PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NA AMÉRICA LATINA: contextualização, a pobreza em foco e os significados e controvérsias do potencial das condicionalidades para formação de capital humano e capital social Maria Ozanira da Silva e Silva1 Valéria Ferreira Santos de Almada Lima2 Maria Laura Vecinday Garrido3 Silvia Gabriela Fernández Soto4 RESUMO: A CEPAL (2009) identificou a implementação de Programas de Transferência de Renda (PTR) em 17 países da América Latina, alcançando 22 milhões de famílias, 100 milhões de pessoas, 12% da população, sendo aplicado, em média, 0,25 do PIB dos respectivos países. Para Ceccbini; Madariaga (2011), os PTR alcançaram 19 países na América Latina e Caribe, crescendo de 5,7%, em 2000, para 19,3%, em 2010. Survey desenvolvido em 2012 e 2013 por pesquisadores do Brasil, Argentina e Uruguai, identificou 18 países desenvolvendo PTR na América Latina e Caribe. Portanto, nas últimas duas décadas vem se ampliando a proteção social não contributiva na América Latina e Caribe enquanto estratégia para enfrentar a crescente pobreza decorrente do ajustamento estrutural da economia, sob a inspiração da ideologia neoliberal. Entre essas estratégias, encontram-se os Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC), por vezes organizados, inspirados e financiados por organizações multilaterais, com destaque ao Banco Mundial. São estratégias para enfrentar o desemprego, trabalhos precários e elevação da pobreza. A Mesa Coordenada propõe a abordar a proteção social na América Latina, com destaque à contextualização e desenvolvimento dos PTRC em implementação no Continente, destacando a pobreza enquanto categoria teórica de fundamentação e enquanto foco de intervenção desses programas. Visa também considerar as condicionalidades enquanto qualificadores voltados para formação de capital humano e capital social com vistas ao enfrentamento da pobreza intergeracional da população atendida. Esses programas serão contextualizados no âmbito do surgimento e desenvolvimento da proteção social na América Latina e na realidade socioeconômica e política que determinou seu surgimento e desenvolvimento. 1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] 3 Doctora. Docente e investigadora del Departamento de Trabajo Social de la Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de la República, Uruguay. E mail: [email protected] 4 UNCPBA.CONICET E-mail:[email protected] 2 A POBREZA ENQUANTO CATEGORIA TEÓRICA DE FUNDAMENTAÇÃO E FOCO DE INTERVENÇÃO DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NA AMÉRICA LATINA5 Maria Ozanira da Silva e Silva6 RESUMO: O artigo, referenciado em estudo exploratório, bibliográfico e documental, tem como foco de discussão a pobreza enquanto categoria teórica determinante na formulação e implementação dos Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC) na América Latina. A pobreza é apresentada e problematizada tendo como principal determinação a estrutura social, sendo também considerado seu caráter multidimensional. Segue destacando conteúdos e significados que a categoria pobreza, representa no contexto desses programas para fundamentar concepções e orientar sua implementação. É destacada a atribuição de conteúdos individualizantes e discriminatórios à população beneficiária e sua responsabilização pela superação da pobreza intergeracional na qual está imersa. Palavras-chaves: Programas de transferência de renda, pobreza, américa Latina. ABSTRACT: The article, based on a survey, bibliographic and documental research, has as subject a discuss about poverty as main theoretical category in the formulation and implementation of the Conditional Income Transfer Programs in Latin America. The poverty is presented and problematized considering the social structure as its main determination. It is followed by a presentation of contends and significations of the focused theoretical category in the context of those programs. It are accentuated the individualistic and discriminatory contends directed to beneficiary population and to charge them to surpass the intergenerational poverty in which is living. Keywords: Income transfer programs, poverty, Latin America. 5 6 Esse artigo, apresentado na VII Jornada Internacional de Políticas Públicas (JOINPP), São Luís, 25 a 28 de agosto de 2015, contém resultados parciais de estudos desenvolvidos com o apoio da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entidades do Governo brasileiro, voltadas para a formação dos recursos humanos e a pesquisa. Doutora.Professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).E-mail: [email protected] 3 1 INTRODUÇÃO O presente texto tem como referência central o entendimento de que a América Latina é uma região continental que apresenta traços da “[...] longa história que a condiciona: colonização, lutas pela independência, modos de produção, formas de dependência, planos de desenvolvimento, tipos de Estado, políticas sociais etc.” (WANDERLEY, 2011, p. 56). Essa referência coloca a necessidade de cuidados para evitar à formulação de hipóteses e generalizações devendo considerar a diversidade de espaços, tempos e forças sociais em cada Estado-Nação (WANDERLEY, 2011). O pressuposto é que a América Latina é, ao mesmo tempo, una e diversa, por poder-se identificar características homogêneas e heterogêneas que decorrem de diferenciações de fatores territoriais, étnicos, demográficos, ao mesmo tempo em que apresenta traço unificador representado pela elevada desigualdade e pela pobreza de grande contingente de sua população, em decorrência das relações de exploração econômica e dominação política. Isto é, torna-se necessário que cada país da América Latina seja considerado uma formação social específica. É no âmbito dessa realidade, una e diversa, que nos anos 1990 surgem e se ampliam Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC) que vêm integrando os Sistemas de Proteção Social da grande maioria dos países da América Latina. Os PTRC vêm sendo denominados de “Rede de Proteção Social”, composta por um conjunto de intervenções compensatórias de natureza focalizada na pobreza e na extrema pobreza. Essas intervenções constituem o principal mecanismo para combater a denominada pobreza intergeracional no Continente. Portanto, a população beneficiária é proveniente de famílias qualificadas como pobres e extremamente pobres, selecionadas mediante complexos e sofisticados sistemas de identificação, seleção e acompanhamento, com largo emprego de modernas tecnologias da informação, conduzindo a uma ampla tecnificação do campo assistencial. Assim, sob a justificativa de objetividade, o público alvo é submetido a diversificados testes de meios próprios das políticas sociais focalizadas. São famílias e pessoas que recebem transferência monetária sob a condição de cumprirem certos requisitos (condicionalidades) para desenvolver certas qualificações e melhorar seu nível educacional, de saúde e nutricional. Para isso, os PTRC da América Latina propõemse a oferecer proteção social aos ciclos iniciais da vida, mediante a oferta de valores variados de transferência monetária, ao mesmo tempo que se propõem a oferecer atendimento à saúde e a incluir crianças e adolescentes no sistema escolar, com o objetivo 4 de elevar seus níveis de escolaridade. Programas de alguns países incluem também pessoas idosas, pessoas com deficiências e adultos pobres em idade de trabalho (SILVA, 2014). Por conseguinte, os PTRC são programas que materializam a dimensão não contributiva da proteção social na América Latina, situando-se no campo assistencial, cujo foco é o enfrentamento à pobreza, o que requer compreendê-los não só nos seus significados explícitos e implícitos e nas contradições reveladoras de limites e potencialidades (SILVA, 2014). O corte de análise do presente texto é voltado para a compreensão e problematização da pobreza enquanto categoria teórica central de fundamentação dos PTRC na América Latina e enquanto foco de intervenção e proteção assistencial dos segmentos da população que vivenciam a pobreza estrutural e geracional. Nesse aspecto, a pobreza é apresentada e problemetizada considerando a concepção construída pela autora, e pela indicação de conteúdos e significados da categoria pobreza, conforme identificado em vários estudos sobre a realidade dos PTRC na América Latina e, especificamente, no Brasil (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012; SILVA, 2013; 2014; SILVA; YAZBEK: COUTO, 2015). 2 OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA CONDICIONADA NA AMÉRICA LATINA Os PTRC da América Latina apresentam diversos qualificadores que representam elementos comuns que os transforma na estratégia prevalente de proteção social adotada a partir de 1990 para enfrentar sequelas dos processos de ajuste econômico representadas pela elevação dos índices de pobreza, de indigência e de diferentes modalidades de trabalhos precarizados, instáveis e de baixos salarios. Entre esses qualificadores, destacam-se: focalização na pobreza e na extrema pobreza; famílias como os principais beneficiários dos programas; adoção de condicionalidades, com destaque à saúde e à educação, tendo como pressuposto a elevação do capital humano e do capital social em relação às novas gerações e às formas de organização societária. Além do benefício monetário transferido para satisfação de necessidades imediatas, a maioria dos PTRC da América Latina disponibiliza diversas ações complementares, consideradas oferta de oportunidades para ultrapassagem da pobreza intergeracional (SILVA, 2015). Todavia, esses programas não constituem um modelo único de proteção social. São adaptados às 5 realidades sociopolíticas e institucionais de cada país, atribuindo-lhes perfis próprios. Entre as especificificidades identificadas têm-se diversos níveis de cobertura da população e orçamentos diferenciados de recursos que são transferidos aos pobres. Aquí tem-se uma situação contraditória: são os países que apresentam o menor nível de desenvolvimento humano, consequentemente com uma população constituída por um contingente relativamente maior de pobres, que apresentam menos possibilidades de investir nesses programas. Em consequência, têm menor cobertura e efeitos mais modestos, de modo que as transferências monetárias, que já se situam num patamar de sobrevivencia minimalista, pouco têm conseguido contribuir para que grande parte das famílias consigam ultrapassar as linhas de pobreza de seus países. O mais que têm alcançado é superar níveis de indigência, limitando-se à mera funcionalidade do atendimento de necessidades básicas de sobrevivência das famílias beneficiárias (SILVA, 2014). Os PTRC são programas apresentados como incentivo da demanda e da oferta de serviços sociais, com registro de significativo crescimento em número de programas e em cobertura da população beneficiária na primeira década do século XXI, ocorrendo significativa ampliação de recursos a eles destinados. Em 2010, já eram implementados em 18 países, voltando-se largamente para a inclusão da população pobre, constituindo-se na principal política do campo assistencial. Portanto, são programas não contributivos, direcionados para o enfrentamento da pobreza e da extrema pobreza na agenda pública dos países da Região (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE, 2012). Segundo dados também da CEPAL, considerado a população total de 19 países da América Latina e Caribe onde esses programas eram implementado, a cobertura dos PTRC, cresceu de 5,7%, em 2000, para 19,3%, em 2010. Em termos de inversão do PIB, foi registrado um incremento de 0,19%, em 2000, para 0,40%, em 2010. (CECCHINI; MADARIAGA, 2011). Esses dados revelam o destaque desses programas no Continente como forma de proteção social dos extremamente pobres, embora os recursos a eles destinados não venham acompanhando a ampliação da cobertura da população. Mais recentemente, uma equipe de pesquisadores de universidades brasileiras, do Uruguai e da Argentina7 desenvolveram em 2011/2012 um levantamento sobre os PTRC em implementação na América Latina e Caribe, tendo como principais fontes de 7 Trata-se do Projeto: Programas de Transferência de Renda Condicionada na América Latina: estudo comparado - Bolsa Família (Brasil), Nuevo Régimen de Asignaciones Familiares (AFAM-PE) (Uruguay) y Asignación Universal por Hijo para la Protección Social (Argentina), financiado pela CAPES (Edital CGCI no. 072/2010) e pelo CNPq (Edital Universal – CNPq no. 14/2011), contando com pesquisadores das seguintes instituições: PPGPP/UFMA/Brasil; PPGPP/PUC-SP/Brasil; PPGPP/PUC-RS/Brasil; Programa de Doctorado en Ciencias Sociales de la FCS/Udelar/Uruguay e Mestrado en Ciencias Sociales de la FCH/UNICEN da Argentina. 6 informações os sites e documentos dos respectivos programas. Esse levantamento permitiu a elaboração do quadro, cujo critério de exposição é o ano de criação de cada programa. Quadro - Programas de transferência de renda condicionada em implementação na América Latina e Caribe, 20128 País Nome do Programa Honduras Programa de Asignación Familiar (PRAF), “Bonos 10.000” Programa Presidencial Salud, Educación y Nutrición criado em 2010 Bono de Desarrollo Humano Programa Famílias en Acción Programme of Advancement through Health and Education (PATH) Oportunidades9 Chile Solidário Bolsa Família Red Juntos (Programa Nacional de Apoyo Directo a los más pobres) Programa Abrazo, Programa Tekoporã e Programa Ñopytyvô Programa Solidaridad Equador Colômbia Jamaica México Chile Brasil Peru Paraguai República Dominicana Panamá Costa Rica Trindad e Tabago Uruguai Bolívia El Salvador Argentina Ano de criação 1990 1998 2000 2001 2002 2002 2003 2005 2005 2005 Red de Oportunidades Avancemos Target Conditional Cash Transfer (TCCTP) 2006 2006 2007 Programa Nuevo Régimen de Asignaciones Familiares (AFAM-PE) Programa Bono Madre – Niño “Juana Azurduy” Red Solidaridad Programa Comunidades Solidarias Rurales Programa Comunidades Solidarias Urbanas Programa Asignación Universal por Hijo para Protección Social (AUF) 2008 2009 2009 2009 8 O quadro acima apresenta PTRC distribuídos em 18 países da América Latina e Caribe, em implementação em 2012. Todavia, é importante considerar que alguns desses programas são formados de mais de um componente, às vezes, considerados programas independentes. Não consta da lista de países a Nicarágua que manteve o RPS, implementado de 2000 a 2006. Também o programa da Guatemala mais conhecido foi o MIFAPRO, implementado de 2008 a 2011, substituído em 2012 pelo Mi Bono Seguro. Ademais, a relação de programas é restrita a programas que mantêm condicionalidades para sua implementação, deixando de incluir alguns programas importantes, mesmo que de transferência de renda, como o BPC do Brasil, direcionado a idosos a pessoas com deficiências. Dada a complexidade, em razão de criação, desativação e programas às vezes com diferentes componentes, possivelmente, não foi possível, nesse estudo exploratório, terem sido incorporados todos os aspectos presentes nesses programas. 9 Em 2002, o Programa Oportunidades foi a designação substituta do Programa de Educación, Salud y Alimentación (PROGRESO) instituído em 1997 em substituição ao Programa Nacional de Solidaridad (PRONASOL) 1989-1994. Os três programas foram direcionados para a população pobre e indigente no contexto da notoriedade e inclusão da pobreza na agenda governamental, a partir da década dos anos 1980. 