqueza, mas vai além, chegando à fronteira do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, a Constituição Federal consagrou a economia capitalista em nosso sistema, mas buscou humanizá-la, sujeitando a ordem econômica aos ditames da justiça social com o fim de se garantir a existência digna a todos. Os desafios para a materialização da justiça social parecem obstáculos quase intransponíveis quando se depara com o histórico de desigualdade estrutural do país, por diversas razões - que serão analisadas mais detidamente a tempo e modo no decorrer do trabalho -, são sonegados direitos fundamentais das pessoas, como por exemplo, o acesso à saúde digna, educação de qualidade, oportunidade de trabalho decente sem discriminação e por conseqüência, violado o princípio da justiça social tolhendo o direito à existência digna do cidadão. Por não ser mais considerado o princípio da justiça social uma mera imposição ética, mas uma exigência da política econômica capitalista contemporânea, nos termos da Constituição Federal, sua concretização deve demandar esforços não apenas do Estado, como garantidor do bem estar social, mas também da iniciativa privada que tem sua quota de responsabilidade dentro da Ordem Econômica, notadamente quando diz respeito ao mandamento constitucional no cumprimento de sua função social que se traduz entre outros pela inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, como será tratado no decorrer do trabalho. 31 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Em http: // www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm. Acesso em 25 ago 2011. 30 1.3 OBJETIVOS E PRINCÍPIOS DA REPÚBLICA E DA ORDEM ECONÔMICA Estabelece o texto constitucional em seu artigo 3º que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Esses objetivos fundamentais são a “bússola” para dar a direção do fim almejado pela Constituinte, qual seja, a concretização da existência digna do homem como indivíduo e como Nação, sendo certo que os meios para essa travessia, ou podemos dizer o “barco e os remos”, são as prestações positivas dos agentes participantes desse contexto que servem como o instrumental para a realização da efetiva democracia econômica, social e cultural. Constituição dirigente que é, a de 1988 reclama – e não apenas autoriza – interpretação dinâmica. Volta-se à transformação da sociedade, transformação que será promovida na medida em que se reconheça, no art. 3º - e isso se impõe - , fundamento à reivindicação, pela sociedade, de direito à realização de políticas públicas. Políticas públicas que, objeto de reivindicação constitucionalmente legitimada, hão de importar o fornecimento de prestações à sociedade.32 Vale mencionar que a República Portuguesa se pauta no respeito e na garantia da concretização dos direitos e liberdades fundamentais, consoante artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa. Essas liberdades, como ensina Canotilho33, indicam uma ordem constitucional livre em consequência da junção de dois tipos de direitos: os direitos individuais que o autor nomencla de “direitos e liberdades de natureza pessoal” e os direitos coletivos, citado pelo autor como “direitos e liberdades de participação política” na ordem democrática. A República Portuguesa também possui um viés social, eis que, muito embora apresente características de natureza liberal, como respeitar o direito de propriedade privada (artigo 62.º) e a liberdade de iniciativa (artigo 61.º), visa o bem comum com a busca pela solução das questões sociais. 32 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 217. 33 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2002, p. 226. 31 O direito que informa a juridicidade estatal aponta para a ideia de justiça. O que é que faz a diferença entre um estado de direito e um estado de direito justo? A resposta depende da esfera de justiça que se pretenda reconhecer. Estado de justiça é aquele em que se observam e protegem os direitos (rights) incluindo os direitos das minorias (Dworkin). Estado de justiça é também aquele em que há equidade (fairness) na distribuição de direitos e deveres fundamentais e na determinação da divisão de benefícios da cooperação em sociedade (Rawls). Estado de Justiça considerar-se-á ainda o ‘estado social de justiça’ (justiça social) em que existe igualdade de distribuição de bens e igualdade de oportunidades (Marx). Embora a ideia de justiça compreenda diversas esferas, nela está sempre presente (embora com ela não se identifique) uma idéia de igualdade: ‘direito a ser considerado como um igual’ (Rawls), ‘direito a ser titular de igual respeito e consideração’ (Dworkin), ‘direito a iguais atribuições na comunicação política’ (Ackerman, Habermas), ‘direito a ser tratado igualmente pela lei e pelos órgãos aplicadores da lei’. A justiça fará, assim, parte da própria idéia de direito (Radbruch) e esta concretizar-se-á através de princípios jurídicos materiais cujo denominador comum se reconduz à afirmação e respeito da dignidade da pessoa humana, à proteção da liberdade e desenvolvimento da personalidade e à realização da igualdade (cf. AC TC 132/91).34 A justiça somente se realiza de forma concreta numa sociedade que prima pela igualdade. A Constituição Federal de 1988 apresenta expressa vedação a qualquer tipo de discriminação, tendo como direito fundamental do Estado a igualdade. É garantida pelo texto constitucional no seu sentido formal (por exemplo, artigo 5º, caput), onde estabelece que todos são iguais perante a lei no artigo 7º, inciso XXX, onde proíbe diferenças de salário e discriminação por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e o inciso XXXI, que veda a discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Contudo não se pode afirmar que o Brasil é um Estado de efetiva Justiça Social, que promove o pleno exercício da igualdade material, onde todos são respeitados nas suas igualdades e diferenças, sejam étnicas, sociais e físicas. Somente uma postura consciente e pró-ativa do Estado e dos demais sujeitos de direito em cooperação, é capaz de concretizar esse arcabouço de direitos e garantias constitucionais. Sabemos que esta igualdade material não oferece, cria-se; não se propõe, efectiva-se; não é um princípio, mas uma conseqüência. O seu sujeito não a traz como qualidade inata que a Constituição tenha de confirmar e que requeira uma atitude mero respeito; ele recebe-a através de uma série de prestações, porquanto nem é inerente às pessoas, nem preexistente ao Estado. Onde bastaria que o cidadão exercesse ou pudesse exercer as próprias faculdade (sic) jurídicas, carece-se doravante de actos públicos em 34 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2002, p. 245. 32 autônoma discricionariedade. Onde preexistiam direitos, imprescindíveis, descobrem-se condições externas que se modificam, se removem ou se adquirem. Assim, o conceito do direito à igualdade consiste sempre num comportamento positivo, num facere ou num dare.35 Necessário, pois, a mudança de paradigmas para corrigir a desigualdade histórica que assola o país, que ora é ignorada pelos destinatários dos preceitos constitucionais, ora é observada de forma desvirtuada pelo Estado, que por não raras vezes prioriza a implementação de políticas públicas assistenciais e se “esquece” das emancipatórias, que dão continuidade e garantem o processo da democracia sócio-econômica, como se verá adiante. A democracia econômica e social abrange as duas dimensões da tríade clássica: liberte e égalité. Em face da Constituição, não se pode interpretar o princípio da igualdade como ‘princípio estático’ indiferente à eliminação das desigualdades, e o princípio da democracia econômica como um ‘princípio dinâmico’, impositivo de uma igualdade material. Isto poderia significar, de novo, quer a relativização do princípio da igualdade, quer a relativização do princípio da democracia social. Aquele interpretar-se-ia no sentido de igualdade formal perante a lei, esquecendo a dimensão da ‘dignidade social’ (cfr. Art. 13.º); este constituiria tão-somente um instrumento de diminuição de desigualdades fácticas. A igualdade material postulada pelo princípio da igualdade é também a igualdade real veiculada pelo princípio da democracia econômica e social. Nesta perspectiva, o princípio da democracia econômica e social não é um simples ‘instrumento’, não tem uma função instrumental a respeito do princípio da igualdade, embora se lhe possa assinalar uma ‘função conformadora’ tradicionalmente recusada ao princípio da igualdade: garantia de igualdade de oportunidades e não apenas de uma certa ‘justiça de oportunidades’.36 O acesso à igualdade de oportunidades às pessoas com deficiência que estejam aptas a contribuírem para o desenvolvimento econômico do país, ou mesmo aquelas que após um trabalho de adaptação e qualificação, são incluídas no mercado competitivo de trabalho, concretiza a democracia econômica e social e acima de tudo, gera a liberdade e dignidade, nos termos da Constituição Cidadã. 1.3.1 Soberania Nacional A soberania Nacional é fundamento do Estado brasileiro, nos termos do artigo 1º da Constituição Federal, além de princípio informador da Ordem Econômica, consoante se 35 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 2. ed., rev. e actual., Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 1993, p. 95. 36 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2002, p. 350. 33 constata pela dicção do inciso I do artigo 170 da Lei Maior. Como fundamento da República, a soberania nacional se relaciona no contexto sócio-político, onde o Estado detém o poder para atuar no plano interno, sem se submeter a outros países, ante a sua auto-suficiência. Já como princípio da Ordem Econômica, pode-se dizer que a soberania tem a ver com a independência econômica do Estado perante os demais. Para tanto, o desenvolvimento interno é de rigor, nos exatos termos do artigo 219 do Texto Constitucional, o qual prevê que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem estar da população e a autonomia tecnológica do país, nos termos de lei federal. Contudo, o fenômeno da globalização desestruturou todas as bases conceituais sobre a soberania construídas até então, principalmente dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Isso porque os avanços da tecnologia e da informação das grandes potencias mundiais disseminaram por todo o mundo, o que fez transformar a visão da soberania nacional no cenário atual. O processo de mundialização econômica está causando a redução dos espaços políticos, substituindo a razão política pela técnica. Há um processo de tentativa de substituição dos governos que exprimem a soberania popular pelas estruturas de governance, cujos protagonistas são organismos nacionais e internacionais “neutros” (bancos, agências governamentais “independentes”, organizações não-governamentais, empresas transnacionais, etc) e representantes de interesses econômicos e financeiros. A estrutura da governance, portanto, é formada por atores técnicoburocráticos sem responsabilidade política e fora do controle democrático, cujo objetivo é excluir as decisões econômicas do debate político.37 O postulado da soberania nacional tal como interpretado no texto constitucional, foi relativizado ante as transformações advindas do processo da globalização, todavia, não se afigura razoável apresentá-lo como a vulneração do Estado. Ora, se é certo que a Constituição Federal foi escolhida como manual da República e que deve ser observada no seu todo, necessário atentar para os objetivos principais do Estado elencados no texto constitucional, cuja finalidade é a supremacia da dignidade humana, criando-se novas perspectivas, como por exemplo, colocar em prática o quanto estabelecido no artigo 219 da Constituição, na medida em que a promoção do desenvolvimento social, econômico e tecnológico do país, que somente se dará com a criação de oportunidades decentes e justas, bem como investimentos sérios no setor da tecnologia e informação, serão 37 BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: para uma crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 334. 34 capazes de tornar o Brasil um Estado forte e competitivo perante os demais, além de que a realização do apontado regramento constitucional dará margem ao exercício da cidadania. Afirmar a soberania econômica nacional como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e como objetivo particular a ser alcançado é definir programa de políticas públicas voltadas – repito – não ao isolamento econômico, mas a viabilizar a participação da sociedade brasileira, em condições de igualdade, no mercado internacional.38 O princípio da soberania nacional não pode pressupor o fechamento econômico, mas a transformação da economia e da sociedade, rompendo com a desigualdade que torna o país extremamente dependente, resultado do desenvolvimento industrial tardio, comparado aos países desenvolvidos, com economias capitalistas estruturadas. Pelo que, a partir da moderna concepção de soberania econômica, os países não perderam sua força como Estado Soberano, mas passaram a ser interdependentes, colaboradores entre si para o fim de realizar o desenvolvimento econômico, que deve estar sempre atrelado ao bem estar da sociedade. Mencionada interdependência entre os Estados, sem violação à Soberania Nacional, pode ser facilmente constatada pelas deliberações de entidades internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho – OIT e Organização das Nações Unidas – ONU, que em decorrência da universalização dos direitos fundamentais e da necessária tutela também universal, trabalham para que os Estados sejam cooperadores entre si para a concretização da liberdade e dignidade de todos os povos, sem qualquer discriminação. A Convenção n. 111 da OIT de 1958 e ratificada pelo Brasil em 1965, inaugura as diretrizes internacionais que tutelam os direitos fundamentais ao abolir qualquer tipo de discriminação, propiciando igualdade de oportunidades, visando o progresso material e desenvolvimento espiritual pelo trabalho. A Convenção 159 da OIT de 1983 e ratificada pelo Brasil em 1990, trata especificamente sobre habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência para a sua participação plena na vida social e no desenvolvimento econômico. 39 O Brasil e outros países signatários não perdem a sua soberania ao ratificarem as convenções internacionais, mas fazem uma escolha valorativa em relativizar seu poder nacional para fomentar a proteção aos direitos fundamentais de seus cidadãos. A Convenção Interamericana da Guatemala de 1999 e ratificada pelo Brasil em 2001, prevê a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência, 38 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p.232. 39 OIT, Organização Internacional do Trabalho. Promovendo o trabalho decente. Convenções ratificadas pelo Brasil. Disponível em <www.oit.org.br/convention> Acesso em 21 fev. 2012. 35 comprometendo-se os Estados Partes a empreenderem esforços com a implementação de medidas para integração plena das pessoas com deficiência à sociedade, como o acesso facilitado a transporte, comunicação, remoção de barreiras arquitetônicas, pesquisas em cooperação científica e tecnológica com vistas à prevenção, tratamento e reabilitação das pessoas com deficiência, além da promoção de vida independente e auto-suficiente dessa categoria de pessoas.40 A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, realizada em Nova York em 2007 e ratificada pelo Brasil em 2008, também é outro exemplo de cooperativismo entre os Estados para a proteção e melhora das condições de vida das pessoas com deficiência. Os direitos fundamentais e aqui em especial os direitos das pessoas com deficiência, não podem respeitar barreiras ante a sua universalidade, sendo certo que o deliberado cooperativismo entre os Estados não tem outra finalidade que não seja a busca pelo desenvolvimento individual das pessoas com deficiência, bem como o econômico e social da coletividade e do Estado. 1.3.2 Propriedade privada e sua função social A proteção da propriedade privada se justificou para o fim de garantir ao indivíduo a sua subsistência, no entanto, segundo GRAU41, a civilização contemporânea deixa de ter na propriedade privada, seu único meio de sustento, passando a ser o trabalho, o justo salário, as prestações assistenciais do Estado, educação, formação profissional, entre outros. Daí porque os regramentos contemporâneos consideram que a empresa se insere na proteção garantida à propriedade privada, e, por isso deve realizar a correspondente função social da propriedade. Assim, a propriedade não deixa de pertencer ao seu titular, mas este deve cumprir a função social dessa propriedade. [...] o princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e 40 AMPID, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência. Convenções e Declarações da ONU sobre a Pessoa com Deficiência. Disponível em <http://www.ampid.org.br/Docs_PD/Convencoes_ONU_PD.php> Acesso em 21 fev. 2012. 41 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p.240. 36 não, meramente de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade.42 A propriedade privada sofre estrutural mudança ao cumprir a função social imposta no texto constitucional, pois é a partir desse exercício que se busca realizar os ditames da justiça social e a existência digna. O princípio da propriedade privada é fruto do princípio da liberdade, sendo esta a viga mestra que orienta a democracia. A propriedade privada é resguardada pelo ordenamento constitucional, assim como os demais direitos fundamentais. A propriedade privada e a sua função social foram erigidas a princípios da Ordem Econômica, consoante incisos II e III do artigo 170 da Constituição Federal, respectivamente. Essa garantia da propriedade privada, no entanto, é relativizada pela própria Constituição Federal em casos específicos, notadamente quando diz respeito à sua destinação. Isso porque o inciso II do artigo 170 estabelece a proteção da propriedade como princípio da Ordem Econômica e, logo em seguida, o inciso III determina que essa propriedade privada cumpra a sua função social. Pelo que, a proteção à propriedade privada é legítima e constitucionalmente assegurada desde que esta cumpra a sua função social. Como apontado, a propriedade privada e a função social da propriedade foram elevadas a princípios da ordem econômica. A primeira, direito individual puro, denota que o sistema econômico é voltado para o liberalismo. A segunda atende ao fim que almeja a ordem econômica: existência digna a todos, conforme os ditames da justiça social. Ambos os princípios, evidenciam que a ordem econômica é fundada nas concepções da economia de mercado, com ênfase na iniciativa privada, mas o conceito de propriedade é relativizado para possibilitar a efetivação da justiça social. Silva distingue propriedade de bens de consumo e dos meios de produção, assinalando que, a primeira diz respeito a apropriação eminentemente privada. Trata-se de alimentos, vestuário, moradia, etc. A segunda diz respeito às ferramentas, matérias-primas, fábricas, etc., é a produção de rendas ou de outros bens. A função social desses bens consiste precisamente na sua aplicação imediata e direta na satisfação das necessidades humanas primárias, o que vale dizer que se destinam à manutenção da vida humana. Disso decorre que sejam predispostos à aquisição de todos com a maior possibilidade possível, o que justifica até a intervenção do Estado no domínio da sua distribuição, de modo a propiciar a realização ampla de sua função social. E este é um 42 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p.250. 37 princípio que se superpõe mesmo ao da iniciativa privada. Assim, a intervenção direta na distribuição de bens de consumo (conceito que inclui também os de uso pessoal duráveis: roupa, moradia etc.), para fomentar ou mesmo forçar o barateamento do custo de vida, constitui um modo legítimo de fazer cumprir a função social da propriedade.43 O artigo 5º, inciso XXIII da Carta Constitucional, trata da função social da propriedade de modo geral, no entanto a dicção do dispositivo em questão abarca todo e qualquer tipo de propriedade. Diante disso, a função social da propriedade está diretamente correlacionada com os valores do trabalho e dos demais ditames sociais, e por conseqüência lógica envolve a empresa, sujeito de direito responsável pela contratação desse trabalho humano para a produção de bens e serviços, com o fim de gerar riquezas e desenvolvimento e, simultaneamente, observar os valores sociais impostos pela Ordem Econômica. O art. 170, III ao ter a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica, reforça essa tese, mas a principal importância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à realização da existência digna de todos e da justiça social. Correlacionando essa compreensão com a valorização do trabalho humano (art. 170, caput), a defesa do consumidor (art. 170,V), a defesa do meio ambiente (art 170, VI), a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170,VII) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII), tem-se configurada a sua direta implicação com a propriedade dos bens de produção, especialmente imputada à empresa pela qual se realiza e efetiva o poder econômico, o poder de dominação empresarial. Disso decorre que tanto vale falar de função social da propriedade dos bens de produção, como de função social da empresa, como função social do poder econômico.44 Nesse contexto, Ferreira45 apresenta os princípios orientadores para a eficácia da função social da empresa, quais sejam: dignidade empresarial, cuja relação com a ética e consideração às regras de mercado são primordiais; moralidade empresarial, que se revela pela plena diligência e cuidado com a reputação da empresa, seja com o seu público externo, seja com seu público interno, além da qualidade dos produtos ou serviços colocados à disposição do consumidor em geral; por fim e não menos importante, o princípio da boa-fé empresarial, que se expressa pelo respeito ao próximo em todas as fases contratuais, inclusive nas pré e pós contratuais, pautando-se sempre pela honestidade. 43 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 813. 44 Op. cit. p. 814. 45 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Ética da Empresa. Revista Jurídica da Unifil, Ano II – n. 2. Disponível em: <web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf> Acesso em 15 fev. 2011, p. 78. 38 A função social da empresa está intrinsecamente relacionada com o acesso ao trabalho das pessoas com deficiência, na medida em que a inclusão eficaz dessa classe de pessoas no mercado proporciona o exercício da sua dignidade e valoriza a diversidade, em contrapartida ainda projeta-se uma imagem humanizada e preocupada com o desenvolvimento não só econômico, mas também social. É, acima de tudo, o cumprimento dos escopos constitucionais. 1.3.3 Redução das desigualdades regionais e sociais Conforme inciso III do artigo 3º da Constituição Federal, também constitui objetivo fundamental da República a redução das desigualdades regionais e sociais, além de ser princípio geral da atividade econômica, nos termos do inciso VII do artigo 170 do texto constitucional. Esse cunho ideológico inserto no artigo 3º da Constituição Federal é a busca pelo desenvolvimento equilibrado, porém, num país que adota a economia de mercado e onde a riqueza está monopolizada com uma minoria, se faz premente a conduta ativa do Estado para buscar a efetivação desse postulado, na medida em que é dever principal do Estado o desenvolvimento equilibrado da ordem econômico-social, nos termos do parágrafo 1º do artigo 174 da Constituição Federal. Como ocorre com a participação em fundos públicos (rendas tributárias), que se realiza por critérios legais, por exemplo, o número populacional, o PIB, entre outros, tudo nos termos do artigo 159 da Lei Constitucional. Outra maneira que almeja o desenvolvimento regional com previsão constitucional é a implementação de políticas públicas de incentivos fiscais para o fomento das regiões mais carentes, como forma de tentar compensar as dificuldades daí advindas e, assim, buscar nivelar o desenvolvimento, propiciando o exercício da igualdade e liberdade, bem como, por conseqüência, a dignidade da pessoa humana. Isso porque a equiparação de renda nas regiões menos desenvolvidas ou o desenvolvimento econômico dessas regiões irá concorrer para reduzir as proporções da pobreza, gerando trabalho para os menos favorecidos e recursos.46 Nesse contexto, o fomento da produção geraria aumento de empregos e consequentemente, maior renda e em tese, cumpriria o mandamento constitucional do artigo 46 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 376. 