UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR NO TEMPO DO CAPITAL: problemática social e as tendências das formas de proteção social na sociedade brasileira contemporânea SOLANGE MARIA TEIXEIRA São Luís-MA 2006 2 SOLANGE MARIA TEIXEIRA ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR NO TEMPO DO CAPITAL: problemática social e as tendências das formas de proteção social na sociedade brasileira contemporânea Tese apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor. Orientadora: Drª Marina Maciel Abreu São Luís-MA 2006 3 SOLANGE MARIA TEIXEIRA ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR NO TEMPO DO CAPITAL: problemática social e as tendências das formas de proteção social na sociedade brasileira contemporânea Tese apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor. Aprovada em / / BANCA EXAMINADORA _________________________________ Profª Marina Maciel Abreu (orientadora) Doutora em Serviço Social Universidade federal do Maranhão _______________________________ Profª Josefa Batista Lopes Doutora em Serviço Social Universidade Federal do Maranhão _______________________________ Profª Ilse Gomes Silva Doutora em Ciência Política Universidade Federal do Maranhão ________________________________ Profª Simone de Jesus Guimarães Doutora em Serviço Social Universidade Federal do Piauí ________________________________ Profª Eneida de Macedo Haddad Doutora em Sociologia Fundação Armando Álvares Penteado 4 A Wilson, Companheiro que sempre me apoiou e acreditou em minhas potencialidades. A Wilson Júnior, Filho querido, razão da minha vida, das minhas lutas. 5 AGRADECIMENTOS A retrospectiva do processo de trabalho que deu origem a esta tese levou-me a concordar com Padilha (1998), de que é impossível se chegar à realização de uma obra como esta sem reconhecer que só se pode atingir metas e objetivos se se contar com apoio, incentivo, paciência, orientação, amizade e tantas outras coisas, de pessoas especiais que cercam o autor, às quais deixo registrado, desde já, meu sincero agradecimento Dentre essas pessoas: À professora doutora e orientadora Marina Maciel Abreu, pelo estímulo constante, pela confiança intelectual, mesmo nos momentos em que eu duvidava poder prosseguir, e pelas orientações e amizade demonstrada; Às instituições que viabilizaram minha participação no curso de Doutorado em Políticas Públicas da UFMA: a UFPI e a CAPEs; Aos integrantes das bancas de qualificação do projeto de pesquisa e da primeira versão da tese, tais como: Dra Josefa Batista Lopes, Dra Maria do Rosário de Fátima e Silva e Dra Ilse Gomes Silva, pelas valiosas observações e sugestões, que contribuíram para enriquecer e precisar melhor minhas reflexões; À Iolanda Fontenele, amiga e companheira de trabalho e de pós-graduação, interlocutora permanente, que soube, como ninguém ouvir, sugerir, apoiar, incentivar. Verbos e adjetivos ficam aquem para qualificar sua contribuição; Às colegas de trabalho, que, nos momentos mais difíceis e de crises, prestaram assessoria afetiva, como Vânia Teresa Moura Reis, Simone de Jesus Guimarães, Antônia Jesuíta de Lima e Lindalva Alves Cruz; A Simone de Jesus Guimarães, coordenadora do Programa de Qualificação Institucional (PQI-CAPES), na UFPI, pelo tempo e disposição empregados na elaboração da proposta enviada a CAPES, pelas leituras e sugestões ao meu projeto de tese, além do apoio e da amizade; Ao professor Dr. Josenir Alcântara, pelas revisões de grande parte desta tese; 6 Aos meus pais, Rita Alves Teixeira Lima e Valdimir de Oliveira Lima, que, mesmo com pouco estudo, souberam incentivar e valorizar a educação formal, como mecanismo de crescimento pessoal e para a vida; À minha irmã, Sueli Maria Teixeira Lima, pelo apoio afetivo e amizade; Aos meus irmãos, sobrinhas(os), cunhada(o), enteado(a), meu filho Wilson Júnior e meu marido Wilson, pelo apoio familiar; A todos, que, de alguma maneira, contribuíram para a conclusão de mais esta etapa. 7 Crescendo numericamente, os velhos se tornam objeto de estudo. Propostas aparecem pela boca da ‘ciência’, do Estado, dos meios de comunicação ... Enquanto isso a história não se altera. Não mudando a história do trabalhador, Não muda a história do menino, Não muda a história do velho, Não muda a história do homem. Eneida Gonçalves de Macedo Haddad A ideologia da Velhice, 1986. No nosso sistema, o tempo só pode ser ‘libertado’ como objeto, como capital cronométrico de anos, de horas, de dias, de semanas, a ‘investir’ por cada qual ‘a seu bem prazer’. Por conseqüência, já não é ‘livre’, uma vez que se encontra regulado na sua cronometria pela abstração total do sistema de produção. Jean Baudrillard A sociedade de consumo, 1995. 8 RESUMO Envelhecimento do trabalhador no tempo do capital: problemática social e as tendências das formas de proteção social na sociedade brasileira contemporânea é uma tese de Doutorado em Políticas Públicas, que visou analisar tanto a problemática social do envelhecimento do trabalhador a partir de suas determinações fundamentais, na ordem do capital, sob práticas temporais regidas por essa lógica, quanto as formas de respostas do Estado e da sociedade mediante as propostas e iniciativas pioneiras de trabalho social com idosos, de segmentos da burguesia brasileira – uma das expressões da participação da sociedade civil como espaço de proteção social - e do Estado, por meio da legislação social contemporânea que inclui Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso, buscando identificar o desenho e as tendências da política social contemporânea de resposta a essas refrações da questão social. Mediante procedimentos metodológicos essenciais à pesquisa documental, como a análise de conteúdo de documentos e sistematizações e análises de dados estatísticos oficiais, buscou-se efetivar esses referidos objetivos. Os resultados do processo investigativo reforçam a centralidade do envelhecimento do trabalhador na constituição da “problemática social” do envelhecimento, da relação capital/trabalho como fundamento comum, ou da exacerbação e agravamento da questão social, materializadas nas determinações e na configuração das condições de vida de frações da classe trabalhadora que envelhece, em especial, os de baixa renda. Demonstram, ainda, o reforço da cultura privacionista nas formas de trato dessas mazelas sociais, que é corolário dos mecanismos de enfrentamento da questão social na atualidade, e das novas simbioses entre “público” e “privado” que o capital promove, de modo a ocultar essa dimensão privacionista. Essa cultura se exterioriza tanto nas formas de assunção ou divisão de responsabilidades sociais com a proteção social para a sociedade civil, mas sob o discurso de ampliação da “esfera pública”, fortalecimento da sociedade civil como espaço de controle social, quanto no reforço do individualismo nos modos de intervenção social que transmutam problemas sociais em problemas individuais, expresso nas terapias de ajustamento, de integração, de valorização, de inserção social, dentre outras, cujo foco é o indivíduo, mantendo intactas as estruturas geradoras de desigualdades sociais. Conclui-se que as formas de respostas à problemática social do envelhecimento mascaram a centralidade do envelhecimento do trabalhador na constituição do problema social e reforçam o modelo liberal de trato dessas mazelas sociais. Palavras-chave: Questão Social. Tempo de Vida. Envelhecimento do Trabalhador. Proteção Social. 9 ABSTRACT Aging of the worker in age of capital: social problem and the tendencies in the forms of social protection in the contemporary Brazilian society is the thesis a Doctorate in Public Policies, aiming at analyzing the social problem of the aging of the workers starting the your fundamental determinations, in the order of capital, under the temporary practices governed by this logic, as well as, the forms of response by the State and society by means of proposals and pioneer social work initiatives with elderly, from the Brazilian bourgeois segment – one of the expressions of the civil society with participation in social protection - and the State through means of current social legislation, which include the National Policies of the Elderly and The Elderly Statute, seek to identify the design and tendencies of the contemporary social policies in response to these refractions of the social question. Through the methodological procedures essential to a documental research, such as an analysis of the content of documents and systematization and analysis of official statistic data, this research tried to obtain these referred objectives. The results of the investigative process reinforce the centrality of the aging of the worker in the constitution of “social problems”, along with the relationship capital/work as a common base, or the exacerbation and worsening of the social question, shown in the determinations and configurations of the conditions of life of the fraction of the working class which ages, in special, those of low income. The reinforcement of the privatization culture in the forms of treatment of these social problems is additional proof of the mechanism of facing the present social question and the new symbiosis between “public” and “private” which capital promotes to hide these privatization dimensions. This culture is shown in the form of promotions or division of the social responsibilities as a social protection for the civil society, but beneath the enlargement of the “public sphere” strengthening the civil society as well as a space for social control. It is as well a reinforcement for individualism in the form of social intervention which transmute social problems into individual problems, expressed in the adjustment, integration, valorization therapies, in social insertion among others whose focus is the individual, maintaining intact the generated structures of social inequality. It follows that the forms of response to the social problem of aging, masks the core of aging of the worker in the constitution of social problem and strengthens the liberal model of treating these social problems. Key Words: Social Question. Time of Life. Aging of the Worker. Social Protection. 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................11 2 ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL E AS HISTÓRICAS FORMAS DE RESPOSTAS DA SOCIEDADE E DO ESTADO..........................................................................................25 2.1 Questão social como categoria histórica: condições estruturais e as lutas sociais como elementos constitutivos........................................................................................................29 2.2 Trabalho assalariado e envelhecimento no tempo do capital.........................................40 2.3 O envelhecimento do trabalhador na sociedade do trabalho abstrato e as históricas formas de proteção social.....................................................................................................56 3 A PROBLEMÁTICA SOCIAL DO ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR, LUTAS SOCIAIS E OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO SOCIAL NO CAPITALISMO PERIFÉRICO BRASILEIRO.............................................................95 3.1 Capitalismo periférico brasileiro: processos particulares na constituição da problemática social do envelhecimento do trabalhador ......................................................97 3.2 Estado periférico e padrão de dominação: a política social como instrumento de controle social.....................................................................................................................115 3.2 O envelhecimento na agenda pública brasileira e as contradições na constituição de um sistema público de proteção social.....................................................................................119 11 4 DA SOCIEDADE CIVIL AO APARELHO DE ESTADO: AS “NOVAS” SIMBIOSES ENTRE “PÚBLICO” E “PRIVADO” NA PROTEÇÃO SOCIAL AO ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR.............................................................161 4.1 A (re) atualização das práticas filantrópicas: a sociedade civil como lócus da proteção social...................................................................................................................................169 4.2 A Política Nacional do Idoso: a legitimação de um novo desenho institucional da política social. ....................................................................................................................215 4.3 Estatuto do Idoso: entre o “público” e o “privado” na definição de responsabilidades sociais com o envelhecimento...........................................................................................236 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................246 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................255 12 1 INTRODUÇÃO O crescimento da população de idosos e da longevidade, em números absolutos e relativos, é um fenômeno mundial e está ocorrendo a um nível sem precedentes, atingindo todas as classes sociais. Em 1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, já em 1998, quase cinco décadas depois, esse contingente alcançava 579 milhões de pessoas. Tal crescimento atinge os chamados países em desenvolvimento, embora esse contingente ainda seja proporcionalmente bem inferior ao encontrado nos países desenvolvidos. A população brasileira, desde o final da década de 1960, vem apresentando sensíveis alterações na sua faixa etária, com crescimento quantitativo e percentual da população de idosos atingindo 8,6% da população total, em 2000. Crescimento esse, que, segundo Veras (1994), deve-se ao aumento da expectativa de vida e ao declínio da taxa de fecundidade, graças aos avanços da medicina, aos programas de esterilização em massa nas regiões carentes e às altas taxas de mortalidade da população jovem, dentre outros fatores. Assim, como ressalta Neto (2001), o envelhecimento, que, há 40 ou 50 anos atrás era assunto que se restringia, quase que exclusivamente, à esfera privada, familiar, passou, sobretudo depois dos anos 1960, nos países em desenvolvimento, como já ocorria nos países desenvolvidos, a se transformar numa questão de política pública, apesar de nunca romper com essas formas privadas de proteção social, considerando-se a baixa socialização da reprodução do trabalhador, via recursos públicos. Na esteira de tais transformações demográficas, foram surgindo iniciativas privadas e públicas, propostas, programas, política setorial, para enfrentar essa vulnerabilidade da idade, e ampliou-se, como no caso do Brasil, a cobertura das políticas de seguridade social. Além do surgimento de associações de idosos, confederações de aposentados e pensionistas, organizações profissionais internacionais de estudos e problematizações do envelhecimento, como a Associação Internacional de Gerontologia, dentre outras, todos esses fatos evidenciam o status de fenômeno, objeto de estudos científicos e de intervenções sociais em que o envelhecimento se tornou. Do ponto de vista demográfico e individual, o envelhecimento é definido pelo número de anos vividos. Assim, são considerados velhos aqueles que alcançaram 60 anos de idade. Na dimensão biológica, por sua vez, o envelhecimento é definido como o 13 “processo de mudanças universais pautados geneticamente para a espécie e para cada indivíduo, que se traduz em diminuição da plasticidade comportamental, em aumento da vulnerabilidade, em acumulação de perdas evolutivas e no aumento da probabilidade de morte” (NERI, 2001, p.46). Em outras palavras, traduz-se em declínio físico, além da perda de papéis sociais (familiar e produtivo). Todavia, paralelo à evolução cronológica e ao declínio biológico, coexistem fenômenos de natureza biopsíquico, social e econômico, importantes para a configuração das diferentes formas de envelhecer. Assim, questiona-se: constituiria o envelhecimento humano um problema social, em função do declínio biológico e do crescimento demográfico dos indivíduos nesta faixa etária, independentemente do modo como a força de trabalho é expropriada e explorada na ordem do capital? Em caso de uma resposta negativa, como esta tese buscou comprovar, considerando que o envelhecimento constitui-se um problema social, principalmente, para as classes1 destituídas de propriedade (exceto de sua força de trabalho) e de controle do seu tempo de vida, em função das contradições e determinações da sociedade capitalista que engendram desigualdades, vulnerabilidade social em massa, degradações, desvalorizações e pseudovalorizações, para essa classe social, especialmente com o avanço da idade cronológica, com o desgaste da força de trabalho. Nessa perspectiva, para tematizar essa particularidade na constituição da “problemática social” do envelhecimento, tornou-se imperativo indagar: Quais os determinantes que tornam o envelhecimento do trabalhador uma problemática social na ordem e no tempo do capital? É possível uma valorização do ser social que envelhece, de uma vida rica de sentido, sob práticas temporais regidas e controladas pela lógica capitalista? Quais os mecanismos de controle social do tempo de vida dos trabalhadores 1 Conforme Marx (2002), as classes sociais são coletivos que se constituem fundamentalmente a partir das posições que ocupam nas relações de produção, que cada vez mais se restringe, em sociedades capitalistas, a duas grandes classes diretamente opostas entre si: burguesia e classe trabalhadora. Essa divisão entre classes fundamentais não elimina as diferenças, grupos e frações internas em cada classe, nem a existência de outras formas de classes sociais. Nessa perspectiva, trabalhar com o envelhecimento do trabalhador, implica incluir nesta classe a totalidade dos que vivem da venda da sua força de trabalho, incluindo desde os trabalhadores produtivos, ou seja, aqueles que produzem mais-valia e participam diretamente do processo de valorização do capital, detendo por isso um papel central no interior da classe trabalhadora, denominados por Marx de proletariado, mais também, os trabalhadores improdutivos, aqueles cuja forma de trabalho são utilizadas como serviços, seja para o uso público ou para o capitalista, entram no processo de realização da mais-valia, nos serviços, comércio, bancos e outras modalidades contemporâneas. Incorpora ainda o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, os temporários, terceirizados, precarizados em geral, e também os desempregados e todos aqueles que possuem apenas sua força de trabalho não utilizada pelo mercado formal, os expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho, conforme Antunes(1999), todos aqueles que compõem a classe-que-vive-do-trabalho. 14 que atingem seu tempo de envelhecer, sob a forma de proteção social? De que maneira as formas de proteção social aos idosos expressam as contradições, as relações de poder, os interesses e as lutas sociais na sociedade capitalista brasileira contemporânea? Que modelo de proteção social é legitimado pelas forças sociais, expresso no desenho e tendências da política social contemporânea para os idosos nessa sociedade? Assim, o presente trabalho teve como objeto de estudo e investigações tanto os determinantes que engendram a problemática social do envelhecimento do trabalhador na ordem e no tempo do capital, sob o controle das práticas temporais pelo capital, da expropriação do tempo de vida do trabalhador submetido às necessidades da acumulação e reprodução ampliada do capital, de controle social da força de trabalho, da sua organização, consciência e tempo livre, mesmo quando não lhe deve mais satisfação, quando envelhecida, aposentada, quanto as formas de respostas do Estado e sociedade brasileira, a partir dos anos de 1990, no contexto de reformas do Estado e das políticas sociais, como expressão da atenção às necessidades sociais que se tornam demandas (e de criação de novas necessidades), e, ao mesmo tempo, como espaços de controle social, de administração de conflitos, de tutelas, de segmentações, etc., e enfim, como parte constituinte de um padrão de enfrentamento das refrações da questão social, de um modelo de proteção social que se torna hegemônico na atual correlação de forças. A abordagem do tema parte dos pressupostos analíticos de que o envelhecimento do trabalhador é uma expressão da questão social, o que significou atribuir centralidade à problemática social do envelhecimento do trabalhador, e não sendo uma condição inexorável que atinge a todo o grupo etário, indistintamente e independente, do modo como a força de trabalho é expropriada e explorada das condições de produção e reprodução social, inclusive, do seu tempo de vida. A categoria tempo coloca-se como uma das categorias chaves na problematização do tema da pesquisa e na reconstituição das expressões da problemática social do envelhecimento do trabalhador, embora outras mais complexas e determinantes, como capital - sob a forma de trabalho morto - e trabalho abstrato sejam fundamentais para compreender as práticas temporais regidas pela lógica capitalista. A lógica segundo a qual “o tempo é tudo, o homem é nada: e quanto muito a carcaça do tempo” (MARX apud DEBORD, 2005, p.103), exacerba as experiências negativas com o tempo social para os trabalhadores, à medida que transformam seu tempo 15 de vida em tempo de trabalho para fins de valorização do capital, em detrimento das qualidades e necessidades humanas do produtor, principalmente para os que envelhecem na periferia do sistema, em que o tempo de trabalho se estende ao tempo de envelhecer, ou em tempo de consumo manipulado de bens, serviços e mercadorias para os detentores de melhores níveis de renda, sendo, em ambos os casos, objeto de controle e planejamento externo da vida dos trabalhadores, através de políticas sociais, programas e outras iniciativas ditas de proteção social. A categoria questão social aglutina essas determinações e se constitui no eixo articulador de todas as expressões dessa problemática social do envelhecimento do trabalhador, que demanda formas de respostas do Estado e sociedade. Essa perspectiva de análise implicou no desvendamento tanto das condições materiais (estruturais e de classe) sob a lógica do capital que engendram desigualdades sociais, pobreza, desemprego, populações excedentes, desvalorização social e outras manifestações da questão social, ou seja, a ditadura do trabalho morto sob a forma de capital (comercial, industrial, financeiro) e a regência do trabalho assalariado, aviltante e alienado como fonte de valor e de degradação social, quanto na reconstituição das lutas sociais como um dos elementos constituintes da questão social, da capacidade de resistência dos trabalhadores, de lutas que problematizam necessidades sociais ou a não satisfação dessas, por atingirem um coletivo e serem efeitos de estruturas geradoras de desigualdades sociais e de acesso restrito a bens e serviços produzidos socialmente. A perspectiva das lutas sociais implica a constituição de sujeitos políticos e mecanismos de reivindicações, mobilizações, de problematização de necessidades sociais, cujas respostas, através das políticas sociais, como mecanismo de administração dos conflitos e de manutenção da ordem, são partes constitutivas de um padrão legítimo de trato às refrações da questão social, de um modelo hegemônico de proteção social, que o estado da luta de classes e a correlação de forças vão constituindo. Assim, atribuiu-se centralidade à relação capital/trabalho e às lutas sociais na constituição da questão social na sociedade capitalista, e, portanto, de suas refrações, embora algumas delas apenas indiretamente são engendradas por essa relação. Como destaca Houtart (2001), porém, genericamente todas elas estão articuladas e são afetadas pela adoção de certos mecanismos econômicos, financeiros, políticos e sociais que atingem 16 sempre camadas mais diversas da população mundial, sendo, portanto, resultantes da exacerbação das conseqüências do capitalismo. O objetivo da pesquisa, ora apresentada, foi resgatar e analisar os determinantes da problemática do envelhecimento do trabalhador, na sociedade brasileira, e as propostas e iniciativas de segmentos da burguesia brasileira, através das “novas” formas de filantropia empresarial - expressão da proteção social que emerge da sociedade civil -, e do Estado, mediante análise da legislação social para o segmento, buscando identificar o desenho e as tendências de política social que se cristalizam e se instituem no modo de trato dessas refrações da questão social. Para tal fim, tomaram-se, como universo específico e empírico de análise e discussão os dados fornecidos pelas estatísticas nacionais, como os decorrentes de Pesquisas de Amostra por Domicílio (anos de 1997, 1998 e 1999), os do Censo Demográfico (2000), e outros já tabulados e organizados em tabelas pelo IPEA, visando configurar a problemática social do trabalhador idoso brasileiro e suas condições de vida. Em relação à política social, particularizou-se a Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso, porque essas legislações reafirmam as políticas de seguridade social (saúde, previdência e assistência social) e incluem outras necessidades sociais sujeitas à proteção social, como lazer, educação, cultura, cuidados institucionais, formas alternativas de convívio, participação e ocupação de idosos não-institucionalizados, dentre outras, são expressões das estratégias contemporâneas de enfrentamento das manifestações da questão social, através da setorialização da política social para grupos específicos. O procedimento metodológico principal constituiu-se de pesquisa documental, através de fontes primárias: regulamentos, leis, decretos, documentos oficiais produzidos pelo governo e pela filantropia empresarial, censo; e de fontes secundárias, como as publicações das instituições filantrópicas, artigos, livros, pesquisas e estudos sobre o tema. A relevância do tema é forte, considerando-se o crescimento da proporção de idosos, na população mundial, e da longevidade, inclusive, entre os trabalhadores e em países capitalistas periféricos. Ao mesmo tempo, exacerbam-se as condições estruturais geradoras de desigualdades sociais, postas pelas novas determinações do capital que reafirmam a predominância do trabalho assalariado na produção de riquezas, mas a expansão desse sistema reduz trabalho vivo, colocando a população excedente à margem da possibilidade de reprodução da vida que é imanente ao sistema, ou a submete a padrões 17 trivializados de reprodução social pela assistência social. Essas condições ampliam os critérios de seletividade e geram “ciclos de vida” da força de trabalho independentes da sua capacidade de uso2, associadas às estratégias de desmonte do sistema de proteção social público, principalmente dos direitos do trabalho, do direito ao descanso, ao tempo livre no envelhecer, de uma vida digna na velhice, embora cresçam as propostas de “socialização libertadora” e de qualidade de vida na velhice a serem garantidas pela sociedade e pelos indivíduos, mas que requerem uma análise crítica dessas tendências de respostas à problemática social do envelhecimento do trabalhador. A proliferação, no Brasil, nas últimas décadas, de iniciativas de organizações governamentais e não-governamentais, em programas para a “terceira idade”; criação de núcleos de estudos e pesquisas sobre o envelhecimento, em universidades públicas e privadas, além de propostas de projetos de extensão para idosos; o crescimento de movimentos em prol dos idosos, principalmente de ONGs, também executoras de programas; a legalização da política setorial nacional e outros instrumentos legais de direitos dos idosos reforçam a relevância da temática abordada. Porém, a relevância do tema em debate se faz mais evidente ao se tratar das lutas sociais, considerando-se a perspectiva das classes sociais pela conquista e manutenção da hegemonia, na contemporaneidade, seja em contexto mundial ou nacional. De um lado, os movimentos em prol dos idosos como espaços de problematização do envelhecimento em cena pública, de lutas pela reprodução social e de manifestação das classes subalternas, que não apenas estão dispersas, sem um ethos unificado capaz de gerar uma nova hegemonia, necessitando da solidariedade no interior da classe e de articulação das lutas a um projeto alternativo, de outro lado, as estratégias das classes dominantes na recomposição das bases da hegemonia, centralizando a crise no Estado e no modelo de solidariedade social por este administrado, e na necessidade de cooperação, da solidariedade entre classes, da participação voluntária como mecanismo de superação da crise e de enfrentamento das refrações da questão social, que desarticula e desmonta o padrão de resposta (estatal) dessas refrações, desenvolvido a partir das lutas de classes e de correlação de forças mais 2 Não pretendemos neste trabalho afirmar o direito ao trabalho abstrato, como mecanismo de acesso à renda e a condição digna de vida na velhice. Como destaca o Grupo Krisis (2005: p.19) “uma ampliação da esfera do trabalho, em lugar da sua crítica radical, não apenas encobre a realidade do imperialismo social da economia produtora de mercadorias, como se adapta da melhor maneira às estratégias autoritárias da administração da crise por parte do Estado”, isto porque, a emancipação humana só pode ter como conteúdo o fim do trabalho abstrato. 