7 Guatemala Mi Bono Seguro 2112 Fonte: SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Caracterização e Problematização dos Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC) na América Latina e Caribe. In: SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Programas de Transferência de Renda na América Latina e Caribe. São Paulo: Cortez, 2014. p. 85232. Em termos contextuais, os PTRC são assumidos enquanto resposta a um conjunto de transformações experimentadas pelo sistema capitalista em âmbito mundial e em especial no Continente latino-americano, com destaque às transformações no padrão de regulação econômica e social do Capitalismo, cuja centralidade é focada na garantia de condições de flexibilidade das formas de reorganização capitalista para enfrentamento dos efeitos perversos da globalização, da busca da eficiência e de competitividade da economia. Essa realidade da conjuntura mundial recente tem impactado diretamente no padrão dominante de Política Social, adotando políticas residuais e focalizados em substituição a políticas universalistas. Nesse redimensionamento do padrão de políticas sociais, os PTRC são assumidos como a principal estratégia de enfrentamento à pobreza e às desigualdades sociais na América Latina. Estas são mudanças, inspiradas no Consenso de Washington e impostas pelos Organismos Financeiros Internacionais, com vistas a favorecer a inserção das economias da Região à nova ordem mundial globalizada (SILVA, 2014). Assim, os PTRC passaram a constituir as denominadas Redes de Proteção Social, cujo foco de intervenções compensatórias e focalizadas é as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza intergeracional. Nesse contexto, os pobres são selecionados mediante complexos testes de meios para sua identificação e separação dos não pobres. A partir do ingresso nos programas, os beneficiários passam a ser submetidos a processos de acompanhamento e controle, com emprego de modernas tecnologias da informação. Esse nova forma de gestão dos programas sociais tem submetido o campo assistencial a um amplo processo de tecnificação, considerado pelos idealizadores e gestores dos programas forma de garantir objetividade e eficiência para separar os pobres dos não pobres. Por conseguinte, os beneficiários são submetidos ao controle de suas vidas e de seus ambientes, além da exigência do cumprimento de condicionalidades, sob a justificativa de elevação dos níveis de escolaridade, principalmente de crianças e jovens e o nível de saúde e nutricional das famílias. Como vêm sendo elaborados e implementados os PTRC na América Latina, de acordo com o estudo referenciado, vem sendo possível a identificação de categorias teóricas de fundamentação na elaboração dos programas e com rebatimentos diretos nas estratégias de gestão e implementação. Entre essas categorias, merecessem destaque: pobreza, focalização, capital humano e capital social que se apresentam devidamente 8 articuladas (SILVA, 2015). Entre essas categorias, destaco a pobreza enquanto categoria fundante e modeladora das demais categorias, conforme apresentação e problematização a seguir. 3 POBREZA: foco da intervenção dos programas de transferência de renda A pobreza, enquanto categoria teórica apresenta concepções diferenciadas conforme a corrente teórica que a inspira. No censo comum e no ideário dominante, a concepção de pobreza é expressa pela presença de um atributo negativo, ou seja, significa carência ou ausência de alguma coisa, principalmente da renda, sendo restrita a uma concepção monetarista. A tendência dos estudos mais recentes é ampliar a concepção de pobreza para uma perspectiva multidimensional. Passa, então, a ser concebida como um fenômeno dinâmico e heterogêneo. Nesse aspecto, abrange elementos quantitativos e qualitativos, significando acúmulo de deficiências socioeconômicas e culturais, com inclusão, para além da renda, de deficiências de saúde, educação, moradia, desemprego, direitos econômicos e sociais, igualdade entre os sexos, liberdade e participação política. Tem-se, portanto, a inclusão de um conjunto de situações abrangentes, de caráter múltiplo e cumulativo, referindo-se, por conseguinte, a aspectos materiais e subjetivos, a dimensões políticas e sociais (CODES, 2008). Para Euzeby (1991), a pobreza é uma situação intensiva, extensiva e duradoura de não ter, não saber e de não poder. É também um problema político, por decorrer de escolha de estratégias, quer por deficiência de recursos ou de possibilidades (MILANO, 1988). No presente texto, a concepção de pobreza é percebida na sua historicidade, portanto é relativa e tem como sua principal determinação a forma como a sociedade se organiza para produzir e distribuir o produto do trabalho, ou seja sua determinação maior é de natureza estrutural. Assim, a concepção de pobreza não pode ser considerada estável, no tempo nem no espaço. Não se pode, também falar de uma definição científica, objetiva e universal, por ser um fenômeno ou situação construída historicamente, reproduzindo-se com marcas das especificidades históricas de cada formação social. Ou seja, embora seja um fenômeno percebido numa perspectiva multidimensional, tem como determinação primeira a dimensão estrutural, que considera os fatores externos geradores da pobreza. Fatores que se colocam sobre o ambiente dos pobres, sem que individualmente, possam deles se livrar, 9 sendo o comportamento do pobre consequência e não a causa da pobreza (SILVA, 2014). Essa é uma concepção de pobreza orientada pelo pressuposto de que a exploração é uma dimensão constitutiva do sistema de produção capitalista, decorrente da separação do trabalhador dos meios de produção, da concentração da propriedade nas mãos de poucos (os capitalistas). Esse é um sistema gerador de mais valia, que permite a apropriação do excedente do trabalho pelos capitalistas, proprietários dos meios de produção, base da exploração social. Por conseguinte, [...] O entendimento é de que o sistema de produção capitalista, centrado na expropriação e na exploração para garantir a mais valia, e a repartição injusta e desigual da renda nacional entre as classes sociais são responsáveis pela instituição de um processo excludente, gerador e reprodutor da pobreza, entendida enquanto fenômeno estrutural, complexo, de natureza multidimensional, relativo, não podendo ser considerado como mera insuficiência de renda; é também desigualdade na distribuição da riqueza socialmente produzida; é não acesso a serviços básicos; à informação; ao trabalho e a uma renda digna; é não participação social e política. (SILVA, 2010, p. 157). No âmbito do presente texto, atribui-se à concepção de pobreza formulada por Sen (1978; 1988; 1992; 2000) uma discussão mais ampliada por ser este o principal autor que vem inspirando e fundamentando a concepção de pobreza que orienta as propostas e a implementação dos PTRC na América Latina. Para este autor, a pobreza é concebida na sua multifuncionalidade, constituindo-se num fenômeno social complexo, decorrente de privações de necessidades materiais, de bem estar e de negações de oportunidades de acesso a padrões aceitáveis socialmente. Essa concepção pode ser identificada nos critérios de elegibilidade das famílias e pessoas, nos objetivos dos programas, na fixação das condicionalidades e na oferta de benefícios não monetários e ações complementares (SILVA; YAZBEK; COUTO, 2015). Os estudos que tenho realizado sobre os PTRC na América Latina permitem verificar que os PTRC implementados no Continente se referenciam na concepção de multifuncionalidade implementação da dos pobreza, programas. identificado Todavia, a tanto no dimensão discurso estrutural oficial como na da pobreza é desconsiderado, o que termina instituindo um processo de individualização e de responsabilização dos pobres por sua situação de pobreza e pela sua superação (SILVA, 2014). Em decorrência, a intervenção, mediada pela transferência monetária às famílias pobres e extremamente pobres e pela oferta de ações complementares, é reduzida ao que se pode considerar a mitigação da pobreza, mediante ações focalizadas e meramente compensatórias. Assim, considero que a insuficiência da concepção de pobreza adotada, mesmo considerando uma perspectiva multidimensional, ao desconsiderar sua determinação estrutural, termina por restringir a intervenção desenvolvida por esses 10 programas a melhorias imediatas das condições de vida dos pobres, visto, segundo a concepção de pobreza formulada por Sen como criação de oportunidades para gerar capacidades, transferindo aos próprios pobres a responsabilidade pela superação da pobreza intergeracional a que são submetidos. O exposto sugere, que, ao considerar a pobreza numa perspectiva de privação de necessidades materiais e de bem estar e de negação de oportunidades, os PTRC da América Latina se colocam enquanto mecanismos capazes de criar as oportunidades e de satisfazer as necessidades negadas, mediante transferências monetárias e a oferta de serviços de educação, proteção básica à saúde e por um conjunto amplo de ações complementares disponibilizados por alguns programas, o que tenho denominado de benefícios não monetários. Por conseguinte, o entendimento, fundamentado na concepção de pobreza formulada por Sen é que a superação de privações, pela concessão de uma transferência monetária, e da criação de oportunidades, estas mediante a disponibilização de ações complementares de serviços de educação, saúde e outras ações, são mecanismos que habilitam os indivíduos a romper com o ciclo vicioso da pobreza intergeracional, principal objetivo dos PTRC (SILVA, 2014). As condicionalidades, componente fundamental dos PTRC na América Latina, majoritariamente fixadas no campo da educação: matrícula e frequência de crianças e adolescentes no sistema escolar e na saúde: frequência a atendimento básico e vacinação de crianças e adolescentes e realização de pré-natal, no caso de mulheres grávidas, são diretamente relacionadas com a concepção de pobreza, conforme formulações de Sen. Isto porque é o estabelecimento de condicionalidades no campo da educação, saúde, nutrição, capacitação profissional, etc. que representam as oportunidades para superação da pobreza., cabendo ao estado disponibilizar os serviços e os beneficiários utilizá-los. A ideia é a capacitação dos indivíduos para alcançar a tal inclusão e emancipação para superação da pobreza intergeracional. Nesse processo não é considerado qualquer intervenção sobre as determinações estruturais geradoras e mantenedoras da pobreza e de sua reprodução (SILVA; YAZBEK; COUTO, 2015). Nesses termos, a pobreza intergeracional é naturalizada e vista como uma condição inerente às sociedades humanas. Decorre de déficit de liberdade e de oportunidades, só sendo reduzida de modo sustentável mediante inversão na criação de condições de oportunidades para aumentar os recursos dos pobres, de modo a desenvolver suas capacidades para inserção no mercado de trabalho, única forma de integração social. Essa é Missão dos PTRC em implementação em diversos países da América Latina e Caribe com apoio e recomendação dos Organismos Multilaterais de Desenvolvimento, com destaque ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (SILVA, 2015, p. 7). 11 As análises desenvolvidas permitem considerar que o enfrentamento à pobreza, à inclusão social e à ultrapassagem da vulnerabilidade das famílias beneficiárias, propostos nos objetivos dos PTRC em implementação na América Latina, reduz-se ao atendimento de situações de indigência, muito pouco favorecedoras da pretendida superação da pobre intergeracional, que é, sobretudo, de natureza estrutural. O público beneficiário é transformado em indivíduos consumidores marginais, inseridos no mercado informal de trabalho, situados em nível de sobrevivência, sem que a organização da sociedade capitalista seja alterada nos seus mecanismos de produção e distribuição da riqueza socialmente produzida. Ou seja, a dimensão estrutural, principal determinante da pobreza, não é considerada (SILVA, 2014). Se a dimensão estrutural da pobreza não é considerada, o indivíduo passa a ser o responsável pelo seu estado de pobreza, havendo fértil espaço para a ideologia da responsabilização e da estigmatização. Mais que isso, o que passa a importar não é superar ou erradicar a exploração e, consequentemente, a pobreza, mas mitigar situações extremas, com melhorias imediatas nas condições de vida do pobre que é transformado num consumidor marginal, com consequente redução do seu potencial de sujeito perigoso à estabilidade da ordem social. (SILVA; COUTO; YAZBEK 2015, p. 19). Em síntese, os PTRC em desenvolvimento na América Latina tem os seus fundamentos teóricos e suas orientações interventivas fundamentados num conceito de pobreza focado no indivíduo, tendo suas capacidades desenvolvidas numa relação com as estruturas de oportunidades disponibilizadas, quer pelo Estado, quer pela sociedade. Orientam-se por uma concepção multidimensional da pobreza, originada no Enfoque do Desenvolvimento Humano, construído pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cuja referência maior é o enfoque de capacidades formulado por Sen, sendo as oportunidades capazes de criar possibilidades que garantam a liberdade para que os indivíduos, por si, possam superar sua situação de pobreza (SILVA, 2015). 4 CONCLUSÃO Pelas análises desenvolvidas, conclui-se que os PTRC em implementação na América Latina são fundamentados numa concepção de pobreza multidimensional que é identificada no discurso oficial, na gestão, na formulação dos objetivos, nos critérios de inserção, na fixação de condicionalidades e de beneficios não monetários, materializados pela disponibilização de ações complementares disponibilizdas aos integrantes das famílias beneficiárias. A multifuncionalidade identificada na concepção de pobreza que fundamenta 12 os PTRC é expressa por um conjunto de deficiências, carências, ausências, sendo a deficiência de renda considerada o determinante principal, o que qualifica a pobreza, em última análise, numa perspectiva economicista e individualista do pobre (SILVA, 2014). Conforme demonstrado, o autor de maior influência na construção da base de fundamentação dos PTRC é Amartya Sen, que nas suas formulações sobre pobreza, a considera resultante da falta de oportunidades para inserção no mercado de trabalho e de liberdade para usufruir das condições de bem estar, situando, nessa formulação, os PTRC como posibilidades concretas de superação da pobreza, por transferir renda e por disponibilizar oportunidades, gerando, portanto, liberdade para o bem estar. Na base teórica dos PTRC não foi identificada qualquer indicação à dimensão estrutural da pobreza, sendo desconsideradas as condições geradoras da pobreza na sociedade capitalista, produto da forma como se organiza para produzir e distribuir a riqueza gerada socialmente, mediante um processo de geração de mais valia fundado na exploração dos detentores do trabalho pelos que monopolizam os meios de produção. Ao desconsiderar as determinações estruturais da pobreza, esta é reduzida a um atributo negativo dos individuos e de suas famílias, estigmatizados e responsabilizados pelo seu estado de pobreza, ficando a superação da pobreza intergeracional, sob a responsabilidade dos indivíduos. O resultado desse processo não é a superação da pobreza, limitando seu alcance na redução de situações de indigência, com melhorias imediatas nas condições de vida do pobre, que tem seu potencial de sujeito perigoso minimizado, ao transformar-se num consumidor marginal para que a estabilidade da ordem social seja garantida, em certo nível. As análises desenvolvidas situam os PTRC na América Latina enquanto resposta eficiente do Estado Motivador, Estado Incentivador, Estado Promotor que se volta para mitigação das necessidades imediatas dos pobres, mediante uma transferência monetária mínima para complementar a sobrevivência dos pobres. Igualmente, as oportunidades para desenvolvimento de capacidades, à médio e longo prazo, são criadas pela oferta de serviços de educação, saúde, nutrição e outros. Por conseguinte, as condicionalidades no campo da educação e da saúde, representam estratégias dinamizadoras do capital social dos pobres. São as oportunidades que devem ser ofertadas pelo Estado e devidamente aproveitadas e maximizadas pelos beneficiários dos PTRC, para que se instrumentalizem e se capacitem para superação da pobreza intergeracional. Por conseguinte, a pobreza é desenraizada das estruturas, é individualizada, naturalizada e transformada em responsabilidade dos indivíduos e de suas famílias, ocultando as determinações estruturais geradoras da pobreza e, consequentemente, da riqueza (SILVA; YAZBEK; COUTO, 2015). 13 REFERÊNCIAS CECCHINI, Simone; MADARIAGA, Aldo. Programas de Transferência Condicionadas: balance de la experiência reciente em América Latina y el Caribe. Santiago: Naciones Unidas, 2011. (Cuadernos de la CEPAL, 95). CODES, Luíza Machado de. A trajetória do pensamento científico sobre a pobreza: em direção a uma visão complexa. Texto para Discussão, Niterói, n. 1332, 2008. COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE. Panorama Social de América Latina 2012: documento informativo. 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Aborda, para tanto, as transformações experimentadas pelo sistema capitalista mundial a partir do final da década de 1960, com foco nas mudanças no padrão de regulação econômica e social do capitalismo, inspiradas na ideologia neoliberal. Em seguida, discute os rebatimentos e as especificidades de tais mudanças na região da América Latina e Caribe, com vistas a identificar os principais determinantes da inclusão de tais programas nos Sistemas de Proteção Social da grande maioria dos países latino-americanos a partir dos anos 1990. Palavras-chave: Contexto socio-histórico, Programas de Transferência de Renda Condicionada, América Latina e Caribe. ABSTRACT: This article results of the research project entitled Conditional Cash transfer Programs in Latin America a comparative study between Bolsa Família (Brazil), Nuevo Régimen of allocations Family - AFAM-PE (Uruguay) and Asignación Universal por Hijo (Argentina), supported by Capes and CNPq. It aims to analyze the socio-historical context that gave rise to the emergence and development of the PTRC, as a privileged strategy to confront poverty today. Addresses, therefore, the changes experienced by the world capitalist system since the end of the 1960s, focusing on changes in the pattern of economic and social regulation of capitalism, inspired by neoliberal ideology. Then, this article discusses the repercussions and the specifics of such changes in the Latin American and Caribbean region, in order to identify the main determinants of the inclusion of such programs in the system of social protection of most Latin American countries since 1990s. Keywords: Socio - historical Context, Conditional Cash Transfer Programs, Latin America and the Caribbean. 