39 3º da Lei Magna no tocante à redução das desigualdades sociais e regionais. Muito embora sejam necessárias políticas de incentivo à produção, imprescindível um trabalho articulado porque De nada adiantam as políticas agressivas de obtenção de mais recursos ou indústrias para as áreas menos desenvolvidas (levadas a cabo recentemente por vários Estados por meio da ‘guerra fiscal’), sem que haja uma política de desenvolvimento e reorientação do gasto público em todos os níveis, voltada para a melhoria das condições de vida da população. O planejamento regional precisa ser retomado sem o caráter acessório que o condenou. Para tanto, as políticas públicas nacionais devem ser regionalizadas, adequando melhor os investimentos públicos e fazendo com que o planejamento regional adquira um papel essencial no planejamento nacional. A solução da ‘Questão Regional’ é política, não meramente técnica.47 O princípio da redução das desigualdades regionais e sociais, erigido a princípio constitucional fundamental e objetivo da República, é de observância obrigatória e vincula a todos os Poderes Públicos (Legislativo, Judiciário e Executivo), assim como os atores da atividade econômica. A ideologia constitucional não é neutra, é política, e vincula o intérprete. Os princípios constitucionais fundamentais, como o art. 3º da CF, são expressão das opções ideológicas essenciais sobre as finalidades sociais e econômicas do Estado, cuja realização é obrigatória para os órgãos e agentes estatais e para a sociedade ou, ao menos, os detentores de poder econômico ou social fora da esfera estatal. Constitui o art. 3º da CF um verdadeiro programa de ação e de legislação, devendo todas as atividades do Estado brasileiro (inclusive as políticas públicas, medidas legislativas e decisões judiciais) conformarem-se formal e materialmente ao programa inscrito no texto constitucional.48 O problema da desigualdade regional e social vivenciado no Brasil é tratado mediante a implementação de políticas públicas voltadas para a sua redução com vistas à transferência de renda, como ocorre, por exemplo, com o Programa Bolsa Família e com o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC – LOAS, este voltado para pessoas idosas e pessoas com deficiência. A instituição do Plano Brasil Sem Miséria pelo Decreto 7.492/201149 visa articular o aumento da renda da população em situação de extrema pobreza e a sua inclusão produtiva, 47 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 97. 48 Op. cit. p. 110. 49 BRASIL, Presidência da República. Decreto n. 7.492, 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/Decreto/D7492.htm> Acesso em 25 fev. 2012. 40 seja no âmbito rural, com assistência técnica para melhor produção para o autoconsumo e comercialização e transferência de recursos para fomento da unidade produtiva familiar, seja no âmbito urbano com inclusão social no mercado de trabalho mediante qualificação profissional com cursos de qualificação gratuitos. A execução do Plano Brasil Sem Miséria depende da cooperação de todos os entes estatais e da sociedade, o que demonstra estar em compasso com os valores estatuídos no artigo 3º da Constituição Federal, aqui em especial da redução das desigualdades regionais e sociais, pois necessário um verdadeiro engajamento da sociedade com vistas à efetivação da democracia participativa.50 O trabalho em cooperação para a redução das desigualdades regionais e sociais envolve a empresa que também é responsável por este mister, seja na contratação de pessoas, seja na sua manutenção no mercado e com o seu desenvolvimento, reduz o problema da desigualdade. As pessoas com deficiência assistidas pelo Plano Brasil Sem Miséria podem usufruir além do benefício assistencial, também da qualificação profissional e serem incluídas no mercado de trabalho, reduzindo assim uma desigualdade social pelo emprego. 1.3.4 Busca do pleno emprego O princípio da busca pelo pleno emprego está inserido no rol de princípios-fins da Ordem Econômica, conforme se vê no inciso VIII do artigo 170 da Constituição Federal, o qual é considerado um dos instrumentos para a realização da função social da propriedade (empresa), porque, ao proporcionar o emprego efetivamente pleno ao trabalhador, estará cumprindo a sua função social. E como já assinalado, é pelo trabalho que a pessoa conquista não apenas o meio para a sua subsistência, mas também o exercício da sua dignidade na inserção social do cidadão que trabalha e coopera para o progresso econômico e social do país. Também se garante proteção ao trabalhador, notadamente por estar intrinsecamente relacionado com a valorização do trabalho humano e ao direito social ao trabalho, nos termos do artigo 6º, caput, da Constituição Federal. 50 BRAVO, Álvaro A. Sánchez. Políticas Públicas de Inclusión Social in As políticas públicas no constitucionalismo contemporâneo [recurso eletrônico]: tomo 1/ organizadores:Jorge Renato dos Reis, Rogério Gesta Leal, Marli Marlene Moraes da Costa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009. Disponível em <http://www.unisc.br/edunisc> Acesso em 03 jan. 2011. 41 A busca do pleno emprego é um princípio diretivo da economia que se opõe às políticas recessivas. Pleno emprego é expressão abrangente da utilização, ao máximo grau, de todos os recursos produtivos. Mas aparece, no art. 170, VIII, especialmente no sentido de propiciar trabalho a todos quantos estejam em condições de exercer uma atividade produtiva. Trata-se do pleno emprego da força de trabalho capaz. Ele se harmoniza, assim, com a regra de que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano. Isso impede que o princípio seja considerado apenas como mera busca quantitativa, em que a economia absorva a força de trabalho disponível, como o consumo absorve as mercadorias. Quer-se que o trabalho seja a base do sistema econômico, receba o tratamento de principal fator de produção e participe do produto da riqueza e da renda em proporção de sua posição na ordem econômica.51 A preocupação da Ordem Constitucional brasileira na busca por proporcionar o pleno emprego, repousa no alto grau de importância que o trabalho detém na viabilização do crescimento e desenvolvimento econômico e social, sem olvidar do exercício da dignidade humana. Trabalho é atividade do homem denominada pela relação meio/fim, uma atividade instrumentalizadora que tem um produto: aquilo que o trabalhador fabrica e coloca no mundo, como algo que vem da sua arte e esforço e ganha vida própria no comércio com os outros. Pelo trabalho, o homem acresce a natureza, ao mudá-la conforme os seus propósitos. O trabalho, assim, humaniza a natureza, criando o mundo humano, o mundo das coisas permanentes que o homem criou como realidade objetiva. A valorização do trabalho liga-se, deste modo, à valorização dessa auto-realização do artifício humano que guarda, no seu íntimo, o sentido da liberdade. Trabalho, assim, é início, livremente disposto, e fim, produto acabado ao cabo de um processo, que todos podem perceber e sentir como algo que não havia e passou a existir. Nesse sentido, apanágio da cidadania!52 O pleno emprego buscado pela Ordem Econômica se conforma com a garantia de existência digna, mas a realidade vivenciada no mercado capitalista globalizado encontra dificuldades na materialização de tal princípio constitucional, principalmente em países com desenvolvimento tardio como o Brasil, que na ânsia pela manutenção da competitividade econômica por vezes deixam as questões sociais em segundo plano. Mas não se pode perder de vista que a busca do pleno emprego é princípio impositivo com natureza de norma-objetivo, revestida de caráter constitucional conformadora, que impõe a realização de ações instrumentalizadoras da efetivação da função social da propriedade e 51 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 797. 52 FERRA JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Disponível em <http://www.pge.sp.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm> Acesso em 15 fev 2011. 42 valorização do trabalho humano, tendo por conseqüência a promoção da dignidade humana que foi erigida a direito fundamental de caráter universal. 53 A busca do pleno emprego tem sido uma preocupação das Organizações Internacionais como a Organização Internacional do Trabalho – OIT que tem empreendido esforços para a implementação do denominado trabalho decente, tendo por fim concentrar os princípios fundamentais definidos na Declaração dos Direitos do Homem e todos os demais direitos daí advindos, como por exemplo, o respeito aos direitos trabalhistas, a liberdade sindical, a erradicação do trabalho degradante, escravo, do trabalho infantil, a eliminação de todos os tipos de discriminação e a promoção do trabalho que seja produtivo e de qualidade, tendo garantido todos os direitos sociais necessários para uma existência digna.54 O combate às injustiças que permeiam as sociedades capitalistas é um desafio do Estado, na implementação e promoção dos direitos e garantias sociais e da sociedade civil, em especial a empresa, responsável pela contratação e manutenção dos trabalhadores no mercado. Deste modo, tem-se que a observância do princípio do trabalho decente ou como definido na Lei Maior de pleno emprego, refletirá diretamente no cumprimento da função social da empresa. Com todo efeito, tais princípios constitucionais convergem entre si para impedir o retrocesso social e garantir a viabilização do progresso. 1.4 A ASCENSÃO DOS PRINCÍPIOS NA MODERNA DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL Como elencado, a Constituição Federal de 1988, passou a carrear em seu bojo um arcabouço de princípios, onde os valores são adotados como regras de conduta, tudo em resposta aos anseios sociais. No entanto, uma norma somente alcançará a sua finalidade quando efetivamente aplicável e justa no caso concreto. Para tanto o processo hermenêutico é primordial para possibilitar a sua equânime concretização. Contudo, a interpretação dos princípios constitucionais gerou não pouco transtorno, na medida em que o sistema, plenamente positivista, sempre se pautou na exclusiva utilização da regra da subsunção, o qual se aplica o fato concreto à norma, chegando ao seu resultado, de modo que por serem as regras descritivas de condutas, incidindo ou não no caso concreto conforme o modelo tradicional (subsunção), a previsibilidade e objetividade do Ordenamento 53 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 257/258. 54 OIT, Organização Internacional do Trabalho. O que é trabalho decente? Disponível em <http://www.oit.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente> Acesso em 07 set 2011. 43 Jurídico se fazem presentes, emergindo daí, no pensamento positivista, a segurança jurídica, pois, as regras sempre foram objetivas e determinadas. Todavia, ao se deparar com questões mais complexas trazidas pelos princípios constitucionais, como valores a serem garantidos, apenas a subsunção passou a ser ineficaz. Isso porque questões como os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, a liberdade, por exemplo, carecem de um método interpretativo mais abrangente, que permitam normas mais flexíveis e abstratas, como os princípios, possibilitando a sua aplicação a um maior contingente de situações. A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido55. Por ser a Constituição Federal dotada de caráter principiológico, não é suficiente um único meio de resposta, como ocorre com o método do tudo ou nada da subsunção. Na interpretação do Direito, se faz premente o método da ponderação quando em jogo questões complexas. A interpretação do direito tem caráter constitutivo – não, pois, meramente declaratório – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de uma norma de decisão.56 A necessidade de uma interpretação principiológica pelo método da ponderação de valores quando tratar-se de direitos fundamentais como a dignidade da pessoa com deficiência, a mera aplicação do fato à norma é insuficiente para a efetiva aplicação do direito. Por conterem os princípios uma maior carga valorativa com base na ética, por não haver hierarquia entre eles e, quando em jogo valores contrapostos, como a liberdade de 55 BARROSO, Luis Roberto. O começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. Disponível em <http://www.femparpr.org.br/userfiles/file/texto_principios_constitucionais_barroso.pdf> Acesso 4 mar 2011. 56 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 161. 44 iniciativa e a valorização do trabalho humano, por exemplo, evidente a necessidade de uma interpretação diversa daquela simples adequação do fato à norma para a solução do caso concreto. Assim, quando em cena tais antagonismos, aplica-se a denominada técnica da ponderação. A técnica em questão é utilizada notadamente na atividade jurisdicional, onde os interesses, bens e valores são sopesados quando existentes princípios em colisão, devendo prevalecer o mais apropriado à situação real, sendo certo que todo procedimento hermenêutico deve ser pautado no “princípio instrumental da razoabilidade e proporcionalidade” 57, também previstos na Constituição Federal, mesmo que implícitos. A regra da subsunção na interpretação das normas constitucionais, não foi abandonada, mas agregaram-se a ela novos métodos a fim de almejar a solução mais adequada e justa ao caso concreto dentre diversas possibilidades interpretativas sobre uma mesma hipótese, frente às modernas demandas estabelecidas pela Ordem Jurídica. Nesse contexto, busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral da Constituição e das leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluemse a reentronização dos valores na interpretação jurídica, com o reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a ética.58 A evolução hermenêutica aqui apresentada de forma sumária, experimentada no Brasil a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, tem como finalidade superar as desigualdades históricas ao estabelecer direitos fundamentais aos cidadãos e garantia de existência digna no contexto social, político e econômico, onde ao texto constitucional é concedida a supremacia sobre as demais normas do sistema jurídico, devendo todo o Ordenamento com ele se compatibilizar. O direito a inclusão das pessoas com deficiência no meio econômico e social é direito fundamental e deve se conformar com os princípios constitucionais, devendo ser observado 57 BARROSO, Luis Roberto. O começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. Disponível em <http://www.femparpr.org.br/userfiles/file/texto_principios_constitucionais_barroso.pdf> Acesso 4 mar 2011. 58 Id. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 249/250. 45 pela Ordem Econômica e todos os atores que a compõem, sob pena de violação à Constituição. Essa é a concepção que todos os institutos jurídicos por conseqüência devem ser compreendidos e aplicados, sempre a partir dos preceitos estatuídos na Lei Maior, onde a dignidade humana foi erigida a supraprincípio e pedra angular do Estado Democrático de Direito. 46 2. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MUDANÇA SOCIAL 2.1 O MODELO LIBERAL, INTERVENCIONISTA E NEOLIBERAL E SUAS REPERCUSSÕES A Revolução Industrial ocorrida no século XVIII deu início ao processo de crescimento econômico em países como a Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, adotandose o capitalismo como principal sistema econômico. A célebre “mão invisível” defendida por Adam Smith tinha por finalidade demonstrar que a presença do Estado na economia não traria qualquer benefício para esta, ao contrário, impossibilitaria a total liberdade de mercado, imprescindível para o alcance do crescimento econômico. Por aquele modelo econômico, a presença do Estado na economia seria uma agressão às liberdades do mercado e, assim, às liberdades do homem (indivíduo), e deveria ser combatida a todo custo. Ora, o mercado teria condições de cuidar de si próprio, já que a livre concorrência entre os agentes econômicos, eliminando os mais fracos e ineficientes, manteria o equilíbrio necessário para o seu funcionamento. O indivíduo seria o único capaz de saber como aplicar o seu capital da melhor forma e, assim, ao procurar o melhor para si, indiretamente, buscaria o melhor para a sociedade. Desta forma, a presença do Estado é rejeitada e desnecessária, cabendo a ele, apenas, preservar a paz e proteger a propriedade, esta acima de tudo.59 A ideologia do liberalismo econômico na época foi amplamente defendida pela classe em ascensão, a burguesia, com o que “a aceleração da taxa de crescimentos da renda total e também taxas mais altas de crescimento populacional permeadas por inovações tecnológicas que permitiram produção agrícola crescente, apesar do êxodo rural em direção às cidades, o que intensificou a urbanização, característica moderna do crescimento econômico” 60 , perdurou até o início do século XX. Todavia, com o passar do tempo, além da exploração dos trabalhadores, a liberdade de mercado sem a interferência do Estado, com a “eliminação dos mais fracos” não trouxe o tão propalado equilíbrio, na medida em que inúmeras indústrias tiveram que fechar suas portas, 59 SOUZA, Washington Peluso Albino, CLARK, Giovani, coordenadores. Direito econômico e a ação econômica estatal na pós-modernidade. São Paulo: LTr, 2011, p. 48. 60 KIECKHÖFER, Adriana Migliorini. Do Crescimento Econômico ao Desenvolvimento Sustentável in FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasse Ferreira, RIBEIRO, Maria de Fátima. Empreendimentos econômicos e desenvolvimento sustentável (org). São Paulo: Arte & Ciência; Marília, UNIMAR, 2008. 47 provocando um crescente desemprego. Diante do caos instalado, esses trabalhadores agora desempregados, começaram a se organizar e reivindicar por melhores condições de vida. Pelo que, frente às mudanças de postura do proletariado face ao excesso do poder econômico nas mãos de uma minoria, as intervenções do Estado foram necessárias para promover o restabelecimento da saúde econômica e buscar uma pacificação social. Manifesta-se então um certo capitalismo assistencial, que sobrevive graças à crescente transferência dos custos das empresas ao conjunto da coletividade – isto é, à classe trabalhadora – e através da inversão financeira massiva em títulos públicos de crédito. Os custos empresariais, assim, são ‘bancados’ pelo Estado e, nos mais desenvolvidos, o imperialismo os exporta aos de capitalismo mais frágil.61 O denominado Estado do Bem-Estar-Social instituído na Europa no pós Segunda Guerra Mundial, buscou o desenvolvimento econômico e social, onde uma maior atuação do Estado se fez premente para a reconstrução do continente europeu. Ocorre que esse movimento intervencionista do Estado na economia não tinha o condão de socializar o mercado, mas tão somente visava a manutenção e fomento do próprio capitalismo com medidas assistencialistas. Entendeu-se que a presença do Estado na vida econômica de forma pontual era meio de se garantir a segurança, reduzindo riscos para a plena realização do fim maior, a acumulação de riquezas. Porém, o ideário liberal não foi esquecido, principalmente porque entendeu-se que o controle ostensivo do Estado era o responsável pela posterior crise econômica,62 sendo certo que nos anos setenta, agora os neoliberais ressurgem para buscar o restabelecimento do mercado com a diminuição do Estado. Entre alguns exemplos da ideologia neoliberal pode-se citar a desestatização da economia, com a privatização das empresas, flexibilização dos direitos trabalhistas, redução de gastos sociais, entre outros.63 O comprometimento, a partir dos anos setenta do século XX, dos níveis necessários de lucros das empresas e o desencadeamento de processos inflacionários que inevitavelmente conduziriam a uma crise generalizada das economias de mercado impunham, na concepção neoliberal – observa ainda 61 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 27. 62 FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. A crise financeira e a nova realidade criada pela dinâmica do mercado mundial in FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasse Ferreira, RIBEIRO, Maria de Fátima. Empreendimentos econômicos e desenvolvimento sustentável (org). São Paulo: Arte & Ciência; Marília, UNIMAR, 2008. 63 SOUZA, Washington Peluso Albino, CLARK, Giovani, coordenadores. Direito econômico e a ação econômica estatal na pós-modernidade. São Paulo: LTr, 2011, p. 49. 48 Perry Anderson – a manutenção de um Estado forte em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. ‘A estabilidade monetária – prossegue o autor – deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa ‘natural’ de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. [...]. O desenho do programa se completa com a política de privatizações.64 A ideologia neoliberal, no entanto, apresentou diversos problemas, principalmente de ordem social, na medida em que o Estado mínimo volta-se as costas para as necessidades dessa parte mais vulnerável que é a população, nas suas mais variadas vertentes, além de que o livre mercado ocasiona a desestabilização monetária. Tanto isso é verdade – e aqui se faz nova ressalva por se tratar de assunto que se reveste de caráter provisório e portanto, passível de alterações- que países que sempre foram considerados desenvolvidos, amargam a pior crise econômica e fiscal desde a Segunda Guerra Mundial. Quanto ao crescimento, ao emprego e à equidade o resultado é francamente negativo. As taxas de crescimento são inferiores às do período ‘intervencionista’. Além disso, o capitalismo falha escandalosamente em sua capacidade de gerar empregos, de oferecer segurança aos que consegue empregar e de alentar os empregados com as perspectivas de melhores salários. Aumentam significativamente as desigualdades, tanto nas sociedades desenvolvidas quanto nas regiões periféricas. As taxas de desemprego alcançam o percentual de 10% da população economicamente ativa na Comunidade Européia. [...]. As decisões que permitiram esses dramas foram tomadas, muito conscientemente, inspiradas pelo neoliberalismo.65 O continente europeu que sempre foi sinônimo de desenvolvimento econômico-social agora vivencia a crise financeira do século. Países como Grécia, Itália, Portugal, Irlanda e Espanha, gastaram mais do que arrecadaram, ocasionando um descontrole das suas contas públicas. Para tentar solucionar esse problema estrutural, medidas foram impostas, como corte de salários e congelamento de benefícios sociais, o que acarretou mobilizações da população descontente com as medidas nada sociais.66 64 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 47. 65 Op. cit. p. 51. 66 VEJA.COM. Crise na Europa – Perguntas e Respostas. Disponível em <http://veja.abril.com.br/perguntasrespostas/crise-europa.shtml> Acesso em 23 out. 2011. 49 O resultado da população nas ruas protestando por soluções éticas e eficazes foi a mudança do Primeiro Ministro tanto da Grécia como da Itália, tudo para tentar restaurar a confiança do mercado, tendo em vista que todos os problemas fiscais somado ao baixo crescimento dos países do continente europeu são fatores que preocupam não só a zona do euro, mas todo o mundo67, frente aos impactos negativos na economia globalizada. A atual crise na Europa é irônica, notadamente por ter eclodido na riqueza, mas independente disso, após vir à tona todos os problemas apontados, as relações estruturais clássicas entre Estado, Mercado e Sociedade carecem de mudanças fundamentais para uma adequada reestruturação de todos os agentes que compõem esse continente. 2.1.1 Desenvolvimento econômico nas constituições do Brasil No Brasil, as transformações se deram a passos lentos, na medida em que a primeira Constituição da República, a de 1891 tinha como única tutela individual, o direito ao habeas corpus, que embora tratasse de um remédio constitucional contra prisão arbitrária, o Judiciário passou a fazer uma interpretação abrangente do instituto, relacionando-o com a tutela da liberdade, com vistas a dar maior amplitude à tutela. Com relação à ordem econômica, a Constituição de 1891 apenas trouxe proteção à livre iniciativa, já a Constituição de 1934, deu início à positivação dos direitos sociais e a ordem econômica, passando pela Constituição de 1937, com caráter nitidamente corporativista, tratando o trabalho como um dever social.68 A Consolidação das Leis do Trabalho (1943) foi editada a partir das concepções da Constituição de 1937, demonstrando a necessidade de uma tutela específica para determinadas classes, como aqui dos trabalhadores considerados hipossuficientes. A Constituição de 1946 incrementou o título da ordem econômica e social ao inserir em seu bojo além da livre iniciativa, o princípio da justiça social e a valorização do trabalho humano, bem como ao assegurar o direito ao trabalho a possibilitar existência digna. A Constituição de 1967 manteve os princípios estatuídos na Constituição anterior e acrescentou o princípio da função social da propriedade. A mudança trazida pela Emenda de 67 TERRA NOTÍCIAS. Europa enfrenta pior crise desde 2ª Guerra, diz Merkel. Disponível em <http://not.economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201111141359_RTR_SPE7AD09Z> Acesso em 14 nov. 2011. 68 AFONSO, Túlio Augusto Tayano. Evolução constitucional do trabalho na ordem econômica jurídica brasileira. Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/tulio_augusto_tayano_afonso.pdf> Acesso em 28 fev. 2012. 