18 equilibradas entre capital e trabalho, que legitimaram políticas públicas de ampla cobertura e os direitos sociais. Em relação a essas estratégias, as iniciativas da filantropia empresarial e demais organizações da sociedade civil em programas para a “terceira idade” são funcionais e constantemente reatualizadas como espaços legítimos de proteção social. Apesar da proliferação de iniciativas e ações para idosos, dos vários setores da sociedade e do próprio governo, são incipientes os estudos críticos, capazes de analisar essas iniciativas dispersas, num todo coerente, articulado, inserido nas tendências mais gerais da política social na atual conjuntura; e capazes de expressar as contradições inerentes a essas propostas em função dos interesses contraditórios em jogo, para além das boas intenções de algumas dessas propostas. O caminho metodológico adotado neste estudo se destaca como um esforço que visou contribuir para suprir tais debilidades e, portanto, tem a ver com a opção teóricometodológica de abordagem da realidade, de origem marxista, que compreende a estrutura da realidade social como uma totalidade concreta, uma unidade na diversidade, um complexo constituído de complexos subordinados que a razão deve reconstituir mediante as mediações, desvendando os processos nos quais o objeto está inserido, reconstruindo seu movimento, suas relações reais e históricas, portanto, a lógica imanente ao objeto. Isso significa, pois, compreender a política e os programas sociais como fenômenos sociais inseridos em processos mais amplos que os determinam e explicam. Logo, tem-se a pesquisa dos processos, a relação entre processos, visando superar a imediaticidade do empírico. Todavia, Marx (no prefácio da segunda edição de o Capital, 1989) também faz uma distinção formal entre método de investigação e método de exposição: enquanto o primeiro tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão íntima que há entre elas, o segundo é a tentativa de descrever, adequadamente, o movimento real. Visando à exposição do movimento do real, o ponto de partida não poderia ser a própria política ou as iniciativas em programas sociais, posto que estas são respostas, mesmo que imediatas, a um problema social. Portanto, partiu-se da problemática social do envelhecimento dos trabalhadores e suas determinações fundamentais na ordem do capital, que, através das lutas e mecanismos organizativos e reivindicativos, pressionam por respostas do Estado e da sociedade. Essas respostas, mediante as políticas sociais, inserem- 19 se num quadro de interesses contraditórios, atendidos pelo Estado capitalista, ou repassados para a sociedade civil, para obter e manter a hegemonia das classes dominantes, portanto, o consenso em torno da dominação. Assim, no capítulo I, tematizou-se o envelhecimento do trabalhador como expressão da questão social, resgatando os determinantes econômicos, políticos, culturais, que engendram essa problemática social, na ordem e no tempo do capital, ou seja, sob práticas temporais regidas pelas necessidades de expansão e reprodução do capital. Examinaram-se e problematizaram-se ainda as formas de proteção social construídas nas sociedades capitalistas para responder a situação de vulnerabilidade social dos trabalhadores, em especial dos mais velhos, que vai da fase liberal, em que essa formas de proteção social eram de responsabilidade da sociedade civil, ao intervencionismo estatal e à atual fase, com o retorno do liberalismo (sob novas determinações e modos de operar). Em todas essas fases, há complementaridades entre proteção pública e privada, mudanças e continuidades com as formas anteriores de intervenção social, mas, na atual fase, reatualiza-se a proteção privada não como forma subsidiária, mas de modo coordenado e sistemático, seja a mercantil ou a não-mercantil, sob o discurso da ampliação da esfera pública, de uma nova institucionalidade do público não-estatal, responsável, assim, pelas novas simbioses entre “público” e “privado”, pelas novas interpenetrações entre essas esferas. A centralidade no envelhecimento do trabalhador advém do movimento real e não apenas de pressupostos teórico-metodológicos. É a classe trabalhadora a protagonista da tragédia no envelhecimento, considerando-se a impossibilidade de reprodução social e de uma vida cheia de sentido e valor na ordem do capital, principalmente, quando perde o “valor de uso” para o capital, em função da expropriação dos meios de produção e do tempo de vida. Portanto, não é para todas as classes que o envelhecimento promove efeitos imediatos de isolamento, exclusão das relações sociais, do espaço público, do mundo produtivo, político, artístico, dentre outras expressões fenomênicas dos processos produtores de desigualdades sociais. Dentre os pressupostos nos quais a pesquisa se baseou, destaca-se a compreensão do envelhecimento como um processo multidimensional, “ser velho compreende um processo dialético capaz de inter-relacionar a diversidade dos elementos que compõem a existência humana” (PAZ, 2001, p.35). Como destaca Beauvoir (1990), se a velhice, 20 enquanto destino biológico, é uma realidade que transcende a história, não é menos verdade que esse destino é vivido de maneira variável segundo as condições materiais de produção e reprodução social, que imprimem um estatuto social à velhice, ou estatutos diferenciados, conforme as classes, status e hierarquias sociais. Nessa perspectiva e considerando-se que o homem envelhece sob determinadas condições de vida, fruto do lugar que ocupa nas relações de produção e reprodução social, não se podem universalizar suas características no processo de construção das bases materiais da existência, porque os homens não vivem e não se reproduzem como iguais, antes, são distintos nas relações que estabelecem na produção da sua sociabilidade, principalmente na sociabilidade fundada pelo capital, nas quais as desigualdades, pobrezas, e exclusões sociais lhe são imanente e, reproduzidas e ampliadas no envelhecimento do trabalhador. É assim que esse se torna um problema social em decorrência dessas desigualdades sociais engendradas pela estrutura produtiva e social. Tal perspectiva levou a priorização da condição de classe como elemento central no detalhamento da “problemática social” do envelhecimento, sob a prevalência de um tipo de sociedade regida pelo trabalho abstrato que condena o trabalhador não apenas a uma antecipação do processo de depreciação natural de sua capacidade de labor, exclusões pelo critério de idade, desvalorização social, pobreza, mas também, antes de tudo, a uma depreciação social que atinge toda a classe trabalhadora alienada e submetida às forças cegas da produção, reduzida a “força material de produção”, um objeto, destituído de qualidades e necessidades, principalmente quando envelhecida, exacerbando as experiências negativas com o tempo, pela impossibilidade de controlá-lo, já que é expropriado pelos capitalistas. O envelhecimento como problema social é correlato das reviravoltas econômicas que afetaram as estruturas familiares (como espaço de sociabilidade primária e de produção) ao expandirem a organização capitalista do trabalho que pressupõe expropriação dos meios de produção e do tempo de vida dos trabalhadores, inviabilizando sua sobrevivência sem o trabalho abstrato. Essa problemática, como exposta por esta pesquisa, é tematizada pelas lutas operárias no início do século XX, principalmente nos países europeus, e graças às lutas de classes e às alterações na correlação de forças, favorável às negociações, pactos e acordos entre classes, deram origem a significativas políticas públicas nos “trintas anos gloriosos”. 21 Essas lutas foram responsáveis pela problematização do envelhecimento do trabalhador, rompendo com a dimensão privada com que foram tratados, pela família, filantropia, benemerência, caridade religiosa, dentre outras. Essas conquistas, porém, sofrem um revés, em função da ofensiva do capital na produção e no âmbito político-ideológico, com a desconstrução da dimensão pública das formas de enfrentamento. Categorias como questão social, trabalho abstrato e tempo compõem os determinantes universais dessa problemática na sociedade capitalista que deram origem a diferentes formas de respostas ou modelos de proteção social, conforme o tipo de relação construída entre Estado e sociedade, a força das organizações da classe trabalhadora, as tradições de luta e os canais de negociações. No capítulo II, a preocupação com as particularidades na configuração da problemática social do envelhecimento do trabalhador, das lutas sociais e das formas de relação entre Estado e sociedade no capitalismo periférico brasileiro, tanto está relacionada à questão do método em que se busca resgatar as relações entre singularidade, particularidade e totalidade, quanto à questão de reprodução do movimento do real, por suas expressões concretas e particulares. Esse mecanismo metodológico evita generalizações a-históricas que desconsideram os processos históricos singulares, embora, ao mesmo tempo, os relacione e insiram como parte de um todo, mediado por particularidades, que fornecem traços comuns, mas que também permitem ressaltar o que lhe é específico, típico do modo de constituição dessas formações econômico-sociais. Assim, trabalhou-se com o pressuposto de que a forma particular como se dá a transição para o capitalismo no Brasil, não apenas em fase tardia, mas em condições de dependência e subordinação na hierarquia da divisão internacional do trabalho, associado aos mecanismos internos de dominação de classe e de superexploração do trabalho, de subsunção do trabalho ao capital, que articulado às modernas formas e processos de trabalho, engendraram uma ordem social de alta concentração de renda e desigualdades sociais, com mecanismos de ultra-seletividade, rotatividade e de uso intensivo e extensivo do trabalho humano, com amplos excedentes de força de trabalho, sem capacidade de inserção no mercado formal de trabalho que para sobreviver submetendo-se ao submundo da informalidade, em relações precárias de trabalho e sem proteção social, e imprimindo particularidades na condição social dos idosos das classes subalternas. 22 A essas particularidades está associada à generalidade da condição da força de trabalho no capitalismo, como sua objetivação em “força material de produção”, desvalorizada quando perde o “valor de uso” para o capital; do valor econômico do indivíduo na definição de utilidade que não considera as qualidades humanas na vida e no trabalho, mas apenas a quantidade, definida pelo tempo da produção, o tempo de trabalho, ou quando os considera é para atualizar formas de subsunção do trabalho ao capital, de captura de sua subjetividade no processo de trabalho, ou de suas necessidades ricas, no seu “tempo livre”, como forma de reprodução do capital pelo incentivo ao consumo e de controle opressivo do tempo de vida do trabalhador. A forma como o Estado, capturado pelas classes dominantes, é subserviente às necessidades da acumulação do capital, nacional, associado ao capital internacional, e como se estrutura a classe trabalhadora, bem como os canais de institucionalização de suas demandas e reivindicações no aparelho de Estado, constitui também particularidades nas relações Estado/sociedade e no modo como se estruturou o sistema de proteção social, como se expande e se reestrutura nas últimas décadas, com relação direta com os projetos societários das classes, com a correlação de forças internas e com as transformações no sistema capitalista mundial, impostas a esses países através dos ajustes estruturais à nova ordem. Nos países desenvolvidos, a situação de pobreza no envelhecimento do trabalhador foi amenizada ou relativizada, em função da socialização da reprodução da força de trabalho – incluindo, nesse sistema de proteção e no salariato, setores médios e pequenos burgueses – através das políticas públicas. Entretanto, tal situação se deu tendo como base material à expansão do capital na fase monopolista, através de práticas imperialistas de dominação externa, do índice diferencial3 de exploração do trabalho entre centro e periferia, os mecanismos de evasão de riquezas desses últimos, que financiaram essas “concessões”, inclusive, o direito à aposentadoria, à renda quando os trabalhadores não 3 A exemplo do índice diferencial de exploração, Mészáros (1996, p.464) cita as diferenças no valor da força de trabalho, assim em 1971, enquanto o valor da hora de trabalho especializado nos Estados Unidos era quase US$ 7,50, o valor da hora de trabalho equivalente nas Filipinas era apenas US$ 0,30. Logo, os privilégios relativos das classes metropolitanas dependiam, em grande medida, dessa superexploração e que é graças à eficácia deste instrumento de exploração, que os trabalhadores têm sido colocados uns contra os outros dentro de cada país, separando-os uns dos outros através de poderosos incentivos materiais discriminatórios que reforçam ao mesmo tempo o controle do capital sobre eles. Vale ressaltar que esses mecanismos se atualizam com as novas técnicas de gestão do trabalho, com novas divisões objetivas e subjetivas da classe trabalhadora até mesmo nos países desenvolvidos. Obstáculo material à solidariedade internacional no interior da classe trabalhadora. 23 estão mais no sistema produtivo. O acesso à renda permitiu que esse segmento social de aposentados e pensionistas emergisse como objeto de consumo diferenciado das novas relações de produção. Tudo isso deu origem a pseudovalorizações da pessoa idosa, que ascende à condição de consumidor manipulado de mercadorias, bens e serviços, posto que o fim da produção é a valorização do capital e não a satisfações de necessidades humanosocietais. Com essa pseudovalorização emerge um conjunto de comportamentos, valores, e visões de mundo diferenciadas - em oposição às tradicionais visões do envelhecimento -, que supervaloriza esta etapa da vida como “tempo livre”, de lazer e realização pessoal, eclodindo iniciativas em todo o mundo, voltadas a atender e legitimar essas novas demandas. Isso se dá por meio de iniciativa privada, mas também de iniciativas dos próprios sujeitos através de associações, clubes, centros de convivência, centros sociais etc, ou de outras organizações da sociedade civil, configurando um modelo de política social para idosos não-institucionalizados, difundindo-se em vários países, inclusive, nos países em desenvolvimento, independentemente das condições que particularizam a situação da maioria dos idosos nesses países. Nesses países periféricos, essas imagens da velhice bem-sucedida, saudável e ativa difundida por esses programas e políticas, camuflam o envelhecimento do trabalhador e a sua velhice doentia, dependente, pobre e desprotegida, negando a “problemática social” do envelhecimento, tratando como de responsabilidade dos indivíduos, um problema que é social por meio da difusão de uma cultura autopreservacionista que pretensamente seria capaz de evitar os efeitos do envelhecimento. Como um dos vetores da cultura privacionista no trato das refrações da questão social, essas modalidades de trabalho social com idosos são tomadas como uma inovação nos cuidados institucionais a idosos não-institucionalizados, bem como as iniciativas da sociedade civil, enquanto espaço de proteção social (financiada ou não pelo Estado), mas a rigor, que são corolário das tendências mais amplas de “privatização” de serviços sociais, seja na sua dimensão mercantil, seja na filantropização daqueles serviços aos mais pobres, seja no individualismo dos modelos de intervenção social. A hipótese de trabalho, acerca das formas de respostas contemporâneas à problemática social do envelhecimento do trabalhador, é de que essas não apenas mascaram a centralidade do envelhecimento do trabalhador na constituição dessa 24 problemática social, mas também ao mesmo tempo, reforçam a cultura privacionista nesse enfrentamento, através das novas simbioses que promovem entre o “público” e o “privado”. Dois vetores básicos foram privilegiados como expressão do reforço dessa cultura privacionista: um deles é a assunção das responsabilidades sociais com as mazelas sociais para a sociedade civil, como parte do metier de fazer política social na contemporaneidade; o outro é o reforço da responsabilidade individual, de cada um pelo seu bem-estar, através da reatualização das terapias de integração, socialização, re-inserção que têm por alvo o indivíduo, transmutando problemas sociais em problema individual (velha estratégia constantemente reatualizada). Essas “novas” simbioses entre o “público” e o “privado” se expressam nas retóricas de ampliação da esfera pública para a sociedade civil, para o privado, através da participação ativa de suas organizações, que mascara a cultura privacionista. No capítulo III, desenvolveu-se mais diretamente a análise dos dados extraídos das iniciativas (pioneiras) no trabalho social com idosos da filantropia empresarial, iniciativas que emergem da sociedade civil e penetram no aparelho de Estado, através da adoção e estímulo dessas modalidades de serviços sociais como parte do modo de fazer política social na contemporaneidade. O foco das análises foram as novas simbioses entre o “público” e o “privado”, tanto na transmutação de problemas sociais em problema individual, quanto na participação da sociedade civil no processo que vai das decisões, planejamento, fiscalização à execução da política social, como espaço de proteção social, de responsabilidade direta, solidária, voluntária, no trato das refrações da questão social. Nessa perspectiva, analisou-se o desenho e as tendências da política social para idosos, num todo coerente e compreensível que aglutina as iniciativas privadas e públicas de proteção social aos idosos, aparentemente dispersas, posto que, como se demonstra no corpo da tese, compõem um modo de fazer política social que se torna hegemônico na década de 1990, um modelo liberal de proteção social. A análise e a recomposição desse desenho de política social implicou a necessidade de análise dos programas sociais para idosos da filantropia empresarial e da legislação social que institui a Política Nacional do idoso e o Estatuto do Idoso. A análise dos programas sociais para a “terceira idade”, de origem filantrópica – pioneiros no trabalho social com idosos não-institucionalizados -, deve-se ao fato de esses 25 programas se constituírem, ao mesmo tempo, parte do desenho institucional da política, principalmente da sua implementação, e também por serem anteriores a essa política e, em função da sua difusão para instituições públicas e privadas, influenciando o desenho da política, não apenas na prioridade das ações alternativas de convívio, participação e ocupação dos idosos não-institucionalizados, mas porque instituem uma modalidade de prestação de serviços sociais baseados no mix público/privado que legitima as ações privadas no trato das refrações da questão social. Não é por acaso que essas iniciativas emergem da filantropia empresarial que institui seus próprios mecanismos de respostas às mazelas sociais, e desconstroem direitos (empecilhos à expansão do capital, em sua nova fase de mundialização), remetendo-os para o âmbito da ajuda solidária e voluntária da sociedade civil. Esses programas e as terapias de ajustamento, que aqueles difundem, são funcionais à lógica que autoresponsabiliza os sujeitos pelo seu bem-estar físico e mental, por suas condições e qualidade de vida. Ao mesmo tempo em que promovem uma reafirmação da cultura privacionista no trato dessas refrações da questão social, são também mecanismos de controle opressivo do capital sobre o tempo de vida dos indivíduos, cujo planejamento continua externo, alienado e definido pelas necessidades reprodutivas do capital, induzindo de fora os comportamentos, atitudes e sentimentos considerados legítimos para essa faixa etária. A ação pública (estatal), mediante análise da legislação social e da política setorial, expressa a manutenção das funções reguladoras do Estado, principalmente as normatizadoras, mas não a de administrador e gestor prioritário da proteção social, dividindo responsabilidades sociais com o trato das refrações da questão social, legitimando o mix público/privado na prestação de serviços sociais, mascarando-os como públicos e como efetivadores de direitos, e estabelecendo outras formas de participação social da sociedade civil, sob a retórica da parceria, do cooperativismo, da solidariedade indiferenciada e entre sujeitos antagônicos. Nessa perspectiva, conclui-se que as tendências de descentralização e participação popular que compõem o desenho da política social para idosos são contraditórias, expressam mecanismos de democratização e, ao mesmo tempo, de transferências de responsabilidades, compondo um novo modo de trato da questão social. 26 2 ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL E AS HISTÓRICAS FORMAS DE RESPOSTAS DA SOCIEDADE E ESTADO. As questões relacionadas à população idosa tornaram-se relevantes nas discussões em âmbito mundial. Atualmente, a população mundial é de aproximadamente seis bilhões de pessoas, das quais cerca de 580 milhões (9,8%) têm mais de sessenta anos. Até o ano de 2025, segundo as estimativas, perto de 14% da população será considerada velha, e a proporção de pessoas muito idosas (75 anos ou mais) representará um grupo em crescimento. Os demógrafos, gerontólogos e outros cientistas que estudam o envelhecimento humano usam esses dados demográficos e suas estimativas, para demonstrar a problemática do envelhecimento, tomado pelo critério cronológico e como grupo específico, e a “ameaça” que representa, considerando-se o crescimento das suas demandas sociais e econômicas em todo o mundo, uma “ameaça” ao sistema previdenciário, de saúde e de assistência social. Na difusão dessa problemática, destaca-se a Organização das Nações Unidas, que, em 1982, declarou o “Ano Internacional do Idoso” e realizou, em Viena, a Assembléia Mundial sobre a Velhice, sua mensagem é encarar o envelhecimento como um problema global que, conforme Cohen (1998, p.69), “constituiu-se numa extensão do arquétipo da Conferência Gerontológica Americana dos anos 50, com as mesmas duas funções: (1) nomear a velhice como um problema e (2) doutrinar os ignorantes para estabelecer a uniformidade de solução”, e principalmente, numa solução que envolve família, sociedade civil e Estado. Para a autora, a gerontologia internacional vem desenvolvendo esforços para universalizar uma epistemologia cultural específica por meio da comunicação unidirecional, na qual esses eventos internacionais constituem expressões dessa tendência, influenciando o modo de interpretar a “problemática social” do envelhecimento, bem como as políticas sociais a esta dirigida. 