1 Esse artigo, apresentado na VII Jornada Internacional de Políticas Públicas (JOINPP), São Luís, 25 a 28 de agosto de 2015, contém resultados parciais de estudos desenvolvidos com o apoio da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entidades do Governo brasileiro, voltadas para a formação dos recursos humanos e a pesquisa. 2 Doutora. Professora do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).E-mail: [email protected] 16 1 INTRODUÇÃO O presente texto se constitui em um dos produtos resultantes de um Estudo Exploratório acerca dos Programas de Transferência de Renda Condicionada em desenvolvimento na região da América Latina e Caribe, o qual, por seu turno se situa no âmbito de um Projeto de Pesquisa financiado pela CAPES e pelo CNPq, intitulado Programas de Transferência de Renda Condicionada na América Latina: estudo comparado - Bolsa Família (Brasil), Nuevo Régimen de Asignaciones Familiares – AFAM-PE (Uruguai) e Asignación Universal por Hijo (Argentina). Isso posto, a reflexão aqui desenvolvida tem como objetivo central analisar o contexto socio-histórico que ensejou a emergência e o desenvolvimento dos PTRC, como estratégia privilegiada de enfrentamento à pobreza na atualidade. Assim sendo, em primeiro lugar, aborda as transformações experimentadas pelo sistema capitalista mundial a partir do final da década de 1960, em resposta a mais uma crise estrutural do capital destacando especialmente as mudanças no padrão de regulação econômica e social do capitalismo, inspiradas na ideologia neoliberal. Em seguida, discute os rebatimentos e as especificidades de tais mudanças na região da América Latina e Caribe, consubstanciadas no ajuste estrutural e desencadeadas a partir do Consenso de Washington, com vistas a identificar os principais determinantes da inclusão de tais programas nos Sistemas de Proteção Social da grande maioria dos países latino-americanos a partir dos anos 1990. 2 REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA E MUDANÇAS NO PADRÂO DE REGULAÇÃO A partir do final da década de 1960, a economia capitalista mundial experimentou uma inflexão cujos sintomas mais evidentes foram a desaceleração da taxa de crescimento do produto industrial, a retração do valor do comércio internacional e uma concomitante e extraordinária expansão financeira. Esta última, na visão de Arrigh (1996), embora não tenha representado uma novidade no desenvolvimento do capitalismo, sobretudo em momentos de acirramento da concorrência, assumiu uma dimensão e uma sofisticação técnica sem precedentes na história desse sistema de produção, pondo em xeque a própria autonomia dos Estados Nacionais no que tange à gestão da moeda e da força de trabalho, além de repercutir negativamente sobre o mercado de trabalho. 17 Tais manifestações expressaram mais uma crise estrutural do capital, ocasionada pela queda da taxa de lucro, em um contexto de acirramento da concorrência intercapitalista em âmbito mundial e de esgotamento do paradigma produtivo e tecnológico taylorista-fordista para fazer face às exigências de elevação da produtividade e de adequação aos novos padrões de competitividade. Nesse contexto e em resposta à crise, assistiu-se a um conjunto de transformações que extrapolaram a base produtiva e atingiram as demais esferas da sociedade, dando conformação a um processo de reestruturação capitalista em escala global. Com efeito, em substituição ao regime fordista de acumulação, ganhou espaço um regime de acumulação flexível, cujas implicações foram muito além da introdução de inovações tecnológicas e organizacionais nas unidades básicas que compõem a estrutura do sistema capitalista, afetando o padrão dominante de regulação econômica e social e a própria forma de organização do Estado. Tudo isso favorecido por um contexto político marcado pelo fim da Guerra Fria e ascensão ao poder de partidos e governos conservadores nos países capitalistas centrais, abrindo espaço para a disseminação e aplicação do pensamento neoliberal (LIMA, 2002). Particularmente no que tange ao padrão de regulação econômica e social, enquanto no Welfare State Keynesiano, que deu sustentação ao regime fordista de acumulação, o objetivo central era a geração de emprego em economias nacionais relativamente fechadas, na nova forma assumida pelo Estado, denominada por Jessop (1991) de Workfare State Shumpteriano, o foco se deslocou para a promoção da inovação dos produtos, dos processos de organização e dos mercados, com vistas à competitividade estrutural de economias abertas, a partir de mecanismos de intervenção econômica que priorizam o lado da oferta e não mais o da demanda, como no Welfare State Keynesiano. Tal mudança de orientação se traduziu, no plano econômico, em primeiro lugar, em uma série de medidas que enfatizaram a estabilização monetária e o equilíbrio orçamentário, em detrimento da geração de emprego, traduzidas, dentre outras, na privatização de empresas estatais e na redução dos gastos públicos, sobretudo na área social. Em segundo lugar, mas não menos importante, sobressaiu o reforço à competitividade e à inserção da economia nacional na nova ordem mundial globalizada, por meio de medidas tais como: a desregulamentação dos mercados, a redução e a flexibilização dos custos trabalhistas, dentre outras (LIMA, 2002). Por outro lado, no plano social, o novo padrão de regulação estatal substituiu as políticas de integração de cunho universalista e distributivo pelas chamadas políticas de 18 inserção, de caráter residual, focalizadas nos segmentos sociais mais vulneráveis. Segundo Castel (1998), as primeiras, tendo como objetivo a homogeneização da sociedade a partir do centro, compreendiam ações voltadas para a ampliação do acesso aos serviços públicos, a redução das desigualdades, o desenvolvimento das proteções e a consolidação da condição salarial. Já as segundas visam a reduzir o déficit de integração dos segmentos mais vulneráveis, pautando-se na lógica da discriminação positiva, cujo horizonte é a promoção da igualdade de oportunidades tão cara à tradição liberal (LIMA, 2008). Dentre as políticas de inserção merecem aqui destaque os Programas de Transferência de Renda Condicionada também denominados de Programas de Renda Mínima, os quais, no contexto europeu, se desenvolveram em três momentos, conforme destaca Stein (2009) baseada em uma periodização estabelecida por Ayala (2000): em um primeiro momento emergiram as experiências pioneiras no bojo da fase expansiva do modelo de acumulação europeu, como parte do processo de expansão dos Estados de Bem-Estar modernos, em países como Dinamarca, Áustria, Suécia, dentre outros. Em um segundo momento, as experiências assumiram um caráter emergencial para fazer face à eclosão da crise econômica. O terceiro momento, iniciado em meados dos anos 1980, foi marcado pela evolução dos Programas de Renda Mínima para as chamadas Rendas Mínimas de Inserção (RMI), as quais associaram a garantia de renda ao apoio público para facilitar a inserção dos beneficiários no mercado de trabalho. 3 A REGIÃO DA AMÉRICA LATINA E CARIBE SOB O IMPACTO DO AJUSTE ESTRUTURAL DOS ANOS 1990 Centrando o foco da análise especificamente na região da América Latina e Caribe, objeto da presente reflexão, a crise mundial iniciada em fins dos anos 1960, as grandes transformações societárias ocorridas ao longo dos anos 1970 e seguintes, no contexto do processo de globalização dos mercados e mundialização do capital, a crise da dívida externa e a presença de vigorosos desequilíbrios macroeconômicos na região, na década de 1980, impuseram, sob a regência dos países centrais e de agências multilaterais, a adoção de novas medidas de gestão da política econômica por parte dos países periféricos. 19 Foi nessa perspectiva que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) reordenaram suas funções e iniciaram uma nova postura junto aos países do antigo Terceiro Mundo, como instituições balizadoras da gestão e da coordenação das novas políticas econômicas mundiais. Consolidou-se e generalizou-se uma nova estratégia econômica para a periferia capitalista e para todos os que deixaram de ser países em desenvolvimento para se transformarem em mercados emergentes (FIORI, 1998). Em vista disso, o ajuste estrutural teve como uma de suas características centrais: legar maior importância ao papel dos mecanismos de mercado e por consequência do setor privado; redefinir o papel do Estado na sua ação interventora; e, integrar os países periféricos, nesse caso, os da América Latina na economia mundial. As reformas contidas nos planos de ajuste estrutural marcaram a implantação de um novo modelo de desenvolvimento econômico efetivado pelos governos da América Latina, sobretudo nos anos 1990. Assim, “[...] chegava à periferia capitalista endividada e em particular à América Latina uma versão adaptada das idéias liberal-conservadoras.” (FIORI, 1998, p. 121-122). As orientações de políticas econômicas visando e projetando o ajuste para a América Latina encontram-se bem definidas no documento denominado Consenso de Washington3, o qual foi respaldado por organismos internacionais e pelos países centrais, controladores da globalização. Nesse documento, consta a série de reformas que as economias estatizadas da América Latina deveriam aplicar para atrair novamente os capitais privados depois da arrasadora crise da dívida dos anos 1980, a década perdida como ficou registrada na literatura. O Consenso tinha como intento, através de uma proposta de política econômica, desencadear as necessárias mudanças, através de: (a) um pacote de reformas estruturais, comportando a liberalização da conta corrente do balanço de pagamentos e de sua conta de capitais, a desregulamentação dos controles de preços na economia (particularmente, salários, taxas de juros e taxa de câmbio) e a privatização de áreas importantes da atividade produtiva; e (b) de políticas macroeconômicas de estabilização, com o objetivo de superar a 3 Entende-se que o Consenso de Washington “[...] condensava e traduzia as idéias neoliberais, já hegemônicas nos países centrais, na forma de um pacote terapêutico para a ‘crise econômica’ da periferia capitalista” (FIORI, 1998). O Consenso concretizou-se com aprovação e respaldo do Tesouro dos EUA e de instituições com reconhecimento público quanto a seu vínculo com o capital hegemônico internacional (FMI, BM, BIRD e OMC). 20 crise da dívida externa, eliminando os desequilíbrios econômicos, com alto déficit e alta inflação (WILLIAMSON; KUCZYNSKI, 2004). Em síntese, o conjunto de políticas implantado na região, ao longo dos anos 1990 pode, concisamente, ser dividido em três ordens de proposições. A primeira era relativa às políticas macroeconômicas, com recomendação de uma intensa austeridade fiscal e disciplina monetária, articulada a um programa de corte nos gastos públicos, além de reformas administrativas, previdenciárias e fiscais. A segunda, atinente a políticas microeconômicas, colocava a necessidade de desonerar o capital, na perspectiva de que, assim, aumentaria sua competitividade em um mercado internacional aberto e desregulado. Para isso, era imprescindível que as empresas dos países periféricos entrassem no jogo global, sendo obrigatório expô-las à competição internacional aberta, o que demandava suprimir políticas de proteção e subsídio. O entendimento era de que isso seria constituído “[...] com a diminuição dos encargos sociais e a racionalização das intervenções nos sistemas de crédito público e fiscal.” (FIORI, 1998, p. 85). A terceira mencionava a necessidade de mudança radical no modelo de industrialização pautado na substituição de importações, adotado pela maioria dos países da região desde meados dos anos 1950, o que permitiria a retomada dos investimentos e do crescimento econômico. A reestruturação inspirada no pensamento neoliberal teve importantes conseqüências na região da América Latina e Caribe. Sempre considerando as especificidades de cada país, não resta dúvida que os processos de privatização, ajuste fiscal, flexibilização da relação capital-trabalho, abertura dos mercados e deterioração dos recursos naturais e energéticos bem como dos serviços públicos provocaram impactos significativos nos diferentes países da região, resumidos em uma crescente massa da população em condições de pobreza e na precarização do trabalho. Com efeito, a América Latina fechava o século XX com quase a metade da sua população em situação de pobreza, e sendo considerada uma das regiões mais desiguais do mundo: em 1999, 43,4% da população latino-americana se encontrava em situação de pobreza. Até inícios dos anos 2000 os momentos de crescimento econômico não só não implicaram progressos substantivos na redução da pobreza e da desigualdade como incidiram para o agravamento dos índices da extrema pobreza (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE, 2012). De fato, durante a década de 1990, as políticas de ajuste neoliberal na América Latina, superpostas à herança social acumulada histórica e estruturalmente, recrudesceram o quadro de crise social da região, com o aumento considerável das taxas de desemprego. 21 Entre 1990 e 2002 a taxa média do desemprego na América Latina tinha aumentado de 4,5% para 11,1%. Com exceção do Chile, todos os países do Cone Sul ultrapassaram a taxa média de desemprego latino-americano em 2002. Paralelamente, segundo o Relatório da Organização Internacional do Trabalho, oito de cada dez postos de trabalho, criados nos anos 1990, correspondiam a ocupações de baixa qualidade no setor informal. Assim, ao histórico problema do desemprego estrutural na América Latina, somou-se, na década de 1990, o aumento da precariedade e fragilidade das relações de trabalho (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE /OIT, 2011). As mudanças no mercado de trabalho tiveram conseqüências profundas na proteção social. Isto porque, dadas as características dos Estados Sociais latinoamericanos, o trabalho remunerado e, em particular, o acesso ao emprego formal é o vínculo por excelência para o acesso à proteção social em matéria de seguridade social e, em menor medida, também em matéria de saúde. A propósito, particularmente no que tange aos sistemas de proteção social latinoamericanos, as propostas e tendências centrais de orientação neoliberal impuseram uma modificação das políticas de proteção social em direção a uma perspectiva residualliberal. Assim sendo, os sistemas de proteção social até então centralizados, setorializados, com aspiração de universalidade e administrados estatalmente, configurados no marco do modelo de substituição de importações, foram desestruturados e reformados por modelos de políticas sociais descentralizados, integrais, focalizados e com a ampliação de processos de privatização. Estes modelos de perspectiva liberal se apoiam na idéia de que é o mercado, através do crescimento económico e a teoría do derrame, quem cumprirá o papel fundamental de incorporação social. Este esquema se centra em intervir na pobreza e nos pobres, desarmando as relações inerentes ao modelo institucional de proteção social que institucionalizava garantias e direitos aos segmentos de trabalhadores organizados e formalizados. Desta forma, expressa uma das facetas da reação contra a organização da classe trabalhadora, que sofreu múltiplos embates através de processos de reestruturação produtiva, repressão política e crises econômicas nas últimas duas décadas do século XX. Na primeira década do século XXI, verificaram-se na América Latina - com suas heterogeneidades e complexidades - algumas inflexões em relação às décadas finais do século XX. Em um contexto de crescimento económico e de mudanças no campo político de diversos países da região, se registraram melhorias em alguns indicadores sociais, centralmente na pobreza, na indigência e nas taxas de desemprego. 