50 1969 foi no sentido de que a finalidade da ordem econômica além da justiça social era a realização do desenvolvimento nacional.69 Aqui ficou bem clara a necessidade de coexistência entre a ordem econômica e a ordem social com vistas ao equilíbrio entre ambos, embora antagônicos entre si. Mas foram as transformações sociais, com o aparecimento de novos atores (grupos, classes e categorias) a compor o cenário econômico, que novos anseios e necessidades surgiram, carecendo de um processo de reestruturação. Nesse contexto econômico desenvolvimentista, o Direito compareceu mais uma vez para acompanhar os movimentos e reivindicações dessa sociedade de massas. A Constituição Federal de 1988 apresenta-se como um marco na história, pois manteve os escopos constitucionais de 1946, 1967 e de 1969, em especial sobre a ordem econômica e social, acrescentando novos direitos, direitos fundamentais e transindividuais. A tutela dos direitos transindividuais, de origem do sistema anglo-saxão70, abarca uma gama de categorias de pessoas determinadas, determináveis e até indeterminadas. Esclarece Gregório Assagra de Almeida que essa mudança de postura quanto a tutela do direito coletivo atende aos ditames da própria Constituição Federal, pois que esta consagra uma nova summa divisio, a saber, direito individual e coletivo, superando a summa divisio clássica público e privado.71 Por conta disso, os regramentos privatistas recebem uma nova roupagem, uma roupagem socializada, onde os pilares do direito são modificados em decorrência da ordem constitucional ora apresentada, para o fim de se adequar às necessidades dessa sociedade em transformação. A tutela das pessoas com deficiência está inserida nesse rol de direitos e deve ser observada por todos os entes que atuam na atividade econômica, mas a tarefa não cabe somente ao Estado, pois o texto constitucional é enfático ao estabelecer que a livre iniciativa e portanto, os sujeitos de direito que a compõem, são responsáveis em cooperação com o Estado, assim, nos termos do artigo 170 da Constituição Federal, a empresa avoca para si parte significante da responsabilidade, não apenas a grande empresa, mas a média, pequena e microempresa, em especial esta que responde por bilhões ao ano perante a economia 69 AFONSO, Túlio Augusto Tayano. Evolução constitucional do trabalho na ordem econômica jurídica brasileira.Disponívelem<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/tulio_augusto_tayano_afon so.pdf> Acesso em 28 fev. 2012. 70 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 33. 71 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Teoria crítica do Direito e o acesso à Justiça como novo método de pensamento. MPMG Jurídico – Publicação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Ano V – n. 19, janeiro/fevereiro/março – 2010. 51 brasileira72, ou seja, todos estes importantes sujeitos de direito que usufruem da livre iniciativa, que cumprem seus fins sociais e ambientais, que atendem aos consumidores, também atendem ao trabalhador. Ascende então, uma grande força chamada empresa, que viabiliza o fomento da dignidade trazida pelo trabalho e que deve recepcionar as mudanças para se aproximar das questões sociais, notadamente da inclusão das pessoas com deficiência. 2.2 A EMPRESA NA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA O Estado Liberal teve por premissa a liberdade negocial, onde a intervenção estatal era totalmente estranha desse contexto, a autonomia privada definiu como finalidade comercial a obtenção de lucro e, como se não bastasse, o lucro a qualquer custo. Como analisado em tópico anterior essa postura excludente imperou absoluta por muito tempo, até que, após chancela constitucional, a empresa passou a protagonizar um importante papel, tendo em vista o reconhecimento de que ela (empresa) também satisfaz as necessidades da sociedade porque tem por fim a produção e distribuição de bens e serviços, gerando riquezas, empregos e oportunidades aos cidadãos, cujos impactos ultrapassam o estabelecimento em si, produzindo efeitos na sociedade a ponto de transformá-la. Esse protagonismo exercido pela empresa a remete a uma nova posição no cenário atual, a de sujeito de direitos e deveres perante o Estado e perante a sociedade. Instituição dotada de personalidade jurídica, no seio da qual se organizam os fatores da produção com vistas ao exercício de atividades econômicas ou prestação de serviços em face dos princípios ideológicos adotados na Constituição. No contexto de um modelo econômico que abriga princípios de economia de mercado, a empresa, pública ou privada, assume um papel tão preponderante e compromissos tão sérios perante a ordem jurídicoeconômica, que considerá-la simples ‘objeto’ de apropriação do Estado ou do particular, não parece a posição mais adequada.73 Na pós modernidade a empresa tornou-se um agente transformador do sistema produtivo e ainda da sociedade, sendo considerada sujeito de direito econômico, pois deve ser rentável e gerar resultados econômicos viáveis, mas também social, porque é objetivo 72 SEBRAE ESTUDOS E PESQUISAS Disponível em http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/647A69372200E76D8325771F005EF39A/$File/NT000440A 6.pdf>Acesso em 17 nov. 2011. 73 VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense. 1993, p. 481. 52 fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sendo certo que a empresa, por ser integrante da sociedade, é também participante e deve contribuir para o desenvolvimento do Estado Democrático Brasileiro. Deve ser ressaltado que a corrente clássica não reconhecia a personificação da empresa, a considerando tão somente como um organismo destinado à atividade econômica, tendo no empresário que a dirige, a figura pessoal.74 Mas tem-se constatado que os Tribunais, com respaldo numa interpretação sistemática da legislação conforme a Constituição Federal consolidou o entendimento no sentido de ser a empresa sujeito de direito e não mero objeto de direito, na medida em que a empresa exerce importante função transformadora no âmbito econômico e social. Direitos e garantias inerentes ao homem como a privacidade, por exemplo, abarcam a sociedade empresária, como ocorreu quando da apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça do caso da Abecitrus75, que postulou segredo de justiça em processo administrativo, sob pena de violação ao direito de privacidade da empresa, o que foi concedido pelo Tribunal Superior, ante a prevalência do direito a privacidade da empresa sobre o interesse público dos dados do processo. A Constituição Federal de 1988 humanizou a Ordem Econômica de tal forma, que a empresa, antes voltada para um único fim, qual seja, a obtenção de lucro, ressurge funcionalizada, tendo como foco central das relações negociais a pessoa humana, revestida pela sua dignidade, num viés ético, coletivo, solidário, rompendo com a figura individualista e patrimonialista do passado liberal.76 A empresa, como sujeito de direito, é titular das relações negociais e em decorrência da livre iniciativa, detém a liberdade para praticar todos os atos não proibidos por lei. Esse poder de transformar trabalho em lucro exercido pela empresa, fez com que a Ordem Constitucional a unisse com a valorização da pessoa humana, para o fim de se cooperar para a concretização dos objetivos do Estado Democrático de Direito, considerando que esta ordem econômica, com respaldo constitucional, tem o poder de garantir a liberdade aos sujeitos de direito de se lançarem no mercado para exercerem livremente suas atividades econômicas, estes tem como forma de contraprestação pelo exercício desse direito garantido pela Constituição, o dever de valorizar a dignidade da pessoa humana. 74 SIMÃO FILHO, Adalberto. A Nova Empresarialidade. FMU Dir.: Curso Dir. Cent. Univ. Fac. Metrop. Unidas – UniFMU, São Paulo, a.17, n. 25, p. 11-51, 2003. 75 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar 13.103/SP. Disponível em <http//:www.stj.jus.br> Acesso em 24 set 2011. 76 NALIN, Paulo Roberto Ribeiro (coord.). Contrato & sociedade: princípios de direito contratual. vol. II. Curitiba: Juruá, 2006. p. 20. 53 A Ordem econômica passa, então, a considerar a empresa como a mola propulsora da atividade econômica e parceira na promoção do progresso econômico e social do país, mormente por ter em mãos os fatores de produção capazes de satisfazer as necessidades afins e ser instrumento transformador no meio em que se encontra. O mercado, na atualidade, é institucionalizado pelo Direito, conforme se infere no artigo 170 da CR, formado e informado pela Carta, no sentido de não se limitar aos clássicos valores patrimoniais de troca e permitir a busca de interesses diversos (existenciais). Esse direito, apresentado por PERLINGIERI como “buon diritto”não se presta ao serviço da razão econômica, mas ao seu adverso [...], não estando inclinado somente à conservação da sociedade, como também à sua transformação, fato este que contribui e promove a elevação do nível de vida social e, em nosso país, cabe a projeção, que reduz desigualdades sociais.77 A Ordem Econômica pós Constituição Federal de 1988 é pautada pelos preceitos solidaristas e humanistas, sendo certo que a proteção da pessoa humana é requisito primordial para o cumprimento dos princípios e objetivos fundamentais da República, nos termos dos artigos 1º e 3º da Lei Maior. Sendo assim, as regras constitucionais estão postas em favor da pessoa e da sua existência, que deve ser digna, livre, ter assegurada a igualdade, segurança etc. A pessoa passa a ser o centro das atenções nas relações negociais nesse novo cenário econômico e social.78 Os fundamentos da função social da empresa se deram a partir do tratamento humanista adotado pela Constituição Federal de 1988 com relação à propriedade privada e seus fins sociais, como se observa pela dicção do artigo 170 que eleva a função social da propriedade a princípio da ordem econômica, o artigo 182 e seguintes que tratam da política urbana, assim como o artigo 5º, XXVI que promove o desenvolvimento da pequena propriedade, expressando a sua função social. Foi então que os valores constitucionais, notadamente o da finalidade social da propriedade foram inseridos no âmbito empresarial, socializando as atividades dos meios de produção com vistas à proteção da dignidade da pessoa humana, o que, sem sombra de dúvida, possibilitou a mudança de foco ideológico, para o fim de consolidar a justa democracia empresarial. Importante considerar que a função social da empresa, como se vê no texto constitucional, foi escolhida como meio de se promover o bem de todos. Sua observância não 77 NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Do Contrato: Conceito Pós- Moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2001. p. 189. 78 Op. cit. p. 87. 54 é optativa, mas imperativa, sob pena de se inviabilizar a concretização dos direitos fundamentais da ordem econômica e social, daí a sua importância no sistema jurídicoeconômico. No contexto atual, a empresa passa a considerar não apenas a finalidade de lucro pura e simplesmente, mas volta o seu olhar para todos os fatores que a integram, como seu público interno, por exemplo, e para a sociedade que a circunda, visando os interesses da coletividade, em observância aos princípios constitucionais que orientam as relações empresariais, almejando o desenvolvimento social. Com isso a empresa muda seu paradigma ao reconhecer a dignidade de todos os participantes do cenário negocial. 2.2.1 Função social da empresa Com a humanização da ordem econômica que se deu com maior amplitude a partir da edição da Constituição Federal de 1988, a socialização das leis de mercado ganhou relevo jamais dado anteriormente. A funcionalização do direito e de seus institutos (res)surgiu como uma fênix para um pleno alcance dos seus objetivos e efeitos, seja no próprio Estado, na comunidade empresarial e na sociedade. No entanto, algumas dúvidas podem surgir quanto a esse fenômeno da funcionalização adotado pela Constituição Cidadã, sendo necessário visitar a obra de Nalin que esclarece com precisão sobre o tema. Funcionalizar, na perspectiva da Carta de 1988, significa oxigenar as bases (estruturas) fundamentais do Direito com elementos externos à sua própria ciência. Sociologia, filosofia, economia, antropologia, biologia, psicanálise, história e especialmente a ética, acabam, nesse prisma interdisciplinar, se revelando como instrumentos de análise do Direito em face de sua função, com o objetivo de atender às respostas da sociedade, em favor de uma ordem jurídica e social mais justa. É romper com a auto-suficiência do Direito, hermético em sua estrutura e tecnicismo outrora mais preocupado com os aspectos formais da (sic) regras, do princípio e do instituto, que com sua eficácia social. Por isso, a função perseguida é a social. Funcionalizar, sobretudo, em nosso contexto, é atribuir ao instituto jurídico uma utilidade ou impor-lhe um papel social, ‘[...] atinentes à dignidade da pessoa humana e à redução das desigualdades culturais e materiais.79 O que se busca com a funcionalização adotada pelo Texto Constitucional é promover a concepção de justiça em todas as suas vertentes, (re)colocando o ser humano no centro da 79 NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Do Contrato: Conceito Pós- Moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2001. p. 217. 55 questão jurídica, onde os interesses sociais devem prevalecer quando em confronto com os individuais, num convívio harmonioso. Sob esse prisma, observa-se que o Direito foi revisto pelo Ordenamento Jurídico ao primar pela realização do bem comum, onde, segundo BREUS80, a funcionalização do Direito se vincula a três pressupostos: “a transcendência do interesse a ser realizado, o dever do sujeito de perseguir a realização desse interesse e a atribuição de poder jurídico necessário para a realização desse interesse”. Nesse passo, pode-se afirmar que todos os atos jurídicos tendem a gerar efeitos que extrapolam os interesses das partes envolvidas, sendo de rigor, com base na funcionalidade e para o seu cumprimento, a observância às regras de conduta permissivas e proibitivas, sob pena de não se concretizar os preceitos constitucionais. A Constituição Federal rompeu definitivamente o individualismo que permeava o direito negocial, com a introdução de profundas mudanças, razão pela qual, deve ser consignado que a transformação não foi de pronto incorporada em sua plenitude, sendo certo que os civilistas à época (o regramento vigente era o Código Civil de 1916), entenderam por bem manter-se o viés eminentemente patrimonialista e individualista do direito de propriedade e por conseqüência, do direito de empresa - que àquele está inserido -, consoante se via no caput do artigo 524 do Diploma Civil de 1916, o qual assegurava ao proprietário o direito absoluto sobre a sua propriedade. O aspecto funcional da propriedade que já estava prescrito no Texto Magno, ainda era totalmente estranho ao Código Civil, cujas alterações foram inseridas após 14 anos, com a introdução da Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002, conforme mudança retratada no artigo 1228, onde prescreve que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com os fins econômicos, sociais e ambientais. O cumprimento dos preceitos constitucionais na relação negocial vai “da indiferença à convivência intensa” 81 . Com efeito, o exercício do direito de propriedade passou então à obrigatoriedade de estar vinculado às suas finalidades econômicas, sociais e ambientais, ratificando, tardiamente, os fundamentos constitucionais da função social.82 O tema função social da propriedade, porém, não foi questão inédita na Constituição de 1988, tendo em vista que tal assunto já havia sido tratado na Constituição de 1946, época 80 BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 117. 81 BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 367. 82 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 303. 56 em que o Brasil, motivado pelo regime assistencialista e de socialização europeu, passou a intervir na propriedade privada, contudo essa restrição não surtiu os efeitos desejados de justiça distributiva e bem estar social. A Constituição de 1967 também tratou sobre a função social da propriedade, mas de forma secundária.83 Ainda não se pode esquecer de que a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6404/1976) foi regramento nacional pioneiro em atribuir à atividade empresarial uma finalidade social e direcionar a prática de atos socialmente responsáveis com vistas a beneficiar o público interno e a sociedade que de uma maneira ou de outra colabora para o desenvolvimento dos bens de produção. Contudo, a positivação em apreço não foi incorporada como deveria pela comunidade empresária à época, sob a pálida justificativa de ausência de definição do conteúdo da norma84, ou seja, pela alegada falta de regulamentação da matéria não se aplicava uma conduta condizente com a função social da empresa. Mas, verifica-se que foi a partir daí que a semente foi plantada em solo fértil, tendo a mobilização da sociedade como adubo, o que resultou no nascimento da efetiva preocupação com a funcionalidade e prestabilidade da atividade empresarial na promoção da dignidade do homem, seja do proprietário dos meios de produção, seja do trabalhador que oferece sua força de trabalho e exerce em contrapartida sua dignidade, seja da sociedade que usufrui das práticas sociais da empresa. A Constituição Federal foi clara ao definir a importância da utilização responsável dos bens de produção, tendo como fim assegurar existência digna, que se instrumentaliza pelo respeito aos interesses da sociedade e o mesmo vale para o respeito aos trabalhadores e consumidores. Portanto, tem-se que a Lei Maior designa o conteúdo da norma, mesmo que de forma genérica, mas suficiente para a sua aplicabilidade imediata. As mudanças experimentadas pela sociedade reverteram a perspectiva de outrora, deslocando a ‘primazia do individual para o coletivo; da vontade para a norma jurídica; da liberdade para a cooperação [...]’. O homem, então, valorizou-se não por suposta individualidade formal e egoística, mas pela sua substância e integração na coletividade. Teve de se sintonizar com seus (dela) interesses gerais (considerados a partir do que a maioria entende como tais). Daí porque as atividades sociais ou econômicas das pessoas, os bens que os complementam, as regras jurídicas, enfim, têm de ser compreendidas pela sua ‘funcionalização’, pela sua legítima, escorreita e regular prestabilidade jurídico-social, mediante aferição, conforme a Constituição 83 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 306/307. TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A Função Social da Empresa. RT/Fasc. Civ Ano 92, v. 810, abr. 2003, p. 33-50. 84 57 Federal e as suas pautas axiológicas, tradutores dos fundamentos e objetivos 85 da nação brasileira. A consolidação do viés social no cenário econômico por meio da Constituição Cidadã, transformou a postura da propriedade privada e necessariamente da empresa, que não abandona a geração e circulação de riquezas – porque é cediço que o crescimento econômico e a obtenção de lucro são finalidades inerentes numa economia de mercado- mas passa a ter um enfoque coletivo, consoante os objetivos fins previstos no Texto Constitucional, o qual conjuga a concepção de empresa e todos os seus consectários de natureza capitalista com os princípios da socialidade e eticidade. O Código Civil de 2002 veio ratificar os fundamentos constitucionais ao adotar como princípios basilares das relações jurídicas e empresariais, a eticidade, a operabilidade e a sociabilidade. Santos86 aponta que o resgate dos valores éticos no Ordenamento Jurídico era de rigor, frisando que o formalismo jurídico não foi de todo abandonado, mas se compatibiliza com os valores éticos em harmoniosa convivência. Desta forma a empresa deve ter como pedra angular os valores éticos, tais como exemplificados no Código Civil de 2002, em especial os artigos 113 e 422, onde expressamente preceitua que os negócios jurídicos devem ser interpretados com base na boafé, sendo certo que o seu abuso é reprimido, nos termos do artigo 187 do mesmo Diploma Legal. O princípio da operabilidade expressa que o direito só terá eficácia enquanto realizável, executável. A lei deve exprimir a realidade de um povo no seu tempo e no seu espaço, caso contrário, de nada servirá. Infelizmente muitas leis são criadas com intuitos nobres, mas não são concretizadas, seja por falta de conscientização da sociedade, seja por falta de fiscalização, um exemplo é a lei que determina a disponibilização de vagas exclusivas para estacionamento de veículos utilizados por idosos e pessoas com de deficiência nas cidades e estabelecimentos públicos,87 para fim de promover a acessibilidade, o que por vezes é desrespeitado por pessoas que ignoram e não observam a finalidade da norma imposta. 85 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Ética da Empresa. Revista Jurídica da Unifil, Ano II – n. 2. Disponível em : <web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf> Acesso em 15 fev. 2011, p. 69/70. 86 SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 96. 87 BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm> Acesso em 28 jul. 2011. 58 Quanto a sociabilidade, pautou-se o legislador nas necessidades de uma sociedade em constante evolução, onde o social predomina sobre o individual. O artigo 421 do Código Civil bem expressa essa concepção ao determinar que a liberdade de contratar seja exercida em razão e nos limites da função social do contrato, prevalecendo assim, os valores da coletividade. A sociabilidade é o contraponto do individualismo que semeou grande parte da idade moderna, plasmando civilizações e culturas. O apego exagerado à declaração de vontade, o tomar o indivíduo em si e por si, como se fosse uma entidade que pudesse viver com auto-suficiência, é substituído pela pessoa encadeada à comunidade em que atua, confundindo-se indivíduo e meio social. Os fatores internos de cada um, já não podem ser materializados 88 sem que seja pensada a finalidade social do ato manifestado. E é nesse contexto que a empresa se encontra, porque é fato incontestável que por estar inserida no meio social, suas atitudes repercutem na sociedade, tendo em vista que para a realização de seus fins, precisa contratar funcionários, fazer uso de recursos naturais, precisa dos consumidores para adquirir os bens e serviços produzidos e circular as riquezas, ou seja, assim como o Estado, a empresa tem o objetivo de promover o crescimento econômico individual e conseqüentemente, o desenvolvimento social coletivo, objetivos almejados no artigo 3º da Constituição Federal. Segundo Nalin89, a função social, ainda tem o condão de se manifestar em dois níveis, quais sejam, intrínseco e extrínseco, e, muito embora o viés adotado pelo autor seja sutilmente diverso, pois trata da função social do contrato, oportuna e esclarecedora sua lição, visto que o contrato tem entre outras funções a de instrumentalizar a atividade empresarial, assim, perfeitamente aplicável o ensinamento da função social do contrato à empresa e suas atividades. A perspectiva intrínseca, como considera o autor, se refere às partes contratantes e os princípios que as mesmas devem observar na relação jurídica, como igualdade material, equidade e boa-fé objetiva, princípios tais que procedem da “grande cláusula constitucional da solidariedade. Por sua vez, o perfil extrínseco, preocupa-se com os impactos em face da coletividade advindos da relação jurídica, eis que esta passa a interessar não apenas às partes contratantes, mas também a terceiros. Pelo que, impõe-se à empresa e aos contratantes em 88 SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 99/100. NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Do Contrato: Conceito Pós- Moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2001. p. 226. 89 59 geral o cumprimento dos valores éticos e solidários dentro e fora das relações negociais, tutelando os direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana. Sob um prisma diverso, Santos90 aponta que o direito em todas as suas nuances, atinge a sua finalidade social de maneira protetiva e repressiva. [...] o direito atinge sua finalidade, ou seja, protege os atos ilícitos por meio da emissão de mandados negativos (proibições) e também com sanções negativas, que é o direito como aparato coativo. A finalidade do ordenamento protetor-repressor é o uso cada vez mais freqüente de técnicas de estímulo, e assim, quando nos damos conta desse novo fenômeno, aparece uma nova imagem: a do ordenamento jurídico como ordenamento com função promocional. O objetivo do ordenamento protetor-repressor é impedir, quanto possível, a realização de atos socialmente não desejados, enquanto no ordenamento promocional a finalidade é provocar a execução dos atos socialmente desejados.91 A proibição de discriminação de qualquer natureza constante na Constituição Cidadã existe porque a postura de discriminar não é aceitável na sociedade, seria, então, o meio repressor do direito. Já a Lei de Cotas, inserta na lei 8213/9192, em especial no seu artigo 93, que determina a contratação pelas empresas de pessoas com deficiência, busca demonstrar que esta atitude é justa e vai de encontro com os objetivos do Estado, mormente a promoção da dignidade da pessoa humana, igualdade, cidadania e redução das desigualdades sociais, fomentando, assim, a prática de atos socialmente desejados pela sociedade consciente, mesmo que de forma coercitiva, mas conforme se verá adiante, a boa intenção da norma não surtiu os efeitos desejados. O intuito do regramento é a incorporação de práticas socialmente responsáveis pela comunidade negocial e sociedade em geral, passando a constituir-se um costume inerente da atividade empresária, o que transformaria o meio repressor do direito em finalidade promocional de atitudes que vão de encontro com os ditames constitucionais. A função social da empresa tem por fim romper com a concepção individualista que imperou absoluta por décadas. Hodiernamente, a empresa segue outro rumo, onde os interesses da coletividade se sobrepõem aos dos meramente individuais. Contudo, não se pode olvidar que o sistema econômico ainda reluta em priorizar a pessoa e depois o lucro, principalmente em países de desenvolvimento tardio como o Brasil 90 SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 104. Op. cit. p. 104. 