27 Essa difusão, apesar de sua importância na problematização do envelhecimento ou 4 velhice na agenda social, é questionável à medida que não apenas apaga as diferenças de classes no modo de envelhecer, mas também o saber local e os processos históricos particulares. Nessa perspectiva, como destaca Haddad, a “problemática social”5 da velhice é: [...] formulada desconsiderando os fundamentos materiais da sua existência, vista como uma ameaça que paira sobre todos os homens, independentemente do lugar que ocupam no processo produtivo, camuflando o fato de que é a classe trabalhadora, formada pelos homensmercadoria, que aciona o processo produtivo, a protagonista, historicamente constituída, da tragédia do fim da vida (1986, p.42). Portanto, o traço comum dessa difusão internacionalista das preocupações sociais com o envelhecimento é abordá-lo em sua universalidade abstrata, desconsiderando-se as condições materiais de existência na sociedade do capital; o fato de que há idosos em diferentes camadas, segmentos e classes sociais, que os mesmos vivem o envelhecimento de forma diferente e, principalmente, de que é para os trabalhadores envelhecidos, que essa etapa da vida evidencia a reprodução e ampliação das desigualdades sociais, constituindo o envelhecimento do trabalhador uma das expressões da questão social na sociedade capitalista, constantemente, reproduzida e ampliada, dado o processo de produção para valorização do capital, em detrimento da produção para satisfazer as necessidades humanas dos que vivem ou viveram da venda da sua força de trabalho. O traço diferencial desta tese é tomar a “problemática social” do envelhecimento ou as tentativas de negá-la, como uma expressão das condições materiais de vida, engendradas pelas relações de produção e reprodução social sob a lógica do capital, em diferentes estágios ou modelos de produção e regulação social, portanto, resultante da forma 4 Este trabalho utiliza as noções de envelhecimento e velhice como sinônimos. Isso porque, embora a noção de velhice abranja por definição os aspectos sociais, comportamentais e biológicos no processo de envelhecimento, definida conforme Néri (2001, p.46) “como a última fase do ciclo vital (...) delimitada por eventos de natureza múltipla, incluindo, restrições em papéis sociais e especialização cognitiva”, o envelhecimento também é um processo biopsicossocial, em que o ritmo, duração e efeitos do envelhecimento fisiológico reportam diferenças conforme fatores sócio-econômicos, psicológico, genético-biológico, dentre outras diferenças. Sendo o critério de classe, aquele capaz de diferenciar o envelhecimento, e ao mesmo tempo, homogeneizar para a classe ou para frações dessa classe os problemas que enfrentam. 5 A expressão “problemática social” da velhice ou do envelhecimento é utilizada sob aspas, pois não se considera que o envelhecimento ou velhice pelas restrições físicas, nos papéis sociais, comportamental, dentre outras, seja um problema social para todos os idosos de uma população. Constitui um problema social para uma determinada classe destituída de propriedade, exceto da sua força de trabalho, considerando-se a vulnerabilidade em massa dessa classe, principalmente, quando envelhece e perde o valor de uso para o capital. 28 produtiva da sociedade. Assim, tanto as formas de desvalorização social dos trabalhadores envelhecidos, quanto a pseudovaloriação de uma parcela desses, decorrem dessa lógica expansionista do capital. Nessa perspectiva, as propostas e iniciativas de proteção social que visam a ocupação do “tempo livre” dos idosos, com atividades de lazer, educação, cultura, como medidas de valorização social, de participação social, de inserção social são resultantes de um duplo e contraditório movimento: de um lado, as lutas sociais em torno do envelhecimento e suas reivindicações por demandas para além das necessidades de sobrevivência, por direitos sociais, por participação na gestão das políticas, dentre outras; de outro lado, o movimento do capital (e sua lógica expansionista), que absorve essas demandas, recria-as e transforma-as em espaços de reprodução social em escala ampliada, reconhece-as como legítimas, mas as remete para o domínio privado, da família, do mercado, das organizações sociais, de uma forma geral, para a sociedade civil, onde a livre iniciativa pode ditar as regras de inserção e de exclusão. Tal perspectiva, desnuda as contradições das formas de proteção social, constituindo-se de mecanismos de respostas às necessidades sociais, e de criação de novas necessidades, mas também de controle social, de tutelas, fragmentações entre beneficiários, dentre outras. A perspectiva de análise utilizada nesta pesquisa, portanto, constitui uma ruptura com as perspectivas teóricas dos “experts” do envelhecimento, para as quais esse é homogeneamente compreendido, independente da forma como a sociedade capitalista explora a força de trabalho, de como expropria o tempo de vida do trabalhador, submetendo-o ao tempo linear, invariável e abstrato, ao tempo das coisas, tempomercadoria, tempo da desvalorização do homem e da valorização do capital, em que a degradação do trabalho vivo condena-o não apenas a uma antecipação do processo de depreciação natural de sua capacidade de labor, mas, segundo Haddad (1986), a uma depreciação social que afeta o conjunto da classe trabalhadora, em especial, os que já não têm mais valor-de-uso para o capital, os supérfluos para o capital, que só ganham visibilidade como consumidores manipulados de mercadorias e serviços regidos pela lógica do capital. Uma outra ruptura está relacionada ao modo de compreender o processo de eclosão de um problema social, não por suas expressões estatísticas, mas como resultante de lutas 29 sociais, aquilo que se denomina nesta tese de sua força motriz, ou seja, as lutas sociais, capazes de romper com o domínio privado das manifestações da questão social. Nessa perspectiva, o envelhecimento como “problema social” não é o resultado mecânico do crescimento do número de pessoas idosas, como tende a sugerir a noção ambígua de “envelhecimento demográfico”, nem representa uma ameaça à ordem política pelas estatísticas crescentes, mas sim pelas pressões sociais das lutas que congregam e adensam reivindicações, trazendo à cena pública a problemática - ou como esta é interpretada e legitimada pelos sujeitos políticos -, transformando-a em demanda política, introduzindo-a no campo das disputas políticas e das prioridades de políticas públicas. Mas, como ressalta Pereira (2002), o surgimento de uma questão a partir de necessidades problematizadas, nem sempre engendra respostas públicas voltadas para o seu substantivo equacionamento, isto porque, as respostas através das políticas públicas ou a ausência dessas expressam também interesses políticos de classe, defesa de projetos de sociedade antagônicos, e interesses contraditórios atendidos pelo Estado. É, portanto, desse jogo político de interesses que se compõe o desenho das políticas públicas. As formas de respostas do Estado capitalista são múltiplas. Esse pode antecipar-se a estas lutas, nesse caso, a formulação pública de um problema social pode surgir do próprio campo político, que encontra, nas expressões numéricas dos problemas, ou nas estimativas futuras, uma causa de interesse geral a ser defendida. Alguns respondem de modo a fragmentar os trabalhadores, a quebrar a solidariedade de classe, em outros quanto mais forte a organização da classe operária, maior são as proteções e os grupos cobertos. Todavia, essas formas de respostas são sempre resultantes da luta de classe, e não correspondem às intenções, ou a projetos específicos de cada classe. Elas implicam sempre na possibilidade de negociação numa arena incontestável de conflito de interesses, que são as políticas públicas, mas sem que o status quo seja abalado. Em síntese, abordar o envelhecimento do trabalhador como expressão da questão social remete, de um lado, a reconstrução dos processos materiais de existência sob a lógica do capital, que constituem seus determinantes fundamentais, portanto, da formação e afirmação da sociedade do trabalho abstrato e os imperativos estruturais de valorização do capital em detrimento das necessidades humano-societais, responsáveis pela reprodução ampliada das desigualdades sociais, de outro lado, as lutas sociais de resistência, que são o fundamento principal do rompimento dessa problemática do âmbito privado – a que foi 30 submetida durante um longo período no capitalismo concorrencial-liberal – e ascensão ao domínio público, como prioridade de políticas públicas, logo, da reprodução social sob responsabilidade dos fundos públicos. Assim, é do estado das lutas de classes, das organizações sociais de lutas e das necessidades auto-expansivas do capital, isto é, da correlação de forças, que se explicam as tentativas conservadoras de retorno das respostas às refrações da questão social ao domínio privado. Deve-se ressaltar, conforme Di Giovanni (1998), que, embora predominem nas sociedades capitalistas ocidentais contemporâneas, os sistemas públicos de proteção social assentados sobre critérios políticos de alocação de recursos, esses sempre conviveram com outros sistemas de presença mais ou menos marcantes, mantendo também níveis diversos de interação com os sistemas mercantis ou não-mercantis, que compõem o setor privado, que atuam nas fronteiras dos sistemas oficiais, de modo subsidiário e complementar, ou ainda de modo coordenado, com diferentes gruas de interação e compatibilidade com as funções estatais de proteção social. Nesses termos, a idéia de retorno da reprodução social ao domínio privado deve ser lida como um reforço da cultura privacionista - sempre presente na ordem do capital - no enfrentamento da questão social, mas que assume novas matizes, determinações e modos de operar, e se expressa nos processos de mercantilização de serviços antes públicos; na filantropização de outros para os quais os demandantes não podem pagar no mercado; na reatualização das terapias de integração social, modos de ação social que transmutam problemas sociais em responsabilidade social. Logo, através de simbioses entre o “público” e o “privado”, auto-implicação entre as esferas, de modo a reduzir e desqualificar o primeiro, enquanto espaço por excelência da proteção social, e ampliar os espaços do segundo, não apenas como espaço da eficiência, mas também da solidariedade. 2.1 Questão social como categoria histórica: condições estruturais e as lutas sociais como elementos constitutivos. Como destaca Netto (2001), a expressão questão social não é semanticamente unívoca. Ao contrário, registram-se em torno dela compreensões diferenciadas e atribuições de sentido muito diversas, tanto se considerarmos as orientações teóricas divergentes, quanto no interior de uma mesma corrente teórica, o que nos impele a explicitar o sentido utilizado e sua filiação teórico-metodológica. 31 Não pretendemos apresentar um estudo exaustivo, nesta seção, acerca da questão social, mas situar o debate travado no interior da tradição marxista, e expor os seus elementos determinantes, isto é, os processos sociais estruturais que estão na sua gênese, particularmente, na sociedade capitalista, bem como o que tomamos por sua força motriz, as lutas sociais, fundamentos dos argumentos de que o envelhecimento do trabalhador é uma das expressões da questão social. O ponto de partida é a ruptura ou discordância em relação à perspectiva sociológica6 positivista e suas derivações, em que a questão social é vista como “disfunção”, estado de “anomia” ou “ameaça” à ordem e a coesão social7, geralmente, pela magnitude do problema e sua capacidade de “questionar” o conjunto da sociedade, mesmo que a problemática se restrinja àqueles que, para esta interpretação, estão à margem do sistema, na medida em que ameaçam uma suposta “integração social”8 e a capacidade da sociedade funcionar como um todo interdependente. A perspectiva teórico-analítica adotada neste estudo, em contraposição a perspectiva descrita acima, como já ressaltada anteriormente, toma as lutas sociais como a força motriz da questão social, como um dos seus elementos constituintes, o que remete a 6 Dessa perspectiva derivam as noções de sociedade como um todo cujas partes são interdependentes, plenamente integradas e harmônicas. Nesses termos, é que se compreende a questão social como um risco de ruptura da coesão social, como um estado de desagregação de uma ordem anterior, que gera desfiliação, vulnerabilidade ou exclusão social. Todavia, a sociedade capitalista é uma totalidade contraditória e dialética, uma sociedade estruturalmente desigual, por isso gera sempre os desfiliados, os desintegrados, os supérfluos para o capital, em menor ou maior proporção, constituindo-se suas novas manifestações não uma “nova questão social”, mas a agudização das relações de exploração, sob o jugo do capitalismo. 7 Para Castel (1999, p.30), “a questão social é uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. È um desafio que interroga, põe em questão a capacidade de uma sociedade (o que, em termos políticos, se chama uma nação) para existir como um conjunto ligado por relações de interdependência”, que tem representado os debates em torno de uma “nova questão social”, na qual a destruição de liames coesivos na sociedade apresenta-se como um dos núcleos mais decisivos da exclusão ou desfiliação, influenciando debates atuais não apenas na França, mas em diversas partes do mundo, onde o “paradigma da exclusão passou a dominar aquele da luta de classes e das desigualdades” (SCHNAPPER, 1996 apud DEMO, 2002, p.19). 8 Sem dúvida, no centro, o sistema capitalista conseguira, apesar de suas propensões anti-sociais notórias, como destaca Demo (2002), contribuir para a “integração social”, oferecendo emprego e condição de assalariado para parte expressiva da população ativa e proteções sociais universalistas. Todavia, não anulou a luta de classes e o sistema de exploração; como ressalta Lojkine (2000), o modelo fordista, base da análise desse processo, reduziu as grandes conquistas sociais, dos anos 30-50, a uma ‘integração’ (bem-sucedida) do assalariamento no capitalismo. E apagou o caráter sempre conflitual da luta de classes, mesmo quando ela se exprime através de relações “pacificadas” pela negociação coletiva e pela criação de instituições sociais, além de analisarem o Estado numa única forma: o “Estado Social”, em detrimento da consideração do “Estado econômico”, “Estado político”, ou seja, desconsiderando os vínculos orgânicos entre políticas sociais e econômicas, financeira e de um modo geral entre Estado e capital. 32 tese de que a questão social, enquanto fenômeno concreto9, não é exclusivo da sociedade capitalista. Nesses termos, concorda-se com as análises de Lopes (2000, p.3), de que a “‘questão social’ existe em todas as formas de sociedade, sintetizando-se na luta social de classe para satisfação de necessidades humanas as quais, na sociedade capitalista, ‘se distribuem sempre em função da divisão do trabalho’ (HELLER, 1978); e se expressam de acordo com o contexto das históricas desigualdades sociais”; sob o argumento de que a questão social tem sido produzida pelas relações sociais entre os homens ao longo da história da humanidade desde quando há possuidores e possuídos e os fundamentos marxistas de que a história de toda a sociedade até hoje é a história da luta de classes. Como destaca Marx e Engels (2002, p. 45-46): [...] a história de toda a sociedade até hoje [isto é, toda a história escrita] é a história de lutas de classes. Ao longo da história, essa luta se dá entre: homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre [isto é, membro de uma corporação com todos os direitos, mestre da mesma e não seu dirigente] e companheiros, em uma palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos outros, envoltos numa luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta que terminou sempre com uma transformação (umgestaltung) revolucionária de toda a sociedade, ou com o declínio comum das classes em luta. Todavia, essa opção de análise, não limita a pensar a questão social, apenas do ponto de vista do poder, dos seus desdobramentos sócio-políticos, da constituição de sujeitos políticos, capazes de problematizar suas necessidades humanas, ou seja, com capacidade, pela situação e posição estratégica e pelos mecanismos de mobilização, de resistência e de reivindicação, de transformarem suas necessidades, ou a privação na satisfação dessas, em questões perturbadoras da ordem estabelecida. Na verdade, os processos materiais que estão na gênese da questão social, como fenômeno concreto, são decorrentes da histórica situação do trabalho humano nas sociedades divididas em classes, em opressores e oprimidos, e como destaca Mészáros 9 Todavia, a expressão questão social foi apenas explicitamente nomeada como tal, pela primeira vez, segundo Castel (1999), nos anos de 1830, para dar conta do fenômeno do pauperismo, impacto da onda industrializante na Europa, em especial, na Inglaterra. A pauperização massiva da população trabalhadora constitui o aspecto mais imediato da instauração do capitalismo em seu estágio industrial-concorrencial. Mas, somente com as análises de Marx, “a razão teórica acedeu à compreensão do complexo de causalidade da ‘questão social’” (NETTO, 2001, p.45). Ainda segundo este autor, a partir da segunda metade do século XIX, a expressão “questão social” desliza para o vocabulário próprio do pensamento conservador, tanto no pensamento conservador laico quanto confessional, que naturalizaram a “questão social”, desconectando esta das condições de produção e reprodução social da sociedade capitalista, e propõem reforma de caráter moral do homem e da sociedade, influenciando as formas de respostas à “questão social” da sociedade civil da época. 33 (2002, p.708), “dominação da força de trabalho, de um modo ou de outro, é o que todas as formas de produção compartilham com a produção do capital, com exceção do sistema comunista primitivo fundado na propriedade comunal...”, apesar da exponenciação dessa exploração na sociedade capitalista e da subsunção do trabalho ao capital. Assim, a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais, engendradas pelas sociedades de classes, pela divisão do trabalho, propriedade privada. Fenômeno esse plenamente dado, inclusive a conhecer, na sociedade capitalista, que se “manifesta em disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais” (IANNI, 1992, p.87). Entretanto, o que é radicalmente novo na sociedade capitalista, de acordo com Netto (2001, p.43), é a dinâmica da pobreza10. Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. Tanto mais a sociedade se revela capaz de progressivamente produzir mais bens e serviços, tanto mais aumentava o contingente de seus membros que, além de não ter acesso efetivo a tais bens e serviços, viam-se despossuídos das condições materiais de vida. Isso porque, instaura-se um processo, sem precedentes, que socializa a produção de riquezas, - à custa da expropriação dos meios de produção, da separação do caracol da concha – e individualiza sua apropriação e acumulação, engendrando profundas desigualdades sociais (IAMAMOTO, 2000). Na sociedade capitalista, a questão social é indissociável do trabalho “livre”, do sistema de exploração capitalista, da expropriação não apenas dos meios de produção, mas também do tempo de vida do trabalhador, de suas necessidades submetidas e subordinadas às necessidades de valorização, de auto-expansão do capital11. São esses mecanismos estruturais que geram pobreza, miséria e as diversas formas de desigualdades sociais e promovem segmentações, fragmentações subjetivas e objetivas, as divisões no interior da classe trabalhadora engendrando os “integrados”, mesmo que 10 Netto (2001, p.46) destaca que nas sociedades anteriores à ordem burguesa, as desigualdades, as privações decorriam de uma escassez que o baixo nível das forças produtivas não podiam suprimir; na ordem burguesa constituída, decorrem de uma escassez produzida socialmente, que resulta da contradição entre forças produtivas (crescentemente socializadas) e as relações de produção (que garantem a apropriação privada do excedente e a decisão privada da sua destinação). 11 Para Mészáros, uma das características marcantes desde o início do capitalismo è a “completa subordinação das necessidades humanas à reprodução de valor de troca – no interesse da auto-realização ampliada do capital” (2002, p.606), [...] o que agora conta como ‘necessidade’ não é a necessidade humana dos produtores, mas os imperativos estruturais da própria valorização e reprodução do capital (Idem). 34 submetidos ao despotismo do capital; o exército industrial de reserva como denominado na época da Revolução Industrial; e a formação do exército de supérfluos para o capital, cada vez mais atual, atingindo não apenas os inaptos para o trabalho, mas também os aptos ao trabalho, embora desempregados pelo fechamento de postos de trabalho e pela redução cada vez maior do trabalho vivo na produção e nos serviços, cuja situação é decorrente das condições materiais de existência, das mesmas condições que geram riqueza. Portanto, a questão social está relacionada ao exercício empobrecido, alienado e desumanizado das funções do trabalho vivo sob o controle do capital, em diferentes estágios do modo de produção capitalista; logo, à situação daqueles que vivem da venda da sua força de trabalho, como única condição de satisfazer suas necessidades, nem sempre absorvidos no mercado de trabalho, ou absorvidos em situação precária, ou deles “excluídos”, marginalizados, segregados, estigmatizados e sujeitos a estereótipos negativos, pela sua condição social. Essa realidade estrutural está ligada às contradições do modo de produção capitalista, da formação da superpopulação relativa que cresce na mesma proporção do crescimento do capital. Essa é uma forma própria do funcionamento da sociedade capitalista, gerar população excedente, considerando a tendência constante de diminuição do trabalho vivo empregado em relação ao aumento dos meios de produção. Assim, destaca Marx (1984, p.194): “essa mudança na composição técnica do capital, o crescimento da massa dos meios de produção, comparado à massa da força de trabalho que os vivifica, reflete-se em sua composição em valor, no acréscimo do componente constante do valor do capital à custa de seu componente variável”. Na sociedade capitalista, o processo de acumulação do capital que visa ao aumento da produtividade e do lucro, não pode eliminar o trabalho vivo que produz mais-valia, fonte do valor. Todavia, reduz proporcionalmente o emprego da força viva de trabalho ante o emprego de meios de produção mais eficientes, principalmente, com os avanços técnicocientíficos no processo de produção, que impulsionam o aumento da produtividade do trabalho social, além de possibilitarem a redução do tempo socialmente necessário para a produção. Em síntese, esse processo reduz relativamente o capital variável – empregado na força de trabalho – e aumenta o capital constante – empregado nos meios materiais de produção -, levando a uma redução da força de trabalho empregada. Nessas condições, conforme Marx (1984), produz-se uma população relativamente supérflua e subsidiária às 35 necessidades médias de seu aproveitamento pelo capital; gera-se, assim, uma acumulação da miséria relativa à acumulação do capital, “encontrando-se aí a raiz da produção/reprodução da questão social na sociedade capitalista” (IAMAMOTO, 2001, p.14). Como explicitado anteriormente, tomar a questão social como categoria histórica não significa desconsiderar suas particularidades na sociedade capitalista, nem associá-la a desdobramentos de problemas sociais, anterior à ordem burguesa, dos traços peculiares dessa na relação capital/trabalho, da exploração capitalista do trabalho humano. Mas, ressaltar que, as situações de pobreza, em formações sociais anteriores, também estão articuladas a determinantes estruturais, a expropriação do produto do trabalho e, em alguns casos, até da própria pessoa, bem como a existência de protesto e revolta com essa situação. Contudo, o modo particular como a questão social se produz, se reproduz e se expressa na sociedade capitalista está articulada ao modo específico de organização econômica, social e política dessa formação social. Além disso, as manifestações da questão social também se alteram, bem como as formas de lutas e protestos, em decorrência das mudanças no sistema produtivo, nos mecanismos de exploração, nos modelos de produção e de regulação social no interior do modo de produção capitalista, em respostas às suas crises cíclicas. Mas, conforme Ianni (1999), em todas as suas manifestações está presente o elemento básico da questão social envolvida na dissociação entre trabalho, produção e apropriação, ou simplesmente alienação. Na sociedade capitalista, a questão social está intimamente relacionada às desigualdades engendradas pela emergência do trabalho “livre” e toda a seqüência de lutas por melhores condições de vida e de trabalho. Ainda de acordo com Ianni (1992, p.88): Com o capitalismo as diversidades e os antagonismos sociais começam a serem enfrentados como situações suscetíveis de debate, controle, mudança, solução ou negociação. Ainda que na prática predominem as técnicas repressivas, a violência do poder estatal e a privada, ainda assim o direito liberal adotado nas constituições e nos códigos supõe a possibilidade da negociação. 36 Cuja materialidade, efetivação e expansão para o conjunto da população foram resultantes da luta de classes12, dos processos de organização da classe trabalhadora em sindicatos, partidos, dentre outros. Assim, se a gênese da questão social, em todas as sociedades anteriores e, principalmente, nas sociedades capitalistas, é econômica, que numa perspectiva de totalidade se refere às condições de produção e reprodução da vida material, é a dimensão política, porém, que proporciona o questionamento, a problematização dessas condições de vida dos despossuídos de propriedade. Isto porque, são as lutas sociais que rompem com o domínio privado em que o “reino das necessidades”, das “desigualdades sociais”, da “reprodução social” e do trabalho foram resignados, em sociedades anteriores, ascendendo à esfera pública13, ao espaço do debate, de visibilidade pública e política e que exige respostas do Estado e da sociedade. Nessa perspectiva, a manifestação numérica das situações de necessidades extremas de privação na satisfação de necessidades humanas representa, pelas tensões e violências que provocam, uma ameaça à dita “ordem política e moral”, e foi sujeita a soluções moralizantes e tuteladoras da filantropia, do municipalismo e das instituições religiosas. 12 De acordo com Coutinho (1996) a universalização (ou socialização) da cidadania burguesa deveu-se à luta dos trabalhadores. A exemplo a cidadania burguesa era formalmente negada, na esfera dos direitos políticos, ao conjunto da população desprovida de capital. “[...] O parlamento foi por muito tempo uma espécie de soviete dos proprietários, já que o voto era censitário: só eram considerados cidadãos ativos (com direito a votar e ser votado) os detentores de propriedade -, ou, que é o mesmo; os que pagavam um certo montante de impostos. A grande massa da população era excluída do direito ao voto [...]” (p.75) Portanto, o sufrágio universal, a legalização dos sindicatos, o direito de greve, além dos “direitos sociais”, também são resultados das lutas dos trabalhadores. 