22 Pela primeira vez em 20 anos, a partir de 2003, é possível apontar um processo de redução sistemática da pobreza e da indigência. Não só porque se alcançou, em 2012, uma redução de 15 e 7.2 pontos percentuais, respectivamente, em relação aos percentuais de 1999, mas também porque foi uma tendência observada em grande parte dos países da região. Entre 2002 e 2008 a redução da pobreza e da indigência tinha-se manifestado em praticamente todos os países (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE, 2012). Paralelamente, embora a América Latina continue sendo uma das regiões mais desiguais do mundo, após os anos 2002 a região vivenciou uma queda substancial nos índices de concentração de renda. Contrariamente ao aumento das desigualdades de renda dos anos 1990 até início dos 2000, a partir de 2002, o coeficiente de Gini, na região e em quase todos os países, vivenciou uma queda sistemática. Enquanto 11 de 18 países estudados tiveram aumento do coeficiente Gini durante o período de 1990 a 2002, de 2002 a 2008 a tendência foi a sua diminuição, com exceção da Guatemala e República Dominicana. Note-se, inclusive, que a melhora distributiva se manteve mesmo após as crises econômicas internacionais, de 2008. Dos 18 países estudados somente na República Dominicana, Paraguai e Equador a desigualdade teve um leve aumento, durante os anos de 2008 e 2010 (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE, 2011). Entretanto, a América Latina, quando comparada a outras regiões do mundo, continua sendo uma das mais desiguais. Todas as regiões, excetuando a África subsaariana apresentam um coeficiente de Gini inferior ao latino-americano. Isto, porque apesar da queda das disparidades de renda, a desigualdade permanece como marca estrutural na região: a renda média do quintil mais rico é 18,3 vezes maior que a do quintil mais pobre (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE, 2012). A melhoria dos indicadores de pobreza e desigualdade respondem, em parte ao crescimento econômico que teve como efeito positivo a geração de novos postos de trabalho. De fato, fases de crescimento do PIB similares na década anterior, não só não diminuíram como aumentaram as taxas de desemprego. O período entre 2003 e 2010 representa a primeira vez em duas décadas em que o desemprego diminuiu na América Latina e que os salários mínimos nacionais aumentaram. Quando se compara os períodos de 1991 a 1997 e de 2003 a 2010 é possível perceber uma tendência relativamente similar em termos de crescimento econômico (representada pelo PIB) e comportamentos inversos em termos da taxa de desemprego e da ocupação. Enquanto nos anos 1990 o desemprego aumentou e a taxa bruta de ocupação diminuiu, nos anos 2000, com o mesmo nível de crescimento, o desemprego diminuiu e a taxa de ocupação aumentou. Em termos de 23 salários, a década de 2000 permitiu recuperar a perda do salário real acontecida nos anos 1990 e um aumento significativo dos salários mínimos nacionais. Apesar do relativo aumento do emprego formal de trabalhadores assalariados que passaram de 65,2% em 1990 para 69% em 2010 e da queda relativa do percentual de trabalhadores nos setores de baixa produtividade e informalidade, que diminuiu de 48,1% em 1990 para 42,7% em 2009, o setor de baixa produtividade continua sendo determinante na estrutura produtiva latino-americana, associado geralmente ao emprego de trabalhadores menos qualificados, com precária vinculação aos sistemas de previdência e baixos rendimentos. Paralelamente a essas mudanças, sob a regência de setores de esquerda que ascenderam ao poder em vários países da região na década de 2000, se observaram críticas às orientações das reformas neoliberais. Nesse contexto, passaram a coexistir dois enfoques gerais sobre política social: um relacionado com a competitividade sistêmica, em que conceitos como o de capital humano e o de transmissão intergeracional da pobreza ganham relevancia; outro vinculado ao enfoque de direitos e garantías de cidadania e sustentado nos pactos e tratados internacionais assumidos pelos Estados. Estes enfoques não são excludentes entre si, ainda que o segundo tenha alcançado maior visibilidade nos anos recentes (CECCHINI; MARTÍNEZ, 2011). Em termos de modelo de desenvolvimento, há um debate controvertido na literatura sobre a emergência de um novo padrão denominado de neodesenvolvimentismo. Tal debate nasce mais precisamente no início do século XXI, em um contexto em que os países da América Latina, grande parte deles sob o comando de governos progressistas, oriundos de partidos de esquerda, vivenciavam uma inflexão marcada pela associação entre a retomada do crescimento econômico, favorecida por um contexto internacional favorável, e a melhoria dos indicadores sociais, sobretudo aqueles relacionados ao mercado de trabalho, à pobreza e à desigualdade. Há que se reconhecer que todas essas mudanças expressas na melhoria dos indicadores sociais resultaram da retomada do crescimento econômico, acompanhada de políticas distributivas que possibilitaram a incorporação de parcela significativa da população latino-americana a novos padrões de consumo, promovendo, assim, a expansão e dinamização dos mercados internos. Dentre estas políticas, destacam-se os programas de transferência de renda e a valorização dos salários mínimos nacionais. Mas essa importante e não desprezível inflexão experimentada pela maioria dos países latino-americanos seria suficiente para se vislumbrar a ruptura com o neoliberalismo 24 e a emergência de um novo-desenvolvimentismo? Arrisca-se aqui a afirmar que não. Isto porque não mudou o sentido geral que orienta o padrão de regulação econômica e social do capitalismo no atual contexto de mundialização do capital, de financeirização da economia e de predomínio de um regime de acumulação flexível. Trata-se de assegurar as condições de flexibilidade necessárias ao atual processo de reorganização capitalista e compensar os efeitos perversos da globalização dos mercados e da busca de eficiência e de competitividade a qualquer preço (LIMA, 2008). Pode-se depreender, portanto, que esse padrão de regulação em voga nos países capitalistas centrais a partir da virada dos anos 1970 para os 80 e apropriado pela periferia latino-americana, sobretudo, nos anos 1990 permanece intacto em sua essência quando comparado com a agenda proposta pelos ideólogos do novo-desenvolvimentismo, com algumas mudanças secundárias. Dentre estas se podem destacar: uma maior intervenção do Estado na economia, no sentido de corrigir as falhas do mercado, o que não significa necessariamente ruptura com os fundamentos centrais do neoliberalismo, já que, como ressalta Polanyi (1980), o liberalismo econômico e o intervencionismo estatal não são mutuamente excludentes; medidas de cunho distributivo e de ampliação do crédito ao consumo das famílias, com vistas à ampliação e dinamização do mercado interno, o que não se traduz em superação do caráter essencialmente residual e compensatório do padrão vigente de proteção social e nem em mudança na forma de repartição do fundo público, destinado prioritariamente para à remuneração das frações rentistas do capital. Em realidade, é importante indicar que é a partir desse cenário que se prolifera na região a implantação de Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC), cujo objetivo, nos discursos dos Chefes de Estado e de seus executivos e formuladores de políticas sociais, é o de erradicação da pobreza. No entanto, por detrás desse discurso é plenamente possível a percepção de que esses Programas são resultantes de imposições dadas por restrições de natureza interna e externa. As internas estão no alinhamento do gasto público estatal em razão da redefinição do papel do Estado e da governança macroeconômica exigida pelo ajuste estrutural, e, as externas estão materializadas nos compromissos firmados pelos Chefes de Estado tanto na I Cúpula das Américas, da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada no ano de 1994 em Miami, quanto nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)4 para a região, estabelecidos em setembro de 2000, sendo o principal a erradicação da pobreza. 4 Os ODM foram fixados para o período 1990-2015. Ao todo são oito objetivos, abrangendo desde a erradicação da pobreza e preocupações como ensino, saúde e igualdade de gênero até aspectos 25 4 CONCLUSÃO A partir da reflexão desenvolvida neste texto, pode-se concluir que os PTRC, incorporados, a partir da década de 1990, aos Sistemas de Proteção Social da grande maioria dos países que integram a região da América Latina e Caribe, como estratégia privilegiada de enfrentamento à pobreza e às desigualdades sociais, resultam de um conjunto de transformações experimentadas pelo sistema capitalista em âmbito mundial e em especial no continente latino-americano. Dentre estas transformações, destaca-se a mudança no sentido geral que orienta o padrão vigente de regulação econômica e social do capitalismo, cujo foco deixa de incidir na garantia do pleno emprego em economias nacionais parcialmente protegidas, passando a se centrar na garantia das condições de flexibilidade necessárias ao atual processo de reorganização capitalista e na compensação dos efeitos perversos da globalização e da busca de eficiência e de competitividade a qualquer custo. O rebatimento de tal mudança em termos do padrão dominante de Política Social é a substituição ou pelo menos a secundarização das políticas de cunho universalista em favor das políticas de caráter residual, focalizadas em populações e regiões mais vulneráveis. A manifestação concreta dessas transformações no âmbito da região da América Latina e Caribe foi a implementação, sobretudo a partir da década de 1990, de um conjunto de reformas estruturais, inspiradas no Consenso de Washington e impostas pelos Organismos Financeiros Internacionais, com vistas a favorecer a inserção das economias da região à nova ordem mundial globalizada. As consequências desse ajuste estrutural foram deletérias do ponto de vista dos indicadores de mercado de trabalho, pobreza e desigualdade, sobrepondo-se a uma realidade já historicamente marcada pela heterogeneidade estrutural, pela forte segmentação do mercado de trabalho e pelo predomínio de Sistemas de Proteção Social que não lograram a universalização de importantes direitos sociais, posto que tinham no trabalho remunerado e, em particular, no acesso ao emprego formal o requisito essencial para o direito à proteção social em matéria de seguridade e também, em certos casos, em matéria de saúde. De fato, apesar de melhorias não desprezíveis experimentadas pelos indicadores sociais da região a partir da primeira metade dos anos 2000, a pobreza e a relacionados ao meio ambiente e ao estabelecimento de uma aliança mundial para o desenvolvimento. O alcance está associado à execução de 18 metas, divididas em 48 indicadores (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE, 2005). 26 desigualdade ainda persistem como marcas histórico-estruturais da região, a qual figura até hoje como uma das mais desiguais do mundo. Foi, portanto, em um contexto de recrudescimento e de persistência da pobreza e das desigualdades sociais e de mudanças do padrão de regulação econômica e social que emergiram os PTRC, os quais foram incluídos na agenda dos governos eleitos entre as décadas de 1990 e 2000, muitos destes de tendências progressistas, como principal estratégia para fazerem cumprir os compromissos assumidos relativos aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, dentre os quais se destaca a erradicação da pobreza. Entretanto, convém aqui ressaltar que, diante das novas condições de acumulação do capitalismo globalizado e do padrão vigente de regulação, a característica mais marcante e perturbadora da atualidade é o desemprego. Ademais, considerando-se especialmente o novo padrão de regulação econômica e social do capitalismo, inspirado na ideologia neoliberal, vale lembrar a afirmação de Gentili (1998) segundo o qual A garantia do emprego como direito social (e sua defesa como requisito para as bases de uma economia e uma vida política estável) desmanchou-se diante da nova promessa de empregabilidade como capacidade individual para desfrutar as limitadas possibilidades de inserção que o mercado oferece. (GENTILI, 1998, p. 89). Inspirada na Teoria do Capital Humano5, revista e atualizada, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1980, a promessa da empregabilidade, de caráter essencialmente privado, recupera a concepção individualista da Teoria do Capital Humano em sua versão original. Entretanto, ela elimina o nexo que tal teoria estabelecia entre o desenvolvimento do capital humano individual e o capital humano social, já que o tão propalado incremento das capacidades individuais aumenta tão somente as condições de empregabilidade, estando a efetiva inserção no mercado de trabalho condicionada ao êxito ou fracasso de cada um (LIMA, 2008). Portanto, dada a condição inimpregável de grande parte da população à qual se destinam os Programas de Transferência de Renda Condicionada, assim como as demais políticas de inserção, e considerando-se seus limites para reintegrar segmentos sociais que são inintegráveis (face às novas exigências do mercado de trabalho e às especificidades do 5 A Teoria do Capital Humano, uma das mais importantes referências teóricas da economia da educação, despontou nos anos 1950-60, tendo como pressuposto o de que o Estado, ao investir na promoção de políticas planejadas de educação e formação de mão-de-obra, estaria contribuindo, por um lado, para o aumento da renda individual (derivada do incremento do capital humano individual) e, por outro, para o aumento da riqueza social (derivada do incremento do capital humano social). 27 atual regime de acumulação), tais políticas vêm perdendo o seu pretenso caráter transitório para se tornarem permanentes. Nesse sentido, finaliza-se este texto concordando-se com Castel (1998), segundo o qual a inserção propiciada por políticas dessa natureza deixa de representar uma etapa provisória, transformando-se em um Estado ou uma nova modalidade de existência social, situada entre a completa exclusão e a integração (LIMA, 2008). REFERÊNCIAS ARRIGH, Giovanne. O longo século XX. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora UNESP, 1996. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crónica do salário. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. CECCHINI, Simone; MARTÍNEZ, Rodrigo. Protección social inclusiva en América Latina: una mirada integral, un enfoque de derechos. Santiago de Chile: CEPAL, 2011. COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E O CARIBE. Panorama social de América Latina 2011. Santiago de Chile, Nações Unidas, 2011. ______. Panorama social de América Latina 2012: documento informativo. Santiago de Chile, Nações Unidas, 2012. ______; ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. 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Abstract: Conditionalities required by income transfer programs (PTRC), founded on the "theory" of human and social capital as a strategy for "combat" poverty , socio-political significance of the management mechanisms associated with its controller, has been one of the dimensions addressed in the analysis of PTRC in the project Comparative Study of Transfer Programs Renda America na America Latina. The paper presents the debates on the topic with emphasis on those aspects which constitute a common denominator in these PTRC. Keywords: Income transfer, conditionalities, human capital. 