92 BRASIL. Constituição Federal, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Trabalhista e Previdenciária. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. 91 60 que em muitos segmentos não possuem estrutura suficiente para se manter competitivos, tendo em vista que a observância dos padrões sociais, como a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, requer diversos investimentos, como a questão ambiental da acessibilidade e treinamentos específicos e diferenciados para este público. Ocorre que o Texto Constitucional, manual supremo do Estado brasileiro, numa interpretação sistemática, estabelece que é dever de todos cooperarem para o bem comum, com o fim de promover a igualdade substancial e efetiva dignidade não apenas da pessoa, mas de toda a nação, como expressamente se denota no dever de se cumprir a função social da propriedade. Desta feita, para a efetiva promoção dos objetivos-fins da República Federativa do Brasil, não apenas o Estado tem o dever de tutelar os direito e garantias constitucionais, mas também todos aqueles que o integram, do que não escapa a empresa. A mudança de paradigma da empresa ao conciliar a geração e circulação de riquezas, criação e manutenção de empregos, maximização de lucro, pagamentos de tributos com os princípios orientadores da eticidade, socialidade e da boa-fé, sem prejuízo dos valores basilares da pessoa humana, potencializará a democracia empresarial adjetivando a empresa de socialmente responsável, cumpridora de sua função social prescrita na Constituição Cidadã. 2.3 RESPONSABILIDADE ÉTICA E MORAL DA EMPRESA E A INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Apesar da visão humanizada construída com fundamento na Constituição Federal pela empresa contemporânea – tema já abordado - não se pode negar que a economia global modificou a estrutura do capitalismo, uma triste realidade foi que se acentuaram as diferenças, distanciando os países mais ricos dos mais pobres, ante as desigualdades econômicas, sociais e políticas daí decorrentes entre ambos os blocos. As empresas que passam a imperar o mercado são as denominadas transnacionais (diferente das multinacionais, na busca de melhores preços e menos burocracia, contratam prestadores de serviços e não empregados assalariados com direitos garantidos pela legislação local). Além disso, usufruem de regras maleáveis em todos os sentidos, permitindo maior liberdade de expansão nos países estrangeiros93. Culminou-se, assim, no poderio de uma minoria sobre a maioria. 93 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 425. 61 A globalização trouxe muito crescimento, mas, em contrapartida, emergiu a vulnerabilidade dos países com desenvolvimento tardio. Sendo certo que as empresas nacionais, vivem em constante mudança para tentar se manter competitivas, passam a reduzir ao máximo seus custos, atingindo principalmente escala mais frágil nesse contexto, a mão de obra assalariada. Essa postura excludente e seu desenvolvimento ao longo da história é delineada por Comparato94, pois com maestria o autor faz um giro nos séculos passados, relatando que esse modo de conduzir os negócios e a vida social, vem sendo moldado de forma organizada, desde o século XVI, consolidando-se a partir da Revolução Industrial. Os pensamentos que emergiram à época era no sentido de que os fins justificavam os meios, em outras palavras, tudo era válido para se alcançar o poder e a riqueza e, ao valorizar apenas os interesses individuais, a ética foi preterida ante a vigência da “lei do mais forte”. A explicação para tal postura tinha respaldo no exclusivo e desprezível egoísmo, porque a pregação era de que agindo assim os interesses da coletividade seriam naturalmente satisfeitos. Concomitantemente à evolução do “capitalismo selvagem” e seus efeitos, desenvolvese, também há séculos, uma marcha também organizada pela solidariedade mundial, em busca do respeito à igualdade de todos com vista a uma vida digna. John Locke, no final do século XVII já sustentava que os direitos individuais deveriam ser respeitados pelas autoridades de forma irrestrita. Rousseau, no século XVIII, com um discurso mais elaborado, afirmou que a soberania pertencia somente ao povo, mas o seu exercício não poderia ser delegado, sob pena de tornar-se ilegítimo. Segundo Rousseau, o exercício da igualdade conduzia à liberdade. Kant, depois Hegel e por derradeiro Mahatma Gandhi, foram estudiosos que influenciaram sobremaneira o resgate dos valores éticos e a evolução dos direitos humanos95, sem embargo de tantos outros conhecidos e anônimos que certamente contribuíram para o progresso desse movimento ético. Valioso exemplo disso é a Primeira Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada no final do século XVIII, com o que a Europa selou o compromisso com a preservação e garantia dos direitos individuais, dando início à sua afirmação no decorrer da história, como se observa pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 94 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 431. 95 Op. cit. p. 434/435. 62 1948, após a devastação causada pelas guerras mundiais, onde reacendeu a necessidade de se dignificar o homem e sua vida.96 Todavia, numa análise comparativa, observa-se que o desenvolvimento do respeito aos direitos do homem, notadamente a dignidade e igualdade das pessoas com deficiência, não conseguiu acompanhar na mesma proporção a dominação econômica globalizada, contudo, como visto, não sucumbiu a ela, dando azo ao conhecimento e consciência ética, gradualmente deu-se início aos princípios éticos como normas de conduta da humanidade. E a empresa não ficou alheia a essa tendência que cresceu sem precedentes, exercendo influência inclusive sobre todo o processo econômico e para se adequar ao “novo” sistema, imprescindível a mudança de postura empresarial, onde a finalidade única sempre foi o lucro, muda-se o foco para o desenvolvimento dos padrões éticos e morais, alterando-se a pedra angular dessa construção econômico-social para o respeito à dignidade humana. Por óbvio que o trabalho se traduz em uma das formas de se exercer a dignidade do homem, como direito à sua subsistência e à cidadania. Com efeito, pelo princípio da igualdade, não poderia ser diferente com as pessoas com deficiência, por serem cidadãs como quaisquer outras, mas as dificuldades encontradas por estas em especial na oportunidade de emprego vão desde o vergonhoso preconceito à falta de qualificação para a efetiva inclusão. E, inobstante a Constituição Federal já tenha tratado de vedar a discriminação de qualquer natureza das pessoas com deficiência, inclusive pertinente a critérios de admissão no mercado de trabalho e salários, com o fito de incluir socialmente essa categoria de pessoas, nos termos do inciso XXXI do artigo 7º, além de regramento infraconstitucional para regulamentar o comando constitucional, como visto no artigo 93 da lei 8213/91, que dispõe sobre a específica reserva de mercado (lei de cotas para deficientes nas empresas), muito ainda precisa ser feito e assimilado por todos os sujeitos da Ordem Econômica brasileira, para que o exercício da dignidade dessas pessoas seja realmente concretizado de forma justa e igualitária para todos. A positivação dos direitos e garantias, não obstante sua necessidade na organização da nação é insuficiente para a realização da ética empresarial, isso porque “a norma ética, por mais excelente que seja, não tem real vigor ou vigência [...], se não estiver viva na consciência 96 BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 162/163. 63 dos homens, ou seja, se não corresponder a uma disposição individual e coletiva de viver eticamente.”97 Adela Cortina98 ensina que a escolha pela prática constante de atitudes justas e prudentes na vida cotidiana e aqui em especial na comunidade empresária, fará com que a justiça e a prudência sejam inseridas gradual e naturalmente nas decisões. Pelo que, quando a empresa decide mudar sua postura, adquirindo práticas sustentáveis, dificilmente atuará em sentido contrário, pois já terá se acostumado a agir de forma socialmente responsável. Assim, como já lembrado, se faz necessária uma inversão dos valores empresariais, onde as práticas das empresas e consequentemente de seus gestores devam ser pautadas na moralidade, em observância às normas éticas. Este tipo de gestor ‘moral’, mantendo as preocupações quanto aos objectivos de ordem econômica, orienta a sua actuação, e as decisões empresariais subseqüentes, segundo padrões éticos (e, obviamente, legais), como a equidade, a justiça e a não-discriminação. Pode afirmar-se, porém, que a principal questão para o administrador que tem preocupações desta natureza não é apenas detectar os empregados (incluindo quadros superiores) com comportamentos não-éticos. De facto, a supervisão do cumprimento de regras, ainda que necessária, não assegura uma conduta ética nos negócios. Então, a prioridade de todo o líder empresarial é concentrar-se não apenas naquilo que não deve ser feito, mas também, naquilo que é positivo para a empresa e para a sociedade. Isto é, uma postura ‘proactiva’, no plano moral e econômico, influenciando activamente o comportamento ético na empresa [...].99 Além de cumprir a sua função social, a empresa passa a ter como regra de conduta a responsabilidade ética para com o seu público interno e com a sociedade onde está inserida, considerando ser a empresa um sujeito de direito com natureza econômica, social e jurídica ou conforme Hentz100, com respaldo em Asquini, por ter a empresa um perfil poliédrico, necessário então, adotar-se uma consciência coletiva, onde o lucro passa a ser um requisito e não o objetivo maior buscado, na medida em que as transformações sociais de forma gradual, mas enfática, tem levantado a bandeira da justiça social a ponto de se exigir um universo 97 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 497. 98 CORTINA, Adela. Ética de la Empresa. Disponível em < http://negociosyemprendimiento.com/etica-de-laempresa-por-adela-cortina-orts/> Acesso em 26 jul 2011. 99 NUNES, Cristina Brandão. A Ética Empresarial e os Fundos Socialmente Responsáveis. Porto: Vida Econômica, 2004, p. 72. 100 HENTZ, Luis Antonio Soares. A teoria da empresa no novo Direito de Empresa. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3085>. Acesso em: 21 maio 2010. 64 humanizado, principalmente no contexto econômico, onde o histórico de desigualdade é sem precedentes. Por conta disso, existe um avanço da comunidade empresarial preocupada com a sua credibilidade na construção de códigos que regulamentam a postura ética da empresa a ser seguida101, cuja força obrigacional é idêntica aos acordos e convenções coletivas e por isso fazem lei entre as partes. Nesse caso, a ética empresarial se vincula aos códigos de conduta, trazendo maior efetividade aos preceitos da dignidade da pessoa humana e consequentemente, da democracia. 2.3.1 O direito ao trabalho da pessoa com deficiência como garantia da cidadania e os entraves na sua efetivação Quando se trata de questão envolvendo pessoa com deficiência, resta evidente que a promoção de sua inclusão no mercado de trabalho constitui o fio condutor para a sua inserção na sociedade, propiciando o exercício da dignidade e cidadania. Considerando o grau de desigualdade existente há séculos, justifica-se, a princípio, a proteção jurídica de tal categoria de pessoas pela reserva de mercado, na busca de corrigir a exclusão social que sempre foi uma triste realidade. Uma reflexão acerca da evolução desse tema se faz imperiosa, notadamente porque sempre existiram pessoas com deficiência e a cada época da história lhes era dispensado um tipo de tratamento, desde o extremismo da antiguidade que ora as eliminavam por constituírem óbice ao bom andamento do grupo, como na Roma antiga, onde o regramento (Lei das XII Tábuas) previa a autorização aos pais para matarem seus filhos recém nascidos quando constatada alguma deficiência, ora as protegiam por serem vistas como semideuses, como em Atenas, por exemplo, que as pessoas com deficiência eram sustentadas pelos demais integrantes da polis.102 Sob a influência do Cristianismo, a idade média foi a época do assistencialismo predominante às pessoas com deficiência, muito embora em alguns momentos, entendia-se que a epilepsia, por exemplo, era manifestação demoníaca. 101 CORTINA, Adela. Ética de la Empresa. Disponível em < http://negociosyemprendimiento.com/etica-de-laempresa-por-adela-cortina-orts/> Acesso em 26 jul 2011. 102 GUGEL, Maria Aparecida, CASAGRANDE, Cássio Luis. A inserção da pessoa portadora de deficiência e do beneficiário reabilitado no mercado de trabalho. Disponível em <http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/doutrina/id250.htm>. Acesso em 21 mai 2011. 65 As concepções de liberdade, igualdade e fraternidade, advindas do pensamento que respaldou a Revolução Francesa, foi um marco que deu início à proteção jurídica das pessoas com deficiência, principalmente o seu acesso ao trabalho, mas pouco foi efetivamente feito, ante a esmagadora exclusão da maioria, que por óbvio era a mais vulnerável social e economicamente. Inobstante essa realidade, foi nessa época (pós revolução francesa), que vários inventos surgiram para o fim de facilitar o acesso e a vida das pessoas com deficiência, como a cadeira de rodas, bengalas, muletas, próteses, veículos adaptados, o Código Braille, entre outros.103 Mas foi somente após a Segunda Guerra Mundial, em meio aos reflexos ocasionados pelo nazismo e fascismo, além dos mutilados regressos do combate, é que a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), dando início a preocupação universal com a garantia de existência digna a toda a humanidade sem qualquer distinção. A lei foi considerada o mecanismo hábil a proteger todas as pessoas, (aqui em especial aquelas com deficiência), para o fim de conduzir o exercício da cidadania. Com todo o efeito, a promoção e o acesso ao trabalho às pessoas com deficiência sempre foi motivo de preocupação da comunidade internacional e a partir da Declaração dos Direitos Humanos, vários outros documentos foram celebrados com vistas à proteção universal das pessoas, como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, onde o Brasil o ratificou em 1992, tendo por objeto a garantia a todos ao trabalho e remuneração justos. Em 1971, o primeiro instrumento específico à garantia das pessoas com deficiência foi a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental, o qual entre vários direitos assegurados há a oportunidade – quando possível – do acesso ao trabalho. Em 1975 a ONU aprovou a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, estabelecendo a proteção econômica e social com a geração de oportunidade a um emprego decente.104 Também em 1975, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, tratou pela primeira vez da questão do direito ao trabalho das pessoas com deficiência, na recomendação nº 99, mas foi a Convenção nº 159/1983, inclusive ratificada pelo Brasil em 1990, que mobilizou de forma ascendente a necessidade da inclusão no mercado de trabalho das pessoas 103 GUGEL, Maria Aparecida, CASAGRANDE, Cássio Luis. A inserção da pessoa portadora de deficiência e do beneficiário reabilitado no mercado de trabalho. Disponível em <http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/doutrina/id250.htm>. Acesso em 21 mai 2011. 104 PIOVESAN, Flávia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de Carvalho (coord.). MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O Trabalho como Direito Humano da Pessoa com Deficiência. In Direitos Humanos e Direito do Trabalho.São Paulo: Atlas, 2010, p. 179. 66 com deficiência, tratando da habilitação e reabilitação profissional dessas pessoas, assegurando a todos a igualdade de oportunidades com vista à inclusão social no mercado de trabalho. No plano nacional, a Constituição Federal de 1946 inaugurou, mesmo que sumaria e indiretamente, a tutela das pessoas com deficiência, ao tratar do direito previdenciário das pessoas que em decorrência de doenças tornavam-se “inválidas”. Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: [...] XVI - previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte;105 A preocupação com questões sociais tem início com a promulgação da Constituição de 1946, na medida em que se organizava um regime democrático no país, contudo, o tratamento dispensado às pessoas com deficiência era meramente assistencialista e a igualdade prevista era formal, pois não se editou leis infraconstitucionais específicas sobre a tutela dessa categoria de pessoas. A Constituição de 1967, decretada no período da ditadura militar, nada apresentou sobre os direitos das pessoas com deficiência. A Emenda Constitucional 01 de 1969 trouxe pela primeira vez e de forma direta a tutela da educação dos excepcionais, em seu artigo 175, parágrafo quarto.106 A Emenda Constitucional 12 de 1978, em seu artigo único, estendeu os direitos das pessoas com deficiência ao assegurar à estas, melhor condição social e econômica, pela educação, reabilitação para serem reinseridos econômica e socialmente, a proibição de discriminação e a acessibilidade a edifícios e logradouros públicos. Artigo único. É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante: I - educação especial e gratuita; II - assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País; 105 BRASIL, Presidência da República. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm> Acesso em 28 fev. 2012. 106 BRASIL, Presidência da República. Emenda Constitucional n. 1, 1969. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm> Acesso em 28 fev. 2012. 67 III - proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários; IV - possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.107 A Câmara dos Deputados e o Senado Federal à época, promulgaram mencionada Emenda Constitucional com um único artigo, mas responsável por estrear a proteção das pessoas com deficiência de forma ampliada, abrangendo os eixos principais a possibilitar o exercício da dignidade da pessoa com deficiência, como a educação, a reinserção econômica e social, que deu substrato posteriormente à inclusão social no mercado de trabalho, além da preocupação em proibir a discriminação desse grupo de pessoas. A promulgação da Emenda Constitucional 12/1978, foi reflexo da Declaração dos direitos das pessoas portadoras de deficiência de 1975 que, como já citado, estabeleceu a proteção econômica e social das pessoas com deficiência. Isso significa que a conexão entre mudança social e mudança na teoria e na prática dos direitos fundamentais sempre existiu; o nascimento dos direitos sociais apenas tornou essa conexão mais evidente, tão evidente que agora já não pode ser negligenciada. Numa sociedade em que só os proprietários tinham cidadania ativa, era óbvio que o direito de propriedade fosse levado a direito fundamental; do mesmo modo, também foi algo óbvio que, na sociedade dos países da primeira revolução industrial, quando entraram em cena os movimentos operários, o direito ao trabalho tivesse sido elevado a direito fundamental. A reivindicação do direito ao trabalho como direito fundamental – tão fundamental que passou a fazer parte de todas as Declarações de Direitos contemporâneos.108 A transformação da sociedade e a mudança de postura, foi responsável pela evolução nos direitos das pessoas com deficiência, principalmente ante a carga valorativa da Declaração de 1975, cujo objetivo se traduz no desenvolvimento econômico e social desse grupo, gerando efeitos no ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988 revestiu os mesmos direitos já positivados pela Emenda Constitucional 12/1978, com princípios e regras fundantes espalhados pelo texto constitucional e essa nova roupagem tem “um novo perfil, paternalista em alguns momentos, moderno e efetivo, em outras passagens.” 109 107 BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Emenda Constitucional n. 12, 1978. Disponível em <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/emecon/1970-1979/emendaconstitucional-12-17-outubro-1978-366956publicacaooriginal-1-pl.html> Acesso em 01 out. 2011. 108 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 91. 109 ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. 4 ed., rev., ampl. e atual. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2011. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/protecao_const1.asp> Acesso em 20 fev. 2012. 68 Isso porque a positivação dos direitos das pessoas com deficiência não é suficiente para a sua plena inclusão social. O paternalismo se faz presente, por exemplo, nas ações assistencialistas, como os benefícios previdenciários, além da obrigatória reserva de mercado às pessoas com deficiência. O perfil efetivo e moderno se traduz no direito à educação inclusiva, à acessibilidade, com vistas à liberdade de escolha de seus próprios caminhos. A república preserva os bons valores e as boas instituições já existentes na sociedade, mas procura sempre transformá-la em função de certos objetivos considerados fundamentais. O espírito republicano é uma exigência permanente de aperfeiçoamento ético da comunidade. É no sentido desse processo de permanente otimização da vida em sociedade, que deve ser entendida a noção de desenvolvimento nacional ou mundial. Ele se orienta, sempre, em função de três objetivos fundamentais: o crescimento econômico sustentável, a equalização das condições básicas de vida para todos e a participação efetiva do povo nas grandes decisões políticas.110 Considerando que a ordem jurídica abandonou o velho e egoísta estigma patrimonialista para assumir uma postura mais humanizada, o qual, por força dos preceitos constitucionais, a pessoa humana foi colocada no palco central do sistema, a ascensão dos direitos fundamentais do homem como forma de realização da democracia, atingiu todos os espaços que compõem o contexto político, econômico e social, com a introdução de inegáveis e estruturais mudanças. Volta-se o olhar para a importância do homem na sociedade, a satisfação de suas necessidades existenciais e principalmente na sua capacidade de somar forças instrumentalizadoras para o progresso econômico e social do país. Em observância aos preceitos constitucionais da garantia aos direitos das pessoas com deficiência, a Lei 7.853/89 foi criada para definir a Política Nacional para a Integração da Pessoa com deficiência. O regramento em questão dispõe sobre normas gerais que garantem o exercício dos direitos individuais e coletivos das pessoas com deficiência com a sua integração social, disciplinando ainda sobre a educação inclusiva, a criação de programas na área da saúde, apoio e garantia de inclusão social pela reserva de mercado, capacitação profissional e acessibilidade, entre outros. O artigo 93 da Lei 8.213/91 regulamentou o artigo 2º, inciso III, “d”, da Lei 7.853/89, ao especificar sobre a reserva de mercado às pessoas com deficiência nas empresas da iniciativa privada. A Lei de Cotas, como é conhecida, foi criada com o intuito de amenizar a 110 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 621. 69 desigualdade histórica sofrida pelas pessoas com deficiência, onde a empresa é considerada cooperadora do Estado e sociedade. O Decreto 3.298/1999 que regulamentou a Lei 7.853/89 de maneira mais abrangente, tratou dos objetivos e mecanismos para a não discriminação e fomento da igualdade de oportunidades. A lei de cotas se traduz numa política pública que tem por objetivo a promoção de emprego às pessoas com deficiência. Todavia, o problema das pessoas com deficiência não se soluciona pela mera reserva de mercado, na medida em que a falta de oportunidades anteriores ao emprego obstam a efetivação da lei, como por exemplo, a falta de acesso a saúde, educação, transporte e qualificação dignos. Essa forma de incentivar a inclusão da pessoa com deficiência foi positivada em Portugal, podendo citar como exemplo a Lei 38/2004 que estabelece cotas para a contratação de trabalhadores deficientes tanto na iniciativa privada, como na pública. O Código do Trabalho Francês, em seu artigo L323-1, prevê regra similar. Na Alemanha e na Áustria, além da reserva de mercado, o setor empresarial contribui para um fundo de participação que capacita das pessoas com deficiência. No Peru, a Lei Geral da Pessoa com Deficiência, garante benefícios não somente para as empresas que contratam pessoas com deficiência, mas também para estas que se dispõem a trabalhar. Dentre os benefícios, pode-se mencionar as facilidades de obtenção de créditos e financiamentos, preferência nos procedimentos licitatórios, bem como dedução da renda bruta de uma percentagem das remunerações paga às pessoas com deficiência.111 Numa análise comparativa, pode-se observar que o arcabouço de leis no Brasil ultrapassa o dos demais países, inclusive tendo à disposição regramentos avançados seja no âmbito constitucional, instrumentos internacionais já ratificados, seja legislação infraconstitucional, tudo para o fim de abranger de forma plena os direitos das pessoas com deficiência. Pelo que, pode-se afirmar que se não todos, a grande maioria dos direitos e interesses das pessoas com deficiência estão positivados no sistema jurídico brasileiro. No entanto a exclusão social é tema da ordem do dia em pleno século XXI, sendo certo que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los” 112. Lamentavelmente, pode-se afirmar que esse rol de leis 111 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. A Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho.2 ed. – Brasília: MTE, Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT, 2007. 