13 A noção de esfera pública sempre foi ambígua e contraditória, tendo em vista que o princípio de acessibilidade universal de todos na construção do comum, do interesse geral, mascarou esta como espaço de sujeitos privados, de interesses particulares tomados como gerais. Sobre as transformações e interpenetrações entre as esferas nas sociedades burguesas consultar Habermas (1984). As condições históricas atuais reatualizam a idéia de esfera pública como espaço de intermediação entre Estado e sociedade, definida pelas novas formulações de Habermas, como espaço onde os problemas que afetam o conjunto da sociedade são absorvidos, discutidos e processados, como caixa de ressonância dos problemas que devem ser trabalhados pelo sistema político, sendo a sociedade civil com o seu conjunto de associações voluntárias, independentes dos sistemas político-administrativo e econômico, a instância que absorve, condensa e conduz de maneira ampliada para a esfera pública os problemas emergentes das esferas privadas. É, portanto, espaço de tematizações de problemas gerais, mas cujas análises de classes, dos interesses particulares tomados como gerais, desaparecem das análises do autor, como se os sistemas democráticos fossem isentos de interesses de classes e a sociedade civil uma instância homogênea e não de interesses contraditórios e antagônicos. Embora esta pesquisa também trabalhe com a noção de cena pública como espaço de formação da opinião pública, de tematizações de problemas não elimina a dimensão materialista das classes como força motriz dessas problematizações, como espaço de correlação de forças, de interesses antagônicos em jogo, das lutas pela hegemonia e contra-hegemonia. 37 Todavia, apenas as lutas dos trabalhadores promoveram uma ameaça efetiva de inversão14 da ordem burguesa e imprimiram formas de respostas15 que extrapolaram a dimensão privada. Assim, se a emancipação do labor do sombrio mundo privado às reflexões do mundo comum, do público, foi decorrente da revolução burguesa - do predomínio da economia de mercado, que extrapolou a dimensão de economia doméstica de fases anteriores ao capitalismo, independente da consciência da classe trabalhadora, inclusive a precedeu - na perspectiva teórica de Arend (2002), a problematização das condições de vida e de trabalho desses sujeitos, porém, dependeu da consciência de classe. Isso porque, embora a revolução burguesa tenha colocado o imperativo funcional e instrumental da sobrevivência humana no centro da vida pública, foi apenas para submetê-la aos imperativos da reprodução do capital, e subjugar à força de trabalho aos seus ditames, para tornar a produção de riquezas a finalidade da humanidade. Prova disso é que a reprodução social, na perspectiva liberal, restringia-se ao domínio privado da família, do mercado, como provedor do bem-estar, e das organizações filantrópicas. Logo, o reconhecimento de um conjunto de novos problemas vinculados às modernas condições de trabalho deve-se à constituição da classe operária enquanto classe em si e, principalmente, como classe para si, com seu ingresso no cenário político da sociedade, com demandas e reivindicações imediatas, mas, com a possibilidade tendencial de ruptura à ordem burguesa. Obviamente que essa perspectiva implica a necessidade da constituição de sujeitos políticos, principalmente, na classe trabalhadora, que se dá com as lutas pelo reconhecimento, enquanto classe, e dos problemas que enfrentam como estruturais, com 14 Como destaca Netto (2001, p.43) “[...] mantivessem-se os pauperizados na condição cordata de vítimas do destino, revelassem eles a resignação que Comte considerava a grande virtude cívica a história subseqüente haveria sido outra; os pauperizados não se conformaram com sua situação: da primeira década até a metade do século XIX, seu protesto tomou as mais diversas formas, da violência luddista à constituição das trade unions, configurando uma ameaça real às instituições sociais existentes. Foi a partir da perspectiva efetiva de uma eversão da ordem burguesa que o pauperismo designou-se como “questão social”. 15 A pesar de destacar as lutas sociais como a força motriz da questão social, todavia, as formas de respostas principalmente, através de políticas públicas, não podem ser consideradas apenas conquistas da classe trabalhadora, pois seria desconsiderar o caráter classista do Estado capitalista, nem também como meros instrumentos de dominação e exploração de classe, mediado pelo Estado, desconsiderando ser a arena do Estado espaço de correlação de forças, lugar da hegemonia, da busca do “consenso” para manutenção da ordem. Como destaca Pereira (2000, p.8), as políticas sociais, institucionalizadas no complexo comumente denominado Welfare State, surge no bojo de um duplo, tenso e contraditório movimento que está na base da questão social: o advento da economia de mercado e a constituição de resistência por parte da classe trabalhadora”. 38 possibilidade real de influenciarem os debates acadêmicos, a opinião pública e as decisões políticas. Isso porque: [...] é possível às classes econômica e socialmente desfavorecidas transformarem suas necessidades em questões e incluí-las na agenda política vigente desde que se transformem em atores sociais estrategicamente posicionados. Isto quer dizer que necessidades sociais só poderão se transformar em questões perturbadoras da ordem estabelecidas (e definidoras de direitos, que deverão ser concretizados por políticas), se for “problematizadas” por classes, frações de classes, organizações, grupos e, até, indivíduos estrategicamente situados e dotados de condições políticas para incorporar estas questões na pauta de prioridades públicas. Como dizem Oszlak e O’Donnel (1979: p.21) ‘questões são necessidades socialmente problematizadas’ (PEREIRA, 2002, p.20). Todavia, as restritas possibilidades de constituição de sujeitos políticos na contemporaneidade, engendradas pelas atuais condições de produção capitalista, e correlação de forças desfavorável à classe trabalhadora – considerando-se a sua fragmentação objetiva e subjetiva -, não podem levar às análises que negam a dimensão de questão social aos novos problemas gerados pelo modelo de produção capitalista em vigor, somente porque os riscos e necessidades contemporâneas ainda carecem de efetiva problematização de classe, articulados a um ethos unificado, capaz de gerar uma nova hegemonia da classe trabalhadora. Exceto se as análises se restringirem à dimensão política, excluírem os determinantes materiais, desconsiderarem os mecanismos organizativos diversos (reais e não um tipo ideal, apesar de fragmentados) das classes subalternas, e a força dos grupos de pressão (nem sempre articulados a outras lutas sociais e a um projeto alternativo de classe), como os “novos” movimentos sociais, as ONGs em defesa de direitos de minorias, organizações patronais, profissionais, dentre outras formas de associativismo, fortemente influenciados pelo discurso dos direitos de “cidadania”, difundidos por organizações multilaterais internacionais. Concorda-se com Pereira (2001, p.51) que a posição profundamente desigual dos setores progressistas na atual correlação de forças, e a falta de um ethos unificado, dado o contexto de fraca articulação de atores políticos estratégicos, esses estão sem condições objetivas para – aproveitando as mudanças engendradas por novas forças produtivas – imporem uma superestrutura (política, jurídica, cívica e cultural) que lhe seja favorável. Mesmo assim, os mecanismos de luta e reivindicação não desaparecem, mas, assumem novas feições, desfavoráveis a projetos mais amplos e sem potencial de inversão da ordem, 39 por suas condições objetivas e específicas de luta, sem possibilidade de libertar a humanidade do jugo do capital, devendo inclusive articular-se com os movimentos de classes para superar essa limitação, esses também comprometidos com o retorno do neocorporativismo de classe. Esses movimentos sociais ou organizações que se colocam no lugar desses, também estão sujeitos a visões conservadoras, reformistas, como esteve o movimento operário, mas são as possibilidades reais de problematização das refrações da questão social, trazendo-as para a cena pública, embora limitadas à luta por direitos (de criança e adolescente, dos idosos, dos pobres, dentre outras minorias) e sem resistência de porte ao neoliberalismo, ao movimento privatizante da questão social e do seu trato. Antes, ao contrário, esses movimentos apresentam reivindicações funcionais àquela lógica, compartilhando visões e práticas de parcerias na execução da política social. Assim, as refrações da questão social, problematizadas por esses movimentos e organizações, estão cada vez mais distantes, na análise e na forma como ganham visibilidade social, da sua origem estrutural comum, ou seja, das condições de produção e reprodução social sob a lógica do capital, da relação capital/trabalho. A multiplicidade de movimentos sociais é expressão, para as classes subalternas, da agudização das suas condições de vida, da marginalização social, cultural, de gênero, étnica, dentre outras - cuja realidade estrutural está ligada às contradições do modo de produção capitalista -, e a falta de acesso a bens e serviços produzidos socialmente. Movimentos que estão cada vez mais restringidos à luta por direitos, resultante da práxis democrática - o fundamento da legitimação da ordem burguesa -, portanto, limitados à ordem, mas também são espaços de lutas e conquistas históricas no campo da reprodução social. Nesse sentido, grande parte das associações e movimentos constitui-se em espaços de expressão política da classe trabalhadora, instrumentos de pressão para a garantia do atendimento de suas necessidades, através das políticas públicas. Embora, necessitem de um ethos unificado capaz de criar condições de constituição de uma nova hegemonia pelas classes trabalhadoras, portanto, a sua reorganização como força antagônica ao capital. Em síntese, dois elementos (organicamente articulados, separados apenas didaticamente) constitutivos da explicação da questão social são fundamentais para o desenvolvimento desta tese, a saber: 40 Primeiro, as lutas sociais como a força motriz da questão social, ou como um dos elementos constitutivos, através das quais necessidades são problematizadas no espaço público, por classes, frações de classes, organizações, grupos, com capacidade de influenciar os debates e a opinião pública, com condições políticas para inserir essas questões na agenda pública, e na pauta de prioridades governamentais, o que envolve a constituição de sujeitos políticos, protestos e reivindicações, cuja resultante do “protesto social, sob diversas formas, no campo ou na cidade, sugere tanto a necessidade de reforma como a possibilidade da revolução” (IANNI, 1992, p.88). Segundo, os processos materiais que produzem e reproduzem constantemente, em escala ampliada, as refrações da questão social, que é a completa subordinação das necessidades humanas às necessidades auto-expansivas do capital, que impõe o objetivo da produção de riquezas a toda a humanidade mediante trabalho abstrato, em detrimento do homem e de suas necessidades humanas. Com o capitalismo, as funções vitais da reprodução individual e societal foram profundamente alteradas, erigindo-se um conjunto de funções reprodutivas – Mészáros, conforme Antunes (2002), denominou ‘mediações de segunda ordem’ – em que desde as relações de gênero, idade, etnia, até as manifestações produtivas materiais e também as simbólicas, como as obras de arte, que se estende ao lazer, à ocupação do tempo “livre” dos desempregados, dos trabalhadores e dos idosos, foram subordinados aos imperativos da valorização e da reprodução do sistema do capital. Esse domínio e controle totalitário do sistema capitalista, embora também sujeito a resistências e lutas, derruba as teses de uma valorização do homem e de suas necessidades em qualquer faixa etária, e de um tempo “livre” que libera e emancipa, enquanto houver trabalho aviltante, alienado e desprovido de auto-realização. Como ainda destaca Mészáros (2002, p.611), “estes (trabalhadores) são reconhecidos como ‘sujeitos’ legitimamente existentes apenas como consumidores manipulados de mercadorias”. O capitalismo redefine o sentido de “utilidade”, ao qual tudo deve se conformar, tanto para as coisas, quanto para as relações e as pessoas, definido como o que é vendável, lucrativo; lógica a qual os seres humanos devem se ajustar, provando sua ‘viabilidade produtiva’, ou perecer, caso não consigam se adaptar. Assim, o ser humano só interessa enquanto força de trabalho, fonte de mais-valia e de valor, ou enquanto consumidor, o que explica as situações de desvalorização social do trabalhador que envelhece, e de pseudovalorização de outros, tanto por determinantes 41 culturais, relações entre gerações, quanto por processos materiais de existência, sob a lógica do capital. Como destaca Mészáros, “apesar do sistema produtivo do capital criar de fato ‘tempo supérfluo’, no conjunto da sociedade, em uma escala crescente, não pode reconhecer a existência de jure de tal tempo excedente como tempo disponível potencialmente criativo” (idem, p.620), a não ser como tempo de consumo de mercadorias e serviços, estendendo o estranhamento para a área do consumo, da circulação. 2.2 Trabalho assalariado e envelhecimento no tempo do capital Os processos materiais que produzem e reproduzem as refrações da questão social, dentre elas, às relativas ao envelhecimento do trabalhador, constituem os determinantes fundamentais dessa problemática social. Esses processos estão relacionados à ditadura do trabalho abstrato, produtor de mais-valia e de degradações sociais, no âmbito do capitalismo. Esse sistema produtor de mercadorias instaura uma relação desumanizada, coisificada que reduz a força de trabalho a coisa, a “condição material de produção” submetida ao imperativo da produção de riquezas para fins de valorização do capital, engendrando não apenas desvalorizações das qualidades e necessidades humanas, mas também uma sociabilidade que gera pobreza, populações excedentes, e os “inúteis” para o capital, pela falta de valor de uso, de rentabilidade, principalmente, quando a força de trabalho está desgastada e envelhecida. O capitalismo, através do controle das práticas temporais, espaciais e dos meios de produção, aloca e realoca o tempo de vida dos trabalhadores ou o tempo social, redefinido pelas necessidades reprodutivas ampliadas do capital, seja enquanto tempo de trabalho, “tempo livre” ou tempo de envelhecer. Constituindo o envelhecimento do trabalhador, enquanto tempo de vida, objeto de controle social e de fonte de experiências negativas com essa perspectiva de tempo, que associado às desvalorizações sociais (em função do valor econômico dos indivíduos), à pobreza, e às restrições físicas e sociais, configuram parte dos problemas que essa classe enfrenta na velhice. Na perspectiva de resgatar esses determinantes, abordou-se e se analisou às condições materiais de vida, sob o jugo do capital, fundada no trabalho abstrato e no trabalho morto (sob a forma de capital), e às práticas temporais regidas pela lógica do sistema produtor de mercadorias, ao tempo abstrato, linear, tempo da produção, que 42 exacerba as experiências negativas com o tempo pela impossibilidade de usá-lo para fins de valorização e de satisfação de ricas necessidades dos produtores. A ditadura do trabalho abstrato e a desvalorização das qualidades e necessidades humanas. Tomando por subsídios a teoria marxiana e a tradição marxista, considera-se o trabalho a categoria fundante da práxis social, da sociabilidade humana, o elemento estruturador das relações sociais, dada a capacidade humana mediante o trabalho, de transformar a natureza para garantir a satisfação de suas necessidades, e de nesse processo de transformação modificar – como parte do processo de complexificação de suas potencialidades – a si mesmo, aos outros indivíduos e ao modo como se estabelece o processo de trabalho. Assim, destaca Marx (1989, p.202): Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. Portanto, o trabalho deve ser entendido como fator determinante das formas de sociabilidade humana, considerando que, a partir do processo de produção de bens materiais, são produzidas e reproduzidas as relações entre indivíduos, potencialmente os construtores dessa realidade. Essas condições estão postas apenas com o trabalho, uma vez que esse põe em movimento a teleologia (presente na própria colocação de finalidades) e a causalidade (inerentes os processos materiais), na construção dos objetos e da realidade social. A colocação de finalidades distingue o trabalho do homem das atividades instintiva animal: “o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-lo em realidade, realiza uma transformação visando um fim que é um produto do trabalho concluído, que é antes de tudo, um valor de uso” (MARX, 1989, p.202). Essa conversão em coisas úteis é um processo teleológico e com o ato da posição teleológica do trabalho, temos em si o ser social (cf LUKÁCS, 1979). 43 Como então de sujeito histórico, o produtor se transforma em objeto dominado pelas forças cegas da produção16? Como o trabalho constitui uma carga ao invés de atividade de auto-realização? Isso se deve à primazia de um determinado tipo de trabalho, sob a lógica da produção de mercadorias. Posto que, em todas as sociedades, o trabalho possui um duplo caráter: o trabalho concreto e o trabalho abstrato. Assim, destaca Marx (1989, p.54): Todo trabalho é, de um lado, dispêndio da força humana de trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria valor das mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, é dispêndio de força humana de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim, e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz valores-de-uso. Visto sob o aspecto do trabalho concreto, caracterizado pela ação do homem sobre a natureza para produzir valores de uso, o trabalho é insuprimível, condição necessária à existência do ser humano, independentemente do modelo de organização social, não podendo haver reino da liberdade sem o trabalho como fonte de intercâmbio homem/natureza. Assim, destaca Marx: O processo de trabalho [...] é atividade dirigida com fim de criar valoresde-uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais. (1989, p.208) O trabalho abstrato, por sua vez, consubstancia-se quando o indivíduo usa sua força de trabalho para um fim socialmente determinado, que não a satisfação de suas necessidades, mas sim de produção de valores de troca sob um fim tautológico que lhe é estranho. Nessa dimensão, o trabalho não proporciona, pelo menos diretamente, a satisfação das necessidades humanas, mas um meio de satisfazê-las fora dele. Como destaca Padilha (2000), cada trabalho concreto que produz valor-de-uso se distingue de outros trabalhos concretos, mas os trabalhos abstratos se igualam quando criam valores-de-troca, pois o que importa agora não é o conteúdo do trabalho e sim sua 16 Conforme Heller (1986, p.95), esta situação é decorrente da instauração da produção de mercadorias e de seus mecanismos mistificadores que inverte a relação. “Na produção de mercadorias as relações humanas assumem a forma de relações coisificadas, a sociabilidade é fetichizada em coisalidade. As relações sociais fetichizadas deste modo se situam frente aos homens particulares como leis econômicas, como quase-leis naturais. [...] esta mistificação em lei natural é precisamente a conseqüência da produção de mercadorias, constitui inclusive sua essência inerente [...]”. 44 quantidade, isto é, só se considera criador de valor o tempo de trabalho excedente ao socialmente necessário à reprodução da força de trabalho. Portanto, a relação fim-meio inerente ao trabalho se transforma em seu contrário, ou seja: [...] na sociedade da produção de mercadorias o valor de uso (produto do trabalho concreto) não serve para a satisfação das necessidades, sua essência consiste em satisfazer as necessidades do não-produtor. O trabalhador é completamente indiferente ao tipo de valor de uso por ele produzido, não tendo com ele nenhuma relação. O que leva a cabo para a satisfação de suas necessidades é, pelo contrário, trabalho abstrato: trabalha unicamente para manter-se, para satisfazer as meras necessidades ‘necessárias’ (HELLER,1986, p.54). Para Mészáros (2002), a completa subordinação das necessidades humanas à reprodução de valores de troca, tem sido o traço marcante do sistema capitalista desde o seu início; esse não trata meramente como separados o valor de uso e o valor de troca, mas o faz de modo a subordinar radicalmente o primeiro ao último, destruindo e ao mesmo tempo recriando a sua lógica a unidade entre necessidade e produção, criando as condições necessárias para sua expansão, para o desenvolvimento sem limites da riqueza, da produção para fins de valorização. Em tais circunstâncias e determinações, ressalta Mészáros (2002, p.611-12), “os seres humanos [...] não podem ocupar, como seres humanos, seu lugar legítimo nas equações do capital, e muito menos ser considerados, nos parâmetros do sistema do capital, como a verdadeira finalidade da produção”, ao contrário, “[...] submete toda a humanidade a finalidade da produção de riquezas”, que não se converte em riqueza do gênero, e desenvolvimento do indivíduo, pois o fim dessa lhe é estranho. Nas antigas sociedades agrárias, ou mesmo na sociedade medieval, havia todas as formas possíveis de dominação e de dependência pessoal, inclusive, trabalho excedente, mas, como destaca o Grupo Krisis (2005), não existia uma ditadura do trabalho, enquanto abstração, dado que a produção estava limitada pelas necessidades, pelas demandas, apesar de as atividades - levadas a cabo na transformação da natureza e nas relações sociais - não serem autodeterminadas, mas também não estavam na dependência de uma idéia abstrata de dispêndio de força de trabalho. Somente no moderno sistema de produção de mercadorias, com a sua finalidade autotélica de transformação permanente de energia humana em dinheiro, veio criar esse 45 domínio particular e ‘apartado’ de todas as outras relações sociais, abstraído de qualquer conteúdo, que leva o nome de esfera do trabalho17 – a esfera da atividade não autônoma, incondicional, não relacional, robotizada, separada do restante do contexto social e obedecendo a uma abstrata racionalidade finalista de ‘economia empresarial’ independente das necessidades. Nessa esfera separada da vida, o tempo deixa de ser um tempo vivido e vivenciado, torna-se simples matéria-prima que tem de ser otimizada: ‘tempo é dinheiro’ (cf GRUPO KRISIS, 2005, p.6) Para a efetivação do império do trabalho morto, sob a forma capital, e a ditadura do trabalho abstrato, como fonte de valor e meio de reprodução da vida, necessitou-se da completa separação do produtor dos meios de produção (material e dos instrumentos de sua atividade produtiva), tornando impossível produzir para seu próprio uso e forçando-o a submeter-se à venda da sua força de trabalho. Uma outra condição para isso foi separar ou redefinir a relação necessidade/produção, autonomizando o valor de troca como fim da produção, subordinando o valor de uso aos seus ditames, tornando possível a continuidade da produção e reprodução global do sistema do capital. A venda da força de trabalho, em que o trabalhador não se reconhece como produtor, não tem acesso ao produto do seu trabalho, em que o próprio ato da produção e seu fim lhes são estranhos, relaciona-se ao trabalho abstrato, configurando-se um trabalho alienado, posto que o produtor não tem controle sobre o processo de produção, nem sobre a distribuição do produto social do próprio trabalho. Essas condições são postas com o desenvolvimento histórico do capital, que impôs à humanidade a finalidade da produção de riqueza a que tudo absorve, e reduziu o ser humano a uma mera “condição material de produção”, completamente desvalorizada quando perde esta capacidade de uso, principalmente, pela idade avançada. Nessas circunstâncias, o quantitativo das mercadorias e o tempo de trabalho se impõem sobre o qualitativo e sobre as qualidades e necessidades humanas, sobre a vida humana. Destaca Marx: 17 Embora o Grupo Krisis apanhe os fundamentos de sua crítica ao trabalho, das contribuições de Kurz, não concordamos que sua obra o Manifesto contra o Trabalho, se insira no universo das críticas a centralidade do trabalho como pressuposto da sociabilidade humana. Pelas citações acima destacadas fica clara a crítica a um tipo de trabalho que se generaliza na sociedade capitalista, o trabalho abstrato, necessariamente estranhado, alienado e não ao trabalho concreto, condição da existência humana em qualquer tipo de sociedade. Portanto, suas críticas ao trabalho distinguem-se das análises de Habermas, Gorz e Offe. 46 Se a mera quantidade do trabalho funciona como medida de valor sem qualquer consideração para com a qualidade, isto pressupõe que o trabalho simples se tornou o pivô da indústria. Pressupõe que o trabalho foi equalizado pela subordinação do homem à máquina ou pela extrema divisão do trabalho; que os homens são obliterados pelo seu trabalho, que o pêndulo do relógio se tornou uma medida tão acurada da atividade relativa de dois trabalhadores como o é da velocidade de duas locomotivas. Portanto, não devemos dizer que a hora de um homem vale a hora de outro homem, mas, sim que um homem durante uma hora vale tanto quanto outro homem durante uma hora. Tempo é tudo, o homem é nada; ele é, na melhor das hipóteses, carcaça do tempo. A qualidade não mais importa. A quantidade sozinha decide tudo; hora por hora; dia por dia (MARX apud MÉSZÁROS, 2002, p.615). Não só a quantidade domina sobre a qualidade, como o mundo dos objetos guiados pela necessidade de auto-expansão do capital e pelas suas necessidades reprodutivas domina o mundo humano. “A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento do valor do mundo das coisas. O trabalho não cria apenas bens; ele também produz a si mesmo e o trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que produz bens” (MARX, 1970, p.90), o próprio ser humano através de sua força de trabalho se transforma em mercadoria, portanto, com valor de uso e de troca, que declina em proporções rápidas pelo uso abusivo, intensivo ou extensivo, pelo capital, engendrando desvalorização social e pobreza para os que não podem mais viver da venda da sua força de trabalho e não dispõem de meios de sobrevivência, dependendo de alguma forma de assistência pública ou privada. A pobreza do trabalhador, enquanto condição de vida e de trabalho, aumenta na mesma proporção em que se produz riqueza material dissociada de suas necessidades, ou seja, “... quanto