6 Esta ponencia, presentada en la VII Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, 25 a 28 de agosto de 2015, contiene resultados parciales de estudios desarrollados con apoyo de la Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) y del Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 7 Doctora. Docente e investigadora del Departamento de Trabajo Social de la Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de la República, Uruguay. E mail: [email protected] 30 1 INTRODUCCIÓN Los programas de transferencia de renta condicionada (PTRC) vehiculizan un discurso y una práctica apoyados en un supuesto básico: la pobreza es resultado de carencias de capital social presentes en las familias pobres. Este supuesto define la forma de intervención sobre estas familias proponiendo su participación en actividades orientadas a ampliar su capital humano mediante la exigencia de condicionalidades. Las transferencias de renta no representan una novedad en el repertorio de programas sociales. En varios países de la región se encuentran antecedentes de programas con presencia del mecanismo de la transferencia de renta. Lo novedoso es la dimensión que han tomado estos programas, que representan la principal estrategia de combate de la pobreza en la región, la exhaustividad de su presencia en América Latina y que su administración demanda la constitución de instancias institucionales específicas. El tema de las condicionalidades ha generado importantes debates y controversias en los análisis sobre los PTRC. La problematización de las condicionalidades asociadas a las transferencias de renta ha sido una de la dimensiones seleccionadas para el Estudio Comparado de los Programas de Transferência de Renda na América Latina y es el origen de esta presentación. El trabajo sintetiza los contenidos centrales que fueron objeto de reflexión en el estudio de las condicionalidades: principales posiciones en el debate, su particular expresión en los tres programas comparados (Bolsa Família - Brasil, Asignación Universal por Hijo – Argentina y Asignación Familiar del Plan de Equidad – Uruguay), su fundamento en la teoría del capital humano, su significación sociopolítica en el campo social y los mecanismos de gestión asociados a su contralor. Las condicionalidades son parte constitutiva de los PTRC más allá de las particularidades que asume su gestión y contralor en los distintos países. De este modo, el análisis de las condicionalidades representa una puerta de entrada privilegiada para comprender la orientación general que adoptan las politicas de combate o de alivio a la pobreza desplegadas en la región en estas últimas décadas. El análisis de las condicionalidades aporta elementos para comprender cómo los promotores de los PTRC interpretan el fenómeno de la pobreza, a qué factores atribuyen su perpetuación, sobre qué aspectos y hacia dónde se debe orientar la intervención, qué responsabilidades le caben al Estado y cuáles a los individuos, etc. Además, cuando este análisis incorpora las particularidades de los contextos nacionales permite avanzar en la comprensión del papel específico que desarrollan las condicionalidades en cada caso y los distintos matices que 31 adopta su control y seguimiento. El trabajo avanza, sin pretensión de exhaustividad, sobre algunas derivaciones analíticas que se desprenden del estudio de las condicionalidades presentes en los PTRC estudiados. 2 LA EXIGENCIA DE CONDICIONALIDADES COMO FORMA DE "COMBATE" A LA POBREZA Las condicionalidades no refieren a las condiciones o atributos de elegibilidad que deben satisfacer los potenciales beneficiarios de una prestación sino que son imposiciones que deben cumplir los beneficiarios de una prestación como condición para continuar recibiéndola. Si las operaciones de identificación y selección de la población a la cual se focaliza la prestación nos informan sobre el perfil de los beneficiarios, las condicionalidades nos informan sobre los comportamientos promovidos para esta población. Del estudio comparado de la Asignación Universal por Hijo (AUH) en Argentina, las Asignaciones Familiares del Plan de Equidad (AFAM-PE) en Uruguay y del Bolsa Familia (BF) en Brasil se desprende que en los tres casos se exigen condicionalidades educativas y sanitarias y que las principales diferencias se registran en los mecanismos de control, verificación y tipo de sanción en caso de incumplimiento. El cuadro siguiente resume las condicionalidades exigidas por cada programa: Cuadro 1 - Condicionalidades sanitarias y educativas por programa analizado AUH Controles sanitarios y plan de Asistencia a vacunación obligatorio hasta establecimientos los 4 años educativos públicos (5 a 18 años) AFAM-PE Controles establecidos embarazadas BF obstétricos Asistencia para las establecimientos educativos de niños adolescentes Embarazadas: inscripción en pre-natal y consultas médicas establecidas Responsables de niños menores de 7 años: participar de actividades educativas (amamantamiento materno y alimentación saludable). Niños de 0 a 7 años: carné de salud, vacunación vigente, a y Asistencia minima de 85% en niños y de 75% en adolescentres entre 6 y 15 años a establecimientos educativos. Asistencia Social: niños y adolescentes hasta 15 años en situación de riesgo o retirados del trabajo infantil deben participar de los Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, con actividades en el turno 32 seguimiento nutricional. del estado libre, alcanzando una frecuencia minima de 85% de la carga horaria mensual de esas actividades. Fuente: Elaborada pela autora. Cuadro 2 - Efectos del incumplimiento y mecanismos de control de condicionalidades por programa analizado AUH La falta de acreditación produce la pérdida del beneficio. Los preceptores reciben el 80% del monto total de la transferencia y el 20% restante se abona de forma anual al verificarse el cumplimiento Acreditación: mediante registro de autoridades educativas y sanitarias en la Libreta Nacional del niño o adolescente Organismo: ANSES AFAM-PE La falta de acreditación Acreditación: bases de datos produce la pérdida del con cruzamiento de beneficio. información sobre asistencia a centros educativos. No se han controlado las condicionalidades sanitarias. Organismo: BPS BF La falta de acreditación desencadena: advertencia, bloqueo, suspensión o cancelación Acreditación: bases de datos Seguimiento: con cruzamiento de municipios información sobre asistencia a centros educativos y de salud. Organismo: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) Fuente: Elaborada pela autora. De este segundo cuadro, se deduce que los criterios ante situaciones de incumplimiento son difererentes en cada programa: • En las AFAM-PE el beneficio se pierde; • En la AUH se retiene una parte de la transferencia hasta que se verifica el requisito de la condicionalidad y se pierde si esto no se constata; • En el BF el beneficio se retira pero se acumula y reintegra una vez cumplida la condicionalidad. El debate sobre las condicionalidades puede ser ordenado según tres 33 perspectivas: a) Las condicionalidades entendidas como forma de acceso y ampliación de derechos es la perspectiva oficial que acompaña la fundamentación del carácter condicionado de la prestación. Las condicionalidades contribuirían para afirmar los derechos sociales básicos. b) Las condicionalidades entendidas como negación de derechos representa la concepción opuesta a la anterior, por considerar que a un derecho no se le pueden imponer contrapartidas, exigencias o condicionalidades como forma de mantener el beneficio. c) Las condicionalidades entendidas como mecanismos de control social y moral de los pobres y sus comportamientos. Esta concepción aparece fuertemente representada en un sentido común social que considera legítimas y deseables las condicionalidades en tanto mecanismos de educación de los pobres, reclamando de los gobiernos el control y el castigo ante su incumplimiento (SILVA; GUILHON; LIMA, 2013). Como fuera dicho, los discursos oficiales registrados en los documentos de los casos analizados sitúan la perspectiva oficial sobre las condicionalidades entendiéndolas como forma de efectivizar derechos sociales en el marco de programas de combate a la pobreza. Otro rasgo distintivo es que solo el BF prevé acciones dirigidas a identificar e intervenir sobre los factores asociados al no cumplimiento. En estas situaciones, la primer respuesta es incentivar a las familias para el apego a los comportamientos derivados de las condicionalidades hasta llegar a la pérdida del beneficio como sanción. No ocurre los mismo con las AFAM-PE y la AUH que no despliegan intervenciones asociadas al incumplimiento ni advierten a la familia sobre la posibilidad de perder el beneficio. Esta nueva generación de programas de combate a la pobreza promovida por organismos internacionales y adoptada por los países del continente privilegia la transferencia de renta como principal respuesta al problema. Las transferencias pueden asumir distintas modalidades pero ha sido la transferencia en metálico la opción preferencial. El problema de las distintas opciones de transferencias (en metálico, en especies o combinadas) ha sido estudiado fundamentalmente por la teoría económica registrándose los primeros trabajos sobre el tema en la década del 40. Esta literatura centra sus estudios en si los Estados deben producir bienes y servicios o limitarse a transferir renta de forma 34 que los individuos acudan al mercado para resolver sus demandas. Muchos argumentos en el campo de la teoría económica, preocupados por la utilidad del receptor, apoyan esta alternativa fundándose en que (i) habilita mayor margen de libertad a la acción individual, (ii) podría, eventualmente, resultar menos onerosa para las arcas del Estado y (iii) que nadie conoce mejor sus necesidades que aquel que laspadece. Estos estudios jerarquizan lo que se ha dado en llamar la “[…] doctrina de la soberanía absoluta del consumidor.” (PIEDRA, 2004). Este parece ser el espíritu que orientó el diseño de los PTRC analizados (BENTURA; VECINDAY, 2015). Sin embargo, estos programas no solo transfieren renta sino que condicionan la continuidad del beneficio al ejercicio de ciertas prácticas. En ese sentido, la doctrina de la soberanía absoluta del consumidor se articula con exigencias comportamentales que responden a una especial preocupación para que la transferencia cumpla con los fines previstos, es decir constituir un estímulo para que sus beneficiarios demanden servicios educativos y sanitarios. Tal preocupación se materializa en el establecimiento de una vigilancia más o menos estricta sobre el cumplimiento de las condicionalidades y supone cierta preocupación por la incompetencia moral de los pobres y su incapacidad de “[...] gobernar el conflicto endémico entre sus deseos y sus capacidades.” (BAUMAN, 2001, p. 80-83). La transferencia en dinero sujeta a condicionalidades pretende operar directamente como un estímulo económico para modificar determinados comportamientos de la población beneficiaria siguiendo el supuesto de la racionalidad del homoeconomicus y fundamentado en la idea de que la pobreza y su reproducción intergeneracional también responde a atributos comportamentales de los pobres. Como vimos, los promotores de los PTRC argumentan que la exigencia de condicionalidades educativas y sanitarias constituye una estrategia de superación intergeneracional de la pobreza. Los fundamentos para la exigencia de condicionalidades en educación y salud se encuentran en la denominada teoría del capital humano. Esta teoría promueve la idea de que la pobreza puede ser superada mediante el desarrollo de las capacidades de los pobres y concluye que la inversión destinada a elevar las capacidades de los pobres constituye una estrategia apropiada para combatir la pobreza. La perpetuación de la pobreza, desde esa perspectiva, podría ser alterada si se superan las ausencias o déficits de capacidades y destrezas que dificultan a los individuos superar su desempeño en el mercado. La teoría del capital humano es difundida en la década del 90 por el Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD) como principios orientadores y 35 recomendaciones para la implementación de medidas estratégicas de lucha contra la pobreza. Su origen data de 1959 con la obra del economista Theodore Schultz quien destaca el papel de la educación y la formación de capacidades como instrumento para mejorar los desempeños productivos. Más próxima en el tiempo es la obra del también economista Amartya Sen, quien reafirma la idea de las capacidades humanas como factor de desarrollo y superación de la pobreza. La mayor capacidad se correspondería con un mayor poder para obtener ingresos y, agrega que “[...] la mejora de la educación básica y de la asistencia sanitaria no sólo aumenta la calidad de vida directamente sino también la capacidad de una persona para ganar una renta y librarse, asimismo, de la pobreza de renta.” (SEN, 2000, p.117-118) En igual sentido se orienta Giddens, Beck e Lash (1997, p. 233-234) en su crítica a los Estados de Bienestar y su aparente inadecuación a los contextos tardomodernos. Luego de afirmar que "[...] la redistribución directa de la riqueza [...] no sería más que una solución parcial a los problemas de la pobreza.” concluye que “[...] ya no es útil concebir algún tipo de gigantesco estado redistributivo del bienestar. Tenemos que pensar en otros términos [...] las medidas adoptadas para contrarrestar el subprivilegio deben ser capacitadoras.” Estas perspectivas tienen en común el desplazar el foco del análisis sobre la génesis y reproducción de la pobreza: los problemas de distribución y redistribución son minimizados y, en su lugar, son jerarquizadas estrategias tales como la inversión en capital humano y el fomento de las capacidades individuales. De este modo, el acceso a servicios educativos y sanitarios básicos sería la estrategia fundamental para combatir la pobreza y ha sido una estrategia promovida por los organismos internacionales de crédito en pleno apogeo del modelo neoliberal y hasta nuestros días. El nacimiento del siglo XXI ha sido testigo del fracaso de estas iniciativas y de la agudización de los efectos sociales regresivos del modelo económico orientado por el proyecto neoliberal. La desigualdad persiste pese a la disminución de la pobreza y la indigencia y a las mejoras en otros indicadores sociales y económicos. En el caso uruguayo, la desigualdad de ingresos se encuentra prácticamente estancada: en 2014 el 20% de hogares más rico se apropió del 42,9% del total de ingresos del país mientras que al 20% más pobre le correspondió el 6,9% del total de ingresos (INSTITUTO CUESTA DUARTE, 2015). Esto refuerza la idea de que es posible reducir la pobreza y la indigencia y, al mismo tiempo, aumentar la desigualdad. Sin embargo, la teoría del capital humano ha sido una sobreviviente que encuentra en los PTRC su reactualización bajo la forma de 36 condicionalidades que acompañan a las transferencias. De este modo, los PTRC apuntan a combatir la pobreza mediante estrategias de corto y largo plazo. La transferencia opera en el alivio inmediato de la pobreza mientras que las condicionalidades son fundamentadas como estrategia a largo plazo para interrumpir el ciclo de reproducción intergeneracional de la pobreza. La exigencia de condicionalidades tiene la pretensión de incidir en la demanda que los preceptores puedan hacer de los servicios educativos y sanitarios relegando a un segundo plano el problema de la oferta, es decir, la responsabilidad y las capacidades estatales de garantizar el acceso y el tránsito de los usuarios de estos servicios. Centrar el combate a la pobreza en propuestas de intervención ancladas en la demanda es una de las tantas formas de individualización social al privilegiar el papel de las decisiones de los individuos sobre sus comportamientos y estilos de vida para explicar su situación de desventaja. Hablar de la individualización de la protección es hablar de, una forma específica de la orientación de la protección social que se caracteriza por atar las condiciones de vida de las personas a la situación y las prácticas, en sentido amplio, del sujeto en tanto individuo; y que, a la vez desvincula esas condiciones de vida y las consecuencias de esas prácticas de toda relación con y de toda pertenencia a grupos o agregados mayores. (DANANI, 2008, p. 45). Individualizar la protección social es “[...] vincular el otorgamiento de una prestación con la consideración de la situación específica y la conducta personal de los beneficiarios.” y ha sido la orientación dominante del nuevo régimen de protección orientado a “[...] los dejados de lado de las protecciones clásicas.” (CASTEL, 2004, p.100). Estas estrategias se basan en la norma de interioridad, es decir, en la modificación de las conductas individuales de los beneficiarios “[...] incitándolos a cambiar sus representaciones y reforzar sus motivaciones para ‘salir’, como si fueran los principales responsables de la situación en la que se encuentran.” (CASTEL, 2004: 97). Rosanvallon (1995) observa que el ingreso mínimo de inserción (RMI) revincula de forma inédita los derechos sociales y las obligaciones morales configurando un derecho individualizado por un lado, y un derecho condicionado por el otro, de modo tal que la situación particular y el comportamiento individual quedan en un mismo registro. Seguidamente, se pregunta sobre el carácter de derecho de estas prestaciones en estas condiciones cuando, en esencia, un derecho es de aplicación universal e incondicional. Esta crítica es válida también para nuestros PTRC. La idea de inversión de la deuda contribuye a pensar estas alteraciones 37 filosóficas de la protección social: La política social del siglo XX pensaba que como consecuencia de su participación en la vida social, había algunas personas víctimas de accidentes diversos. Accidentes de trabajo, desempleo, una infancia muy dura etc. La sociedad tenía una deuda con esas personas, les debía asistencia, que es lo que en Francia dio derecho, lo que se llama el derecho a la asistencia, un derecho inscripto