112 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 70 que protegem as pessoas com deficiência, por si só, não é capaz de concretizar a cidadania dessa classe de pessoas. A intolerância, o preconceito, como é cediço, não são dissipados com a simples promulgação de leis. É preciso tomar posições, claro com esteio no Ordenamento Jurídico, capazes de transformar as relações sociais com a promoção da inclusão, acarretando a autonomia das pessoas com deficiência e consequentemente a dignidade humana, fundamento do Estado Democrático. Há empresas que cumprem o seu papel no âmbito da acessibilidade e inclusão social, a título de exemplo, cita-se o caso da Unimed Paulistana, IBM, Usiminas, Itaú, Unibanco, TAM, Coca-Cola e HSBC que criaram programas para a inclusão social do trabalhador com deficiência e capacitação para a sua recolocação no mercado, o que por óbvio engrandece a imagem da empresa e acima de tudo, cumpre o seu papel funcional prescrito na Lei Magna.113, outras, porém, não conseguem atender aos ditames da lei. As dificuldades vão desde a concepção equivocada da inclusão social à ausência de trabalhadores com deficiência para assumirem uma função laboral, isso por inúmeras razões, como a falta de transporte adaptado para se chegar ao posto de trabalho, incapacitando a pessoa com deficiência à oportunidade de um emprego. Não basta a mera contratação, há que haver trabalho, inclusão na empresa, o que implica uma mudança atitudinal do empregador e dos demais trabalhadores não deficientes. Trata - se de ação afirmativa que se reflete diretamente na célula jurídica interpessoal e dirige o próprio impulso contratual.114 O alicerce do trabalho e da inclusão social das pessoas com deficiência está na igualdade de oportunidades, imperativo constitucional por tratar-se de direito fundamental e sob esse prisma deve ser observado, voltando-se as ações de inclusão das pessoas com deficiência mediante o trabalho para primeiramente a solução dos problemas existentes nas empresas, como por exemplo, os estruturais que imposssibilitam o acesso físico das pessoas com deficiência e os atitudinais tanto da comunidade empresária como de seus funcionários. 113 TERRA, Reportagem de Marina Pita. Feira em SP leva 7 mil vagas de emprego para deficientes. Disponível em<http://invertia.terra.com.br/terra-dadiversidade/noticias/o,,OI5082608EI17840,00Feira+em+SP+leva+mil+vagas+de+emprego+para+deeficientes.ht ml> Acesso em 18 abr 2011. 114 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. Disponível em <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2423/2/TESE_PRONTA_E_REVISADA.PDF> Acesso em 05 dez. 2011. 71 Não é a pessoa com deficiência que precisa se adaptar ao local de trabalho para então ser incluída socialmente, mas o ambiente e as pessoas sem deficiência é que se adaptam para a concretização da efetiva inclusão. Daí porque a existência da positivação dos direitos em referência de nada serve se a busca por sua concretização não se realizar por meio do Estado, da iniciativa privada, da sociedade e da própria pessoa com deficiência, onde cada qual tem a sua cota de responsabilidade, como será tratado no capítulo seguinte. Antes de adentrar ao terceiro capítulo, pertinente ressalvar que no tocante ao papel do Estado na inclusão social, será necessária uma abordagem detida acerca das políticas públicas existentes voltadas para as pessoas com deficiência e sua inclusão no mercado de trabalho e uma crítica quanto a sua efetivação, bem como a postura da sociedade a respeito, para em seguida analisar como a empresa cumpre o seu mister de co-participante na promoção da inclusão social como fio condutor da democracia. 72 3.POLÍTICAS INCLUSIVISTAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E EMPRESA Os direitos fundamentais, em especial o direito à igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência para o exercício de uma vida digna, impõem, por força constitucional, a criação de condições para a sua realização, o que se instrumentaliza, a princípio, por meio de ações ou políticas implementadas pelo Estado. Aqui se faz premente uma ressalva, na medida em que não há como tratar de inclusão social no mercado de trabalho para pessoas com deficiência, sem adentrar ao tema “políticas públicas”, bem como buscar subsídios em disciplina diversa, como no Serviço Social, pois, no tocante a políticas públicas, muito embora esta se refira a programas de ações governamentais, é cediço que a participação de outros atores, como a sociedade civil e a empresa, tem um papel fundamental para o sucesso dessas ações, consolidando assim os escopos constitucionais da vigente ordem jurídica instituída com o advento da Constituição Federal de 1988. Já com relação a interdisciplinaridade do Direito com o Serviço Social tem sua importância na construção do conhecimento e na busca de inovação. Se o Estado Constitucional significa a refundação de uma ordem constitucional pautada na supremacia da Constituição, na força normativa vinculante dos princípios e dos Direitos Fundamentais e na consolidação de um Estado como instrumento de efetivação de um modelo substancial de justiça, pautado pelas normas constitucionais, é necessária a formação de ma estrutura capaz de efetivamente concretizar essa nova ordem. E essa estrutura deve englobar uma atuação do Estado e uma plena e conjugada participação da sociedade civil. [...] A ação estatal, que congrega a participação popular na tomada de decisão política, recebeu ampla referência na Carta Constitucional de 1988, que buscou promover uma descentralização do Poder Público e a promoção de uma regulação social das políticas, com o escopo de possibilitar uma efetiva interação entre a sociedade civil e o Poder Público, tanto no sentido da cooperação quanto no planejamento, no monitoramento e na avaliação das políticas públicas.115 A promoção da dignidade da pessoa humana, como antes demonstrado, é um dos objetivos do Estado brasileiro e por isso dá substrato à atuação estatal via políticas públicas. Já a interação da sociedade civil na realização de políticas inclusivistas, em especial da empresa, é conseqüência do lugar conquistado por ela (empresa) ao longo do tempo, na medida em que foi alçada a sujeito de direito, mola propulsora do progresso econômico, pois 115 BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 206. 73 geradora de emprego, renda, riquezas e em contrapartida, recebeu como dever, por força constitucional, a observância de sua função social. No entanto, isso não quer dizer que o Estado transfere para a iniciativa privada a responsabilidade da proteção dos direitos fundamentais, mas há, nos termos de Gesta Leal116 uma “reconformação” dos compromissos constitucionais, onde a construção e concretização dos direitos fundamentais deve ser compartilhada quando assim necessário para a construção de uma sociedade efetivamente justa, solidária, fraterna e desenvolvida econômica e socialmente. A participação da empresa na realização das políticas do Estado voltadas para as pessoas com deficiência aumenta a cada dia, tendo em vista que é a empresa a maior responsável pela contratação e manutenção de trabalhadores e como já estudado, o trabalho é considerado uma das formas de se promover o exercício da dignidade humana ao promover a acessibilidade em todas as áreas e possibilitar a fruição da igualdade substancial. Sob essa perspectiva é que passa-se a demonstrar as ações nacionais tendentes a proporcionar a inclusão social das pessoas com deficiência, mais especificamente no âmbito laboral, foco da pesquisa, para em seguida analisar criticamente os limites e possibilidades na efetivação dessas políticas inclusivas. 3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS VOLTADOS PARA A INCLUSÃO SOCIAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 3.1.1 Políticas de integração e políticas de inclusão: do modelo médico da deficiência ao modelo social da deficiência Antes de adentrar ao tema políticas públicas, oportuno conceituar o que seja integração e inclusão social de pessoas com deficiência, pois muitos autores utilizam tais termos como sinônimos, quando na verdade não são. A idéia de integração está relacionada com o modelo médico da deficiência, onde a pessoa com deficiência era vista como doente e necessitava de tratamento especial para ser curada, tratada ou reabilitada para após ser inserida na sociedade, ou seja, a pessoa com deficiência precisava se adequar à sociedade. A integração tinha e tem o mérito de inserir a pessoa com deficiência na sociedade, sim, mas desde que ela esteja de alguma forma capacitada a 116 LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficaciais dos direitos fundamentais sociais: os desafios do poder judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 76. 74 superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existentes. Sob a ótica dos dias de hoje, a integração constitui um esforço unilateral tão somente da pessoa com deficiência e seus aliados (a família, a instituição especializada e algumas pessoas da comunidade que abracem a causa da inserção social), sendo que estes tentam torná-la mais aceitável no seio da sociedade. Isto reflete o ainda vigente modelo médico da deficiência.117 Compreende-se que a integração, embora ainda esteja vigente, não supre plenamente as necessidades de todas as pessoas com deficiência, porque tem como principal conceito a dependência da pessoa advinda do modelo médico, já citado, onde esta é considerada como doente, necessitando se adequar à realidade da sociedade. Já a inclusão social apresenta-se mais abrangente, tendo em vista ser uma via de mão dupla, na medida em que a sociedade precisa se preparar para receber as pessoas com deficiência. Conceitua-se a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com deficiência (além de outras) e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.118 A inclusão social é um mecanismo de transformação e superação nas mais variadas áreas pela cooperação, tanto do Estado, como da sociedade e das pessoas com deficiência, o que já é uma realidade no país. Nele o modelo social da deficiência é que predomina, ou seja, os problemas para a incapacidade ou dificuldades para a geração de oportunidades em prol das pessoas com deficiência podem estar na própria sociedade, seja em virtude de ambientes inacessíveis, posturas discriminatórias entre outras. Por certo que o método da integração não perdeu sua importância, pois em muitos casos, somente este processo é suficiente para a participação da pessoa com deficiência, mas resta demonstrado que a maioria necessita do processo de inclusão. Atualmente o país encontra-se em fase de transição entre a integração e a inclusão, pelo que a evolução demonstrará que a integração diminuirá até o ponto de não mais existir, prevalecendo a inclusão que é dotada de maior amplitude.119 Isso porque a inclusão prima pela valorização da diversidade, alterando não só os ambientes, mas as atitudes da sociedade, 117 SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed, 2010, p. 33. 118 Op. cit. p. 39. 119 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A sociedade inclusiva e a cidadania das pessoas com deficiência. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/> Acesso em 13 dez. 2011. 75 o que é muito positivo e cumpre os preceitos constitucionais da construção de uma sociedade justa e solidária. 3.1.2 Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência Retomando o assunto políticas públicas, de rigor salientar que o fundamento para a sua implantação encontra-se em especial no artigo 3º da Constituição Federal, o qual preceitua ser objetivo do Estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Há, portanto, uma obrigação por parte do Estado em cumprir os objetivos da Lei Maior, implementando ações por meio de serviços à população que sejam suficientes e eficazes para o bem da coletividade. Neste contexto, o serviço público assume um aspecto instrumental, no sentido que se presta como meio hábil à realização dos fins da comunidade, demarcados pelos objetivos, finalidades, valores e princípios da Carta Política e mesmo de todo o sistema normativo, vinculando tanto Estado, Mercado como Sociedade a tais misteres.120 A realização dessas ações públicas não cabe apenas ao Estado, embora este tenha a maior cota de responsabilidade, nos termos da Constituição Federal, mas a outros responsáveis, como no caso, a empresa e a sociedade. A lei 7.853 de 24 de outubro de 1989 traçou diretrizes acerca dos direitos da pessoa com deficiência, criando a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, para o fim de tutelar os interesses dessa classe de pessoas, assegurando o pleno exercício dos direitos individuais e sociais. Trata-se de uma política pública de integração das pessoas com deficiência no meio social e econômico, que apresenta instrumentos legais para assegurar igualdade de oportunidades às pessoas com deficiência e também de tratamento, seja na acessibilidade, na educação, saúde, trabalho, lazer, previdência social entre outros direitos já previstos à todos os cidadãos pela Constituição Cidadã. Após dez anos, com o advento do Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999, é que se regulamentou essa Política Nacional, fixando normas e conceituações sobre proteção, organização, assistência, formas de incentivo à acessibilidade da pessoa com deficiência em relação à educação e ao trabalho. 120 LEAL, Rogério Gesta Leal. Impactos econômicos e sociais das decisões judiciais: aspectos introdutórios. Brasília: ENFAM, 2010. P. 271. Disponível em <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1768> Acesso em 02 mar. 2012. 76 São princípios do referido instrumento: “1) desenvolvimento de ação conjunta entre Estado e sociedade; 2) mecanismos e instrumentos legais e operacionais atinentes ao pleno exercício de direitos; e 3) respeito.”121 A ação conjunta entre o Estado e a sociedade e aqui deve-se incluir a comunidade empresária é de suma importância, porque a inclusão das pessoas com deficiência se dá no âmbito social e econômico, daí ser imperiosa a vinculação articulada, onde cada um exerce uma função específica com a busca do resultado inclusivista. O decreto 3298/99 tem por escopo dar concretude ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana pela igualdade de oportunidades e para isso ações no âmbito da saúde, educação, trabalho, assistência social entre outros, são meios de realizar a inclusão das pessoas com deficiência. O respeito previsto no decreto regulamentador da política nacional de integração da pessoa com deficiência é princípio que antecede a própria legislação, na medida em que tratase de uma condição para se viver dignamente. O acesso ao trabalho pleno para as pessoas com deficiência é o fio condutor a possibilitar uma vida digna e foi nesse contexto que os mencionados regramentos foram editados, mas a previsão de reserva de mercado como política especial de emprego carece de efetividade. O artigo 34 do Decreto 3298/99 apresenta como finalidade primordial da política de emprego, a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido. Por sua vez, o artigo 35 apresenta as modalidades de inserção laboral da pessoa com deficiência, sendo elas: colocação competitiva, colocação seletiva e a promoção do trabalho por conta própria. Segundo Sassaki, a lei em comento traz conceitos equivocados e entendimentos ultrapassados, como se verifica no parágrafo único do artigo 34 que adota um tratamento de segregação às pessoas com deficiência grave ou severa ao prescrever que tais pessoas poderão ser inseridas em trabalhos alternativos como cooperativas sociais. Já superamos a fase em que nós, especialistas em reabilitação profissional, acreditávamos que somente as pessoas com deficiência ‘leve’ ou ‘moderada’ poderiam entrar no mercado de trabalho competitivo e encaminhávamos as pessoas com deficiência ‘grave’ ou ‘severa’ para trabalhos ‘alternativos’, tanto na forma de cooperativas sociais como na de oficinas protegidas de trabalho. Esta fase teve seu ápice nas décadas de 60 e 70. É, pois, 121 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DIREITOS HUMANOS. A eficiência do deficiente. Disponível em <http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/doutrina/id246.htm> Acesso em 21 mai 2011. 77 decepcionante ver que um decreto assinado em 1999 ainda traga um entendimento descartado já na década de 80, quando novas práticas e novas descobertas foram encorajadas pelo Ano Internacional das Pessoas Deficientes, comemorado em 1981 sob a liderança da Organização das Nações Unidas (ONU). Nos últimos 20 anos, foram desenvolvidas experiências e tecnologias suficientes para colocarmos pessoas com deficiência ‘leve, moderada, grave ou severa’ no mercado de trabalho competitivo. Mas, é também verdade que ainda existem pessoas com deficiência que não conseguem trabalhos competitivos, independente de a 122 deficiência ser ‘leve, moderada, grave ou severa’. A visão assistencialista que tanto prejudica a plena inclusão é mantida no regramento em análise, pois não se considerou o avanço tecnológico e científico existente na atualidade. A lei em comento simplesmente generalizou as pessoas com deficiência, não valorizando a diversidade. Estamos convencidos, porém, que as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental tem ampla perspectiva de sucesso profissional desde que se lhes assegurem instrumentos hábeis a superar, em termos de resultados, os limites impostos pela deficiência. A tecnologia, ademais, vem desenvolvendo próteses, órteses e sistemas de informática, entre outros, que viabilizam uma desenvoltura física e sensorial francamente compensatória a aqueles que as tenham comprometidas, naturalmente. Trata-se, portanto, de propiciar o instrumento certo a cada pessoa, rompendo-se, assim, o tabu da invalidez.123 Por certo que a lei que instituiu a política de acesso ao emprego da pessoa com deficiência (Decreto 3298/99) não apresenta resultados plenamente positivos quanto a sua finalidade, seja porque ainda tem um caráter eminentemente assistencialista, seja porque os métodos de habilitação e reabilitação não se conformam com os anseios do mercado de trabalho e de suas complexidades do mundo capitalista contemporâneo. Não se pode perder de vista, contudo, que as modificações são graduais, principalmente quando se trata de uma questão enraizada desde os primórdios da civilização. Tem-se que as diretrizes de uma sociedade inclusiva crescem aos poucos, pelo que a transformação das relações sociais no tocante a promoção da inclusão terá por conseqüência a promoção do desenvolvimento da autonomia das pessoas com deficiência, a ponto destas terem ampla e irrestrita consciência de seus direitos e deveres, fazer escolhas e somar com a sua diversidade. 122 SASSAKI, Romeu Kazumi. O acesso ao trabalho: análise à luz da inclusão. Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, ano X, n. 59, nov./dez. 2007, p. 20-23. 123 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A sociedade inclusiva e a cidadania das pessoas com deficiência. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/> Acesso em 13 dez. 2011. 78 Vale mencionar que o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE foi criado dentro da estrutura da CORDE, tendo por finalidade acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e política urbana dirigidos a esse grupo social, com vistas a garantir que este possa tomar parte do processo de definição, planejamento e avaliação das políticas destinadas à pessoa com deficiência, por meio da articulação e diálogo com as demais instâncias de controle social e os gestores de administração pública direta e indireta.124 Pertinente salientar, ainda, que em 2009 a CORDE foi alçada a Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) pela Lei 11.958 e Decreto 6.980/2009, tendo como função precípua coordenar e supervisionar o programa Nacional de Acessibilidade e o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ações afirmativas que serão estudadas adiante. 3.1.3 Lei de cotas: uma política de incentivo ao trabalho das pessoas com deficiência? A reserva legal de cargos ou lei de cotas como é conhecida, estabelecida no artigo 93 da Lei 8.213/91 e já mencionada em tópicos anteriores, apresenta a obrigatoriedade de as empresas com cem ou mais empregados contratarem pessoas com deficiência na seguinte proporção: I – de 100 a 200 empregados – 2%; II – de 201 a 500 – 3%; III – de 501 a 1.000 – 4%; IV – de 1.001 em diante – 5%. Referida lei tem o condão de servir para que a inclusão de pessoas com deficiência seja assumida pela empresa como postura inerente à sua gestão organizacional. Ocorre que a mera determinação de percentuais legais a serem cumpridas pelas empresas, sob pena de multa, não é apta por si só a promover a inclusão social, muito menos proporciona a mudança de atitude da organização empresarial e sociedade, tampouco conduz ao exercício da cidadania da pessoa com deficiência. Isso porque, embora mencionada lei tenha respaldo constitucional, nos termos do artigo 3º da Lei Magna e tenha uma boa intenção, quando analisada no seu todo, a lei de cotas é equivocada e ineficaz, considerando se tratar de um sistema antigo que já foi adotado no 124 BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. CONADE. Conselho Nacional dos Direitos das pessoas portadoras de deficiência. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/conade/default.asp> Acesso em 10 dez. 2011. 79 país, mas sem surtir o resultado almejado de contratar o maior número de pessoas com deficiência, como era o caso do revogado Decreto nº 60.501 de 1967 que em seu artigo 128 dispunha Art. 128. As empresas vinculadas à previdência social com 20 (vinte) ou mais empregados são obrigadas a reservar de 2% a 5% (dois a cinco por cento) dos cargos para atender aos casos de beneficiários reabilitados, na seguinte proporção, desprezadas as frações e com o mínimo de 1 (um): I - Até 200 empregados - 2% II - de 201 a 500 - 3% III - de 501 a 1.000 - 4% IV - de 1.001 em diante 5%125 O citado regramento já refletia o assistencialismo segregado que se encontra presente na lei vigente. A visão da sociedade para com a pessoa com deficiência, nos termos das leis em comento (revogada e vigente) é de incapacidade ou capacidade reduzida dessa classe de pessoas a ponto de ser necessária a disponibilização de reservas para possibilitar o acesso ao trabalho. Embora com uma legislação primorosa, considerada uma das melhores e mais completas de todo o mundo no que concerne à inclusão social da pessoa com deficiência, a nossa realidade está longe de ser um reflexo da normativa constitucional e legal. É necessário uma conscientização de todos para que sejam expungidos a discriminação e o preconceito arraigados em nossa sociedade, para conviver, aceitar e respeitar as diferenças. É imprescindível, enfim, a compreensão de que todos somos seres humanos com sentimentos, anseios, angústias, limitações e com os mesmos direitos.126 A reserva de mercado não é um mecanismo legal suficiente para a concretização dos direitos das pessoas com deficiência, porque não resolve o problema da discriminação e da indiferença. Tanto é verdade que muitos países que adotaram o sistema de cotas, o revogaram ante a sua ineficácia, como ocorreu com os Estados Unidos (em 1990), Canadá (em 1994), GrãBretanha (em 1995), Nova Zelândia, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Austrália e Portugal.127 125 BRASIL, DECRETO N. 60.501 de 14/03/67. Disponível em <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1967/60501.html> Acesso em 13 dez. 2011. 126 MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O trabalho como direito humano da pessoa com deficiência. Direitos humanos e direito do trabalho. Flávia Piovesan; Luciana Paula Vaz de Carvalho, coordenadoras. São Paulo: Atlas, 2010, p. 167/168. 127 SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed, 2010, p. 84. 