mais o trabalhador se desgasta no trabalho, tanto mais poderoso se torna o mundo de objetos por ele criado em face dele mesmo, tanto mais pobre se torna a sua vida interior, e tanto menos ele se pertence a si próprio” (idem, p.91), não podendo existir uma subjetividade rica, nem em seu tempo de trabalho, nem no tempo de envelhecer liberado do trabalho por não atender ao princípio de rentabilidade do capital. Antes, ao contrário, o domínio totalitário do trabalho abstrato implica falta de sentido à vida quando o trabalhador é retirado do trabalho pela idade. Portanto, a expropriação do trabalho e do tempo de vida do trabalhador é resultante da afirmação de um tipo determinado de trabalho: o trabalho assalariado a que é submetido o homem na sociedade capitalista. À medida que se expande a propriedade privada e a divisão do trabalho, este deixa de fazer parte da natureza do trabalhador, uma vez que o 47 produto do trabalho passa a ter uma existência separada do homem e da sua vontade que “se lhe opõe como um ser estranho, como uma força independente do produtor. O produto do trabalho humano é trabalho incorporado em objeto e convertido em coisa física, esse produto é uma objetivação do trabalho. A execução do trabalho é simultaneamente sua objetivação” (MARX, 1970, p.95). A conseqüência desse processo é a alienação, aspecto ineliminável de toda objetivação. “[...] A alienação do trabalho em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se converte em objeto, assumindo uma existência externa, mais ainda que existe independentemente, fora dele mesmo, a ele estranho, e que se lhe opõe como uma força autônoma” (idem, p.91). Conseqüentemente, como destaca Marx, “a vida que ele deu ao objeto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil”, ou seja, gera riquezas sem possibilidades de socializá-la, de modo a ter uma vida digna do nascer ao envelhecer. Todavia, se a alienação restringe-se à produção, Lukács (cf ANTUNES, 2000) introduz a categoria estranhamento, para dar conta da circulação ou distribuição intimamente articulada com a produção, presentes nas diversas formas de trabalho (material ou imaterial, produtivo ou improdutivo) e, principalmente, ao consumo manipulado, portanto, para referir-se à existência de barreiras sociais que se opõem ao desenvolvimento da personalidade humana. Nesse caso: [...] o desenvolvimento das forças produtivas acarreta necessariamente o desenvolvimento da capacidade humana, mas – e aqui emerge plasticamente o problema do estranhamento – o desenvolvimento da capacidade humana não produz necessariamente o desenvolvimento da personalidade humana, mas, ao contrário, pode desfigurá-la e aviltá-la (LUKÁCS, 1981 apud ANTUNES, 2000, p.172). Na sociedade da prevalência do trabalho assalariado, alienado, fetichizado e aviltado, o ser humano só interessa enquanto força de trabalho (no vigor da sua capacidade física e intelectual) e enquanto consumidor manipulado de mercadorias, posto que prevalece a lógica do capital, a maior autovalorização possível do capital, portanto, a maior produção possível de mais-valia, logo, de exploração da força de trabalho, e da necessidade de mecanismos diversos de realização da mais-valia no mercado, através do consumo. Nessa perspectiva, são as demandas da expansão do capital que definem o critério de “utilidade” ao qual tudo deve se conformar. A respeito da determinação perversa da “utilidade” e da “carência de utilidade”, destaca Marx (GRUNDRISSE, p.399-401 apud MÉSZÁROS, 2002, p.620-21): 48 É uma lei do capital criar trabalho excedente, tempo disponível; e só pode fazê-lo se acionar o trabalho necessário, ou seja, se entrar em intercâmbio com o trabalhador. É sua tendência, portanto, criar tanto trabalho quanto possível; do mesmo modo, é igualmente sua tendência reduzir o trabalho necessário ao mínimo. Portanto, igualmente é uma tendência do capital aumentar a população trabalhadora, assim como constantemente colocar uma parte dela como população excedente – população que é carente de uso até a época em que o capital possa utilizá-la (daí o acerto da teoria da população excedente do capital excedente). É igualmente uma tendência do capital tornar o trabalho humano (relativamente) supérfluo, de modo a conduzi-lo, como trabalho humano, ao infinito. O valor nada mais é que trabalho objetivado que é necessário à reprodução da capacidade de trabalho. Mas o trabalho em si é, e permanece, o pressuposto [da produção capitalista], e o trabalho excedente apenas existe em relação ao necessário, portanto, apenas enquanto este último existir. O capital deve, portanto, constantemente postular o trabalho necessário para postular o trabalho excedente, ele precisa multiplicá-las (a saber, as jornadas de trabalho simultâneas) para multiplicar seu excedente. O capital define a “utilidade” em termos de vendabilidade, da lucratividade, de forma geral, em termos de valor de troca, implicando na hegemonia e no domínio do próprio valor de troca e uma redefinição do uso das coisas, das relações e das pessoas. Como destaca Debord (2005, p.27), “o valor de troca não pode formar-se senão como agente do valor de uso, mas sua vitória pelas suas próprias armas criou as condições da sua dominação autônoma. Mobilizando todo o uso humano e apoderando-se do monopólio da sua satisfação, ela acabou por dirigir o uso”, inclusive, da força de trabalho e do seu tempo de uso, definindo critérios de sua admissão e de “exclusão”, entre esses a idade. Portanto, a sociedade capitalista, como um sistema produtor de mercadorias, não se mantém sem o trabalho abstrato justamente por ser produtor de valores de troca, inclusive, imprimiu sua ditadura sobre toda a vida humana, impregnando toda a existência social. “O próprio tempo livre – que é literalmente um conceito prisional – há muito serve para ‘renovar o stock’ de mercadorias, garantindo assim a necessária venda das mesmas” (GRUPO KRISIS, 2005, p.18). A vida no trabalho passou a reger a vida fora do trabalho, “a estrutura do processo de trabalho é, em última instância, o modelo de toda atividade humana” (HELLER, 1977 apud PADILHA, 2000, p.34). Nessas circunstâncias, estar fora do trabalho é estar fora da vida, excluído das condições de reprodução social e, no caso do envelhecimento do trabalhador, do mundo público, das relações sociais, condição que implica desvalorização social por não contribuir para a riqueza social e para a reprodução biológica e social. 49 Contudo, esse sistema produtor de mercadorias que faz crescer o trabalho assalariado e suga suas potencialidades, indispensáveis às suas necessidades reprodutivas, desde sua origem, padece de uma insanável contradição interna: por um lado, ele vive de sugar energia humana em grandes quantidades, através do dispêndio de força de trabalho inerente ao seu mecanismo. Por outro lado, contudo, a lei da concorrência da economia empresarial obriga a um permanente aumento da produtividade, num processo em que a força de trabalho humana vai sendo substituída por capital fixo cientificizado. O resultado desse processo, desde a fase inicial da Revolução Industrial, foi a formação de um imenso exército industrial de reserva, de uma população excedente que crescia na mesma proporção do crescimento do capitalismo, onde a maquinaria, o desenvolvimento científico e tecnológico, também submetidos e subordinados às necessidades auto-expansivas do capital, produzem, constantemente, mecanismos para acelerar a produtividade e reduzir a demanda por trabalho vivo, ampliando os mecanismos seletivos do capital em relação à força de trabalho. Conforme Bravermann (1981), não é a maquinaria que enfraquece a espécie humana, mas a maneira pela qual ela é empregada nas relações sociais capitalistas, reduzindo o chamado trabalho vivo empregado, e ampliando o exército industrial de reserva, portanto, a população excedente que se submete a trabalhos precários e cujas necessidades humanas estão abaixo da força de trabalho empregada, e torna supérflua uma população que não tem valor de uso para o capital. Esse imenso peso morto do exército industrial de reserva, que, se durante um longo período do capitalismo se restringia aos inaptos ao trabalho, hoje atinge os aptos ao trabalho, mas sem condições de “empregabilidade” dada à falta de qualificação, de postos de trabalhos, em geral, ao desemprego estrutural, gerando uma “nova pobreza” e ampliando a antiga pobreza, à medida que se tem o desmonte da proteção social pública, e a ampliação das desigualdades sociais pela nova ordem mundial, que “exclui” populações, países, regiões, e o que se mantiver sem possibilidades de uso pelo capital. Se na sociedade capitalista contemporânea exacerbaram-se esses mecanismos de economia do trabalho vivo, se há uma redução do tempo de trabalho, todavia, o trabalho continua central, tanto para fins de criação de valor, quanto para a sobrevivência dos trabalhadores, daí a submissão a todo tipo de trabalho precário, a busca de “empregabilidade” pelos desempregados e a ilegitimidade do trabalho para os idosos. Isso 50 porque não há outro meio de sobrevivência para os trabalhadores, sem a propriedade dos meios de produção, numa sociedade capitalista, que a venda da sua força de trabalho, que a submissão de todo o seu tempo de vida ao tempo de trabalho, ou á busca da sobrevivência, através do trabalho. Os apologistas da ordem garantem que se vive a primazia do tempo “livre” (dominante numa sociedade “pós-industrial”) e não mais do tempo de trabalho (como era nas sociedades industriais), considerando-se a automação da produção, a ampliação da longevidade (a priori como tempo liberado do trabalho), e o desemprego, como se o tempo do desempregado fosse livre e dos idosos “tempo de prazer”, do lazer e de atividades de auto-realização, mascarando o fato de que o capitalismo é um sistema totalitário, englobando desde a esfera da produção até o consumo, desde o plano da materialidade ao mundo das idealidades (cf ANTUNES, 2000). Como destaca Kurz (1999, p.3): [...] o resultado da Terceira Revolução Industrial não é, como se esperava, mais tempo livre para todos, mas uma aceleração ainda maior dentro do tempo-espaço capitalista, para uns, e desemprego estrutural para outros. Desemprego no capitalismo, porém, não é tempo livre, mas tempo de escassez. Os excluídos da aceleração vazia não ganham ócio, antes são definidos como não-humanos em potencial [...]. Não é por meio da expansão do tempo livre voltado para o consumo de mercadorias que o terror da economia sem freios pode ser contido, mas somente por meio da absorção do trabalho e do tempo livre, cindidos numa cultura abrangente, sem a sanha da concorrência. O caminho para o ócio passa pela libertação da forma temporal capitalista. Assim, o tempo de vida do trabalhador continua sendo dominado, de forma opressiva, pelo capital, seja o tempo de trabalho dos integrados ou inseridos no mercado de trabalho, na qual não se suga somente suas forças físicas, mas também se captura sua subjetividade; o tempo do desempregado revestido na busca de “empregabilidade”, e o tempo dos idosos e outros setores dos trabalhadores com renda, como tempo de consumo, da indústria cultural e do lazer. Tempo de vida do trabalhador sob a lógica do capital O capitalismo é antes de tudo um sistema de expropriação do tempo de vida. De acordo com Debord (2005, p.109), “pra rebaixar os trabalhadores à condição de produtores e consumidores ‘livres’ do tempo-mercadoria, a condição prévia foi a expropriação violenta do seu tempo”, submetido aos ditames do capital. A questão da mais-valia está 51 relacionada ao controle do tempo pelo capital, ao poder dispor do tempo dos outros, daí a necessidade de submeter ao trabalho abstrato, também um tempo abstrato, uniforme, linear necessário à sincronização do trabalho, rompendo com o tempo cíclico das sociedades précapitalistas. A partir de então, o tempo de vida das pessoas continua privado de decisão e submetido, não à ordem natural, mas à pseudonatureza desenvolvida pelo trabalho alienado. Submetido à forma de trabalho abstrato, quantitativo e sem qualidades (o tempo da medida do valor), o tempo da vida tornou-se ele todo, progressivamente, também um tempo abstrato18 (cf EMILIANO, 2005), um tempo de vida manipulado e submetido às necessidades reprodutivas do capital. Assim, concorda-se com Elias (1998) de que o conceito de tempo não remete ao ‘decalque’ conceitual de um fluxo objetivamente existente, um dado natural ‘objetivo’, independente da realidade humana, nem também a uma forma de experiência comum à totalidade dos homens, a todas as formas de sociedade, uma estrutura apriori do espírito19, logo, anterior a qualquer contato com o mundo, com as práticas sociais de existência. Antes, ao contrário, “[...] o tempo é algo que se desenvolveu em relação a determinadas intenções e tarefas específicas dos homens” (idem, p.14), é antes de tudo um símbolo social resultante de um longo processo de aprendizagem, de alta capacidade de síntese, que reúne diversas seqüências de caráter individual, social ou puramente físico. A compreensão do tempo remete não à divisão das ciências, mas a uma visão de totalidade entre homem, natureza e sociedade, da capacidade de transformar a natureza, imprimir-lhe, com o trabalho, qualidades sociais. 18 Esse tempo abstrato também foi unificado com o mercado mundial, assim destaca Debord (2005, p.102103),“com o desenvolvimento do capitalismo, o tempo irreversível é unificado mundialmente. A história universal torna-se uma realidade, por que o mundo inteiro está reunido sob o desenvolvimento deste tempo. Mas esta história que em toda a parte é ao mesmo tempo a mesma, ainda não é mais do que a recusa intrahistórica da história. É o tempo da produção econômica, dividido em fragmentos abstratos iguais, que se manifesta em todo o planeta como o mesmo dia. O tempo irreversível unificado é o do mercado mundial, e corolariamente o do espetáculo mundial.” 19 O representante principal desta tendência é Kant, conforme Kurz (1999, p.1), Kant descobriu que o espaço e o tempo não são conceitos que se referem ao conteúdo do pensamento humano, mas às formas apriori de nossa capacidade de perceber e pensar. Podemos conhecer o mundo somente nas formas de tempo e espaço que estão inscritas em nossa razão, anteriores a todo conhecimento. Mas Kant define essas formas de tempo e espaço de modo absolutamente abstrato e a-histórico, válido igualmente para todas épocas, culturas e formas sociais. Tempo, para ele, é ‘a temporalidade pura e simples’, sem nenhuma dimensão específica, sendo o espaço e o tempo ‘formas puras da intuição’. Na visão kantiana, portanto, o tempo é um fluxo temporal abstrato, sem conteúdo e sempre uniforme cujas unidades são todas idênticas. ‘Tempo diversos são apenas partes do mesmo tempo’. 52 Como ressalva Debord (2005, p.110), “é o estado acanhado da prática humana, o trabalho em diferentes estágios que até aqui humanizou e desumanizou também o tempo, como tempo cíclico e tempo separado e irreversível da produção econômica”. Isso remete à noção de que diferentes sociedades vivem e constroem sentidos de tempo bem distintos20. Nessa perspectiva, destaca Harvey (1992), não se defende uma dissolução total da distinção objetivo-subjetivo21, mas a necessidade de se reconhecer a multiplicidade das qualidades objetivas que o espaço e o tempo podem exprimir e o papel das práticas humanas em sua construção, determinadas pelos processos materiais de existência. Portanto, numa perspectiva materialista, as concepções de tempo e espaço são criadas através de processos materiais de produção na sociedade. Então, como as práticas materiais de produção mudam historicamente (no tempo) e geograficamente (no espaço), a própria noção de tempo e espaço também muda. “Em suma, cada modo distinto de produção ou formação social incorpora um agregado particular de práticas e conceitos do tempo e do espaço” (HARVEY, 1992, p.189). Ainda, conforme Harvey (1992), a concepção de tempo no capitalismo difere totalmente da concepção que dominava na sociedade feudal, pois a aceitação do registro do tempo pelo cronômetro deu um sentido linear e progressivo à vida, possibilitando ver a retrovisão e a previsão como proposições simétricas, assim como formular um forte sentido de potencialidade de controle do futuro. O capitalismo impõe não só um tempo linear, irreversível, abstrato fundamental à difusão da disciplina no trabalho, à sincronização das tarefas, mas também, a separação entre tempo de trabalho e tempo livre, distinguindo-se das sociedades pré-capitalistas. O tempo industrial aloca e realoca trabalho por tarefas, alterando o tempo de produção, o tempo dedicado ao lazer e às práticas religiosas; tempos fragmentados e submetidos à lógica da acumulação. Conforme Kurz (1999, p.2), na Antiguidade e na Idade Média, apesar do nível técnico inferior, o tempo de produção diária, semanal ou anual era bem menor do que no 20 Conforme Debord e Kurz (1999), Elias (1998), as culturas agrárias pré-modernas não pensavam num tempo linear, uniforme, mas num tempo cíclico em ritmos temporais de constante repetição, regulado pelo ciclo cósmico e das estações. 21 Segundo Elias (1998), não podemos compreender o tempo se explorarmos suas dimensões físicas e sociais independentemente, uma da outra e, em campos científicos separados. Por mais que a relação entre estas se tornam indiretas, nunca pode ser totalmente rompida. 53 capitalismo, posto que a religião tinha primazia sobre a economia, o tempo das festas e dos rituais religiosos era mais importante do que o tempo da produção. Segundo o autor, isso se deve porque o objetivo da produção, mesmo com meios modestos, não era um fim tautológico abstrato como hoje, mas prazer e ócio, ou pelo menos não se separavam em tempo de trabalho e tempo livre. As atividades produtivas, além de impregnadas pelo ócio, caracterizavam-se também por serem menos intensivas. Portanto, havia uma demarcação pequena entre trabalho e a própria vida; não existia conflito, nem separação rígida, entre trabalho, ‘passar o tempo’, e o ócio. Com o advento da sociedade industrial, o valor do tempo passa a ser medido pelo dinheiro, o qual passa a ser dominante no processo de trabalho, considerando a necessidade de medir e de mecanismos rigorosos de extração e ampliação do sobretrabalho para fins de acumulação do capital, o que favorece a uma maior atenção ao tempo de trabalho. Essa sociedade condena os trabalhadores à degradação durante toda a trajetória de sua vida, submetendo e convertendo o seu tempo de vida em tempo de trabalho. Todavia, esse domínio não se restringe ao tempo de trabalho, apesar de ocupar toda a vida do trabalhador. Por meio da dinâmica da produção e da circulação do capital, as definições do tempo da vida, tempo de trabalho, tempo livre e todos os outros tempos dos trabalhadores materializam-se sob a hegemonia capitalista, pois o capital domina graças ao domínio superior do tempo (e do espaço), mesmo quando os movimentos de oposição obtêm, por algum tempo, o controle de um lugar particular (HARVEY, 1992). Sob essa perspectiva, a marcha do tempo global do capitalismo é a própria história do capitalismo, que tem se caracterizado pela aceleração da vida (cf FERREIRA, 2003). Na ditadura do tempo abstrato, sob a injunção surda da concorrência de mercados anônimos, em que “tempo é dinheiro”, “o tempo é tudo, o homem é nada”, a vida se restringe ao trabalho, a aceleração do tempo socialmente necessário à produção. O sentido da vida para os trabalhadores fica fora do local de trabalho – ou porventura em parte alguma, porque a cadência do trabalho rege inteiramente todas as coisas. Conforme Kurz (1999), neste modo de produção os métodos dessa ‘racionalização do tempo’ não param de se refinar e se inculcarem profundamente no corpo social, é o domínio de uma lógica da “economia de tempo”, um sistema de aceleração permanente e sem sentido, independente das necessidades do homem. 54 O tempo na modernidade tem um caráter coercivo, destaca Elias (1998). Essa dimensão coerciva que o tempo exerce de fora para dentro, sob a forma de relógio, calendário e outras tabelas de horários, se presta para suscitar o desenvolvimento de uma autodisciplina nos indivíduos. Como explicitado anteriormente, um novo modelo de tempo surge e pauta a subjetividade humana na modernidade (leia-se sociedade capitalista) uma vez que, são interiorizadas. Com a disciplinarização22 temporal presente desde a constituição da identidade, a modernidade produz um tempo representado: pela velocidade dos relógios, calendários e horários, propriedades que fomentam coações que o indivíduo impõe a si mesmo. A pressão dessas coações é relativamente pouco apreendida, medida, equilibrada e pacificada, porém, onipresente e inevitável (MARTINS, 1999, p.32). Nessa sociedade, o tempo dedicado ao trabalho tem primazia sobre os demais tempos da vida do trabalhador, pois para o capital a força de trabalho é apenas “força material de produção” abstraída de qualidades humanas, e todo seu tempo de vida é submetido ao tempo de trabalho. Dentro do sistema capitalista, todos os métodos para a elevação da força produtiva social do trabalho se aplicam à custa do trabalhador individual; todos os meios para o desenvolvimento da produção se convertem em meios de dominação e exploração do produtor, mutilam o trabalhador, transformando-o num ser parcial, degradam-no, tornando-o um apêndice da máquina, aniquilam, com o tormento de seu trabalho, seu conteúdo, alienam-lhe as potencias espirituais do processo de trabalho na mesma medida em que a ciência é incorporada a este último como potência autônoma; desfiguram as condições dentro das quais ele trabalha, submetem-no durante o processo de trabalho, ao mais mesquinho e alienado despotismo, transformam seu tempo de vida em tempo de trabalho (MARX, 1984, p. 209-10). Esse tempo sob o controle do capitalista é, segundo Kurz (1999), um tempo sem liberdade, um tempo impingido ao indivíduo (na origem até pela violência) em proveito de um fim tautológico que lhe é estranho, determinado pela ditadura das unidades temporais abstratas e uniformes da produção capitalista. Apesar de consumir a maior parte do tempo diário, a maioria esmagadora dos trabalhadores não sente o tempo de trabalho como tempo de vida próprio, mas como tempo morto e vazio, arrebatado à vida como um pesadelo. Quando, enfim, libertos da ditadura do trabalho abstrato, mas sem condições de sobreviver sem as políticas sociais, “exacerbam-se as necessidades, pela impossibilidade de satisfazê22 Segundo Thompson (apud PADINHA, 2000), a interiorização da disciplina do tempo contou com a força da ética puritana e a retórica moral, as quais consideram o tempo como algo precioso demais para ser subestimado. 55 las, o trabalhador sente que a vida lhe foi suprimida, que não tem mais lugar no mundo” (BEAUVOIR, 1990), seu tempo continua vazio e sem sentido. Como destaca Haddad (1986), se no envelhecimento os homens sentem o vazio instalado pelo fim do trabalho, é porque no processo de reificação a que estão submetidos e o “prestígio” ocupado pelo trabalho foi por eles internalizado através de um longo processo educacional voltado à vida produtiva e, conseqüentemente, são por eles próprios reproduzidos. Isso porque, segundo a autora, o modo de produção capitalista corresponde ao modo capitalista de pensar, e nesse, o trabalho abstrato é o eixo em que se plasma e exercita com exclusividade a possibilidade pessoal de autoconsciência e auto-afirmação perante a sociedade. Esse tempo é vazio e sem sentido porque é o tempo da produção, é o tempo das coisas, “o triunfo do tempo irreversível da burguesia é também a sua metamorfose em tempo das coisas, por que a arma de sua vitória foi precisamente à produção em série dos objetos, segundo as leis da mercadoria” (DEBORD, 2005, p.101). Esse movimento abstrato das coisas domina todo o uso qualitativo da vida, portanto, o tempo da produção é o tempo do não-desenvolvimento humano, mas do capital. “O tempo da produção, o tempo-mercadoria que ‘tempo é tudo, o homem é nada: e quanto muito a carcaça do tempo’ (MARX). É o tempo de sua valorização, a inversão completa do tempo como ‘campo do desenvolvimento humano’” (idem, p.103-4). Como pode a velhice do trabalhador ser campo de desenvolvimento humano, de projetos de vida, de tempo de vida num sistema mutilador que nega a razão de viver aos trabalhadores? Essa ausência é mascarada pela fadiga e pelo tempo dedicado ao trabalho necessário à sobrevivência, mas que se descobre no envelhecimento. Sobre a desvalorização do trabalhador, enquanto homem e das suas necessidades humanas, destaca Marx (1984, p. 211-12): [...] que o trabalhador, durante toda a sua existência, nada mais é que força de trabalho e que, por isso, todo seu tempo disponível é por natureza e por direito tempo de trabalho, portanto, pertencente a autovalorização do capital [...]. O capital não se importa com a duração da vida da força de trabalho. Exceto se a sociedade o impele, se a luta de classe o impele a repensar suas formas de exploração, de controle do tempo de vida do trabalhador. Considerando-se a potencialidade 56 de ameaça à ordem dessas lutas, as respostas se dão através de mecanismos compensatórios ou redistributivos de proteção social, mantendo a sociedade burguesa. As lutas pela redução da jornada de trabalho23 e pela diminuição da intensificação da produção refletem a utilização da categoria tempo como fonte de poder social para uma determinada classe social. “As práticas temporais e espaciais nunca são neutras nos assuntos sociais, elas sempre exprimem algum tipo de controle de classe ou outro conteúdo social, sendo muitas vezes o foco de uma intensa luta social” (HARVEY, 1992, p.218), mesmo que as vitórias sejam parciais e até as lutas frustradas geram boa parte das energias necessárias às mudanças das regras. As lutas pela redução da jornada de trabalho, pelo “direito ao trabalho”, pela regulamentação do trabalho de crianças e mulheres, por proteção aos riscos sociais, dentre eles, o da idade ou do envelhecimento, embora sendo reivindicações imediatas e dentro da ordem da sociedade do trabalho abstrato, inclusive, contribuindo para consolidá-la, traz progressivamente o germe da oposição ao capital, da possibilidade de uma outra ordem, e foram fundamentais ao enfrentamento público das refrações da questão social, através das políticas públicas. Em síntese, a sociedade que separa na raiz o sujeito e a atividade, separa o sujeito do objeto, separa-o antes de tudo do seu próprio tempo. Esse também está alienado, pertence à autovaloriazação do capital ou as suas necessidades reprodutivas, em qualquer dimensão desse tempo, seja do tempo de trabalho, do tempo “livre”, do tempo de envelhecer, dentre outros. A idéia de tempo-mercadoria, portanto, consumível, advém do modo como a indústria cria um tempo pseudocíclico: tempo de ir à escola, ao trabalho, tempo de descanso, de envelhecer, dentre outros, e implica uma cronologização da vida24. Apesar da importância da luta de classes no reconhecimento desses tempos como parte da vida do trabalhador, esses são integrados à ordem como marcos de uma cronologização: a 23 De acordo com Marx (1989, p.321 e 341), a instituição de uma jornada normal de trabalho é, por isso, o resultado de uma guerra civil de longa duração, mais ou menos oculta, entre a classe capitalista e a classe trabalhadora. 