en la ley. Toda persona tiene derecho a ser asistida. Ahora se invierten las cosas y se convence a la persona que recibe una ayuda de que está en deuda con la sociedad porque no hay ninguna razón que justifique que una persona sea ayudada. La vamos a ayudar para que pueda salir adelante y entonces, como nos debe algo (el dinero que le estamos dando), le vamos a exigir una contrapartida. (MERKLEN, 2013, p. 12). La denominada inversión de la deuda y la contractualización e individualización de la protección social contenida, fundamental pero no exclusivamente, en los programas de transferencia de renta condicionada (PTRC) son parte de una transformación en la orientación filosófica de la protección social sustentada en la retórica de la responsabilidad individual. En palabras de Rosanvallon (1995, 36) “[...] la aceptación de la solidaridad comienza [ahora más que antes] a acompañarse con una exigencia de control de los comportamientos.” En ese sentido, plantea que cuando se multiplican las informaciones disponibles sobre los individuos se produce “[...] un movimiento de desolidarización: la información es el alimento de la diferenciación.” (ROSANVALLON, 1995, p. 56). El registro de los individuos y el inventario de sus diferencias pretende personalizar la asistencia social con el objetivo de alcanzar una mayor eficiencia: Es en esta búsqueda de mayor eficiencia donde se encuentran los mayores desafíos del futuro: «personalizar» todavía más la asistencia social […] Como Banco Mundial, nos complace haber colaborado durante los últimos años en el diseño y en las mejoras implementadas al sistema de protección social en Uruguay. (SIEGENTHALER apud BANCO MUNDIAL, 2013). De este modo, cuanto mayores y más específicas sean las condiciones que se impongan, cuanto más diferenciadas sean entre grupos de beneficiarios, y cuanto más se vinculen esas condiciones con el comportamiento, más se alejará del campo de los derechos y más la tensión seguridad social/asistencia traccionará hacia la segunda. (HINTZE; COSTA, 2011, p. 176). Los sistemas de control y vigilancia construidos con el objetivo de verificar el cumplimiento de las condicionalidades permiten introducir un sentido más concreto de la noción de individualización, entendida como la identificación de la población beneficiaria y su 38 incorporación en un registro documental (VECINDAY, 2014). La estigmatización del asistido permanece en estos dispositivos tecnificados de identificación y control: ni las herramientas de selección focalizada ni las de vigilancia pierden su carácter vejatorio. La tecnificación se introduce en el hogar para observar, indagar, clasificar, examinar y, eventualmente, castigar. Así mismo, parece que se perdiera de vista que las sanciones por incumplimiento de las condicionalidades operan como refuerzo de la vulnerabilidad de las familias beneficiarias, y sobre todo, de sus niños y adolescentes. La identificación de un derecho vulnerado por inasistencias escolares o insuficientes controles sanitarios deriva en la posible pérdida de la transferencia agregando a la situación familiar una restricción en sus ingresos, que en los sectores cuanto más pobres son, como es sabido, se ven mayormente afectados por el consumo de alimentos. Esta inconsistencia entre la pretensión declarada de garantizar derechos exigiendo condicionalidades y el efecto práctico de reforzar la vulnerabilidad al sancionar por incumplimiento, es más fuerte aún cuando se observa que son las familias más pobres y vulnerables las que presentan mayores dificultades para cumplir con los comportamientos demandados. Si bien en la región se registran diferentes grados de control y de aplicación de sanciones por incumplimiento, los PTRC se estructuran a partir de una filosofía conductista (WACQUANT, 2011) montada sobre un sistema donde la prestación monetaria oficia como estímulo a la acción o como sanción ante la inacción u omisión (VECINDAY, 2013). La relevancia adjudicada en cada caso a los sistemas de control y sanción sobre las condicionalidades revela el papel asignado a las transferencias monetarias y a la activación de capital humano como estrategias asociadas para combatir la pobreza. En otros términos, se puede afirmar que a la jerarquización de la transferencia monetaria le corresponden mecanismos flexibles de control y sanción e, inversamente, al énfasis sobre la inversión en capital humano se asocia con sistemas rígidos de control y sanción. De este modo, mientras que las AFAM-PE y, en menor medida, la AUH privilegian las condicionalidades como estrategia de reducción de la pobreza a largo plazo afectando, incluso, el papel de la transferencia en el alivio inmediato de la deprivación severa suspendiendo o reteniendo parte del beneficio, el BF se centra en el objetivo de mejorar el acceso al consumo de las familias pobres siendo los comportamientos exigidos por las condicionalidades un logro que no responde solo al estímulo económico sino que requiere de mecanismos de acompañamiento familiar. Los contextos nacionales ofrecen pistas para comprender los particulares rasgos de los programas en general y, específicamente, respecto a significación de las acciones 39 desencadenadas ante el no cumplimiento. En el caso de Brasil, la magnitud y la masividad de la pobreza y la desigualdad han sido una constante estructural de su desarrollo capitalista y con ese punto de partida parece una estrategia razonable jerarquizar su alivio inmediato frente a la activación de los pobres como forma de interrumpir su reproducción intergeneracional. La comprensión de los factores que explican los problemas de cobertura de las políticas sanitarias y educativas dentro de los sectores de mayor pobreza ha sido clave para promover programas de acompañamiento familiar en situaciones de incumplimiento de las condicionalidades8. Por otro lado, Argentina y Uruguay son dos de los países latinoamericanos con mejores indicadores sobre desarrollo humano, distribución del ingreso y pobreza y es el deterioro de los logros educativos y sanitarios, respecto a un pasado reciente, una de las principales preocupaciones depositadas sobre un núcleo duro de la pobreza que persiste pese a la superación de la pobreza e indigencia medida por ingresos. En países que, aún manteniendo problemas de oferta, se han caracterizado por una amplia prestación de servicios, fundamentalmente, educativos y sanitarios, en menor medida, el punto de partida parece situarse en un escalón mayor. En estos casos, las condicionalidades en tanto comportamientos esperados, son privilegiadas al punto de afectar o hacer caer la transferencia monetaria. Sin embargo, llama la atención que ni las AFAM-PE ni la AUH prevén en su diseño mecanismos de apoyo ante situaciones de incumplimiento. 3 CONCLUSIÓN El combate a la pobreza es el objetivo central de los PTRC y si bien, han desempeñado un papel importante en la reducción de la indigencia, menos claro es su aporte a la disminución de la pobreza. Esta parece deber su reducción más a las mejoras salariales, a la reducción del desempleo y al combate a la informalidad que al efecto de las transferencias. Este conjunto de medidas ha permitido, sin duda, mejorar las condiciones de vida de ciertos segmentos de la clase trabajadora. Sin embargo, si bien los efectos sobre la indigencia y la pobreza medidas por ingreso son visibles, los atributos duros de la pobreza medidos por NBI no han registrado modificaciones sustantivas. Se podría concluir, entonces, 8 Es indudable que este acompañamiento familiar responde solo a uno de los factores que explican los problemas de acceso a las prestaciones sanitarias y educativas dejando fuera, por ejemplo, el problema nada menor de la oferta y calidad de los servicios ofrecidos. 40 que la reducción de la pobreza parece ser efecto de una coyuntura económica favorable que, sumado a mecanismos regulatorios, alivió los déficits de ingresos en los hogares más pobres que incrementaron su capacidad de consumo. Sin embargo, queda en el debe el rebatimiento de la pobreza y la indigencia en dimensiones que, sin duda, requieren de políticas sostenidas en el tiempo y cuyos efectos no son inmediatos (educación, salud, vivienda, trabajo). Las prestaciones asistenciales han crecido en calidad, cantidad y cobertura. Sin embargo, la ayuda social tiende a permearse y/o combinarse con componentes y políticas punitivas dirigidas a estas poblaciones. Este componente punitivo está presente en las sanciones previstas por el incumplimiento de las condicionalidades. Por otro lado, los PTRC operan sobre el valor de uso como mercancia de la futura fuerza de trabajo. Los PTRC se proponen, a largo plazo, incrementar el valor de uso de la fuerza de trabajo invirtiendo en capital humano. Al incrementar la futura productividad de los cuerpos mediante su cuidado por parte del sistema de salud y su calificación a través del sistema educativo su valor de uso crecerá. Asimismo, los PTRC no se proponen afectar el valor de cambio de la fuerza de trabajo. Es decir, no pretenden suministrar prestaciones a quienes se encuentren en situación de convertir el beneficio en recurso que mejore sus condiciones de negociación salarial. De este modo, las prestaciones vehiculizadas en los PTRC no tienen efecto alguno en el arbitraje de intereses diferenciales de trabajadores y empleadores. Quizás la principal virtud de las condicionalidades es que nos convoca a pensar estas prestaciones dirigidas a combatir la pobreza en su relación con prestaciones de carácter universal. Es decir, el debate sobre las condicionalidades nos reenvía al análisis de las transferencias en el marco más amplio del repertorio de políticas sociales. En ese sentido, se advierte que la mayor cobertura de estas políticas, posible de atribuir al efecto producido por los PTRC sobre la demanda, no ha sido acompañada de la suficiente ampliación de las capacidades y respuestas estatales. Persisten problemas de calidad de los servicios públicos educativos y sanitarios que no logran ofrecer respuestas adecuadas a la magnitud de los problemas que pretenden atender. REFERENCIAS BANCO MUNDIAL. Hacia un Uruguay más equitativo: los desafíos del sistema de protección social. [S. L.], 2013. Disponible 41 en:<http://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/document/LAC/hacia_un_uruguay_m as_equitativo_web.pdf>. 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DESARROLLO Y ACTUALIDAD DE LA PROTECCIÓN SOCIAL EN AMÉRICA LATINA1 Silvia Gabriela Fernández Soto2 Resumen: El presente trabajo tiene como objetivo problematizar las recientes estrategias de protección social en América Latina, observando la expansión e institucionalización de los programas de transferencia de renta condicionada. Se basa en un estudio exploratorio, bibliográfico y documental. Es en el contexto de crisis y conflictividad social de fines de siglo XX y principios de siglo XXI, en un contexto de desocupación y extensión de las condiciones precarias de trabajo; que cobran relevancia los Programas de Transferencias de Renta Condicionadas (PTRC). Se han instalado en el repertorio de políticas sociales desarrollados por la mayoría de los países en América Latina para el contingente creciente de desocupados y pobres, configurando estrategias político- institucionales que se hacen masivas a inicios del Siglo XXI, institucionalizándose en los formatos de protección social emergentes. Estos programas se identifican por estar focalizados hacia los hogares pobres, con el objetivo de mejorar las condiciones de vida de las familias con niños y niñas en “situación de vulnerabilidad”, con una perspectiva de “capital humano”, incluyendo condicionalidades en educación y salud. Se enmarcan en el debate de la protección social centrada en un tipo de "universalismo" adjetivado como “mínimo/básico”, que pretende romper el “círculo intergeneracional de la pobreza”. Analizamos el sentido socio-histórico que adquieren estos programas en relación a transformaciones sociales más generales. Palabras claves: Protección social, crisis, transferencia de renta condicionada. Abstract: The objective of this work is to problematize the recent strategies of social protection in Latin America, noting the expansion and institutionalization of the income transfer programs conditional. It is based on an exploratory study, bibliographic and documentary. It is in the context of crisis and social unrest of the late twentieth century and early twenty-first century, in a context of unemployment and extension of the precarious working conditions; that prominence programs of income transfers conditioned (PTRC). Have been installed in the repertoire of social policies developed by the majority of the countries in Latin America to the growing contingent of unemployed and poor, setting up political strategiesinstitutional that are massive at the beginning of the twenty-first century, institutionalised in the formats of emerging social protection. These programs are identified as being targeted toward poor households, with the aim of improving the living conditions of families with children in "situation of vulnerability", with a perspective of "human capital", including conditionalities in education and health. Fall under the discussion of social protection focused on a type of "universalism" adjetivado as "minimal/basic", which seeks to break the "circle of intergenerational poverty". Keywords: Social protection, crisis, Income transfer programs. 1 Esta ponencia, presentada en la VII Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, 25 a 28 de agosto de 2015, contiene resultados parciales de estudios desarrollados con apoyo de la Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) y del Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 2 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Investigadora CONICET, Profesora Titular FCH-UNCPBA. Tandil, Buenos Aires, Argentina. E-mail: [email protected] 1 LA PROTECCIÓN SOCIAL COMO PROCESOS HISTÓRICOS CONTRADICTORIOS: la(s) experiencia(s) en América Latina La construcción histórica de las formas de protección social remite a complejos procesos relacionales en los cuales participan múltiples elementos. Por lo tanto no se puede restringir su comprensión a identificar un único proceso evolutivo lineal, incremental, simplificado y abstracto. Existen en América Latina diferentes experiencias en la construcción de los sistemas de protección social, que expresan movimientos progresivos y regresivos en función de las relaciones de poder en las que se inscriben en cada formación histórico-concreta. Desde el punto de vista de la economía política de la configuración del Estado, la extensión de los sistemas de protección social, y la mediación de las políticas sociales que suponen; participan al mismo tiempo de las necesidades de acumulación capitalista, y de las necesidades de protección y reproducción de las condiciones materiales de existencia de los trabajadores3. En este sentido, los formatos de protección social adquieren concreción en contextos particulares de acumulación y de procesamiento de intereses antagónicos entre las clases sociales fundamentales. En tal sentido expresan en cada momento histórico correlaciones de fuerza, y por ende la organización y capacidad de presión de los trabajadores. En términos histórico-concretos la construcción de los sistemas de protección social estatal se vincula a garantizar los procesos de acumulación y legitimación e indica la relación histórica que se establece con los procesos de organización del trabajo. Participa en la reproducción y manutención de la clase trabajadora (activa y parada), a través de mediaciones político-institucionales específicas, que son resultado de la correlación de fuerzas establecida por la lucha de clases. Desde esta perspectiva, la tesis que sostenemos es que en el contexto de crisis que se expresa desde la década del setenta y el despliegue de la acumulación 3 Ian Gough (1978, p. 66) indica, el carácter contradictorio de la construcción de la intervención social del Estado, que atiende al mismo tiempo a los intereses de la acumulación y los procesos de protección social. “El Estado tiende a actuar con el fin de asegurar las condiciones que reproduzcan ese modelo y las relaciones de exploración dentro de él, que bajo el capitalismo significa asegurar la acumulación continua de capital [...] el Estado del Bienestar engloba una actitud racional que también se opone a la del mercado. En algún sentido actúa para ‘satisfacer las necesidades’ y extender los derechos y haciéndolo así, contradice los simples requerimientos directos del sistema de economía capitalista. [...] esta es, pues, la razón por la que nosotros caracterizamos el Estado del Bienestar como un fenómeno contradictorio.” 