80 Muito embora a Lei de Cotas tenha sido instituída como um mecanismo de política de acesso ao trabalho implementado pelo Estado em conjunto com a iniciativa privada, não se pode deixar de constatar que é um sistema mal sucedido, tanto que os países acima mencionados o revogaram, optando por legislações antidiscriminatórias respaldadas na tutela da igualdade de oportunidades e acessibilidade, como registrado na Conferência Internacional sobre Vida Independente, realizada em Washington, DC (Distrito de Colúmbia), no ano de 1999. O sistema de cotas tem sido há muito tempo um elemento das políticas de emprego em certos países da Europa, Ásia e, em menor grau, da África, variando desde aquele que requer apenas uma pequena porcentagem de funcionários de governo (por exemplo, 2%) até sistemas sofisticados que cobrem forças de trabalho públicas e particulares e exigem vários níveis de multa em caso de descumprimento. Embora eles variem bastante quanto ao cumprimento, monitoramento e cobertura, nenhum sistema de cotas é considerado bem sucedido em atingir o seu objetivo original: aumentar os níveis de contratação de pessoas com deficiência. Foi observado com ironia que, em alguns países, o fluxo de dinheiro do sistema de cotas poderia ser rastreado a partir das multas pelo descumprimento, pagas por empresas particulares, dinheiro esse que então percorre o sistema e termina chegando às portas das oficinas protegidas de trabalho: o mercado aberto subsidiando a força de trabalho segregado e mal remunerado. Ficou claro, após os debates, que nenhum país estava pretendendo adotar o sistema de cotas e que, ao mesmo tempo, alguns países que já adotavam este sistema estão agora elaborando uma legislação [antidiscriminatória] baseada em direitos para enfrentar a questão do emprego e das medidas de acessibilidade.128 O regramento que trata da reserva de mercado na Constituição Federal deve ser interpretado em conformidade com os demais preceitos constitucionais, pois é fato que existem direitos antagônicos igualmente assegurados constitucionalmente que colidem entre si, sendo então necessário o sopesamento de tais direitos, pautado no princípio da razoabilidade e proporcionalidade, como explicitado no primeiro capítulo, para que haja uma harmonia, o que lamentavelmente não ocorreu com a lei em comento, ocasionando a ineficácia de tal medida. É correto afirmar que a reserva de mercado não supre ou ameniza a exclusão histórica sofrida pelas pessoas com deficiência. Ao instituir a lei, o Estado não se aparelhou, tampouco colocou à disposição formas de viabilização da propalada inclusão social pela reserva de mercado, mas apenas impôs a contratação de pessoas com deficiência pela iniciativa privada e também pelos órgãos públicos. 128 SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed, 2010, p. 87/88. 81 Ora, pretender que alguém exerça uma função por ser mulher, negro, índio, deficiente ou estrangeiro, e não por ser competente, é evidentemente, retirar, ao país que admite tal forma de enfrentar os desafios do futuro, a possibilidade de superá-los. Por esse caminho ele nunca terá o nível de competitividade necessário para acompanhar outros países que adotaram apenas o critério da competência. [...] O aspecto mais interessante, todavia, reside no fato de que a Constituição não permite tal proteção às avessas, pois proíbe qualquer espécie de discriminação em função de idade, sexo, cor, estado civil, deficiência física ou qualificações curriculares. Desse modo, a Constituição fornece o antídoto às pretensas reservas legais de mercado, já que todas essas reservas são necessariamente discriminatórias contra aqueles que a elas não tem acesso. [...] A luta contra os preconceitos deve ser intensa, mas não à custa do princípio de igualdade, que proíbe reservas discriminatórias, e cujo desatendimento favorece a incompetência, retira competitividade empresarial e fere a Constituição. A batalha do futuro exige competência. No setor empresarial, esta é a única meta capaz de permitir a evolução da economia. Todos os segmentos sociais, sem reservas, devem ter acesso, sem discriminações às oportunidades existentes. Se o critério for o da ‘incompetência assegurada’, o país que adotar tal política perderá a corrida do futuro.129 Nenhuma legislação transformará o errado em certo como num passe de mágica. O acesso ao trabalho (decente) a todas as pessoas com ou sem deficiência é um direito fundamental, mas não se pode olvidar que o setor empresarial é o motor que promove o crescimento econômico – tão importante quanto o desenvolvimento econômico, notadamente na atual conjuntura mundial – pelo que a gestão organizacional é obrigada a buscar diuturnamente a excelência em seus negócios para manter a “máquina” seguindo em frente, principalmente porque é dela (empresa) que advém os empregos primordiais para a garantia da subsistência da classe trabalhadora, com ou sem deficiência. A geração de oportunidades de acesso ao trabalho deve sempre ter como requisito a competência, porque a grande maioria das pessoas com deficiência busca uma vida digna e independente e não um mero mecanismo de caridade e assistencialismo como se evidencia na Lei de Cotas. De igual forma, a empresa que tem o dever de cumprir sua função social estabelecida a nível constitucional também tem o direito, quiçá até o dever de crescer e gerar riquezas ao país e para tanto, necessita de mão-de-obra qualificada com vistas a suprir toda a demanda, o que não ocorre com o sistema de cotas da forma como imposto. Observa-se, assim, que ambas as questões são de grande importância e por isso merecem ser consideradas na mesma proporção. Não é demais repisar que a pouca eficácia da lei de cotas ou a sua total ineficácia, reflete-se inclusive no que pertine a sua fiscalização e aplicação das sanções correspondentes, 129 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Discriminação às avessas. Revista Exane.com. Disponível em <http://exame.abril.com.br/noticia/discriminacao-as-avessas-m0047506> Acesso em 15 dez. 2011. 82 bem como a própria interpretação que por vezes distoa do razoável, como entendeu o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho ao negar provimento no agravo de instrumento do Ministério Público do Trabalho que postulou a aplicação de multa pelo alegado descumprimento da lei de cotas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI do Rio Grande do Sul. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA DESCABIMENTO. TRABALHADORES REABILITADOS PELO INSS OU PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. APRENDIZAGEM INDUSTRIAL PROFESSORES E INSTRUTORES. OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO. ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91. O art. 93 da Lei nº 8.213/91 não possui qualquer comando em relação ao momento em que a regra deva ser inteiramente implementada. Por outra face, o escopo do art. 93 da Lei nº 8.213/91 é coibir, no âmbito das relações trabalhistas, a discriminação das pessoas portadoras de deficiências. Na hipótese dos autos, não há qualquer referência, na petição inicial ou mesmo no curso do processo, no sentido de que o recorrente tenha praticado qualquer ato discriminatório. À ausência de discriminação, a exigência de dispensa dos empregados que não atendam às condições em foco refoge à razoabilidade. Não há, assim, que se falar em violação direta e literal do preceito no bem lançado acórdão regional. Agravo de instrumento a que se nega provimento.130 Nos termos do entendimento do Ministro relator, a importância da não discriminação é fundamental para cumprir os ditames constitucionais, mas não pode contudo se esquecer “a outra face da sociedade”, na medida em que deve ser analisado cada caso concreto, mormente porque a lei de cotas sequer determinou o momento em que a regra lá estabelecida deve ser inteiramente implementada, tampouco há imposição quanto à seleção de novos empregados. Por ter o SENAI função precípua de formação profissional, onde o seu rol de funcionários é basicamente composto de professores e instrutores, nítida a necessidade de tais empregados terem formação e conhecimento específicos nas áreas de atuação. Outra falha de interpretação da lei tratada no respeitável acórdão, diz respeito à questão do quadro de pessoal do SENAI que à época da edição da referida lei já estava completo, não sendo crível a dispensa de empregados sem deficiência para a substituição por candidatos com deficiência. Sendo certo que essa mudança deve ocorrer ao longo do tempo para não ocasionar problemas estruturais, cabendo ao empregador quando da nova seleção de profissionais, abster-se de qualquer postura discriminatória. 130 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo 9413300-83.2003.900-04-00 AIRR. 3. Turma. Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Data julgamento 04 nov. 2009. Disponível em http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/brs/nspit/n_nspitgen_un.html&p=1&r=5&f=G&l=0> Acesso em 21 mai 2011. 83 O entendimento que tem prevalecido no Tribunal Superior é o do cumprimento imediato da Lei de Cotas, sob pena de imputação das sanções correspondentes em caso de recusa injustificável. RECURSO DE REVISTA. CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. RESERVA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE TOTAL DE CUMPRIMENTO DO ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91 NÃO DEMONSTRADA. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA CONFIGURADA. Eventual exclusão da obrigação de preenchimento de cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência só se justificaria ante à impossibilidade total da empresa em contratar empregados que se enquadrem como reabilitados ou portadores de deficiência. O que não restou demonstrado, já que a diminuição no número de deficientes contratados e o estabelecimento de exigências mínimas para contratação de deficientes demonstra conduta discriminatória da empresa. Recurso de Revista conhecido e provido.131 O julgador considerou a eventual impossibilidade da empresa no cumprimento das proporções estabelecidas em lei, no entanto, entendeu ser imprescindível a comprovação cabal de justificado descumprimento da cota imposta, o que não ocorreu no caso em apreço na medida em que a empresa (Cooperativa Agroindustrial Consolata – COPACOL do Estado do Paraná), embora tenha adotado condutas com vistas ao cumprimento da lei de cotas, fez inúmeras exigências para a contratação, bem como apurou-se que houve a contratação de 800 funcionários e a diminuição do número de trabalhadores com deficiência. Tem-se, portanto que o Judiciário, no que pertine a análise da exigência legal de reserva de mercado, tem buscado sopesar a existência ou não de condições de concretizar a lei de cotas, analisando cada caso concreto nos limites do “razoável e possível”, o que demonstra um amadurecimento da instituição ao abrir mão da simples subsunção do fato à norma quando em jogo direitos fundamentais contrapostos, mas de semelhante relevância. Logo, a compreensão que se tem até aqui é que a lei de cotas não trouxe a solução para o problema da exclusão social, principalmente considerando o lapso temporal entre a edição do Decreto nº 60.501/67 e a presente data, são exatamente 44 anos para demonstrar que a mera exigência legal não dissipa a postura discriminatória e preconceituosa, tanto que o próprio Judiciário, como visto, cumpre o mister de reconstruir o Direito, no caso uma lei 131 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo 344700-80.2009.5.09.0071 RR. 8. Turma. Relator Juiz Convocado Sebastião Geraldo de Oliveira. Data julgamento 21 set. 2011. Disponível em <http://brs02.www.tst.gov.br/cgi-bin/nphbrs?d=ITRE&S1=trabalhadores+reabilitados+e+defici%EAncia&s2=&u=> Acesso em 15 dez. 2011. 84 falha, tendo como núcleo a Constituição Federal, carregada de valores como a igualdade e dignidade da pessoa humana. Restou, pois demonstrado ao longo da história nacional e internacional, que a problemática não se limita à reserva legal de vagas no mercado de trabalho em prol de pessoas com deficiência para garantir a inclusão social. Por essa razão é que defende-se a implementação de ações afirmativas que sejam eficazes com vistas à construção de uma sociedade inclusiva e consequentemente uma empresa inclusiva. Assim, necessário se faz analisar as ações afirmativas de caráter inclusivista, bem como seus limites e possibilidades frente a realidade econômico-social contemporânea, como se verá a partir do tópico 3.2 do estudo. 3.1.4 Programa Nacional de Acessibilidade O acesso facilitado às pessoas com deficiência, como no transporte, na comunicação e sinalização e nos postos de trabalho sempre foi a busca para possibilitar uma vida independente dessa classe de pessoas e consequentemente a equiparação das oportunidades. Urge então aqui a importância de se estudar o direito à acessibilidade no contexto da inclusão social no mercado de trabalho. O programa nacional de acessibilidade foi instituído pela lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000132, para dar cumprimento aos termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 de que todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção. A Constituição Federal também foi observada na edição da lei em comento, como se verifica no artigo 227, parágrafo primeiro, inciso II; parágrafo segundo e artigo 244 que tratam do acesso a bens e serviços, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos, dispõem sobre a necessidade de criação de lei para o fim de normatizar sobre a construção de logradouros, edifícios e meios de transporte que proporcionem o acesso adequado às pessoas com deficiência. O Decreto n. 5296 de 02 de dezembro de 2004133 regulamentou a Lei n. 10.098/2000, estabelecendo normas gerais sobre a acessibilidade, como construção, reforma e ampliação de edificações públicas e de uso coletivo, atendendo às regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. 132 BRASIL. Presidência da República. Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm> Acesso em 17 dez. 2011. 133 Op. cit. 85 Verifica-se que a legislação brasileira é rica no que diz respeito à normatização do direito à acessibilidade das pessoas com deficiência, contudo, o reconhecimento formal não é o suficiente para a promoção da autonomia das pessoas com deficiência, na medida em que a implantação de acessibilidade arquitetônica em todas as dimensões (trabalho, educação, lazer), ainda se limita a poucas áreas das cidades, na maioria das vezes apenas aos grandes centros, excluindo-se os demais locais, o que acarreta inúmeros problemas, sendo o principal deles a impossibilidade de locomoção (o ir e vir) que tolhe o direito ao acesso a iguais oportunidades para as pessoas com deficiência. Muitas empresas atentam para a necessidade de adaptações específicas de acessibilidade, mas considerando que a maioria das pessoas, entre elas, aquelas com deficiência, não moram nos grandes centros, é correto afirmar que a acessibilidade ainda está distante de sua plena concretização, muito embora haja previsão expressa na Constituição Federal em seu artigo 182, no sentido de que a política de desenvolvimento urbano tem por escopo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, com garantia do bem estar da população, além da função social da propriedade, há ainda a necessidade de se voltar para a concretude do direito ao acesso facilitado para as pessoas com deficiência. Ante a discrepância entre a norma e a realidade aqui evidenciada, faz-se necessário pontuar que por ser a acessibilidade um direito fundamental, tem-se que não apenas o Estado é o responsável por este mister, mas também os particulares devem agir em conformidade com os escopos constitucionais. Bem por isso, devem os particulares – aqui entendidos a população em geral e a empresa - buscar a realização dos direitos fundantes como a dignidade da pessoa humana, promovendo a concretização da acessibilidade e assim, contribuir com o Estado para a efetivação dos objetivos da República Federativa do Brasil. Aliás, esse foi o entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 201819/RJ e muito embora trate de assunto diverso da presente pesquisa, aborda com precisão o assunto da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que vincula os particulares. EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados 86 pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. [...]. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.134 A eficácia dessas garantias constitucionais deve ser oponível não apenas ao Estado, mas observa-se que ante a essencialidade da proteção dos direitos fundamentais, a sua aplicação deve ser de forma direta inclusive nas relações entre os particulares. E essa questão é de vital importância para compreender a responsabilidade de cada cidadão no tocante a acessibilidade das pessoas com deficiência, por exemplo, ao criar obstáculos nas calçadas como degraus ou não fazer as manutenções necessárias, inviabiliza o exercício da autonomia dessa classe de pessoas, fazendo-se premente a observância dos direitos fundamentais também por parte dos atores privados, ante a supremacia da Constituição Federal. 3.1.5 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência foi aprovada pela Organização das Nações Unidas - ONU em 2006 e ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n. 186/2008, que em decorrência da aprovação nas duas Casas Legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), nos termos do artigo quinto, parágrafo terceiro da Constituição Federal passou a ter status de emenda constitucional. Referido documento apresenta uma visão inclusivista de valorização da diversidade, como se denota em seu primeiro artigo, pois tem como propósito promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade. O caráter inclusivista no tocante ao acesso e permanência no trabalho das pessoas com deficiência pela dicção do artigo 27 da Convenção é evidenciado pelo reconhecimento do direito das pessoas com deficiência de trabalhar em igualdade de oportunidades com as 134 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 201.819/RJ. Segunda Turma. Relatora Ministra Ellen Gracie. Relator para acórdão: Ministro Gilmar Mendes. DJ 11 out. 2005. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=388784> Acesso em 21 dez. 2011. 87 demais pessoas. Este direito abrange o direito à oportunidade de se manter num trabalho de sua livre escolha ou ser aceito no mercado laboral em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Devem os Estados Partes salvaguardarem e promoverem a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação para o fim de vedar a discriminação em todas as suas formas, propiciar a ascensão profissional, condições salubres, tratamento justo e isonômico em relação a remuneração e treinamento profissional e continuado. A promoção do emprego tanto no setor público como no privado deve ser realizado mediante políticas e medidas apropriadas, podendo se incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas aptas a efetivação da inclusão social. Há ainda a preocupação em se promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negócio próprio, quando assim for o propósito das pessoas com deficiência. 135 A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência de 2006 não inovou no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência no aspecto jurídico, como ressaltado por Fonseca136, mas trouxe em seu bojo o agrupamento dos propósitos da própria Organização Internacional do Trabalho OIT e da Organização das Nações Unidas - ONU, o que demonstra que a presente Convenção lapidou o que já havia sido construído desde a fundação dos mencionados organismos internacionais, como se observa pela dicção do seu preâmbulo. Os Estados Partes da presente Convenção, a) Relembrando os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, que reconhecem a dignidade e o valor inerentes e os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, b) Reconhecendo que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, proclamaram e concordaram que toda pessoa faz jus a todos os direitos e liberdades ali estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, [...], O reconhecimento da universalidade dos direitos fundamentais sem discriminação é o primeiro passo para a inclusão das pessoas com deficiência. A igualdade de oportunidades deve ser fomentada por ações positivas a nível local, regional, nacional e internacional. As 135 BRASIL. Congresso Nacional. Decreto Legislativo n. 186, 2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm> Acesso em 17 dez. 2011. 136 FONSECA. Ricardo Tadeu Marque da. Convenção comentada. Artigo 27 – Trabalho e Emprego. Disponível em <http://www.bengalalegal.com/trabalho> Acesso em 17 dez. 2011. 88 questões sobre os direitos das pessoas com deficiência, nos termos da Convenção de 2006, devem integrar as estratégias de desenvolvimento sustentável, tendo em vista que os problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência, se negligenciados, impede o desenvolvimento social do Estado. k) Preocupados com o fato de que, não obstante esses diversos instrumentos e compromissos, as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras contra sua participação como membros iguais da sociedade e violações de seus direitos humanos em todas as partes do mundo, [...], m) Reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação na sociedade resultará no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza, n) Reconhecendo a importância, para as pessoas com deficiência, de sua autonomia e independência individuais, inclusive da liberdade para fazer as próprias escolhas, 137 A Convenção de 2006 reconhece a fragilidade da positivação dos direitos das pessoas com deficiência frente a realidade de exclusão por elas vivenciada e propõe a cooperação internacional como meio de amenizar as condições de vida dessa classe de pessoas. A ratificação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência de 2006 pelo Brasil, mediante o Decreto 186/2008, foi um grande avanço, pois fundamental para a busca da superação da evidente fragilidade da eficácia dos regramentos já existentes, como a Lei de Cotas estudada anteriormente e por ser o direito ao trabalho um direito humano universal e fundamental é que tratou-se de criar diretrizes para essa realização, com vistas à garantia da dignidade da pessoa humana em todos os seus aspectos, como saúde, alimentação, liberdade, educação, moradia, acessibilidade entre outros. Isso porque os direitos fundamentais são interdependentes, universais e indivisíveis. Até porque a discriminação e os óbices enfrentados pelas pessoas com deficiência não se encontram apenas no tocante ao mercado de trabalho, mas bem antes disso, tendo origem na sonegação de direitos de assistência social e à saúde, bem como a educação, direitos estes constitucionalmente assegurados (artigos 203, 207, 208 e 227). 137 BRASIL. Congresso Nacional. Decreto Legislativo n. 186, 2008. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Congresso/DLG186-2008.htm> Acesso em 17 dez. 2011. em 89 O direito ao trabalho é um Direito Humano universal assegurado desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esse direito só se realiza plenamente, porém, com a implementação de outros inerentes à liberdade, à educação, à moradia, à alimentação, à saúde, à habilitação e reabilitação, por exemplo. Trata-se da mencionada inter-relação e interdependência dos Direitos Humanos, que são, por isso mesmo, indivisíveis. Não há liberdade sem igualdade, tampouco esta sem aquela e ambas jamais prosperarão se medidas relativas à fraternidade humana não se implementarem.138 Essa inter-relação dos demais direitos humanos fundamentais com o direito ao trabalho da pessoa com deficiência é imprescindível para a efetiva inclusão social, notadamente porque um dos grandes entraves da não inclusão é a falta de qualificação, o que somente pode ser solucionado com um sistema educacional inclusivo em todos os níveis. Agora, não adianta uma educação inclusiva se a pessoa com deficiência não tem meios para se deslocar, devendo haver políticas de acessibilidade de forma abrangente e eficaz. De igual forma, nada disso se realizará sem as condições necessárias para garantir a saúde, alimentação e moradia. Em razão disso é mister assegurar todos os direitos elencados acima para que se viabilize a inclusão social das pessoas com deficiência. Portanto se reafirma que tal tarefa é compartilhada pelo Estado, Empresa e Sociedade. O primeiro ao colocar à disposição um sistema de saúde digno, adotar políticas de pleno acesso à educação, meios de transporte e habitação, bem como incentivar o empreendedorismo da pessoa com deficiência. A segunda, tendo em vista o seu papel empregador amplamente estudado em tópicos anteriores, de se abster do ranço discriminatório na admissão de funcionários e de adotar ações afirmativas na permanência dessa classe de pessoas, não de forma segregada, mas que promova a interação e diversidade e assim cumpra a sua função social. Quanto à terceira, que aprenda com as próprias pessoas com deficiência, o valor da vida e do respeito ao próximo. As políticas e programas governamentais, aqui em especial os de qualificação com natureza emancipatória, que tem por fim disponibilizar recursos do Governo Federal aos demais entes públicos para que estes em parceria com o Terceiro Setor (OSCIPs, ONGs) executem tais programas, percorrem um longo trajeto e por vezes os desvios são uma triste realidade que limitam a efetivação da cidadania, como se verificará em tópico próprio. 3.1.6 Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência 138 FONSECA. Ricardo Tadeu Marque da. Convenção comentada. Artigo 27 – Trabalho e Emprego. Disponível em <http://www.bengalalegal.com/trabalho> Acesso em 17 dez. 2011. 90 O Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Plano Viver sem Limite instituído pelo Decreto 7612/2011, tem como eixos centrais a educação, a saúde, a inclusão social e a acessibilidade, com metas a serem cumpridas até o ano 2014. Os executores do plano são a União em colaboração com Estados, Distrito Federal, Municípios e Sociedade. As diretrizes do Plano Viver sem Limite tem caráter inclusivista, pois busca a interação entre a pessoa com deficiência e os demais atores, como a sociedade e a empresa, através da acessibilidade e qualificação, com vistas à equiparação de oportunidades. Art. 3º São diretrizes do Plano Viver sem Limite: I - garantia de um sistema educacional inclusivo; II - garantia de que os equipamentos públicos de educação sejam acessíveis para as pessoas com deficiência, inclusive por meio de transporte adequado; III - ampliação da participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, mediante sua capacitação e qualificação profissional; IV - ampliação do acesso das pessoas com deficiência às políticas de assistência social e de combate à extrema pobreza; V - prevenção das causas de deficiência; VI - ampliação e qualificação da rede de atenção à saúde da pessoa com deficiência, em especial os serviços de habilitação e reabilitação; VII - ampliação do acesso das pessoas com deficiência à habitação adaptável e com recursos de acessibilidade; e VIII - promoção do acesso, do desenvolvimento e da inovação em tecnologia assistiva. 