24 Segundo Debert (1999) o curso da vida moderna é reflexo da lógica fordista, ancorada na primazia da produtividade econômica e na subordinação do indivíduo aos requisitos racionalizadores da ordem social. Tem como corolário uma burocratização dos ciclos da vida, através da massificação da escola pública e da aposentadoria, onde três segmentos foram claramente demarcados: a juventude e a vida escolar; o mundo adulto e o trabalho; e a velhice e a aposentadoria. Como se atribui ao pós-fordismo e a cultura pós-moderna o apagamento das fronteiras que separavam juventude, vida adulta e velhice. 57 juventude e a vida escolar; o mundo adulto e o trabalho; a velhice e a aposentadoria, a qual não significou, segundo Debert (1999), apenas a regulamentação das seqüências, mas também a constituição de perspectivas, projetos, comportamentos esperados, através dos quais os indivíduos orientam-se e planejam suas ações, individuais e coletivamente. Essas determinações do capital sobre as práticas temporais exacerbam as experiências negativas com o tempo para os trabalhadores, pela impossibilidade de controlá-lo, de usá-lo para fins de valorização e auto-desenvolvimento da personalidade, como tempo de satisfação de ricas necessidades, principalmente, na fase do envelhecimento, no qual não apenas se aceleram as degradações físicas, orgânicas e fisiológicas, com a incidência maior de doenças, dificuldades funcionais, mas também, as degradações sociais, as desvalorizações, reclusões, isolamento, exclusão das relações sociais, rebaixamento das necessidades sociais, dependência dos recursos público ou assistência privada. 2.3 O envelhecimento do trabalhador na sociedade do trabalho abstrato e as históricas formas de proteção social. Não há uma teoria única sobre o envelhecimento ou velhice em nenhuma das disciplinas que abrigam a investigação e a teorização nessa área. Geralmente, definido pelo aspecto biológico, o envelhecimento fisiológico é compreendido “como o tempo da vida humana em que o organismo sofre modificações de declínio em sua força, disposição e aparência, mas que não incapacitam ou comprometem o processo vital” (SALGADO, 1982). Isso porque, embora o envelhecimento promova uma diminuição das reservas orgânicas e funcionais do organismo, enquanto fenômeno natural que está previsto dentro da evolução dos seres vivos, não leva ninguém a limitações vastas, exceto nos casos de envelhecimento patológico. Entretanto, o homem não vive em estado natural. Antes, ao contrário, pelo trabalho a natureza é constantemente transformada, inclusive, do próprio homem, transformando a si próprio e aos outros. Nessa perspectiva, circunstâncias sócio-econômicas, e de forma mais ampla, a posição de classe, além de fatores psicológicos, culturais, genéticobiológicos, criam distinções no modo como se envelhece, situações que tornam o envelhecimento um fenômeno biopsicossocial. 58 A transformação do envelhecimento em problema social, como já destacado anteriormente, não se deve ao declínio biológico dos indivíduos ou ao crescimento demográfico - apesar desses fenômenos aumentarem as demandas por serviços, principalmente, públicos, em especial para aqueles que dependem desses serviços para sobreviverem, considerando as transformações nas famílias que as inviabilizam como espaço de proteção social e de cuidados -, mas sim, à vulnerabilidade em massa dos trabalhadores, principalmente quando perdem o valor de uso para o capital, desprovido de rendas de propriedades, dos meios de produção, de acesso à riqueza socialmente produzida, capaz de proporcionar uma velhice digna. Mesmo com a incidência maior de doenças nessa faixa etária, essas, em grande parte, se devem à trajetória, aos hábitos e às condições de vida e trabalho do indivíduo, às oportunidades (saúde, educação, trabalho, dentre outras) que desfrutaram nos outros momentos do ciclo da vida. Beauvoir (1990, p.17), nos seus estudos, diz que “tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de classes determina a maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um abismo separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de pensão miserável e um Onassis”. Apesar de reconhecer que as diferenciações das velhices individuais têm também outras causas como: saúde física e mental, família, dentre outras, reconhece que uma é determinante, a situação de classe. “Mas são duas categorias de velhos (uma extremamente vasta, e outra reduzida a uma pequena minoria) que a oposição entre exploradores e explorados cria. Qualquer afirmação que pretenda referir-se à velhice em geral deve ser rejeitada porque tende a mascarar este hiato” (idem). Uma parte da literatura gerontológica é categórica em afirmar que a sociedade industrial é maléfica ao velho trabalhador, “quando se vive o primado da mercadoria sobre o homem, a idade engendra desvalorização. A racionalização, que exige cadências cada vez mais rápidas, elimina da indústria os velhos operários” (BOSI, 1979, p.78), eliminando-os também da vida, dos relacionamentos humanos, condenando-os a segregação em asilos ou ao isolamento na vida privada. “Esta sociedade rejeita o velho, não oferecendo nenhuma sobrevivência à sua obra. Perdendo a força de trabalho ele já não é produtor nem reprodutor” (idem). Com relação às pessoas idosas, conclui Beauvoir (1990, p.8), “essa sociedade não é apenas culpada, mas criminosa. Abrigada por trás do mito da expansão e da abundância, trata os velhos como párias”. Não tendo mais valor de uso, na redefinição de uso e 59 utilidade para o capital, o trabalhador idoso é condenado à miséria, à solidão, às deficiências, às doenças, ao desespero, à condição de não-humanos, de um “ser isento de necessidades” ou com necessidades abaixo dos seres humanos adultos empregados. É próprio da lógica da acumulação, gerar a superpopulação relativa, na mesma proporção do crescimento da riqueza material, um crescimento absoluto da população trabalhadora, sempre mais rápida do que seus meios de ocupação. Essa lógica que leva a investimentos nos meios de produção e diminuição do trabalho vivo, quanto mais cresce a produtividade do trabalho social, e a extração do trabalho excedente para além do trabalho necessário à reprodução do trabalho, engendra um imenso exército industrial de reserva, uma população trabalhadora excedente, ampliando a miséria e a pobreza na mesma proporção do crescimento da riqueza. Essa determinação atinge duplamente a população de mais idade. Primeiro, as condições de trabalho e a exploração da força de trabalho faziam com que um trabalhador de idade mediana já estivesse esgotado, um processo de antecipação da degradação natural, não interessando mais ao capital, caindo nas fileiras dos excedentes, quando não passava para um escalão mais baixo dentro da indústria e a salários mais baixos. Ingressando nas fileiras dos excedentes, esse trabalhador submete-se a todo tipo de trabalho precário, temporário e informal para poder sobreviver, quando não consegue, seu destino é a assistência pública ou filantrópica. A segunda condição do idoso está relacionada ao segmento da superpopulação relativa que habita a esfera do pauperismo, o “lumpemproletariado”, nas expressões de Marx, que está composto tanto dos aptos ao trabalho, mas dele excluído; as crianças, os órfãos e indigentes candidatos ao exército industrial de reserva em tempos de prosperidade; e os inaptos ao trabalho. Conforme Marx (1984, p.208), “são notadamente indivíduos que sucumbem devido a sua imobilidade, causada pela divisão do trabalho, aqueles que ultrapassam a idade normal de um trabalhador e finalmente as vítimas da indústria [...]”. Constituindo e ampliando, sem precedentes, o pauperismo, cuja causa é a forma de produzir riquezas e de sua apropriação individual. O pauperismo constitui o asilo para inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto deste. Mas, sua produção está incluída na produção da superpopulação relativa, sua necessidade na necessidade dela, e ambas constituem uma condição de existência da produção capitalista e do desenvolvimento da riqueza. Ele pertence ao faux frais (falsos custos) da produção capitalista que, entanto, o capital sabe 60 transferir em grande parte de si mesmo para os ombros da classe trabalhadora e da pequena classe média (idem). Portanto, são as condições materiais de existência, sob o jugo do capital, os determinantes da problemática social do envelhecimento dos trabalhadores. Nestas circunstâncias, tanto a força de trabalho disponível, quanto o pauperismo - o peso morto do exército industrial de reserva - são desenvolvidos pelas mesmas causas que a força expansiva do capital; posto que, sem os meios de produção e sem valor de uso pela idade, resta a este segmento perecer na miséria, quando escapa de morrer antes, dado a baixa expectativa de vida no século XIX, essa também distribuída conforme as diferenças de classes. Os trabalhadores idosos nessa sociedade, como uma parte da classe trabalhadora na atualidade, não são sequer explorados, são os supérfluos para o capital; a camada lazarenta da classe trabalhadora, compondo o pauperismo oficial cuja situação é decorrente do modo de produção e reprodução social da sociedade capitalista, condição social que não afeta a todos os idosos (e a todas as classes) da mesma maneira, nem em termos de expectativas de vida, em condições de vida, nem no modo de vivenciar o envelhecimento25. Foram, portanto, as diferenças de classes que deram à noção de velhice a sua ambivalência, ou seja, a palavra velhice representa duas realidades profundamente diferentes, se considerarmos esta ou aquela classe social (cf BEAUVOIR, 1990). Essa ambigüidade da velhice também se mostra presente na perda das capacidades para o trabalho, no preconceito da incompetência comportamental em decorrência dessas incapacidades, assim, destaca Lenoir (1998, p.72.): A hierarquia das formas e graus de envelhecimento no campo das profissões parece reproduzir a hierarquia social e respeitar, se podemos falar assim, a ‘hierarquia’ até mesmo no interior das empresas. È o que ressalta de uma pesquisa na qual, segundo os empregadores, a mais importante ‘deficiência’ dos trabalhadores que estão envelhecendo, é ‘o enfraquecimento das faculdades de adaptação às novas tarefas, métodos ou técnicas’; em seguida, é mencionada a ‘perda de velocidade’, a ‘perda de força’, e depois a perda da ‘vivacidade intelectual’, da ‘habilidade’, da ‘memória’ e, em último lugar, ‘a inaptidão para o comando’. Por outras 25 Beauvoir (1990), retratando a situação do século XIX, mostra as diferenciações de classes no envelhecer. “Antigos operários reduzidos à indigência e à vagabundagem, velhos camponeses tratados como bichos, velhos pobres situam-se no mais baixo nível da escala social. São os velhos das classes superiores que ocupam o cume. A oposição é tão flagrante que se poderia quase pensar que se tratava de duas espécies diferentes. As mudanças econômicas e sociais, tão nefastas para uns, favoreceram, ao contrário, os outros” (p.213). 61 palavras, isso significa que a diminuição, com a idade, das qualidades julgadas necessárias pelos empregadores para o exercício das diversas atividades profissionais ou, se preferirmos, a idade a partir da qual as diferentes categoriais começam a ‘envelhecer’, é mais precoce para os membros das classes mais baixas: para os empresários, os trabalhadores braçais são considerados ‘100% produtivos’ somente até a idade média de 51,4%; os operários sem qualquer qualificação até 53,5; os contramestres até 55,9; os executivos até 57,9; e nenhuma idade é fixada para os empresários. Assim, concorda-se com Paz (2000), a questão do envelhecimento decorre mais da diferença e das desigualdades de classe, da oposição entre exploradores e explorados, do que do conflito de gerações, de conflitos entre trabalhadores ativos e inativos ou de uma visão romanceada da velhice. Nessas condições objetivas de vida, os efeitos da urbanização e da industrialização sobre o trabalhador idoso são de desvalorização e pobreza26, a que o sistema econômico lança seus membros não produtivos. Não se trata da perda de um status do velho em relação a sociedades anteriores, já que esse sempre esteve relacionado à situação de classe do idoso, a sua posição na hierarquia social; nem os problemas que lhes afetam são decorrências obrigatórias e universais do declínio biológico inerente ao envelhecimento. Assim, nas sociedades modernas, em especial, pela estratificação social e pelas desigualdades sociais, também há que se considerar uma diversidade de velho e velhices e, por esta razão, interditar uma espécie de uniformização do envelhecimento e dos idosos (cf PAZ, 2000). Isso porque, os homens não vivem e não se reproduzem como iguais, são distintos nas relações que estabelecem na produção da sua sociabilidade. Nesse sentido, o envelhecimento sofrerá determinações econômicas, sociais, culturais, étnicas, sexuais diferenciando-se no tempo e no espaço, interditando tratamentos universalizantes e ahistóricos. Nessa perspectiva, o homem envelhece sob determinadas condições de vida, fruto do lugar que ocupa nas relações de produção e reprodução social. Portanto, conforme Borges (1998), a velhice nunca será uma generalidade, no singular, mas ‘velhices’, dada à pluralidade de manifestações, dentro de uma mesma formação social relacionadas às condições de vida e de trabalho das pessoas. 26 De acordo com Beauvoir (1990, p.13), nos seus estudos realizados na década de 70, na França, conclui que a sociedade impõe à imensa maioria dos velhos um nível de vida tão miserável que a expressão ‘velho e pobre’ é quase um pleonasmo; inversamente: o maior parte dos indigentes é velho. 62 O velho, em sociedades capitalistas, sofre a opressão que se dá tanto pela desigualdade social e de classe, quanto ao confinamento social, dada pela segregação, pelas históricas políticas de assistência social em instituições asilares, que remontam ao século XVIII; como ao abandono ou isolamento pela família que, com as transformações capitalistas, perdem espaço enquanto unidade de produção e reprodução social, que tinham em sociedades anteriores, e se vêem exigidas a buscar os meios de sobrevivência no mercado de trabalho, sem condições de manter seus idosos, financeiramente e com cuidados especiais. Portanto, as questões culturais relacionados aos idosos, como “marginalização social”, “morte em vida”, sujeitos estigmatizados e submetidos a estereótipos negativos, ou efeitos psicológicos, como depressão, solidão, dentre outros, são conseqüências, ou fatores determinados e não determinantes, são resultantes das condições objetivas materiais de existência. Todavia, considerando-se que os trabalhadores idosos perdem o valor de uso para o capital, embora não perca a identidade de classe, não podem representar pela ausência de mecanismos de lutas que sensibilizem a opinião pública e agentes políticos, uma ameaça à ordem política e moral. Como então o envelhecimento ascende a cena pública? Apesar da histórica estratégia e interesse dos exploradores de quebrar a solidariedade entre os trabalhadores, não apenas subjetivamente, como também, objetivamente, criando dualidades no interior da classe trabalhadora, é através das lutas operárias que o envelhecimento ascende à cena pública; considerando também o fato do pauperismo atingir um número muito grande de trabalhadores e suas famílias. Portanto, o processo de reconhecimento do envelhecimento, como uma das expressões da questão social, se inicia justamente com as primeiras gerações operárias que envelhecem (BENOIT-LAPIERRE, 1979; LENOIR, 1979), através das lutas e reivindicações operárias. A conquista da aposentadoria faz parte do conjunto de reivindicações do movimento operário, no início do século XX. Melhorias dos índices salariais, redução da jornada de trabalho, férias, aposentadoria, regulamentação do trabalho de mulheres e crianças dentre outras, motivaram as manifestações grevistas e os congressos operários e sindicais nas primeiras décadas daquele século (cf VIANNA, 1978). É assente na literatura crítica sobre a gênese dos sistemas previdenciários no mundo, terem eles surgidos, principalmente, como resultado das lutas dos trabalhadores 63 que, coletivamente e solidariamente, buscavam encontrar saídas para as péssimas condições de vida e de trabalho que lhes foram impostas pelo capital, pressionando o Estado e a sociedade. Logo, direitos previdenciários, e as políticas sociais destinadas ao segmento idoso, seguem uma trajetória de luta da classe trabalhadora à qual o Estado e a sociedade procuram atender de acordo com a correlação das forças em presença nas diversas conjunturas. Como destaca Granemann (2001), a luta consciente por melhores condições de vida e trabalho nasceu por volta de 1848, quando os trabalhadores franceses se deram conta da miserabilidade de suas vidas e de que seus interesses não eram os mesmos que os da burguesia, evoluindo, posteriormente, com a Comuna de Paris e outras formas de manifestações. Esse processo de construção da consciência coletiva foi acompanhado pela constituição de vários mecanismos de organização dos trabalhadores, de momentos de fluxo e refluxo, considerando-se a repressão desses movimentos, e a necessidade de reacendê-los na luta por melhores condições de vida, por participação política, por direitos sociais, especialmente, na França e na Inglaterra, apesar das tentativas de impedi-los, de tratá-los como caso de polícia, de reprimi-los. Deve-se destacar que as minorias sociais como idosos, crianças, deficientes e desvalidos sempre foram alvo de assistência, por parte da Igreja Católica e seu apostolado, ou da filantropia laica, organizada e sistematizada, incluindo, a filantropia empresarial e outras manifestações da sociedade civil. Entretanto, o que marca o envelhecimento do trabalhador como expressão da questão social é a vulnerabilidade social em massa dos destituídos de propriedades, principalmente, quando não têm ou perdem o valor de uso para o capital, engendrada por estruturas geradoras de desigualdades e pobreza, e as lutas sociais de classe que atingem novos patamares com a organização da classe operária e rompem com o domínio privado das respostas à questão social, ou seja, com a lógica do cuidado familiar e filantrópico para ser alvo de políticas públicas, uma vez que os conflitos passam a serem administrados pelo Estado. Porém, antes disso, apesar das manifestações numéricas do problema da pobreza, e as lutas dispersas, mas sempre presentes, a velhice desamparada foi tomada como uma questão de imprevidência e de responsabilidade moral da sociedade. 64 a) A “política social” sem Estado: a proteção social da sociedade civil – a velhice desamparada como questão de imprevidência. Durante um longo período da fase do capitalismo, sob a hegemonia do liberalismo clássico, havia o que Castel (1998) chamou de uma “política social sem Estado”, para retratar a proteção social sob impulso predominante da sociedade civil e a intervenção estatal esporádica e eventual, apesar de enérgica e repressora, restringindo-se ao combate à pobreza absoluta e ao controle da vagabundagem, através das municipalidades. O liberalismo clássico27 foi a superestrutura ideo-política do modelo de produção do capitalismo industrial-concorrencial, ao mesmo tempo em que foi necessária à estruturação e consolidação desta infraestrutura, portanto, uma relação dialética e não meramente mecânica e economicista, mas uma realidade ontológica, sem a qual a história seria um idealismo guiado pela idéia ou consciência do homem, e não como resultante de suas práticas materiais de existência. Na perspectiva do liberalismo clássico, “nem o preço, nem a oferta, nem a demanda devem ser fixadas ou reguladas; só terão validades às políticas e as medidas que ajudem a assegurar a auto-regulação do mercado, criando condições para fazer do mercado o único organizador, na esfera econômica” (POLANYI, 2000, p.90-91), e na esfera social. Apesar de que um mercado auto-regulável tenha sido um mito, como destaca Polanyi (2000), esse foi uma invenção do Estado, à medida que precisou daquela intervenção para mantê-lo. Essa ideologia predominou durante o século XIX, e funda-se numa minimização da ação do Estado, restringindo-se aos casos da “genuína indigência”, uma vez que considera ser o mercado o maximizador do bem-estar, e a proteção social pública como direito nocivo à liberdade individual, além de produzir paternalismo e tutela estatal. Anterior a esse momento, na Inglaterra, já existia intervenção pública para combater a miséria e a vagabundagem, embora, os contemporâneos ainda não tivessem condições de ligar a quantidade de pobres que crescia nas aldeias, com o desenvolvimento 27 De acordo com Schons (1999, p.76), “o que caracteriza especificamente o liberalismo clássico é o que se convencionou chamar de ‘laissez-faire’, embora seja um ‘erro supor que alguma vez houve um período de puro laissez-faire’ (GRAY, 1988, p.62). No entanto, ‘a conclusão mediata dos melhores historiadores ainda consiste em que o século XIX, como um todo, foi de fato uma idade de laissez faire’ (MERQUIOR, 1991, p.81). Em sua forma ortodoxa, o liberalismo se caracteriza pela pregação da máxima liberdade individual, quando maximizar a felicidade comum depende da busca da felicidade de cada indivíduo, devendo a ação do Estado limitar-se à defesa e garantia dos direitos do indivíduo e deixando a liberdade ao mercado e a vigência aos contratos entre as partes”. 65 do comércio nos setes mares, depois à revolução na agricultura que expulsou os trabalhadores do campo, e à industrialização. Em torno de 1603, foi criada a Poor Law (Lei dos pobres) – chamada lei “elisabetana” – que estabeleceu as diretrizes da assistência aos pobres, exercida através das paróquias - menor unidade administrativa -, mantida por uma taxação obrigatória sobre os habitantes para obter fundos necessários. Nos primórdio da assistência pública, na Inglaterra, ela não era apenas localista, mas também coercitiva. Os pobres considerados capazes de trabalhar eram explorados nas work-hause (casas de trabalho), onde o trabalho era obrigatório e forçado; as crianças eram alugadas a camponeses ou artesãos; os incapazes e os velhos eram recolhidos nos asilos e hospitais. As paróquias, em decorrência dos parcos recursos ou aquelas mais prósperas, só socorriam os indigentes que pertencessem à comunidade, expulsando ou evitando a entrada de pobres em suas fronteiras. Perspectiva reforçada pelo decreto Act of Settlement de 1662, relativo à fixação do domicílio legal das pessoas, restringindo ao máximo a sua mobilidade, um entrave aos direitos civis, indispensáveis à formação do mercado de trabalho para a burguesia. Uma outra tentativa de barrar o livre mercado, principalmente, do trabalho, já que a terra e o dinheiro já tinham sido mobilizados, foi a Speenhamland Law ou Lei de Assistência aos Pobres, na Inglaterra, em vigor de 1795-1834, também conhecida como sistema de abonos, que fornecia um auxílio às famílias, em abonos, até completar a ração mínima, independentemente, se os indivíduos estivessem ou não empregados, uma assistência externa aos asilos e albergues. Conforme Polanyi (2000, p.90), essa lei “introduziu uma invenção social e econômica que nada mais era do que um ‘direito de viver’ e, até ser abolida em 1834, impediu efetivamente o estabelecimento de um mercado competitivo”, embora aponte estes fatos como uma forma de resistência da sociedade ao livre mercado, uma autoproteção da sociedade28, ao jugo incondicional da economia sobre a sociedade. Mas, na verdade, essa lei expressa o interesse do latifundiário rural, uma resistência à nova ordem; são respostas vantajosas às forças do Antigo Regime e para o alívio da pobreza crescente no campo. 28 Concordamos com Schons (1999) quanto diz que Polanyi faz uma leitura insuficiente da sociedade capitalista e/ou mesmo, conforme diz O’Connor (1993, p.40) ’não problematiza suficientemente a sociedade, que passa a não ser entendida como ‘sociedade dividida em classes’, tampouco formula uma teoria adequada do capitalismo e da crise. 