44 flexible, en un contexto general regresivo para los intereses de las clases trabajadoras, se alteran los formatos y sentidos de los procesos de protección social históricamente construidos en la segunda posguerra del siglo XX, edificándose nuevas arquitecturas de protección social, resultantes de las nuevas relaciones entre acumulación y organización del trabajo. En las diversas naciones latinoamericanas se registran variaciones en los sistemas de protección social; los cuales están en relación a las características de los procesos de acumulación/legitimación y de las heterogeneidades nacionales concretas4. La concreción particular de un conjunto de elementos históricos da como resultado la disposición de diferentes matrices de protección social, observable en el gasto social y su distribución sectorial, en la cobertura poblacional, en la forma y contenido de los servicios prestados, en la calidad de los mismos, en los argumentos de legitimación que se construyen para sostenerlos, en los sentidos que persiguen, en las pautas de selectividad que sostienen, en los intereses y sujetos a los cuales responden. En América Latina en la década de 19305 gana visibilidad formas de protección social destinada centralmente a los trabajadores urbanos y asalariados insertos en relaciones formales de trabajo. Bajo esta perspectiva la estructuración del mercado de trabajo influyó los sistemas de protección social, marcando las lógicas de inclusión/exclusión de los mismos, así como las diferenciaciones y fragmentaciones que se establecen. Es en la segunda posguerra que se consolidan estas experiencias particulares6, guiados por los principios de los seguros a los riesgos colectivos, bajo el esquema contributivo y con la fuerte participación del Estado como garante de la protección en su gestión y financiamiento. Ahora bien, como indica Filgueira (2007) América Latina no se configuró como las experiencias europeas en relación a sus 4 Para una definición de las dimensiones a considerar en la diferenciación de los sistemas de protección social véase, Filgueira (1997). 5 Carmelo Mesa-Lago (1991), para realizar una diferenciación de las experiencias latinoamericanas, distingue los inicios históricos y grados de maduración de los sistemas de protección social, a partir de lo cual diferencia entre países pioneros, intermedios y tardíos. Esta clasificación destaca el momento en el cual cada país empezó a ocuparse de la protección social de sus habitantes por medio de sus políticas públicas. Observa sus procesos de maduración considerando las trayectorias históricas, la cobertura alcanzada, la relación con los modelos de desarrollo predominantes. Argentina, Uruguay y Brasil integran el grupo de países pioneros en la construcción de la protección social, dado que hacia los años `20 del siglo XX, los tres países registraban formas de desarrollo de medidas de protección social para su población. 6 Por ejemplo en los gobiernos de Perón en Argentina, Batlle en Uruguay y Vargas en Brasil. 45 procesos de urbanización, industrialización, con modelos familiares nucleares tradicionales y con mercados laborales formales, presupuestos bajo los cuales se definieron las políticas sociales latinoamericanas en el pasado, aspirando a que los grandes centros urbanos se acerquen a dichas experiencias. No sólo esto no sucedió, sino que se despliegan un conjunto de fenómenos que distan de esta realidad. Así, el crecimiento de la monoparentalidad y las uniones libres, la incorporación masiva de la mujer al mercado laboral, el incremento de la divorcialidad, son realidades innegables en la mayor parte de la región. Asimismo, la creciente precariedad en el empleo, el crecimiento de la informalidad y de la flexibilidad contractual en los viejos formatos de trabajo estable, la desindustrialización y el crecimiento de las economías de servicios, acompañados de una transformación tecnológica que torna obsoletos saberes a una velocidad desconocida en la región, son también procesos de clara implantación en las últimas dos décadas. (FILGUEIRA, 2007, p. 15). Que sin duda interpelan y complejizan los sistemas de protección social. Este esquema implicó que no se desarrolle una cobertura total de la población, que se constituyan altamente fragmentado y estratificado de acuerdo a la inserción ocupacional de la población; segmentado en función de las disparidades de cobertura a nivel regional, produciéndose al interior del sistema fuertes disparidades de acceso a los bienes y servicios públicos tanto en calidad como en cantidad. Otros estudios, además de considerar cuándo surgen los sistemas de protección y los alcances que tienen en materia de cobertura y el nivel de gasto que realizan; consideran central observar no sólo cuánto se gasta sino cómo se gasta en materia social7. En relación al primer grupo, universalismo estratificado, cabe destacar que hacia 1970 todos protegían de alguna u otra forma a la mayor parte de la población mediante sistemas de seguro social, de servicios de salud al mismo tiempo habían extendido la educación primaria e inicial secundaria a toda la población. Estos países desarrollan importantes procesos de desmercantilización y universalización, aunque de manera estratificada y diferencial. Logran importantes impactos sobre variables relativas al bienestar social. En relación a los regímenes duales presentaban hasta la década de los ´70 universalización de la educación primaria, una importante cobertura en salud aunque estratificada. En materia de seguridad social alcanza coberturas medias, 7 De aquí surgen tres formatos de protección social: Universalismo estratificado. (Uruguay, Argentina, Chile), Regímenes duales (Brasil, México), y Regímenes excluyentes. (República Dominicana, Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicaragua, Bolivia, Ecuador). 46 manteniendo también significativos niveles de estratificación. Un rasgo central refiere a la heterogeneidad territorial, que se presenta con mayor nitidez que el primer grupo. En ciertos estados y regiones se observa la maduración de instituciones de protección social y en cambio en otros estados desprotección y baja incorporación de la mayor parte de la población. En el contexto de la crisis capitalista desplegada desde la década del setenta los formatos concretos de protección social construidos en los diferentes países sufren transformaciones radicales en relación a sus sentidos, principios organizadores, diseños de implementación y alcances. Estas transformaciones están en relación a las exigencias de clase colocadas al Estado en la fase actual de acumulación capitalista bajo el predominio del capital financiero. Acumulación y legitimación se recrean en complejos procesos en relación a la correlación de fuerzas resultantes del desarrollo de la sociedad. Observar los cambios generales nos permite comprender los sentidos de las reformas de la protección social en este contexto de crisis capitalista. 2 CRISIS CAPITALISTA Y TRANSFORMACIONES DE LOS SISTEMAS DE PROTECCIÓN SOCIAL EN EL CONTEXTO LATINOAMERICANO La crisis capitalista que se inicia hacia fines de la década del sesenta e inicios de la década del 70 del siglo pasado, expresa el colapso del padrón de acumulación fordista/keynesiano; dando origen a un período en la historia del capital en donde se da en forma exacerbada la destrucción de las fuerzas productivas, de la naturaleza y del medio ambiente y también de la fuerza humana del trabajo8. Es en el contexto de acumulación fordista que se desplegaron los modelos de desarrollo9 de inspiración keynesiana10 en gran parte de la 8 Sobre este proceso, ver Antunes (2009, p. 19) quien afirma: “En medio de tanta destrucción de fuerzas productivas, de la naturaleza y del medio ambiente, existe también una acción destructiva contra la fuerza humana de trabajo que tiene enormes contingentes precarizados o al margen del proceso productivo, elevando la intensidad de los niveles de desempleo estructural.” 9 Los modelos que se desarrollan se basan en la perspectiva cepalina y los aportes de Raúl Prebish. 47 región latinoamericana entre 1930 y 1970-80, caracterizados por el modelo sustitutivo de importaciones, donde el Estado asumió un rol central en el desarrollo económico y en la construcción de los sistemas de protección social. La respuesta capitalista a la crisis de mediados de la década del setenta implica la alteración de estos modelos de desarrollo y las correlaciones de fuerza que los sustentan. Desde 1970 se expresan un conjunto de cambios radicales en la organización del capitalismo: Se produce un pasaje del modelo de acumulación de capital fordista (cadena de montaje de producción en masa, organización política de masas, intervenciones del Estado de Bienestar), a la acumulación flexible (búsqueda y configuración de mercados especializados, descentralización y dispersión espacial de la producción, retracción del Estado Nación de las políticas intervencionistas unida a la liberalización y la privatización) (HARVEY, 2007). La crisis y reestructuración capitalista a escala global, genera una re-configuración territorial, socioeconómica y política a escala global. Estas transformaciones expresan claramente la contestación rotunda del capital a la caída de la tasa de ganancia en las décadas del sesenta y setenta del siglo XX. Es así que los años siguientes se caracterizaron por transformaciones radicales en el plano tecnológico y organizacional del proceso productivo11. Esta fase de acumulación flexible, se caracteriza por los elevados niveles de transnacionalización de las empresas capitalistas, la mundialización de las relaciones 10 Una forma específica de política keynesiana configuró los modelos de desarrollo en América Latina entre 1930 y 1970-80, desarrollándose el modelo sustitutivo de importaciones, donde el estado asume un rol central en los procesos de planificación económico y social. El Estado financia el crecimiento de industrias orientadas a la producción para el consumo interno, a través de una política de subsidios y diversas medidas proteccionistas, sobre la base de la riqueza generada por productos primarios de exportación. Al mismo tiempo el estado incorpora mano de obra excedente, participando en la construcción de obras básicas de infraestructura económica y social. 11 Los cambios operados en las condiciones generales de producción se expresan en el incremento en volumen y cambios cualitativos en la composición de la masa trabajadora y explotada. Como tendencia general se hace observable la constitución de una masa de población sobrante para las necesidades de fuerza de trabajo del capital este movimiento tendencial de la sociedad capitalista es analizado en Marx (1986). Para un análisis contemporáneo donde se analiza la relación entre cambios tecnológicos, productividad del trabajo y tasas de ganancias, véase Mandel (1982). 48 capitalistas de producción, el desarrollo y tecnificación del capital financiero (HARVEY, 2004; 2007)12. En el marco de los denominados ajustes estructurales, bajo la influencia de los organismos internacionales, se le otorga un nuevo perfil a los sistemas de protección social y a las políticas diseñadas por los Estado nacionales, que termina conformando una nueva matriz de relaciones entre el Estado y la sociedad civil. Dentro de estas transformaciones se destaca la relevancia que las redes mínimas de asistencia centradas en la pobreza pretenden asumir en las últimas décadas, en contraposición a la desestructuración de la red de protección social tendida en relación al asalariado formal desde la perspectiva del seguro social. Las propuestas y tendencias centrales que se impone se orientaron en la modificación de las políticas de protección social en la región, hacia una perspectiva residualliberal; tanto en los países que lograron desarrollos significativos bajo esquemas centralistas con aspiraciones de universalidad, como en aquellos países que tuvieron bajo o nulo desarrollo de los sistemas de protección social. La focalización del gasto, la descentralización/desconcentración en la gestión y administración de los programas sociales, el desdibujamiento de la perspectiva sectorial de las políticas sociales y el avance de la integralidad mínima como alternativa, y la expansión de la mercantilización de ciertas funciones sociales, constituyen los pilares de las reformas y nuevos modelos propuestos en las últimas décadas del siglo XX. 3 EXPANSIÓN DE LA POBREZA Y DESIGUALDAD A FINES DE SIGLO XX: inflexiones y ejes estructurales de desigualdad social a inicios del Siglo XXI 12 La acumulación flexible “[…] apela a la flexibilidad con relación a los procesos laborales, los mercados de mano de obra, los productos y las pautas del consumo. Se define por la emergencia de sectores totalmente nuevos de producción, nuevas formas de producir servicios financieros, nuevos mercados y, sobre todo, niveles sumamente intensos de innovación comercial, tecnológica y organizativa.” (HARVEY, 2004, p. 170-71), implicando una reconfiguración espacio-temporal en el mundo capitalista. 49 En torno a 1999, el 43.8% de la población de la región se encontraba en situación de pobreza, tres décimas de punto más que en 1997. Por su parte, la indigencia pasó del 19% al 18.5% en ese período. En términos del volumen de población en situación de pobreza, éste alcanzaba en 1999 a poco más de 211 millones de personas, de las cuales algo más de 89 millones se encontraban bajo la línea de indigencia. Con respecto a 1997 esta cifra representa un aumento de 7.6 millones de personas pobres, en tanto que el número de indigentes tuvo un incremento en el trienio, que abarcó a 0.6 millones de personas. Para 1999, la desigual distribución de los ingresos continuaba siendo un rasgo sobresaliente de la estructura económica y social de América Latina, lo que le ha valido ser considerada la región menos equitativa del mundo, empeorando esta situación en la década del noventa. Para fines del siglo XX, la distribución del ingreso en América Latina exhibe importantes niveles de desigualdad; la fracción de los ingresos totales que reúne el 10% de los hogares de mayores recursos (salvo en Costa Rica y Uruguay) asciende en todos los países de la región a más del 30% de los ingresos, y en la mayoría de ellos ese porcentaje supera el 35%. En contraposición, la fracción del ingreso recibida por el 40% de los hogares más pobres es muy reducida, y se ubican en casi todos los países entre el 9% y el 15% de los ingresos totales, con excepción de Uruguay donde el grupo mencionado recibe cerca del 22%. En este marco de empobrecimiento e incremento de la desigualdad, América Latina se coloca como uno de los territorios de resistencias y búsquedas de alternativas al capitalismo neoliberal a nivel global. La lucha de clases expresaba la oposición al ajuste estructural impuesto por los organismos internacionales, las actividades depredadoras del capital financiero y la pérdida de derechos ocasionada por la privatización y mercantilización de los servicios sociales. “El antimperialismo comenzó a convertirse en antagonismo contra los principales agentes de la financierización, el FMI, y el Banco Mundial.” (HARVEY, 2007, p. 65). Este movimiento ascendente de las luchas sociales provoca inflexiones y exige la recomposición del consenso. América Latina en la primera década del siglo XXI exhibe inflexiones en relación a las situaciones socioeconómicas registradas en las décadas anteriores del 80 y 90. Pese a estas mejoras en los indicadores permanecen enormes deudas sociales. Se registra una disminución del porcentaje de las personas que viven en condiciones de pobreza e indigencia. La reducción de la pobreza acumulada desde 1999 50 alcanzó 12.4%, a la vez que la indigencia se ha reducido un 6.3%. Asimismo, la reducción de ambos indicadores con respecto a 1990 totalizaba 17.0 y 10.3% (COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2011). En 2010, el índice de pobreza de la región se situó en un 31,4%, lo que incluye a un 12,3% de personas en condiciones de pobreza extrema o indigencia. En términos absolutos, estas cifras equivalen a 177 millones de personas pobres, de las cuales 70 millones eran indigentes (COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2011). Si bien en términos relativos se registra una disminución, en términos absolutos significa un incremento de 41 millones de pobres entre 1980 y 2010; y un incremento de 8 millones de indigentes para el mismo período (Gráfico 1). Esto expresa que un tercio de los habitantes de la región, no reciben ingresos suficientes para cubrir las necesidades consideradas básicas13. Pese a las mínimas variaciones observadas en términos de tasas, las nuevas estimaciones permiten establecer que la pobreza extrema ha alcanzado valores similares a los de 2011, lo que representa un retroceso respecto de los logros alcanzados en años anteriores. La tendencia a la baja de las tasas de pobreza y pobreza extrema se ha desacelerado e incluso revertido en los primeros años de la segunda década, situación que, asociada al crecimiento demográfico, deja como saldo un mayor número depersonas en situación de pobreza extrema en 2013 (COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2014). Gráfico 1 - América Latina: evolución de la pobreza y de la indigencia, 1980-2014 13 Al mismo tiempo la pobreza afecta más a la niñez, las mujeres y las poblaciones indígenas en términos comparativos con otros sectores de la sociedad. Repetto (2010). Para el caso argentino véase: Fabio M. Bertranou y Damián Bonari (Coords.). Protección social en Argentina. Santiago, Oficina Internacional del Trabajo, 2005. 