139 Observa-se que as ações definidas no Plano Viver sem Limite se conformam com os propósitos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006, pois tem por objetivo a promoção da cidadania e fortalecimento da participação da pessoa com deficiência na sociedade, pela autonomia, possibilitando a fruição e acesso a todos os bens, serviços e iguais oportunidades a toda população com ou sem deficiência. O termo de adesão voluntária é o meio pelo qual o Município, Estado ou Distrito Federal poderá se vincular ao Plano Viver sem Limite, nos termos do artigo 9º do Decreto 7612/2011. Sendo certo que aderindo voluntariamente ao Plano, o aderente torna-se responsável pelo cumprimento das medidas estatuídas no Decreto ora em análise. A execução se dará por intermédio de convênios, acordos de cooperação e outros instrumentos firmados com órgãos públicos diretos ou indiretos ou entidades privadas, nos termos do artigo 10 do diploma legal em comento. 139 BRASIL. Presidência da República. Decreto 7612 de 17 de novembro de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7612.htm> Acesso em 17 nov. 2011. 91 Art. 10. Para a execução do Plano Viver sem Limite poderão ser firmados convênios, acordos de cooperação, ajustes ou instrumentos congêneres, com órgãos e entidades da administração pública federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com consórcios públicos ou com entidades privadas. Com relação ao eixo Educação, o Plano tem por metas o transporte escolar acessível, adaptações arquitetônicas das instituições federais de ensino superior e escolas públicas, com vistas à acessibilidade; a implantação e atualização de salas; além de disponibilizar vagas em cursos federais de formação profissional e tecnológica para pessoas com deficiência. No que pertine à Saúde, há uma preocupação em se investir na prevenção e monitoramento neonatal, para quando não for possível impedir a deficiência, que ela seja amenizada. As ações de habilitação e reabilitação, atendimento odontológico, ampliação das redes de produção e acesso a órteses e próteses também são metas buscadas no Plano Viver sem Limite. Na Acessibilidade, o Plano prevê ações conjuntas entre União, Estados e Municípios, como o Programa Minha Casa, Minha Vida 2, que deverá projetar imóveis que tornem possível a adaptação para pessoas com deficiência. A criação de cinco centros tecnológicos para a formação, em nível técnico, de treinadores e instrutores de cães-guias em todas as regiões do país. Ações de mobilidade urbana do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) e da Copa de 2014 também cumprirão os requisitos de acessibilidade. O plano ainda prevê a implantação de Centros de Referência, com a finalidade de oferecer apoio para as pessoas com deficiência em situação de risco, como extrema pobreza, abandono e isolamento social.140 A previsão orçamentária para a viabilização do Plano é de R$ 7,6 bilhões, tendo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) como coordenadora e os seguintes órgãos do Governo Federal como integrantes: Casa Civil, Secretaria Geral da Presidência da República, Ministérios da Educação, Saúde, Trabalho e Emprego, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Esporte, Ciência, Tecnologia e Inovação, Cidades, Fazenda, Planejamento, Comunicações, Previdência Social e Cultura. O programa ainda inclui uma linha de crédito de R$ 150 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), para pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias assistivas. Além disso, o Governo Federal tem por objetivo subsidiar a compra de próteses e 140 BRASIL. Portal Brasil. Disponível em < http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/11/17/planobeneficia-45-6-milhoes-com-deficiencia> Acesso em 20 nov. 2011. 92 equipamentos para a população de baixa renda. 141 Um catálogo de diversos produtos como teclados especiais, duplicadores braile, entre outros terão isenção de IPI, nos termos da Medida Provisória 549/2011.142 A evolução nas políticas nacionais de inclusão das pessoas com deficiência tem demonstrado o avanço nas ações estratégicas do Estado em cooperação com a sociedade e comunidade empresária, com vistas ao valor da pessoa. A partir principalmente das últimas décadas do século XX, temos uma mudança de enfoque. Os instrumentos internacionais voltados à valorização da pessoa humana manifestam preocupação especial com a pessoa com deficiência buscando eliminar a discriminação e propiciar a inclusão social dessas minorias, especialmente no mercado de trabalho.143 A preocupação com a busca e aprimoramento da autonomia da pessoa com deficiência tem se concretizado, reconhecendo ser um meio que contribui para a inclusão social, na medida em que os investimentos com educação, saúde e acessibilidade dão substrato à plena inclusão. A autonomia das pessoas com deficiência promove o exercício da dignidade e a acessibilidade corresponde à mola propulsora para o seu alcance. Bem por isso que o Conselho Monetário Nacional – CMN, pela Medida Provisória 550/2011144aprovou linha de crédito especial para pessoas com deficiência, cuja ação é parte integrante do Plano Viver Sem Limite. As linhas de crédito especialmente para aquisição de bens e serviços como cadeira de rodas, próteses, computadores portáteis braille, lupas eletrônicas portáteis, entre outros, serão facilitadas para o fim de proporcionar o bem-estar das pessoas com deficiência que comprovem renda mensal de até dez salários mínimos. As pessoas poderão financiar seus produtos em até sessenta meses, com taxa de juros de 0,64%145 141 BRASIL. Portal Brasil. Disponível em < http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/11/17/planobeneficia-45-6-milhoes-com-deficiencia> Acesso em 20 nov. 2011. 142 BRASIL. Presidência da República. Medida provisória n. 549 de 17 de novembro de 2011. Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2011/Mpv/549.htm> Acesso em 21 dez. 2011. 143 MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O trabalho como direito humano da pessoa com deficiência. Direitos humanos e direito do trabalho. Flávia Piovesan; Luciana Paula Vaz de Carvalho, coordenadoras. São Paulo: Atlas, 2010, p. 171. 144 BRASIL, Presidência da República. Medida provisória 550/20122. Disponível em <http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/0pv/550.htm> Acesso em 04 mar.2012. 145 BRASIL, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em <http://www.pessoascomdeficiencia.gov.br/app/noticias/ministra-destaca-importacia-de-linha-de-credito-parapessoas-com-deficiencia>. Acesso em 04 mar. 2012. 93 O estudo evidencia que o Plano Viver sem Limite revolucionou a condução das políticas nacionais até então implementadas, na medida em que tratou do problema de como a acessibilidade das pessoas com deficiência gera a dignidade, apresentando mecanismos efetivos para a inclusão no meio econômico e social, se conformando com os princípios estruturantes da Constituição Federal. 3.2 EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS INCLUSIVISTAS: LIMITES E POSSIBILIDADES Após analisar algumas políticas voltadas para a inclusão de pessoas com deficiência, importa enfrentar a questão da sua efetivação, incluindo os limites, possibilidades e desafios a serem enfrentados, para que possa se falar em realização dos direitos e garantias fundamentais. De qualquer sorte, o estudo se torna relevante, pois tais condições eficaciais refletem diretamente sobre o mercado, na medida em que há um evidente entrelaçamento entre a atuação do Estado e da empresa nesse aspecto, sendo a pedra de toque para a construção de uma sociedade inclusiva, uma empresa inclusiva e um Estado inclusivo. 3.2.1 Corrupção política: um limitador da efetivação de políticas emancipatórias Embora o tema central seja voltado para os desafios da empresa na concretização da dignidade da pessoa com deficiência, a interação entre o Estado e a empresa, principalmente quando se diz respeito a qualificação de pessoas com ou sem deficiência para a sua inclusão no mercado de trabalho, é evidente, por isso, pertinente uma breve ponderação acerca desse mal generalizado que assola o país e impede o seu progresso, chamado corrupção. A investigação revela que a corrupção política limita a efetivação de ações emancipatórias, em especial aquelas em prol das pessoas com deficiência, gerando um efeito negativo, na medida em que recursos que deveriam ser investidos na promoção da autonomia das pessoas com deficiência, nos mais variados segmentos, por intermédio de Organizações não Governamentais – ONGs e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs, por exemplo, são desviados. Um esquema escandaloso de criação e venda de organizações nãogovernamentais sem fins lucrativos foi descoberto pela Controladoria-Geral da União (CGU), no decorrer das investigações sobre a atuação dessas entidades na execução de convênios financiados por emendas parlamentares para a realização de eventos festivos de interesse turístico. 94 Durante trabalho de levantamento do número de ONGs em pequenas cidades, a CGU, através de seu Observatório da Despesa Pública, estranhou o grande número dessas entidades existente na pequena cidade de Alto Paraíso (Goiás), com menos de sete mil habitantes. O aprofundamento do trabalho mostrou que uma única pessoa, Aline Aparecida Brazão, era ou tinha sido dirigente de, pelo menos, 45 dessas entidades. As investigações acabaram chegando ao site da “Vieira Consultoria”, administrada por Antônio Carlos Travassos Vieira, e especializada em criar e, simplesmente, colocar à venda Organizações Não-Governamentais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Em anúncio feito abertamente no site de pesquisas Google a Consultoria Vieira oferece: ‘Compre sua OSCIP já aprovada e comece a operar imediatamente’.146 A promulgação da Constituição Federal em 1988, “Manual” Supremo do país, como tratado no primeiro capítulo, rompeu definitivamente com a antiga estrutura institucional ao estabelecer como fundamento do Estado, a dignidade da pessoa humana, priorizando a existência digna do brasileiro ao (re)colocar a pessoa como protagonista do Estado e destinatário dos direitos e garantias fundamentais, conforme os preceitos da justiça social. Uma das formas de se promover o exercício da dignidade da pessoa humana é colocando à disposição do cidadão um Governo honesto, eficiente, tendo como regra de conduta os princípios constitucionais da Administração Pública, notadamente porque está adstrito a eles, nos termos do artigo 37, da Constituição Cidadã. Todavia, ao descurar dos seus deveres insculpidos na Lei Maior, os administratores públicos e todos aqueles que de uma forma ou outra se beneficiaram indevidamente, devem responder por seus atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa e aos anseios da sociedade, tendo o cidadão e a sociedade civil o direito-dever fundamental constitucionalmente assegurado de fiscalizar e denunciar os desmandos com vistas à concretização da efetiva democracia e desenvolvimento do país. 3.2.2 Benefício de Prestação Continuada e Contrato de Aprendizagem Outro limitador das políticas inclusivistas no mercado de trabalho para pessoas com deficiência, se refere ao pagamento de benefícios assistenciais do Governo, como o denominado Benefício de Prestação Continuada – BPC, da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, Lei n. 8.742/93147. 146 CGU - CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Notícias. Controladoria descobre esquema de venda de ONGs e OSCIPs. Disponível em < http://www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2010/noticia15710.asp> Acesso em 23 dez. 2011. 147 BRASIL, Presidência da República. Lei n. 8.742 de 7 de dezembro de 1993. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742.htm> Acesso em 22 dez. 2011. 95 A lei em questão sofreu alterações pela Lei 12.435/2011148. O benefício em questão tem respaldo na Constituição Federal em seu artigo 203 que garante às pessoas com deficiência e idosos que comprovarem não ter condições de prover o próprio sustento, o valor correspondente a um salário mínimo, independente de contribuição à seguridade social. Isso porque, nos termos da lei, aqueles que recebem o BPC, em caso de ingresso no mercado de trabalho, perdem a condição de beneficiários, e, em sendo o benefício vitalício, poucos são aqueles que abrem mão de uma renda garantida e de quase impossível recuperação para se “aventurarem” no mercado de trabalho, considerando suas limitações. Tal dispositivo, contudo foi alterado pelo Decreto 7612/2011, que instituiu o Plano Viver sem Limite, já analisado, onde após a necessária regulamentação, as pessoas com deficiência beneficiárias do BPC poderão ingressar no mercado de trabalho e em caso de saída dentro de período de dois anos, não será necessária toda a burocracia existente atualmente de se submeter ao processo de requisição do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A alteração da legislação que deve ser implementada até 2014, apresentou uma alternativa para as pessoas que necessitam do benefício e querem se qualificar profissionalmente, pois há possibilidade de se cumular o BPC em caso de contrato de aprendizagem, pelo período de dois anos. O contrato de aprendizagem a partir do Decreto 7612/2011 que instituiu o Plano Viver sem Limite, foi revisto tornando-se uma possibilidade de efetivação da inclusão das pessoas com deficiência, pois não fez limitação de idade a estas, considerando que cada uma tem particularidades e habilidades diferenciadas, podendo então nos termos do artigo 428, parágrafo quinto da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, cuja alteração se deu pela lei 11.180/2005149, se estender por período superior a dois anos. A nova previsão coloca-nos à frente de uma medida de ação afirmativa contundente pois, ao mesmo tempo em que reconhece a realidade do país de existência de muitos jovens com deficiência completamente à margem do aprendizado do ensino metódico e da formação profissional, cria e disciplina a possibilidade de o jovem aprendiz poder acumular os valores recebidos da remuneração do contrato de aprendizagem e do benefício da prestação continuada (salário + BPC) pelo prazo máximo de dois anos, que é o prazo legal para a vigência do contrato de aprendizagem na regra geral. E mais, determina que o valor da remuneração recebido no contrato de aprendizagem 148 BRASIL, Lei n. 12435 de 6 de julho de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12435.htm> Acesso em 22 dez. 2011. 149 BRASIL, Presidência da República. Lei n. 11.180 de 23 de setembro de 2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11180.htm> Acesso em 22 dez. 2011. 96 não será considerado para o cálculo da renda per capita da família, que é inferior a ¼ do salário mínimo (condição para o beneficio da assistência social). Estima-se que essa circunstancial previsão modificará o agir do grupo familiar no sentido de se ver estimulado, diante da manutenção do benefício da prestação continuada acrescido do salário decorrente do contrato de aprendizagem, a direcionar o jovem com deficiência para o aprendizado e para a convivência em sociedade.150 A legislação sofreu uma mudança positiva, com vistas à motivação não apenas das pessoas com deficiência, mas de suas famílias a buscarem treinamento para a qualificação dessa classe de pessoas para o fim de conquistarem sua autonomia, sem correrem o risco de perder seu benefício. Além do mais outro fator positivo é com relação à educação, na medida em que a concretização do contrato de aprendizagem está vinculado à matrícula e frequência em instituição de ensino. Muito embora a contratação de aprendizes com ou sem deficiência seja obrigatória para as empresas, sob pena de aplicação de multas, (como ocorre com a lei de cotas), a verdade é que essas organizações cumprem a sua função social ao propiciarem a oportunidade dessas pessoas aprenderem uma profissão e terem condições de serem incluídas no mercado de trabalho qualificadas, e assim não mais necessitando de benefícios governamentais ante a conquista da autonomia e independência. 3.3 POLÍTICAS EMPRESARIAIS: A NECESSÁRIA MUDANÇA ATITUDINAL O presente tópico tem por fim demonstrar que a concretização da inclusão social de pessoas com deficiência no mercado de trabalho requer muito mais que a implementação das políticas governamentais estudadas nos tópicos anteriores. Isso porque as barreiras mais difíceis de serem transpostas são aquelas culturais, pois é necessário uma mudança de postura, tanto do público interno da empresa quanto da sociedade, para que essa inclusão seja feita a contento, sob pena da própria pessoa com deficiência preferir a exclusão e o exclusivo amparo assistencial do Estado, a compor a classe de trabalhadores e consumidores que contribuem para o crescimento e desenvolvimento do país. A mudança na concepção dos paradigmas da ação social demonstra que há um esforço da empresa em interagir com a coletividade. A idéia de ação positiva não abarca somente as iniciativas de ordem empresarial, mas, em 150 GUGEL, Maria Aparecida. Benefício da Prestação Continuada. Disponível em <http://vidaindependentebh.blogspot.com/2011/10/beneficio-da-prestacao-continuada.html> Acesso em 22 dez. 2011. 97 sua maioria, a força de um movimento que se abre para o modo como a empresa encara sua relação com o ambiente social.151 A importância da efetiva inclusão da pessoa com deficiência nas organizações vai além do cumprimento da criticada lei de cotas, tendo em vista que empresas voltadas para a sustentabilidade social, que trabalham com ética, incorporando sua função social, tem se destacado, causando impactos positivos no mercado globalizado. Além dos impactos positivos na economia pela inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, pode-se evidenciar que a empresa será responsável pela realização dos princípios fundamentais da Ordem Econômica Constitucional, como se verá adiante. 3.3.1 Acessibilidade empresarial Quando se fala em acessibilidade o que logo vem à mente é aquela voltada ao aspecto arquitetônico, no entanto, ao se tratar do paradigma da inclusão com vistas ao respeito à diversidade humana, tem-se que a acessibilidade não se restringe a apenas um ponto e por isso é que a empresa inclusiva se preocupa em adotar medidas de acessibilidade nas suas mais variadas formas. Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais físicas, no interior e no entorno dos escritórios e fábricas e nos meios de transporte coletivo utilizados pelas empresas para seus funcionários. Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação interpessoal (face a face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual etc.), na comunicação escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile, textos com letras ampliadas para quem tem baixa visão, notebook e outras tecnologias assistivas para comunicar) e na comunicação virtual (acessibilidade digital). Acessibilidade metodológica: sem barreiras nos métodos e técnicas de trabalho (treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, execução de tarefas, ergonomia, novo conceito de fluxograma, empoderamento etc.). Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de trabalho (ferramentas, máquinas, equipamentos, lápis, caneta, teclado de computador etc.). Acessibilidade programática: sem barreiras invisíveis embutidas em políticas (leis, decretos, portarias, resoluções, ordens de serviço, regulamentos etc.). Acessibilidade atitudinal: sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações, como resultado de programas e práticas de sensibilização e 151 OLIVEIRA, Lourival José de. Das principais formas de se efetivar a integração dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho.Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, n. 19, jun/dez. 2011. 98 de conscientização dos trabalhadores em geral e da convivência na diversidade humana nos locais de trabalho.152 Entende-se que a mudança de atitude é o ponto de partida para a inclusão de pessoas com deficiência, principalmente no tocante à realidade de que a mão de obra da pessoa com deficiência tem o mesmo peso daquela sem deficiência e esta união faz com que a empresa cumpra seu papel econômico e também ético-social. Vale registrar que essa postura inclusivista começa a ser uma busca real da sociedade empresarial, o que somente foi possível de fato a partir da ratificação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e também agora com o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o “Viver sem Limite”, já mencionado, que tem por escopo a promoção da autonomia da pessoa com deficiência com vistas a garantia de equiparação de oportunidades na saúde, na educação, no trabalho e no lazer. Espera-se que essa busca seja incorporada em todos os segmentos empresariais, inclusive pelas micro e pequenas empresas, por serem consideradas as maiores geradoras de postos de trabalho do país153, a nível quantitativo, o que por certo promoveria de forma universal a diversidade, garantindo o exercício da dignidade da pessoa com deficiência. 3.3.2 Emprego apoiado O emprego apoiado ou emprego com apoio é um programa criado nos Estados Unidos no final da década de 70 e regulamentado desde o ano de 1984, data em que foi editada a Lei de Deficiências de Desenvolvimento e em seguida, a Lei de Reabilitação Profissional em 1986, onde recursos financeiros e suportes são disponibilizados a todos os Estados do país, com a finalidade de inserir a pessoa com deficiência na empresa e treiná-la com o apoio individualizado de um responsável por treinar a pessoa na medida da sua limitação, até que esta consiga por si mesma executar suas funções laborais. O emprego apoiado é adotado como uma política pública. A orientação, a supervisão e as ajudas técnicas entre outros elementos que auxiliem ou permitam compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, de modo 152 SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed, 2010, p. 67/68. 153 SEBRAE, Estudo e pesquisas. Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa. Disponível em <http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/25BA39988A7410D78325795D003E8172/$File/NT000472 76.pdf > Acesso em 23 dez. 2011. 99 a superar as barreiras da mobilidade e da comunicação, possibilitando a plena utilização de suas capacidades em condições de normalidade. 154 O emprego apoiado prima pelo auxílio às pessoas com deficiência no ingresso ao mercado de trabalho até a sua plena adaptação no meio ambiente do trabalho e qualificação que deverá ocorrer após a contratação. Países como Canadá e Espanha também adotam o processo de colocação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho por intermédio do emprego apoiado, onde o Estado viabiliza o repasse de recursos para a implementação, inclusive remuneração e treinamento de pessoal, aquisição de equipamentos, transporte etc.155 Importa dizer que o Brasil não adotou o processo de emprego apoiado, mas há no Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999, que regulamentou a Política Nacional de Integração da Pessoa com Deficiência, uma possibilidade para sua implementação. Art. 35. São modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência: [...] § 2o Consideram-se procedimentos especiais os meios utilizados para a contratação de pessoa que, devido ao seu grau de deficiência, transitória ou permanente, exija condições especiais, tais como jornada variável, horário flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado às suas especificidades, entre outros.156 Estudos evidenciam que a prática do emprego apoiado voltada para a inclusão de pessoas com deficiência no mercado competitivo contribui na gestão da diversidade do capital humano das empresas, possibilita a redução de despesas com pensões e subsídios sociais do Estado. A relação custo benefício foi considerada positiva principalmente pelos resultados refletidos nas pessoas com deficiência participantes do emprego apoiado, pois proporcionou fortalecimento individual e social, empoderamento pessoal, sentimento de bem-estar e realização, além da autonomia e independência.157 154 BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. A inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. 2 ed., Brasília: MTE, SIT, 2007, p. 35. 155 SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed, 2010, p. 81. 156 BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.htm > Acesso em 23 dez. 2011. 157 COELHO, Vera Pires. Os contributos do emprego apoiado para a integração das pessoas com doença mental. Análise Psicológica (2010), 3 (XXVIII): 465-478. Disponível em <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v28n3/v28n3a07.pdf> Acesso em 27 dez. 2011. 