66 Segundo Marshal (1980, p.71), isso porque a Poor Law, bem como o Act of Settlement e a Speenhamland Law são itens “num amplo programa de planejamento econômico, cujo objetivo geral, não era criar uma nova ordem social, e sim preservar a existente com um mínimo de mudança essencial”. Todavia, a força da economia capitalista reorganizou a relação capital/Estado. Assim, essas legislações não mais se conformavam à necessidade imperiosa da nova ordem social, que avançava com a industrialização, e que carecia de mão-de-obra móvel cada vez mais abundante, de modo a constituir o mercado competitivo do trabalho. Para essa ordem, a assistência aos aptos ao trabalho era um empecilho, um desestímulo ao trabalho, todavia, por dever moral de cristão, e não por direito, era legítima aos inaptos ao trabalho, principalmente, aos idosos. A New Poor Law, de 1834, se situa na origem do capitalismo moderno (cf POLANYI, 2000), por meio dela são abolidos os abonos e a assistência externa. Os pobres devem voltar aos albergues onde se impõe a tortura psicológica, como desestímulo dos que quisessem ficar internados para receber assistência. Mais uma vez, contraditoriamente, isso era feito por filantropos benignos como um meio de lubrificar as rodas do moinho do trabalho (idem, p.93-4). A assistência assume a forma liberal, ou seja, o auxílio aos necessitados tornou-se seletivo e residual, aos genuinamente indigentes, eliminando a assistência aos que não tinham defeitos físicos, os aptos ao trabalho; “seu objeto declarado era reduzir a pobreza, mas seu alvo mais amplo era liberar a mão-de-obra para constituir o mercado de trabalho” (idem), condição para o investimento industrial, para a transformação do homem em mercadoria, obrigando-o para sobreviver, vender a sua força de trabalho por qualquer preço, deixando grande parte dos pobres à sua sorte e estigmatizando e segregando aqueles sujeitos à assistência, como os idosos. Assim, os preconceitos ou estigmas negativos atribuídos aos idosos não são meramente culturais, mas decorrem das práticas sociais. Nesse contexto, de um lado, o discurso dos filantropos incentivando as instituições de poupanças e de previdência voluntária; de outro lado, o caráter hostil, estigmatizante e seletivo da assistência pública, surgem, então, como alternativa, as organizações mutuais operárias, as chamadas friendly societies, na Inglaterra, destinadas a garantir um mínimo de proteção social aos trabalhadores por iniciativas destes e com seus recursos. Elas 67 asseguraram mutuamente contra o desemprego, doença e o envelhecimento do trabalhador e outros riscos sociais. Na França, também eclodiram sociedades mútuas de previdência como instrumento de auto-ajuda da classe trabalhadora. Mas essas organizações, sempre tiveram uma existência clandestina, dada a Lei Le Chapelier, que proibia os agrupamentos profissionais. Todavia, mesmo se constituindo, também, em espaços de coalizões operárias de luta contra o patronato, como destaca Navarro (1993, p.162): Essas associações converteram-se em guetos de classe que dividiam, mais que unificavam, os trabalhadores. Freqüentemente, só brindavam com cobertura assistencial os mais fortes dentre os trabalhadores, deixando os mais fracos sem proteção. Essas divisões impediram a mobilização de classe. O crescimento do movimento operário obrigou as organizações operárias a redefinirem suas políticas para romper com seus guetos e estabelecer alianças de classe e a reclamarem a ampliação dos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos, independentemente de sua classe, ou de sua inserção no mercado. Na França, também os serviços públicos comportavam duas vertentes: primeiro o sistema dos hospitais, hospícios e asilos, sob o controle das municipalidades, para indigentes inválidos. Segundo, a vertente extra-hospitalar representada pelos postos de beneficência. Contudo, como destaca Castel (1998, p.304), a aposta do liberalismo vai ser a de tentar fazer com que uma política social completa se mantenha dentro desse espaço que é ético, e não político, como um dever de proteção, exercido por meio desta virtude moral de utilidade pública: a beneficência. Uma proteção benevolente e voluntária, de responsabilidade dos cidadãos esclarecidos. Essa “política social” a cargo da sociedade civil impôs novas tutelas, gerou dependência pessoal, e representou um verdadeiro plano de governabilidade política que visava reestruturar o mundo do trabalho a partir de um sistema de obrigações morais, e representou o deslizamento da questão social para o vocabulário próprio do pensamento conservador, onde as reformas sociais estão hipotecadas a uma reforma moral do homem e da sociedade. Segundo Netto (1992), este pensamento conservador tende a desvincular as manifestações da questão social de qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômica-social; trata-se de combatê-la sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. Todavia, a questão social era interpretada totalmente diferente por socialistas e operários e, burgueses. Para os primeiros a solução implicava a abolição da sociedade do 68 trabalho abstrato, considerando que está intimamente a ela relacionada. Mas, do ponto de vista das classes dominantes, essa era interpretada como um problema moral, em que se recusava a intervenção do Estado, e desenvolveram, por sua iniciativa, um conjunto sistemático de procedimentos de intervenção social que ia da assistência aos indigentes, ao desenvolvimento de instituições de poupança e de previdência voluntária à organização da proteção social patronal. Conforme Castel (1998), as caixas econômicas e as sociedades de socorro mútuo, de iniciativa filantrópica, embora seu impacto econômico tenha sido reduzido – considerando-se os parcos salários operários -, foram as mais aptas para realizar o mandato da reabilitação moral das classes trabalhadoras, pois se atribuía aos riscos sociais, dentre eles o risco da pobreza no envelhecimento, à imprevidência dos trabalhadores, à sua incapacidade moral de poupar. A pobreza, de uma forma geral, e a velhice desamparada, de um modo particular tomadas como imprevidência, remetem a idéia de que esses são problemas individuais, resultantes da incapacidade de poupar pensando no futuro, de arranjar trabalho, de preguiça, dentre outros. O seu combate é também concebido como pertinente à esfera de responsabilidade privada e individual de cada um, sendo valorizado, sobretudo, o caráter voluntário das ações então implementadas pela sociedade civil, como um dever moral dos cidadãos. É por isso mesmo que o exercício da beneficência começa a ser uma relação descontínua e incerta. Deve ser localizada, e não poderia ser global, socorrendo os pobres em massa, como população; mas deve tomálos um a um, adquirindo as formas que convém a cada caso individual. A ação de beneficência só pode ser uma ação moralizadora: ela deve produzir uma conversão – converter o pobre em sua relação consigo mesmo, com o mundo e com os outros. Suas práticas são eminentemente educativas e centradas no indivíduo (EWALD, 1987 apud SCHONS, 1999, p.116). Outra forma de filantropia é aquela que se institui nas empresas, a cargo do patronato. O patronato institui um sistema de proteção visando atrair e manter fixa a força de trabalho. Como parte desse sistema, destacam-se as caixas de pensão e aposentadoria, que assimila a velhice dos operários à “invalidez”, isto é, à incapacidade para produzir; medidas estas que visam também reduzir os custos da produção, desfazendo-se em condições honrosas, dos trabalhadores idosos que aos seus olhos ganhavam demais pelo rendimento fornecido, e ainda poderia dividir a responsabilidade como os demais trabalhadores através das cotizações. Além dessas garantias, outras como o 69 restabelecimento da saúde, melhorias de habitações próximas ao local de trabalho, donativos em situação de miséria, educação, lazeres, subsídios de invalidez, apoio para viúvas ou órfãos de operários, dentre outras, organizando uma seguridade do operário à custa da sua dependência absoluta. A exemplo das caixas de aposentadoria, a problemática do trabalho é colocada como uma questão de imprevidência com o futuro, para com as situações de riscos, incluindo a velhice desamparada, portanto, numa perspectiva moralizante. Além disso, as caixas eram geridas pelos capitalistas29 ou representantes municipais, e não eram obrigatórias, ampliando as relações de dependência e a idéia de concessão. Por isso, as reivindicações por aposentadoria demoram a entrar nas pautas de reivindicações dos trabalhadores, sendo sua luta por manter os trabalhadores idosos no trabalho30. Posteriormente, as lutas são por um sistema de aposentadoria obrigatório e gerido pelo Estado, assumindo a dimensão de direito social, graças às lutas operárias, que romperam com o domínio privado da relação capital/trabalho, trazendo-a para o espaço público, sujeita a políticas públicas. A ruptura com o domínio privado em que se encontrava a reprodução social do trabalhador, - a cargo da família, do mercado, instituições filantrópicas – (confessionais ou laicas) -, foi rompida não apenas por sua incapacidade de deter o crescimento da pobreza, mas pela luta de classes, o que implica considerar “o proletariado constituído como classe para si, e a burguesia operando estrategicamente como agente social conservador e o peso específico das classes e camadas intermediárias” (NETTO, 1992, p.50). Ainda, conforme Netto, para o proletariado é nos anos 60 do século XIX, que o refluxo iniciado das amargas derrotas sofridas (com a Comuna de Paris), se vê revertido. Inicia-se um longo processo, que só estará consolidado às vésperas da Primeira Guerra Mundial, pelo qual a classe operária urbana elabora os seus dois principais instrumentos de luta social-política: o sindicato e o partido proletário. Através desses instrumentos de luta a classe operária 29 Castel (1998), ao analisar o caso francês, mostra que o controle das caixas de aposentadoria pelos capitalistas foi motivo de crescente oposição operária. Os trabalhadores tinham que enfrentar além da desonestidade de alguns patrões, o fato de que a falência das empresas acarretava a falência das caixas, e os operários eram espoliados de suas cotizações. 30 Isso porque, conforme Castel (1998), a única forma social que pode assumir o direito de viver, para os trabalhadores, é o direito ao trabalho, está é a forma que os operários redefinem a questão social a partir de suas próprias necessidades imediatas, mas, posteriormente, com o desenvolvimento da consciência de classe e com a formulação teórica da gênese e reprodução da questão social, fruto das pesquisas de Marx, o movimento dos trabalhadores atinge a consciência crítica de que a solução para a questão social é a dissolução da sociedade capitalista. 70 promove uma verdadeira socialização da política, que vai do sufrágio universal aos direitos sociais, em que o princípio democrático confundiu-se com as demandas imediatas dos trabalhadores. Buscando neutralizar as intervenções classistas sócio-políticas dos trabalhadores, não apenas pela via dos mecanismos coercitivos e repressivos, ou de uma política social de cunho moral, voluntária e benevolente, emergem um conjunto de proteções públicas que a experiência de Bismack, na Alemanha, instituindo o Seguro Social Público, de modo a antecipar-se frente às lutas sociais, é pioneira e expressiva de uma nova modalidade de enfrentamento da questão social. Essa passagem para o intervencionismo estatal31 ou protecionismo não é, como defende Polanyi (2000), fruto da consciência social dos impactos negativos da expansão do mercado, portanto, dos interesses da sociedade32 e não das classes sociais. Mas, das mudanças no modelo produtivo do capitalismo e, conseqüentemente, do novo modelo de regulação estatal, além do estado da luta de classes e da correlação de forças entre capital e trabalho. Polanyi (2000), nessa análise, desconsidera que o motor da história é a luta de classes; que as classes não estão restritas a interesses econômicos imediatos, incluindo também interesses político-sociais; que a classe que domina, não domina apenas economicamente, mas também, politicamente e culturalmente; e que a hegemonia não se faz apenas com a coerção, mas eminentemente com o consenso, desde que não afete seus interesses básicos de classe. Atribuir à luta de classes a passagem do “Estado restrito” ao “Estado ampliado” ou ao Estado Social é atribuir força de transformação aos interesses de classes: de um lado, a 31 Polanyi (2000) diz que esta expressão deve ser relativizada, pois indica que antes o Estado não era intervencionista, que havia um verdadeiro liberalismo clássico e o laissez-faire, que para ele foi um mito; “os mercados livres jamais poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem seu curso. Assim como as manufaturas de algodão – a indústria mais importante do livre comércio – foram criadas com a ação de tarifas protetoras de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi imposto pelo Estado” (p.170). 32 Polanyi (2000) atribui aos interesses da sociedade e não das classes a motivação para o protecionismo, concluindo que as restrições subseqüentes ao laissez-faire se iniciaram de maneira espontânea, não planejada, em diversos países, que implantaram legislações antiliberais em relação à saúde, seguro social, legislação trabalhista, comércio municipal, associações comerciais etc. Suas causas são a correção dos perigos inerentes a um sistema de mercado auto-regulável para a sociedade como um todo, os riscos de ruptura da coesão, de anômia e, portanto, da necessidade de proteção social pública, visão compartilhada por muitos sociólogos da questão social, entre eles Castel (1998). 71 classe burguesa e seus interesses de expansão e controle do mercado mundial, de efetivar sua hegemonia, imprimindo a direção intelectual e moral à sociedade, necessitando, para isso, efetivar concessões para obter o consenso. De outro lado, a classe trabalhadora e sua luta constante por melhores condições de vida e de trabalho, tendo como horizonte, o fim da ordem burguesa. Além do estado da luta de classes, inclui-se como fundamental o movimento que se dá na base material, tais como as alterações no modelo de produção, nos novos modelos de gestão do trabalho que se instauram com a fase monopolista33 do capitalismo, alterando as funções e papéis do Estado, esses também determinados pela luta de classes. Nessa perspectiva, o Estado Social não é um Estado a-classista, como pressupõem algumas análises, ou Estado como palco do interesse geral. Antes, ao contrário, é um Estado capitalista que só assume a máscara do interesse geral para manter o interesse particular, e só assume essa dimensão à medida que se vê pressionado pelos movimentos sociais de classes, portanto, essa condição social do Estado está articulada à sua dimensão econômica, política, financeira, dentre outras, em geral, à relação capital/Estado. b) Luta de classes e o Estado Social: a velhice como vulnerabilidade social e de responsabilidade pública. Reconhecer a força da luta de classes como determinação no intervencionismo estatal, não deve restringir as análises ao domínio político, nem ao seu inverso, como resultante unilateral do capitalismo monopolista. Mas, deve-se tratar base e superestrutura de forma dialética. Como já foi anunciado, o advento do imperialismo e do monopolismo são fundamentais para explicar o intervencionismo estatal, a adoção do planejamento econômico, das políticas sociais de cunho estatal, mas, cuja direção, também dependeram das lutas de classes. 33 O capitalismo monopolista, para efetivar-se com chances de êxito, demanda mecanismos de intervenção extra-econômicos. Daí a refuncionalização e o redimensionamento da instância por excelência de poder extra-econômico, o Estado, de modo a garantir os super lucros do monopólio, com funções diretas, com sua inserção como empresário nos setores básicos não rentáveis, a assunção do controle de empresas capitalistas em dificuldade, a entrega aos monopólios de complexos construídos com fundos públicos, os subsídios imediatos aos monopólios; e as indiretas como as encomendas/compras do Estado, assegurando aos capitais excedentes possibilidade de valorização; além da reprodução ampliada do capital, [a garantia da] conservação física da força de trabalho ameaçada pela superexploração, transformando a função de preservação e o controle contínuos da força de trabalho, ocupada e excedente [...]” (NETTO, 1992, p.21). 72 Isso porque, o Estado é uma forma social que sofre variações temporais e espaciais. Como destaca Farias (2000), o Estado não pode ser visto como um valor universal, um ideal abstrato, uma forma fixa, irregular e aleatória. Ao contrário, o fenômeno estatal obedece a leis que trazem a marca da história, em articulação orgânica com as formas assumidas pelo ser social na produção e na reprodução social. Na perspectiva marxista, Mandel (1982) analisa as mutações da forma-Estado no capitalismo, ou seja, a partir de sua relação orgânica e dialética com o capital, assim define o Estado como ‘capitalista total ideal’ na fase concorrencial do capitalismo, que impulsiona uma tendência a autonomação do aparato estatal “servindo aos interesses de proteção, consolidação e expansão do modo de produção capitalista como um todo, acima e ao contrário dos interesses conflitantes do ‘capitalista total real’ constituídos pelos muitos capitais do mundo real” (idem, p.336). Ainda, conforme Mandel (1982), a transformação do capitalismo concorrencial para o imperialismo ou capitalismo monopolista alterou as funções objetivas desempenhadas pelo Estado. Ao mesmo tempo, pelo menos na Europa Ocidental, a ascensão do capitalismo monopolista coincidiu com o aumento da influência política do movimento operário. Esse desenvolvimento teve efeitos contraditórios sobre a evolução do Estado burguês na fase monopolista. Por um lado, o surgimento de poderosos partidos das classes trabalhadoras aumentou a urgência e o grau do papel integrador do Estado, ampliando a legislação social. Essa tendência à ampliação da legislação social determinou, por sua vez, uma redistribuição considerável do valor socialmente criado em favor do orçamento público, que tinha de absorver uma porcentagem cada vez maior dos rendimentos sociais a fim de proporcionar uma base material adequada à escala ampliada do Estado monopolista (idem, p.348). Portanto, a efetivação do intervencionismo estatal é mediatizada pela correlação de forças entre as classes. Nessa perspectiva, as alternativas sócio-políticas do capitalismo vão do welfare state ao fascismo, dependendo dessa correlação de forças. Assim, na busca de legitimação política, através do jogo democrático, o Estado é permeável às demandas das classes subalternas, especialmente, aos seus interesses e reivindicações imediatas. Somente nessas condições, a partir desse jogo de interesses, é que as seqüelas da questão social são objetos de uma intervenção contínua e sistemática por parte do Estado. 73 Conforme Vacca (1991), após a organização das classes trabalhadoras e a progressiva expansão do sufrágio, o parlamento não pode mais funcionar como sede da unificação política das classes proprietárias. Há uma desagregação da esfera pública burguesa, na acepção de Habermas (1984). Essa não é mais o lugar onde as classes dominantes podem elaborar a agenda política nacional e centralizar a decisão sem pactuar com as classes subalternas. Além disso, para o autor, a burguesia também imprimiu a necessidades da intervenção do Estado. Isso porque, por um lado, as crises sistemáticas desde a segunda metade do século XIX, cujo ápice foi à crise de 1929, uma crise de superprodução e subconsumo, embora durante esse período se produzisse uma extraordinária concentração de capital, e desde o início houvesse um poderoso salto tecnológico gerando desemprego e uma enorme disponibilidade de mão-de-obra barata, crescendo a tendência de economia de trabalho vivo; por outro lado, deixou claro que os mecanismos de mercado enquanto tais não eram suficientes para a retomada dos investimentos e da produção demandando, também, mecanismos de intervenção extra-econômicos. Daí a refuncionalização e redimensionamento da instância por excelência do poder extra-econômico, o Estado. Assim, demandada pelo capital e pelo trabalho, a intervenção do Estado é socialmente legitimada, na proteção social e na economia. A solidariedade social consubstanciada na contribuição material de muitos, para efetivação da chamada redistribuição, via sistemas de seguridade social e como expressão da solidariedade entre classes (antídoto que corroí as bases da solidariedade internacional da classe trabalhadora) – administrada pelo Estado através da montagem de um sistema de proteção social34 é, como destacam Abreu e Lopes (2003), funcional aos interesses da acumulação e dominação capitalistas, consolidada no bojo do Estado de Bem-Estar. É, portanto, a partir das lutas operárias e seus mecanismos de organizações, que o envelhecimento do trabalhador ganha visibilidade política, e rompe, com a sua dimensão privada, sob a responsabilidade da família, da vizinhança, das instituições filantrópicas, para assumir a dimensão de problema social, de caráter estrutural e sujeito a respostas no 34 Conforme Di Giovanni (1998, p.10), “sistema de proteção social, são as formas – às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas – que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros”, sendo diversos os critérios de alocação de recursos e esforços para esse fim, variando de sociedade para sociedade, critérios esses que não são neutros antes expressam relações de poderes, projetos hegemônicos de classes. Os sistemas públicos cujos critérios são políticos, administrados e geridos pelo Estado, substitui outras modalidades de alocação de recursos dominantes, em especial aqueles predominantes nas sociedades liberais, embora mantenha mecanismos de continuidade com aquele individualismo. 74 âmbito estatal. A partir de então, com a instauração progressiva dos sistemas de proteção social públicos, denominados Welfare States, apesar da diversidade de modelos e variações, o envelhecimento do trabalhador assume a condição de vulnerabilidade social, cuja proteção é de responsabilidade pública, uma questão de seguridade social. Embora, a existência e constituição dos sistemas de proteção dessa natureza não excluam a persistência ou estabelecimento de outras formas de proteção mercantis ou não-mercantis, com interações diversas com o sistema público, e mantenha mesmo nesse último, mecanismos de intervenção que transmuta os problemas sociais em problemas individuais, compondo um misto de rupturas e continuidade com as formas de intervenção social anteriores. Dentre as rupturas com as formas de proteções anteriores (civis, privadas), destacase a criação do Seguro Social proposto por Bismarck (1883), na Alemanha, que depois se espalhou por vários países, e mesmo os países que adotaram a Seguridade Social, não romperam totalmente com a noção de Seguro Social, principalmente, na política de Previdência Social, embora inclua outras fontes de financiamento como os impostos e não apenas as contribuições. A grande mudança está relacionada, ao gerenciamento do Estado, não apenas como financiador, mas como administrador, e seu caráter de obrigatoriedade, como uma responsabilidade social com as situações de riscos sociais, como desemprego, doença, invalidez, maternidade, e velhice. A inovação em relação à política social com o seguro compulsório foi que este criou uma espécie de relação contratual entre o segurado e o Estado, a qual gerou segundo Marshall (1975), um novo fenômeno político, contrário a idéia de concessão e caridade. Os benefícios eram devidos, como especificados, porque as contribuições tinham sido pagas, e o governo era parte contratante sendo responsável por seus termos e pela sua execução fidedigna. Entretanto, aprofundou as diferenciações entre os beneficiários do seguro e da assistência. Como destaca Castel (1998, p.384): [...] o seguro é uma tecnologia universalista. Abre caminho para uma ‘sociedade seguracional’, como tendência pelo menos, o conjunto dos riscos sociais poderia ser coberto. É também uma tecnologia “democrática”, no sentido de que todos os segurados ocupam uma posição homóloga e intercambiável num coletivo. Entretanto, o paradoxo é que as primeiras aplicações do seguro obrigatório foram limitadas às categoriais da população ameaçada de decadência social, tendo, um primeiro momento, funcionado como uma analogia da assistência. 75 Todavia, em alguns países, foram as categoriais mais combativas as primeiras a se beneficiarem do seguro social, em outros, os mais privilegiados, como alguns servidores públicos, mas todos dependeram da correlação de forças presentes em cada conjuntura. A relação de classes35 também está na origem das variações dos modelos36 de proteção social, sob a denominação de Welfare State, aliados a outros dois fatores: as estruturas de coalizões políticas de classe; e o legado histórico da institucionalização do regime. Assim, nos EUA, o modelo liberal-assistencial é resultante da baixa articulação dos trabalhadores e da não incorporação das camadas médias emergentes na aliança que possibilitou o New Deal (a aprovação do Social Segurity Act de 1935), institucionalizando um dualismo político entre os assistidos e os que conseguem proteção no mercado. A expansão do regime ‘bismarckiano’, em paises com Áustria, Alemanha, França e Itália, como sistema de proteção social, instituído anteriormente por forças conservadoras, se deu pela adesão da classe média aos programas ocupacionais. Quanto ao modelo Beveridge, as fortes coalizões que o implantaram, tanto na Inglaterra, quanto nos países nórdicos, tiveram que redefinir suas estratégias com as mudanças na estrutura de classes operadas no pós-guerra (cf ESPING-ANDERSON, 1991). A Seguridade Social – denominação criada para sublinhar a distintividade da nova concepção em relação aos restritos seguros sociais existentes até então – ampliou-se durante o pós Segunda Guerra Mundial, mantendo-os, porém, como no caso da política de Previdência Social, mas incluindo outras fontes de financiamento, através de impostos e não apenas da relação contribuinte/contribuição, atingindo toda a população trabalhadora, além de incluir outras políticas como a assistência social e a saúde, apesar dessas nem 35 Conforme Navarro (1993, p.165), a obtenção de benefícios de cobertura universal por parte da classe trabalhadora dependeu de quanto poderosa eram suas organizações. Nos países onde a influência da classe operária aumentou, predominaram os programas de cobertura universal e os programas sociais baseados na (avaliação) dos testes de meios foram dramaticamente reduzidos. Nos países onde a classe operária era débil como nos EUA, o Estado de Bem-Estar também é débil (com cobertura limitada e não universal), e os serviços foram administrados de maneira que debilitaram, mais que fortaleceram, a solidariedade de classe dos trabalhadores, pois institucionaliza fragmentações entre assistidos e não assistidos e os que conseguem proteção no mercado. 36 De acordo com a tipologia apresentada por Esping-Anderson (1990), destacam-se três modelos: o liberal, o corporativo e o social-democrata. No primeiro, o Estado intervém expost, quando os canais naturais de satisfação de necessidades (indivíduo, família, mercado, redes comunitárias) mostrem-se insuficientes, portanto, a intervenção é seletiva e assistencial, focalizada em grupos e indivíduos vulneráveis, com a utilização de testes de meio e controle dos beneficiários. O segundo o conservador-corporativista, é discriminatório, determinado pela inserção profissional, com direitos e obrigações ligados ao status, ocupação ou produtividade. O terceiro, o social-democrata, baseia-se na universalidade (cidadania, com garantia de distribuição de bens e serviços extramercado a todos os cidadãos), com ampla cobertura de riscos e contingências. 