51 El año 2010 se caracterizó por un aumento de las tasas de inflación en todos los países de la región. El promedio simple de las variaciones se situó en un 6,5%, 2,8 puntos porcentuales más que en 2009 (COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2011). El aumento de la inflación estuvo impulsado centralmente por alzas de los precios de alimentos y bebidas, que en promedio fue 1,8 veces mayor que las del resto de productos, aspecto gravitante para la medición de la indigencia. Las proyecciones realizadas 52 indican que se mantenga la tendencia al alza de la inflación, con lo cual la indigencia no sólo se mantendrá en los niveles registrados sino que puede aumentar14. Tanto en el período 2002-2008, previo a la crisis, como en el período 2008-2010, la reducción de la pobreza ha provenido en su mayor parte de un incremento de los ingresos laborales; aunque también han contribuido otras fuentes de ingreso, particularmente las transferencias monetarias. Si bien la reducción de la desigualdad es de una magnitud leve, insuficiente para cambiar la base estructural de desigualdad de la región, resulta significativa, en un contexto de ausencia prolongada de mejoras distributivas generalizadas15. Los datos más recientes arrojan algunos indicios que apuntan a que la reducción de la desigualdad podría estarse desacelerando (COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2014). Para el 20111, el 40% de la población con los ingresos más bajos capta, en promedio, el 15% del total del ingreso, mientras que el 10% de la población situado en el extremo superior de la distribución posee un tercio del ingreso total. Asimismo, el ingreso medio del quintil más rico supera en 18,3 veces al del quintil más pobre. América Latina continúa siendo una del las regiones del mundo más desigual16. América latina y el Caribe cierran el 2011 con crecimiento económico17, crecimiento del empleo y disminución del desempleo (OIT, 2011). 14 Las líneas de indigencia, que muestran el costo de adquirir una canasta básica de alimentos, se actualizan año a año según la variación del IPC de los alimentos, mientras que el componente no alimentario de la línea de pobreza se actualiza según la variación del IPC correspondiente. 15 Tomando la distribución del ingreso de manera desagregada, se observa que el ingreso del decil más pobre en los países de la región se ubica en torno al 1%, en contraposición a los países europeos o asiáticos que es superior al 3%. En el extremo opuesto, el decil más rico se apropia en América Latina de al menos el 40% de los ingresos (con casos extremos como Colombia o Brasil, cercanos al 50%). Cifras que muestran la matriz profundamente desigual de distribución del ingreso en la región (GAITÁN, 2010). 16 Aun cuando los países latinoamericanos muestran grados distintos de concentración del ingreso, todos exhiben índices de Gini que superan al promedio de cada una de las regiones analizadas, exceptuando el África subsahariana (COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2011). 17 De acuerdo a las estimaciones más recientes del desempeño económico, el PIB regional crecerá en torno a 4.5% en 2011 respecto del año anterior. Encabezan esta expansión algunos países exportadores de materias primas de América del Sur más articulados con la demanda de las economías emergentes como Argentina, Chile, Paraguay, Perú y Uruguay, que crecerían alrededor de 6% en 2011 (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2011). 53 La tasa de desempleo urbano continuó bajando en 2011 y alcanzó a fines de 2011 un nivel de 6,8 %, valores similares a los registrados en la década del 90. La región entró al Siglo XXI con tasas superiores al 10 % que llegaron incluso por encima del 13 %. Lo que vemos ahora es un reflejo de un ciclo positivo de crecimiento económico que ha durado más de cinco años y no se vio interrumpido por la crisis. Si bien el desempleo ha bajado, la proporción de trabajadores por cuenta propia y auxiliares en actividades de baja productividad sigue alta, cerca de un tercio del total del empleo en la región. Al mismo tiempo 44 % de los trabajadores y trabajadoras aún no tienen ningún tipo de cobertura de protección social. En 16 países con información disponible hacia fines de la década del 2000, 93 millones de personas (50% de la población ocupada) tenían un empleo informal. De ese total, 60 millones estaban en la economía informal propiamente dicha, 23 millones tenían un empleo informal sin protección social trabajando en el sector formal, y 10 millones un empleo informal en el servicio doméstico. En el caso de los jóvenes, 6 de cada 10 que consiguen trabajo sólo tienen acceso a empleos informales (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2011). La dinámica de la oferta y demanda de fuerza de trabajo, se pone en relación con la dinámica del ciclo económico de los países, explica la tendencia a la disminución de la tasa de desempleo urbano, que cae desde dos dígitos a inicios de la década a 7.3% en 2008, sube a 8.1% en 2009 y baja a 7.3% en 2010. El crecimiento económico permitió una expansión del empleo asalariado, que en el promedio regional (y con datos de cobertura nacional) aumentó su peso relativo en tres puntos porcentuales (de 65% a 68%). Pese a este crecimiento y a esta expansión registrada de trabajo asalariado, al finalizar la década cerca de uno de cada tres ocupados en la región son trabajadores por cuenta propia y auxiliares. La mayoría de estos se desempeña en actividades del sector informal, en condiciones de precariedad laboral, desprotección social y con baja productividad e ingresos. La incorporación precaria de contingentes de trabajadores, es un factor determinante de los procesos de pobreza y empobrecimiento de la clase trabajadora y de perpetuación de las desigualdades sociales.Los datos indican la permanencia estructural de situaciones de precariedad laboral extendidas: puestos de trabajo de baja productividad, bajas remuneraciones y signados por la inestabilidad laboral, la desprotección social y la falta de acceso a los sistemas de seguridad social. 54 Esto nos indica que el crecimiento sostenido del PIB no significó la creación de suficientes empleos formales para reducir significativamente el empleo precario. La reducción no ha acompañado el crecimiento sostenido del PBI. Es decir, el alto crecimiento económico sostenido en estos años (principalmente entre 2003-2008) no se ha traducido en la superación de la alta informalidad de su mercado laboral. A pesar de que en 2010 la recuperación económica influyó positivamente en el funcionamiento del mercado de trabajo, con un incremento del índice de ocupación y una caída del desempleo, el mundo laboral continúa siendo en América Latina uno de los principales eslabones en la reproducción de la desigualdad. La heterogeneidad de la estructura productiva se expresa en una dispar polarización, por una parte, un sector minoritario, con empleos de alta productividad, salarios y protección social, y por otra, un sector donde predominan las condiciones laborales precarias, las remuneraciones más bajas y un limitado acceso a la protección social. Además, tanto el desempleo como la ocupación en el sector de baja productividad siguen afectando sobre todo a los jóvenes y a las mujeres más pobres. 4 EMERGENCIA, INSTITUCIONALIZACIÓN Y CONSOLIDACIÓN DE LOS PTRC Es en el proceso global de redimensionamiento de los Sistemas de Protección Social por los cambios sociales generales y las nuevas exigencias colocadas al Estado, que se inscribe la emergencia y ampliación de los PTRC alcanzando a los contingentes de trabajadores desocupados, empobrecidos, precarios e informales que no alcanzan a reproducir sus condiciones materiales de existencia. Su emergencia, expansión y consolidación se relacionan en términos amplios con: 1- el desplazamiento de la Intervención Social del Estado hacia la pobreza y junto con esto la expansión de la asistencia. 2- Al mismo tiempo y en relación a la creciente conflictividad y cuestionamiento social a las políticas de ajuste neoliberal y las consecuencias sociales generadas por estas, a las respuestas construidas por los gobiernos emergentes y organismos internacionales en este contexto de crisis procurando reconstruir la legitimidad. 55 En este proceso, se produce la institucionalización y consolidación de los PTRC como uno de los ejes centrales de los sistemas de protección social. Al mismo tiempo los propios organismos internacionales reconocen el agravamiento de la cuestión social, el aumento de los índices de la pobreza y confirman la necesidad estratégica de afrontar medidas que superen los acuerdos del consenso de Washington, habilitando un conjunto de recomendaciones teóricas prácticas y políticas que favorezcan la legitimidad del orden y la cohesión social. Las mismas apuntan a introducir reformas institucionales duraderas que atiendan en términos de alivio la extensa desprotección social desarrollada por la erosión estructural de las formas históricas de seguro y seguridad social de cada país. Junto con la erosión, retracción y debilitamiento del formato del seguro, se da la ampliación de formas de transferencia de renta de raíz no contributiva. Los PTRC se ubican en este movimiento general de recomposición de la protección social, sus dimensiones materiales y simbólicas, en un contexto de transformaciones radicales de la lógica de acumulación capitalista. Se observa en la región un proceso de institucionalización de los PTRC, que implicó en cada país dinámicas particulares que parten del desarrollo de programas puntuales y de emergencia en contextos de crisis aguda, a programas que pretenden constituirse en permanentes vinculados a las estrategias globales de combate a la pobreza estructural más allá de situaciones de emergencia económica y social. Al mismo tiempo sus procesos de institucionalización implicaron la extensión y masificación de la asistencia, desbordando los estrechos límites de la hiper-focalización de la década del noventa. También este proceso de extensión de la asistencia a partir de los PTRC, implicó la ampliación de los programas sociales no contributivos, estableciéndose arreglos institucionales específicos en cada experiencia nacional en función de sus trayectorias históricas particulares18. El análisis situado desarrollado nos permite comprender los fundamentos históricosconcretos de la emergencia de los PTRC y la centralidad que adquieren en los actuales formatos de protección social. 18 Los PTC alcanzan para el 2013 a 30 millones de familias, equivalente a cerca de 127 millones de latinoamericanos y caribeños (CECCHINI, 2013). Los programas con mayor número absoluto de beneficiarios son: Bolsa Familia, en Brasil (13,8 millones de familias, 56,4 millones de personas), cobertura equivalente a 46% del total en la región; y, Oportunidades, de Mexico (6,5 millones de familias, 31,2 millones de personas), Familias en Accion, de Colombia (2,8 millones de familias, 11,7 millones de personas) y Bono de Desarrollo, en Ecuador (1,2 millones de familias, 6,4 millones de personas). 56 5 CONCLUSIÓN Los sistemas de protección social constituyen una mediación institucional políticoeconómica resultado al mismo tiempo de las contradicciones y reivindicaciones emanadas de las luchas de clases y de la lógica de acumulación capitalista. Es un proceso dinámico que se explica en el movimiento histórico de la sociedad. Esta perspectiva de totalidad nos permite comprender el sentido político y social de la política social, en relación a los procesos de acumulación, a los procesos de organización del trabajo y a la configuración de los sistemas de protección social. La protección social en América Latina, desde los años ochenta, viene evidenciando un desplazamiento hacia la focalización de sus acciones en la pobreza y extrema pobreza; desde acciones de emergencia hiper-focalizadas a programas institucionalizados de alcance masivo que penetran la arquitectura de protección social definida. Pese a las mejoras registradas durante el siglo XXI, persisten grandes deudas, evidenciadas en la persistencia absoluta de la pobreza desde la década del ochenta y la permanencia de la estructura de desigualdad de la sociedad. Si bien estas políticas se colocan en relación a la ampliación del consumo mínimo por parte de los sectores pobres de la población; ellas no afectan el origen de la pobreza y las desigualdades, porque la perspectiva de economía política en la cual se inscriben se basa en una concepción de desigualdad en relación a la noción de libertad para el acceso a los beneficios del mercado; al mismo tiempo la pobreza se explica en relación a la ausencia o insuficiencia de renta y no a las relaciones de desigualdad que la produce. Es decir prevalece el desafío de develar las raíces estructurales económicos y políticos de la pobreza, observando la producción de riqueza y las relaciones de poder en las cuales se asienta en la sociedad. La creciente importancia asignada a la noción de capital humano, se centra en una concepción individualista de la sociedad. Imputan a los pobres un comportamiento que deben modificar para mitigar la pobreza, en tal sentido sostienen que la política social debe generar incentivos para que esos cambios se produzcan. Se exigen condicionalidades para la recepción de los bienes que implican la modelación de los comportamientos sociales. De esa forma los pobres son definidos por su situación de carencia económica y también por sus carencias actitudinales y formativas que los inhabilita para su desarrollo. En tal sentido la red de 57 protección para pobres tendida, coloca esfuerzos en el desarrollo de habilidades o capacidades a través del entrenamiento educacional. Si bien en la dimensión argumentativa de los PTRC, se incorporan nociones de derechos y el problema de la universalización; conviven en la práctica nociones minimalistas y procesos clasificatorios que reactualizan el tratamiento de la pobreza en términos de merecimineto/no merecimiento, opacando la perspectiva de derecho social. Si bien la materialización de estos programas, contribuyen a volver menos dramáticas las condiciones de vida de este sector de la clase trabajadora que no puede reproducir sus condiciones materiales de existencia, y pretenden instalar una noción de derecho, de garantía y de universalización que es diferente al tratamiento dominante de la hiper-focalización de la década anterior y habilita potencialmente un camino de exigencia de cumplimiento de estas garantías. El análisis de las políticas de transferencia particular en el marco de las formas históricas de protección social definida, nos permite comprender la existencia centralmente de un problema político: el proyecto de sociedad que se quiere construir. Se observa tanto las disputas en relación al reconocimiento de necesidades sociales, como las maneras de definir y organizar el trabajo. El resultado de estas disputas se materializa en las mediaciones políticoeconómicas que condensan esas tensiones. Si aspiramos a una sociedad que se mueva en un sentido de la igualdad social, es necesaria una perspectiva amplia de la protección social, basada en un enfoque de derecho universal, que tienda a la superación de la segregación y fragmentación en las que históricamente han participado las políticas asistencialistas. El proceso en marcha muestra que si bien hay avances en la definición de un piso de protección, se está muy lejos de ese horizonte social. REFERÊNCIAS ANTUNES, R. El trabajo entre la perennidad y la superfluidad. Algunos equívocos sobre la deconstrucción del trabajo. In: SOTO, Fernández; TRIPIANA, J. (Comp.). Políticas sociales, trabajo y trabajadores en el capitalismo actual. Buenos Aires: Espacio, 2009. CECCHINI, S. Aportes y limitaciones de los programas de transferencias condicionadas, Taller regional de capacitación: politicas orientadas a las familias para la reduccion de la pobreza y la conciliacion de la vida laboral y familiar en America Latina. 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