100 Os reflexos positivos ora apontados demonstram que o emprego apoiado possibilita, mediante política inclusivista, o desenvolvimento social e econômico individual das pessoas com deficiência e consequentemente, coletivo. O recurso do emprego apoiado, embora ainda não esteja amparado por uma política pública específica, tem se iniciado no país através de Organizações não Governamentais ONGs, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIPs e de pessoas com deficiência engajadas na causa da inclusão social. A Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social do Ministério da Ciência e Tecnologia – Secis/MCT reconheceu em 2008 o emprego apoiado como tecnologia social e passou a desenvolver ações para transferência de tecnologia. Instituições como a Pestalozzi de São Paulo, a Associação Nova Projeto, a Carpe Diem, alguns professores da Universidade Estadual Paulista – Unesp, entre outros, tem desenvolvido ações de emprego apoiado, mas reconhece-se que ainda são inexpressivas.158 A implementação da política do emprego apoiado no Brasil, em cooperação com o empresariado, seria ferramenta útil para consolidar as demais políticas de inclusão social, pois restou demonstrado em países aderentes à referida política que a colocação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho via emprego apoiado, possibilita que pessoas até então “invisíveis” participem ativamente tanto do progresso individual como do coletivo. As mobilizações no país em prol do processo de emprego apoiado progridem passo a passo e como já restou demonstrado por estudos e pesquisas o seu sucesso em países que consolidaram essa metodologia, é mister a implementação dessa prática com vistas à plena inclusão e cumprimento das responsabilidades sociais dos entes que compõem o Estado Democrático Brasileiro. 3.4 A EFETIVA INCLUSÃO E SEUS REFLEXOS MULTIFACETADOS Como adiantado acima, a efetiva inclusão gera efeitos multifacetados em todos os setores e de forma global. A eficácia da inclusão social, como visto, tem a ver com a mudança atitudinal do Estado, da empresa, da sociedade e da pessoa com deficiência. De acordo com a análise feita das políticas criadas pelo Estado, constata-se um avanço considerável que busca acompanhar a evolução dos direitos humanos, como a ratificação da Convenção sobre os 158 REVISTA NACIONAL DE TECNOLOGIA ASSISTIVA. Edição outubro 2011. Emprego apoiado visa inserir pessoas com deficiência no mercado de trabalho.Disponível em <http://www.revistanacionalta.org.br/pagina.php?idA=12> Acesso em 22 dez. 2011. 101 direitos das pessoas com deficiência e o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Esse avanço, embora positivo, ainda encontra-se em construção, requerendo aperfeiçoamentos a cada transformação das relações sociais, assim, nunca estará pronto e acabado, mas na busca das conformações pautadas na promoção do desenvolvimento da autonomia dessa classe de pessoas e de toda sociedade. O Judiciário brasileiro, no que pertine à tutela constitucional das pessoas com deficiência, notadamente do exercício da dignidade pela autonomia dessa categoria de pessoas, tem progredido a passos largos, como evidenciado no entendimento da Nona Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que confirmou decisão de Primeira Instância que condenou o Estado do Rio Grande do Sul a indenizar um aluno cadeirante que teve sua autonomia limitada por ausência de rampa de acesso na escola estadual. APELAÇÃO CÍVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESCOLA PÚBLICA. PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ACESSIBILIDADE. PROCESSO CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. Tratando-se de reparação por danos extrapatrimoniais, admite-se que a parte formule pedido genérico, não sendo a quantificação do dano pressuposto de admissibilidade. Precedentes. DANO MORAL. LOCOMOÇÃO DE ALUNO CADEIRANTE. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. Hipótese dos autos em que a Escola a fim de resguardar a segurança dos alunos alterou o local de acesso ao estabelecimento de ensino, pois no portão secundário os estudantes ficavam expostos a agressões. Entretanto, o portão principal não oferecia condições de acessibilidade ao aluno portador de deficiência física, pois não possuía estrutura adequada à locomoção de um cadeirante. Não há dúvidas de que a atitude da Escola violou os direitos fundamentais do aluno deficiente físico, que teve desprezado o seu direito à igualdade, à liberdade, à dignidade e à convivência comunitária, bem como acarretou angustia e sofrimento aos seus pais, que despenderem esforços com o objetivo de promoverem a integração do portador de necessidades especiais com os demais estudantes. Conduta discriminatória caracterizada. Dano moral configurado.159 A violação ao direito fundamental de ir e vir do aluno cadeirante, o impedindo de adentrar nas dependências da escola pública com autonomia, foi fator determinante para condenar o Estado ao pagamento de danos morais pela conduta discriminatória e de exclusão social. 159 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação n. 70029544897. 9 Câmara Cível. Relator Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary. DJ 30.09.2009. Disponível em <http://www.trjs.jus.br> Acesso em 04 mar. 2012. 102 A promoção do desenvolvimento da autonomia da pessoa com deficiência e sua conseqüente inclusão social, por óbvio, com o passar do tempo, irá desonerar o Estado que poderá aplicar os recursos antes destinados a programas assistencialistas, em novas necessidades. Relativamente a empresa, verifica-se que a prática da plena inclusão social, onde a ética é aplicada em todos os setores, inclusive na contratação e qualificação das pessoas com deficiência, a conseqüência é a transformação da imagem organizacional para uma empresa sustentável socialmente, o que sem sombra de dúvida agrega um inquestionável valor para a comunidade empresarial. A prática demonstra que um programa de responsabilidade social só traz resultados positivos para a sociedade, e para a empresa, se for realizado de forma autêntica. É necessário que a empresa tenha a cultura da responsabilidade social incorporada ao seu pensamento. Desenvolver programas sociais apenas para divulgar a empresa, ou como forma compensatória, não traz resultados positivos sustentáveis ao longo do tempo. Porém, nas empresas que incorporarem os princípios e os aplicarem corretamente, podem ser sentidos resultados como valorização da imagem institucional e da marca, maior lealdade do consumidor, maior capacidade de recrutar e manter talentos, flexibilidade, capacidade de adaptação e longevidade.160 Os impactos de uma empresa socialmente responsável também se estendem ao mercado global, na medida em que uma organização que prima pelo cumprimento de seus deveres (econômicos, ambientais e sociais), adquire boa reputação, o que facilita nas negociações entre fornecedores, consumidores e funcionários. De igual forma a sociedade é beneficiada com a inclusão social de pessoas com deficiência, uma vez ser dever do povo cooperar para a realização de sua sociedade livre, justa e solidária, até porque a pessoa com deficiência é cidadã como qualquer outra e merece ser tratada com respeito e dignidade, com a sua inclusão, a sociedade cumpre o preceito medular da Constituição Federal, o exercício da dignidade humana. O sentido é de uma sociedade participativa na qual devemos caminhar para uma participação autêntica de tudo o que se entende como povo, mesmo que seja difícil, mas é necessário. Temos que integrar todos os elementos dentro da sociedade. Uma sociedade que coloca à margem vários cidadãos não é uma sociedade democrática, não é uma democracia participativa, ela precisa integrar [incluir] todo cidadão com a satisfação das suas necessidades pelo menos básicas e essenciais ao direito. [...] Hoje cidadão é o contribuinte, o 160 INSTITUTO ETHOS. Empresas e Responsabilidade Social. Disponível em <http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3344&Alias=Ethos&Lang> Acesso em 23 dez. 2011. 103 cego, o homossexual, o portador de AIDS, o ser humano no sentido genérico. Não se pode entender mais cidadania como o indivíduo que votava, como até pouco tempo correspondia àquele que exercia o seu direito eleitoral. O conceito moderno de cidadania está revelando uma série de concepções: é aquele que tem que ter as possibilidades da plenitude do processo, da defesa, e também todos esses direitos que estamos discutindo. Qualquer circunstância em que o indivíduo está ele tem que ser respeitado, a cidadania vincula-se à dignidade humana.161 A tutela constitucional e legal das pessoas com deficiência no Brasil é a mais abrangente possível, por isso não demanda mais regulamentação. A inclusão dessa categoria de pessoas se efetiva no âmbito social quando a visão da sociedade está focada na democracia participativa, onde todos os cidadãos são valorizados como ser humano independente de raça, opção sexual, limitações físicas e psíquicas. A sociedade inclusiva não se resume a disponibilizar apenas o acesso arquitetônico em todos os ambientes públicos e de uso coletivo, mas “fortalece e valoriza as atitudes de aceitação das diferenças individuais e enfatiza a importância da convivência, da cooperação e da contribuição que todas as pessoas podem dar para construírem vidas mais justas, mais saudáveis e mais satisfatórias”.162 Para a pessoa com deficiência, os benefícios da inclusão transcendem o cumprimento de legislações, porque é uma resposta aos seus anseios, que por tempos viveu de forma segregada. A inclusão social no mercado de trabalho resgata a dignidade e as rédeas de sua própria vida. Além do mais, por somarem uma grande parcela da sociedade, a inclusão social de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é a conseqüente transformação de meros beneficiários do Estado em contribuintes e consumidores ativos que devolvem sua força de trabalho e contribuem com o crescimento sustentável do país. 161 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A evolução dos direitos humanos e as pessoas com necessidades especiais. II Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas. Disponível em <http://www.proex.pucminas.br/sociedadeinclusiva/sem2/abertura.pdf> Acesso em 21 mai 2011. 162 SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed, 2010, p. 172. 104 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo analisou os fundamentos da Ordem Econômica e verificou que a atividade econômica tem assegurada a sua liberdade quando valorizado o trabalho humano, da mesma forma, a propriedade privada, aqui compreendida a empresa, é dotada de respaldo constitucional, desde que cumpra sua função social. A tutela dos direitos fundamentais como a igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho, notadamente das pessoas com deficiência, permeia todos os princípios que regem a Ordem Econômica e com eles deve se harmonizar. Observou-se que a interpretação constitucional de princípios colidentes entre si, carece dos valores na interpretação pelo método da ponderação frente às demandas em evolução, cujo alicerce é a dignidade da pessoa humana. A investigação revelou que as transformações sociais deram substrato ao desenvolvimento econômico com repercussões no âmbito social e que a empresa assume papel de destaque nas relações negociais, pois trata-se de sujeito de direito transformador do meio em que se situa, na medida em que contrata a força de trabalho humano e gera riquezas. A função social da empresa é imperativo constitucional que deve ser observado, nos termos do artigo 170 da Lei Maior, bem por isso que a inclusão das pessoas com deficiência na atividade econômica é meio de garantir a cidadania dessa classe de pessoas e de cumprir os escopos constitucionais, porque é pelo trabalho que se promove o exercício da dignidade da pessoa com deficiência, revelando-se fator de progresso econômico e social. A socialização das atividades dos meios de produção mudou o foco ideológico da atividade econômica, impondo-lhe uma utilidade social no contexto econômico, onde a escolha por atitudes éticas e justas conduzem a sustentabilidade empresarial. Todavia, a pesquisa apontou que a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho ultrapassa a proteção formal, na medida e, que a empresa contemporânea no mercado globalizado encontra limitações em se manter competitiva e concomitantemente adotar postura inclusiva. O estudo demonstrou que as políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, como a reserva de vagas de trabalho nas empresas da iniciativa privada é ação ineficaz e não cumpre o papel inclusivista da norma, porque o mero cumprimento da lei pelas empresas, sob pena de multa, não é garantia de respeito à diversidade. 105 A pesquisa constatou que a ratificação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e mais recentemente o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Plano Viver sem Limite, que com aquele se conforma, foram passos importantes para o país que aos poucos vem consolidando uma postura ética frente ao problema da exclusão social das pessoas com deficiência. A interação entre Estado e empresa na implementação das políticas de inclusão refletem o grau de importância da empresa na ordem jurídica e na sua proporcional responsabilidade econômica e social imposta pela Constituição Federal. O trabalho apontou que os desafios para a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho tem início com a mudança de postura dos entes que compõem a Ordem Econômica, cujo fio condutor é a acessibilidade proporcionada pela retirada de barreiras visíveis e atitudinais. Constatou-se que a mudança de conduta do Estado em cooperação com a empresa e sociedade por meio de ações e mecanismos inclusivistas produzem generalizados efeitos positivos. Os reflexos são multifacetados recaindo sobre a empresa que agrega valor à sua imagem ao promover a inclusão social, além de cumprir sua função social; o Estado cumpre o seu mister previsto constitucionalmente ao implementar ações tendentes ao desenvolvimento das capacidades intelectuais e profissionais das pessoas com deficiência, como a educação de qualidade conduz o estabelecimento da valorização da diversidade. A sociedade torna-se inclusiva, despida do ranço do preconceito e discriminação e a pessoa com deficiência tem subsídios para desenvolver sua autonomia e poder de escolha da própria vida. Deste modo, constatou-se que o Estado ao colocar à disposição da população políticas emancipatórias, somado a empresas que incorporam práticas sustentáveis, pautadas em sua função social, juntamente com uma sociedade que respeita o próximo, os escopos constitucionais da liberdade e dignidade sem qualquer tipo de discriminação serão manifestos no meio econômico e social, conferindo real sentido e alcance aos ideais democráticos da República Federativa do Brasil. 106 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Gregório Assagra de. Teoria crítica do Direito e o acesso à Justiça como novo método de pensamento. MPMG Jurídico – Publicação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Ano V – n. 19, janeiro/fevereiro/março – 2010. ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. 4. ed. rev. ampl e atual.– Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2011. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/protecao_const1.asp>. Acesso em 20 fev. 2012. BARROSO, Luis Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº. 14, junho/agosto, 2002. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 15 fev. 2011. __________. O começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. Disponível em <http://www.femparpr.org.br/userfiles/file/texto_principios_constitucionais_barroso.pdf> Acesso em 4 mar 2011. __________. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. vol. 7, São Paulo: Saraiva, 1990. ________, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. São Paulo: Editora Malheiros, 2005, pp 87/116. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, trad. de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BOCORNY, Leonardo Raupp. A valorização do trabalho humano no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: SAFE, 2003. BORGES, Alexandre Walmott. Preâmbulo da Constituição & a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 2003. BRASIL, Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 23 dez. 2011. BRASIL, Presidência da República. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm> Acesso em 28 fev. 2012. 107 BRASIL, Emenda Constitucional n. 1, 1969. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc0169.htm> Acesso em 28 fev. 2012. BRASIL, Presidência da República. Decreto 6.949, 2009. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm> Acesso em 21 fev. 2012. ______, Presidência da República. Lei n. 8.989, 1995. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8989.htm> Acesso em 21 fev. 2012. em _______, Congresso Nacional. Decreto Legislativo n. 186, 2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Congresso/DLG186-2008.htm> Acesso em 17 dez. 2011. _______, Presidência da República. Lei n. 7.853, 1989. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm> Acesso em 21 fev. 2012. em _______, Presidência da República. Lei n. 8.742 de 7 de dezembro de 1993. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742.htm> Acesso em 22 dez. 2011. _______, Presidência da República. Lei n. 11.180 de 23 de setembro de 2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11180.htm> Acesso em 22 dez. 2011. ________, Presidência da República. Lei n. 12435 de 6 de julho de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12435.htm> Acesso em 22 dez. 2011. _______, Presidência da República. Decreto n. 7.492, 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/Decreto/D7492.htm> Acesso em 25 fev. 2012. ________, Supremo Tribunal Federal. ADI 2.649, Relatora Ministra Carmen Lucia, julgamento em 08-05-2008, Plenário, DJE de 17-10-2008. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201664> Acesso em 20 fev. 2012. _______, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 201.819/RJ. Segunda Turma. Relatora Ministra Ellen Gracie. Relator para acórdão: Ministro Gilmar Mendes. DJ 11 out. 2005. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=388784> Acesso em 21 dez. 2011. _________, Portal Brasil. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/11/17/plano-beneficia-45-6-milhoes-comdeficiencia> Acesso em 20 nov. 2011 108 __________, Presidência da República. Medida provisória n. 549 de 17 de novembro de 2011. Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL_03/_Ato20112014/2011/Mpv/549.htm> Acesso em 21 dez. 2011. ________, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n. 990.10.058994-6. 9. Câmara de Direito Público. Relator Desembargador Sérgio Gomes. DJ 07.04.2010. Disponível em <http://www.tj.sp.gov.br> Acesso em 27 mai. 2011. _______, Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação em Mandado de Segurança n. 365177-26.2011.8.09.0000. 3. Câmara Cível. Relator Desembargador Rogério Aredio Ferreira. DJ 16.02.2012. Disponível em <http://www.tjgo.jus.br/index.php?sec=consulta&item=decisoes&subitem=jusrisprudencia&a cao=consultar> Acesso em 21 fev. 2012. _______, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em <http://www.pessoascomdeficiencia.gov.br/app/noticias/ministra-destacaimportacia-de-linha-de-credito-para-pessoas-com-deficiencia>. Acesso em 04 mar. 2012. BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos Direitos Fundamentais pela Administra Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6. ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2002. COELHO, Vera Pires. Os contributos do emprego apoiado para a integração das pessoas com doença mental. Análise Psicológica (2010), 3 (XXVIII): 465-478. Disponível em <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v28n3/v28n3a07.pdf> Acesso em 27 dez. 2011. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. DIAS, Reinaldo. Sociologia & Administração. Campinas, SP: Editora Alínea, 2004, 3. ed. FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Revistas da Procuradoria Geral do Estado – Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Disponível: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm> Acesso em 15 fev. 2011. FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Ética da Empresa. Revista Jurídica da Unifil, Ano II – n. 2. Disponível em : <web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf> Acesso em 15 fev. 2011. FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2423/2/TESE_PRONTA_E_REVISADA.P DF>. Acesso em: 05 dez. 2011. __________. A sociedade inclusiva e a cidadania das pessoas com deficiência. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/corde/> Acesso em 13 dez. 2011. 109 FREITAS, Maria Nivalda de Carvalho et. al. Socialização organizacional de pessoas com deficiência. Revista de Administração de Empresas RAE Publicações. São Paulo, v. 50, n. 3 jul/set. 2010. Disponível em < http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S003475902010000300003.pdf> Acesso em 23 dez. 2011. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14. ed. rev. e atual., Malheiros Editores: São Paulo, 2010. GUGEL, Maria Aparecida, CASAGRANDE, Cássio Luis. A inserção da pessoa portadora de deficiência e do beneficiário reabilitado no mercado de trabalho. Disponível em <http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/doutrina/id250.htm>. Acesso em 21 mai 2011. GUGEL, Maria Aparecida. Benefício da Prestação Continuada. Disponível em <http://vidaindependentebh.blogspot.com/2011/10/beneficio-da-prestacao-continuada.html> Acesso em 22 dez. 2011. HENTZ, Luiz Antonio Soares. A teoria da empresa no novo Direito de Empresa. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n.58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3085> Acesso em 21 maio 2010. INSTITUTO ETHOS. Empresas e Responsabilidade Social. Disponível em <http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3344&Alias=Ethos&Lang> Acesso em 23 dez. 2011. LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficaciais dos direitos fundamentais sociais: os desafios do poder judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Preconceito às avessas. Coluna Jus Vigilantibus. Disponível em <http://jusvi.com/colunas/32888> Acesso em 14 dez. 2011. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 24 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, disponível em <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A316B68810131727755744EA6/cadastro_empr egadores.pdf> Acesso em 29 jul. 2011. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DIREITOS HUMANOS. A eficiência do deficiente. Disponível em <http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/doutrina/id246.htm> Acesso em 21 mai 2011. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 2. ed., rev. e actual., Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 1993. 110 NUNES, Cristina Brandão. A Ética Empresarial e os Fundos Socialmente Responsáveis. Porto: Vida Econômica, 2004. OLIVEIRA, Lourival José. Da Inconstitucionalidade da Atividade Empresarial quando resulta na Desvalorização do Trabalho Humano in Atividade Empresarial e mudança social/Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira, Maria de Fátima Ribeiro, orgs. São Paulo: Arte & Ciência; Marília: Unimar, 2009, p. 86. _________, Lourival José de. Das principais formas de se efetivar a integração dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, n. 19, jun/dez. 2011. OIT, Organização Internacional do Trabalho. O que é trabalho decente? Disponível em <http://www.oit.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente> Acesso em 07 set 2011. _____, Organização Internacional do Trabalho. Promovendo o trabalho decente. Convenções ratificadas pelo Brasil. Disponível em <www.oit.org.br/convention> Acesso em 21 fev. 2012. ONU BRASIL - NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Disponível em <http://www.onu.org.br/> Acesso em 17 dez. 2011. PIOVESAN, Flávia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de Carvalho (coord.). MONTAL, Zélia Maria Cardoso. O Trabalho como Direito Humano da Pessoa com Deficiência. In Direitos Humanos e Direito do Trabalho.São Paulo: Atlas, 2010. REVISTA NACIONAL DE TECNOLOGIA ASSISTIVA. Edição outubro 2011. Emprego apoiado visa inserir pessoas com deficiência no mercado de trabalho.Disponível em <http://www.revistanacionalta.org.br/pagina.php?idA=12> Acesso em 22 dez. 2011. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 8. ed, 2010. ________. O acesso ao trabalho: análise à luz da inclusão. Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, ano X, n. 59, nov./dez. 2007, p. 20-23. SEBRAE ESTUDOS E PESQUISAS Disponível em http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/647A69372200E76D8325771F005EF39A/ $File/NT000440A6.pdf>Acesso em 17 nov. 2011. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 760. ______. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2004. SIMÃO FILHO, Adalberto. A Nova Empresarialidade. FMU Dir.: Curso Dir. Cent. Univ. Fac. Metrop. Unidas – UniFMU, São Paulo, a.17, n. 25, p. 11-51, 2003. 111 SOUZA, Washington Peluso Albino, CLARK, Giovani, coordenadores. Direito econômico e a ação econômica estatal na pós-modernidade. São Paulo: LTr, 2011. TOLEDO, Gastão Alves. O Direito Constitucional Econômico e sua Eficácia. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A Função Social da Empresa. RT/Fasc. Civ Ano 92, v. 810, abr. 2003, p. 33-50.