76 sempre constituírem políticas de seguridade social em todos os modelos, incluindo outras políticas ou excluindo, conforme o modelo de proteção social institucionalizado em cada país. A adoção da Seguridade Social, como sistema de proteção social, assinala uma data decisiva na história da assistência, segundo Ewald (1997 apud SCHONS, 1999), aquela em que a problemática da ajuda e do socorro, que já perdera a sua significação religiosa, perde a sua dimensão moral, passando a ser sancionada como direito social de “cidadania”, pelo fato de pertencer a uma dada comunidade política e não mais pela evidência de necessidades ou com base no contrato. Todavia, esse modelo de proteção social foi predominante apenas em alguns países europeus, com uma série de variações, incluindo o modelo liberal-residual que manteve o princípio da necessidade e dos testes de meios para aquisição da assistência social. Na Inglaterra, o rompimento com a Poor Law se dá gradativamente e teve como marcos a criação do Sistema Nacional de Saúde e a Junta de Assistência Nacional. Em primeiro lugar, o auxílio pecuniário foi transferido das taxas para os impostos, o que equivale a dizer, das autoridades regionais para uma assembléia nacional. Pôs-se fim à velha tradição do mundo ocidental de que o cuidado ao indigente compete a seu vizinho. Em segundo lugar, os benefícios pecuniários foram, em conseqüência, nitidamente separados dos serviços pessoais. [...] Abria-se o caminho para o desenvolvimento dos modernos serviços de assistência social, oferecidos a todos que deles necessitam e livre de qualquer sabor da caridade ou da mácula da indigência (MARSHALL, 1975, p.106). Em relação à assistência social dirigida aos idosos, conforme Beauvoir (1990), durante muito tempo, ela foi praticada em vários países entre estes os EUA, da mesma maneira que na Inglaterra. Os velhos válidos eram confinados às famílias que pedissem menos dinheiro para sustentá-los; os incapazes eram confinados em asilos do condado, paróquia e outras modalidades de administrações públicas locais, que servia ao mesmo tempo de hospital, de asilo psiquiátrico, de orfanato, de casa para velhos e deficientes. Esse quadro se altera na Inglaterra, como descrito acima, no pós-guerra, com a criação da Junta Nacional de Assistência Social, promovendo uma ruptura com o tratamento desumanizante dos asilos - verdadeiras prisões pelo estilo arquitetônico e pelo tratamento dispensado - 77 envidando esforços para construir asilos37 de menor porte, nos quais se pudessem dispensar algumas considerações às necessidades especiais desse segmento. Além de garantir serviços assistenciais na aquisição de óculos, próteses, aparelhos auditivos e serviços médicos e de saúde especializados. Também nos EUA, a depressão dos anos 1930 modificou as formas de assistência, com o estabelecimento de doações federais aos Estados que amparavam às pessoas idosas, e, posteriormente, como a adoção dos seguros sociais que asseguravam o envelhecimento de parte dos trabalhadores, especialmente, àqueles que não podiam comprá-los no mercado. Nesse período, iniciam-se esforços em vários países no sentido de melhorar as condições de vida dos idosos. Além do acesso à renda mínima, aos que não eram assegurados pela Previdência Social, há uma preocupação com as formas de habitações, asilares ou não. Em Copenhague, criou-se a célebre “Cidade dos Velhos”, com habitações apropriadas para os idosos. A Suécia construiu a partir de 1947, 1.350 casas de aposentados, abrigando 45.000 pessoas. Nos EUA, foram criadas “Cidades do Sol”, para idosos de um nível de vida mais elevado. Se no geral essa direção da política social melhorou as condições de vida dos idosos, gerou, por outro lado, a segregação social pelo critério da idade. Importa destacar que o envelhecimento do trabalhador tornou-se uma condição de risco assegurada pelas políticas públicas, em especial, as de Seguridade Social38, como Assistência Social, Previdência e Saúde, tomadas como direitos sociais. A exemplo, dentre as situações de risco, o envelhecimento é um dos principais. Vianna (2000, p.57), analisando os programas de seguridade social, destaca: “os programas mais freqüentemente encontrados continua a ser o de acidentes de trabalho (em 1940, 57 países haviam estabelecido seguros contra acidentes de trabalho; em 1988, 136 países), seguido pela aposentadoria por idade e invalidez e pensões para sobreviventes (33 países em 1940, 135 paises em 1988)”. 37 A despeito do progresso realizado desde a guerra, 37.000 velhos ainda viviam em antigas instituições da Lei dos Pobres, em 1960, e havia aproximadamente outros 37.000 em outros tipos de asilo público (cf PETER TOWNSEND apud MARSHALL, 1975, p.165). 38 No Social Security Programs Throughouth the World são considerados programas de seguridade aqueles que cobrem cinco conjunto de riscos: a) velhice, invalidez, sobreviventes; b) doença e maternidade; c) acidentes de trabalho; d) desemprego; e, e) necessidades familiares (cf U.S. DHHS, 1992 apud VIANNA, 2000, p.57) 78 Essas políticas dirigidas aos idosos buscam atender as demandas relacionadas às condições de vida, suprir os meios de subsistência dos trabalhadores velhos. Nesse período, o envelhecimento do trabalhador é identificado e associado à situação de pobreza, a qual essas políticas visavam combater, além de outras como saúde, habitação, que objetivavam melhorar as condições de existência dos idosos. Todavia, apesar da generalização dos sistemas de aposentadoria e assistência social, Beauvoir (1990), analisando a situação francesa do final da década de 1960, diz que pobreza e velhice é quase um pleonasmo, e que há um rebaixamento das necessidades dos idosos legitimado por essas políticas. Assim, se o trabalhador foi considerado um ser “isento de necessidades”, como destaca Heller (1986), à medida que suas necessidades foram homogeneizadas e reduzidas à sua sobrevivência: vive para poder manter-se, ou como ressalta Marx, “o operário somente deve ter o suficiente para querer viver e somente deve querer viver para ter” (idem, p.65), devendo privar-se de toda necessidade para satisfazer uma só, manter-se em vida, não apenas de seus sentidos imediatos, mas também da participação dos interesses gerais, dentre outros, o trabalhador velho, então, foi rebaixado ou tratado como um ser nãohumano, cujas necessidades estão abaixo de um trabalhador ativo, legitimado pelas políticas. Assim, destaca Beauvoir (1990, p.293), sobre o caso francês, “o aposentado de 65 anos só recebe 40% de seu salário; e o cálculo é feito de acordo com a remuneração dos últimos dez anos, que nem sempre é a mais elevada, [...] Por outro lado, o aumento das pensões está longe de seguir o do custo de vida: não ultrapassa 10% por ano”. Diz ainda, que se a situação do pessoal de alto e médio escalão não é tão penosa, também acarreta perda de status e uma queda de nível de vida. Mas, segundo a autora, a situação dos mais pobres é escandalosa: o diário oficial (1969) fixa em 225 francos por mês, ou seja, 7,30 francos por dia, os rendimentos mínimos dos velhos; um milhão dentre eles dispõem apenas desta quantia: duas vezes e meia o sustento de um detento da justiça comum. Um milhão e meio sobrevivem com menos de 320 francos por mês. Isso equivale a dizer que aproximadamente a metade da população idosa estava reduzida à indigência (idem). 79 A situação dos trabalhadores pobres e velhos, nos EUA, também é drástica, Harrington na sua obra “A outra América”, citada por Beauvoir (1990), retrata a situação de indigência de milhões de velhos, vítimas de um ‘turbilhão de decadência’: As pessoas pobres ficam doentes com mais freqüência do que as outras porque moram em pardieiros insalubres, porque se alimentam mal e porque mal conseguem aquecer-se; não dispõem de meios para se cuidarem e suas doenças se agravam, impedindo-os de trabalharem exacerbando-lhes a pobreza. [...] Alguns dentre eles tornam-se ‘recrutas da miséria’ depois de uma existência normal, na qual seu trabalho era corretamente pago. Com a idade suas capacidades diminuíram, e eles não conseguem mais encontrar emprego porque estão tecnicamente ultrapassados; mesmo no campo a mecanização acarreta a evicção das pessoas idosas. A aposentadoria implica uma queda brutal de seus recursos. Mas entre os indigentes, a maior parte sempre foi pobre. Na juventude haviam vindo para a cidade, e ali não tinham prosperado. Por outro lado, os operários agrícolas não são amparados pela Previdência Social. O conjunto dos miseráveis – aposentados com rendimentos insuficientes ou trabalhadores sem aposentadoria – têm que recorrer aos serviços de assistência. Há estados – entre outros, o Mississipi – que são muito pobres e nos quais os auxílios concedidos são irrisórios. Em toda parte, os entrevistadores são hostis aos solicitantes: a metade dos pedidos é rejeitada. Os velhos são obrigados a arranjar documentos que muitos deles não possuem; freqüentemente são semi-analfabetos ou mesmo mal falam o inglês; ficam aterrorizados com as formas e ao aparato do bureau de assistência. Essa burocracia impessoal e impotente os humilha sem atender às suas necessidades. O serviço de assistência – o Welfare State – funciona ao contrário. Proteção, garantias, auxílios vão para os mais fortes e organizados, e não para os fracos [...] (idem, p.303). Todavia, mesmo sob esse quadro de fundo das desiguais condições de velhice, são a França e os Estados Unidos os pioneiros numa mudança na direção das políticas e programas dirigidos aos idosos, de uma nova “sensibilidade” em relação ao envelhecimento, na proposição de políticas que têm como alvo o estilo de vida dos idosos e propõem novas práticas como o lazer, férias, serviços especializados de saúde, atividades educativas e culturais, dentre outras. Com a generalização das políticas públicas, tais como a Previdência Social e Assistência, não apenas como instrumento de combate à pobreza, mas de acesso a toda população, em especial, aos que contribuem com os seguros sociais, distinguindo a relação entre benefícios e necessidades, e a expansão e garantia de mínimos sociais a todos os cidadãos, proporcionaram nos países desenvolvidos, distribuição de renda e redução das desigualdades. Esse quadro europeu alterou a relação entre pobreza e velhice, detectada nas pesquisas gerontológicas a partir da década de 1960, apesar do quadro sombrio dos que necessitam da assistência, em especial, a asilar e dos mínimos sociais para sobreviverem, 80 as baixas aposentadorias para algumas categorias e a redução dos proventos, na maioria dos casos de aposentadoria. Todavia, a direção dessas pesquisas centra-se numa problemática que afeta os aposentados e pensionistas numa dimensão sócio-cultural, ou seja, o sentimento de desvalorização por está fora do mundo do trabalho e das condições de reprodução social, de inutilidade e inatividade, a perda de papéis sociais, as mudanças de hábitos e do emprego do tempo, solidão, isolamento social, os estereótipos negativos, dentre outros. Apesar de algumas pesquisas, citadas por Beauvoir (1990), mostrarem que a ociosidade pesa entre os problemas enfrentados no envelhecimento do trabalhador, todavia, o descontentamento é com a pobreza, principalmente, entre os trabalhadores de baixa renda. Em resposta a essa “marginalização social” dos idosos, a valorização social e as estratégias de re-socialização aparecem, então, como alternativa a essa condição. Essa seria a origem e a razão de ser dos programas para a “terceira idade”, dentre eles, os clubes, associações, grupos e centros de convivência, universidades para a “terceira idade”, e outros, que, no geral, estimulam a prática de uma velhice ativa, a negação dos preconceitos e estereótipos negativos e a crença na possibilidade de se viver a melhor fase da vida “depois dos 60 anos”, dando visibilidade às experiências inovadoras e bem-sucedidas de envelhecimento e fechando o espaço para as situações de pobreza, abandono, dependência. No melhor estilo liberal, os EUA aparecem como pioneiros num novo formato de programas para idosos, aqueles em que esses idosos são os próprios promotores de seu bem-estar, incentivando-os e a sociedade civil, em geral, a construírem respostas à problemática do envelhecimento. Assim, os próprios idosos, ou jovens, sindicatos, igrejas, dentre outras organizações da sociedade civil, organizam associações ou clubes para idosos, em que promovem distrações, jogos, excursões, discussões, representações teatrais, dentre outras atividades. Criou-se naquele país, também os chamados “Centros Diurnos”, em que os idosos passam o dia e retornam à família à noite, os primeiros foram abertos durante a última guerra, e havia em torno de quarenta deles na década de 1960, em Nova York, onde os aposentados de um bairro se reuniam, possibilitando ter uma vida social e exercer certas atividades tais como lazeres sociais, culturais e físicos. Também na França, um elemento inédito é acrescentado a esses novos programas e marcou as formas de enfrentar as refrações da questão social: trata-se da presença do trabalho voluntário, na implementação e execução dos programas, financiados ou não pelo 81 Estado. Na década de 1960, a experiência de Grenoble - cidade francesa -, desenvolvida pelo serviço de pessoas idosas, criou 23 clubes de lazer, animados por duas profissionais assalariadas em tempo integral e, aproximadamente, cinqüenta voluntários, que atendiam cerca de 2.000 idosos, com atividades culturais, manuais e físicas. Sobre a expansão desses programas, destaca Attias-Danfurt (1976), que em 1972, na França, já havia 2.040 clubes para a “terceira idade”. Três anos depois já eram 7.000. Na Inglaterra e no País de Gales, em 1973, somavam-se outros 7.000. Também havia experiências desse tipo no Japão, Suécia e outros países. A forma de intervenção social propostas nesses espaços reatualizam tanto o comunitarismo na execução da política, o trabalho voluntário, quanto o grupo como terapia social que permite a ressocialização e a superação do problema, no caso a negação do envelhecimento e de sua problemática social, retomando-o para a esfera individual. Assim, destaca Attias-Danfurt (1976, p.3-4), citando Maryvonne e Caillard: [...] O ‘clube de Lazer’, enquanto um serviço social, é definido por suas funções: a mais visível é aquela que poderíamos chamar de função de socialização, o que inclui uma resposta aos problemas da solidão, mais vai mais além. Segundo Maryvonne Caillarde, ‘o clube visa a preencher as expectativas relacionais, permite um encontro com o outro, o orientador e os aposentados do grupo’, mas essa função mediatiza uma participação mais ampla: o clube permite aos membros adquirir uma identidade. Num nível mais profundo, ele tem um papel de ‘terapêutica social’, de ‘prevenção contra o envelhecimento’. O clube está aqui situado dentro de uma perspectiva de política de ação social que permiti colocar em evidência a importante impregnação do setor social no nascimento e no desenvolvimento dos clubes. A expansão desses programas para a “terceira idade” deve-se não apenas à gerontologia internacionalista e seus esforços em homogeneizar a problemática do envelhecimento e as políticas a essa dirigida, mas também a seus elementos chaves, num contexto de crise do Estado de Bem-Estar Social: os baixos custos para o Estado; mobilização da solidariedade direta, através de organizações da própria sociedade civil, que reduz a demanda do Estado; o trabalho voluntário na ação social, reduzindo os custos do programa; capacidade de gerar novos comportamentos ativos e geradores de uma vida ativa e saudável reduzindo a demanda por serviços públicos, principalmente, de assistência médica e asilar; a capacidade de manter o idoso na família, na comunidade, tendo-os como parceiros na proteção social ao idoso, portanto, a possibilidade de redistribuir as responsabilidades sociais no enfrentamento das refrações da questão social. 82 Esse mix público/privado que se expande na Europa com o trabalho voluntário, uso social do tempo “livre”, do cooperativismo e toda uma práxis da chamada “cidadania solidária”, juntamente com formas empresariais de proteção insinuam, segundo Vianna (2000), a construção de um Welfare Society. Para os otimistas, desconsiderando o crescimento do sistema privado de proteção social, portanto, o lucrativo, essa versão nãolucrativa da proteção social, não é substitutivo do Welfare State e, sim, complementar a ele; trata-se de uma nova modalidade de relação Estado/sociedade e delineiam um mix público/privado, no qual o Estado normatiza, subvenciona, estimula e a sociedade organizada realiza. Para os realistas, mesmo que não signifique o desmonte do Welfare State, o reconstrói sob novas bases, residuais e compensatórias da pobreza e cada vez menos redistributivistas e universalistas, uma desresponsabilização do Estado, funcional ao modelo neoliberal de redução da ação do Estado no trato da questão social. Segundo a literatura gerontológica, essas mudanças no modo de tratar a velhice, devem-se a uma nova “gestão da velhice”, uma socialização promovida pelos “experts” da velhice, pela mídia e pelos programas dirigidos aos idosos. Outros atribuem a essa “nova sensibilidade” em relação à velhice, às mudanças no mundo do trabalho, como a perda da centralidade do trabalho, na integração e nas identidades sociais, cuja relativização teria proporcionado uma nova imagem dos que estão fora do sistema produtivo, destruindo os estigmas e preconceitos relacionados a essa condição, principalmente, do velho. Todavia, são processos estruturais que estão na origem dessas mudanças, tanto na particularidade da “problemática social” do envelhecimento, ou sua negação, quanto no modo de tratar as demais refrações da questão social. O primeiro, entre esses processos estruturais, está relacionado à crescente estratificação da classe trabalhadora, ainda na fase monopolista, e também dos seus mecanismos de lutas e demandas, aprofundadas com a nova fase do capitalismo - em seu processo de reestruturação econômica e sócio-política - que acentua essa fragmentação, tanto objetiva quanto subjetiva. O segundo, às transformações no sistema produtivo, em especial, o avanço do capital financeiro para áreas não-mercantilizadas, como espaços de reprodução ampliada do capital, e às mudanças culturais e políticas necessárias a essa expansão. O processo de expansão do capital e sua reestruturação, na fase monopolista, são contraditórios: de um lado, contribui, pela adoção do fordismo e de seus métodos e 83 processos de trabalho, para a concentração da classe operária, por outro lado, a necessidade do consumo e de diferentes formas de realização da mais-valia no mercado, expande o capital e cria novas frentes de trabalho em outros ramos e serviços, gerando uma grande estratificação da classe trabalhadora. Conforme Bravermann (1981), a estrutura modificada da empresa capitalista, com o processo de centralização e concentração, com a formação dos cartéis, com as fusões de empresas para domínio do mercado mundial, a empresa desfaz o vínculo direto do capital e seu empresário individual, e o capitalismo monopolista ergue-se sobre sua forma; o controle operacional recai cada vez mais sobre um funcionalismo gerencial, além da divisão das atividades produtivas subdivididas entre departamentos funcionais, tendo em seu domínio: o planejamento, organização da produção, inspeção ou controle da qualidade; apuração de custos de fabricação; expedição e transporte; compra e controle de estoque; manutenção da fábrica e da maquinaria, energia, administração e preparo do pessoal. No mercadejamento também subdividido em seções de vendas, publicidade, promoção, correspondência, pedidos, comissões de vendas e outras. Além da divisão financeira e suas próprias divisões para empréstimos, cobranças, supervisão do giro do dinheiro, relação com os acionistas, dentre outras. Por sua vez, o aumento das instituições públicas e das políticas públicas, para atender às refrações da questão social, produz também um enorme volume de serviços (saúde, educação, assistência, etc.), ampliando o setor de serviços públicos. Também aumentaram os empregos em escritórios, bem como as ocupações de serviços e comércio maior. Nessas circunstâncias, cresce o trabalho improdutivo, pois não produz diretamente mais-valia, mas é parte da lógica do capital: Os efeitos úteis do trabalho, em tais casos, não servem para constituir um objeto vendável que encerre seus efeitos úteis como parte de sua existência na forma de mercadoria. Ao invés, os próprios efeitos do trabalho transformam-se em mercadoria. Quando o trabalho não oferece esse trabalho diretamente ao usuário de seus efeitos, mas, ao invés, vende-o ao capitalista, que o revende no mercado de bens, temos então o modo de produção capitalista no setor de serviços. [...] à medida que essas formas variadas caem sob os auspícios do capital e se torna parte do domínio de investimento lucrativo, entram para o capitalismo no reino do trabalho geral ou abstrato. (BRAVERMANN, 1981, p.303 e 308). 84 Assim, a complexificação da sociedade salarial passa a incluir na sua estruturação um salariado “burguês” (como é chamado por Castel (1998), que inclui os quadros médios e superiores), inclusive, nos quadros da indústria, como já descrito anteriormente, além do crescimento das atividades terciárias que estão na origem da proliferação de um salariado não-operário, tais como: serviços de comércio, bancos, nas administrações das coletividades locais e do Estado, das atividades de comunicação, publicidade, dentre outras, que crescem mais que o salariado operário acentuando-se, na nova fase de reestruturação do capital e da revolução tecnológica informacional. Além dessa estrutura da classe trabalhadora, a ampliação da cobertura da Seguridade Social, com a expansão da Previdência Social e sua extensão a setores mais diversificados da sociedade, incluindo categorias não-assalariadas, como as profissões independentes e os regimes especiais e complementares de previdência, levou a que Castel (1998) chamou não de um ajustamento à margem do sistema previdenciário, mas um outro sistema. Destaca que o organograma da Seguridade Social francesa dá uma projeção da estrutura da sociedade salarial, isto é, de uma sociedade hierarquizada em cada grupo profissional, e cada vez mais com demandas de políticas também diferenciadas. Portanto, com a generalização da aposentadoria, em idades cada vez mais reduzidas, a ampliação da longevidade e da expectativa de vida, nos países desenvolvidos, fez surgir um grupo cada vez maior de aposentados com peso suficiente na sociedade, demonstrando dispor de saúde, independência financeira e disponibilidade de tempo, o alvo principal dos novos discursos e comportamentos atribuídos genericamente a todos os idosos, mascarando não só a velhice doentia, marginalizada e dependente, mas desconsiderando os fundamentos materiais da sua existência, independente do lugar que ocupam na sociedade capitalista e outras diferenças. Essas mudanças na “sensibilidade”39 em relação ao envelhecimento, que superdimensiona essa etapa da vida como “tempo de lazer e realizações pessoais”, nega a problemática social do envelhecimento do trabalhador, na contemporaneidade, e têm como 39 A literatura gerontológica atribui a existência de uma “nova sensibilidade” da sociedade e Estado com relação à velhice, expressa na preocupação com necessidades desse grupo etário para além das necessidades estritamente necessárias, ampliando-as para o lazer, esporte, cultura, educação, dentre outras. E para se referir a mudanças na imagem social da velhice e do idoso como seres capazes, ativos e produtivos. Usamos o termos sob aspas, ou como já citado anteriormente como um processo de pseudovalorização, tendo em vista os interesses do capital em transformar parte deste grupo em consumidor manipulado de mercadorias, bens e serviços de entretenimento, para os quais são necessários mudanças culturais, de hábitos, comportamentos, atitudes e imagens tradicionais associada a velhice.. 85 pressuposto o envelhecimento das classes médias, cuja pseudovalorização está relacionada ao crescimento do consumo diferenciado e não mais massificado, de mercadorias, bens e serviços, típicos da nova fase expansionista do capitalismo. Como destaca Debord (2005, p.25): Embora na fase primitiva da acumulação capitalista a economia política não visse no proletário senão o operário que deveria receber o mínimo indispensável para a preservação da sua força de trabalho, sem nunca ser considerada nos seus lazeres, na sua humanidade, esta posição de idéias da classe dominante inverte-se assim que o grau de abundância atingindo na produção das mercadorias exige um excedente de colaboração do operário. Este operário completamente desprezado, diante de todas as modalidades de organização e vigilância da produção, vê a si mesmo, a cada dia, do lado de fora, mas é aparentemente tratado como uma grande pessoa, com uma delicadeza obsequiosa, sob o disfarce do consumidor. Então o humanismo da mercadoria toma a cargo os ‘lazeres e humanidade’ do trabalhador, muito simplesmente porque a economia política pode e deve dominar agora, também estas esferas, enquanto economia política. Assim, a ‘negação da humanidade’ é agora a negação da totalidade da existência humana. Entretanto, o consumo de massa pouco atingia os idosos, dado que a previdência pública se colocava como política de combate à pobreza, sendo uma grande parte reduzida a proventos mínimos, mas que tende a se alterar à medida que essa política se expande para outros setores da sociedade salarial, acompanhando sua complexificação. Contudo, é o advento da previdência complementar dos fundos de pensão e da previdência privada, logo, a expansão do capital para as áreas não-mercantilizadas, que inclui também, a saúde, lazeres e serviços especializados, que tornou esse segmento um nicho de mercado, necessitando, todavia, derrubar as barreiras culturais e comportamentais que impediam esses idosos de se tornarem um consumidor em potencial. As novas formas de tratar o envelhecimento, especialmente, dos setores médios, mas generalizados para todas as velhices, estão estreitamente relacionadas com o que Jameson (1984 apud DEBERT, 1999, p.20) caracterizou como a prodigiosa expansão do capital, principalmente, depois dos anos 1970, para áreas não-mercantilizadas, e como essa expansão reelabora as concepções sobre o corpo e saúde, difundem concepções autopreservacionistas, da juventude como um valor, da necessidade de manter-se ativo, saudável, de exercitar-se, adotar novos comportamentos, como iniciativas que dependem do indivíduo, difundindo a lógica do capital para esse tempo da vida dos trabalhadores. 86 A cultura do consumidor, como destaca Featherstone (1992 apud DEBERT, 1999, p.20): Prende-se a uma concepção autopreservacionista do corpo que encoraja os indivíduos a adotarem estratégias instrumentais para combater a deterioração e a decadência (aplaudida pela burocracia estatal, que procura reduzir os custos com a saúde educando o público para evitar a negligência corporal) e agrega a essa concepção a noção de que o corpo é um verdadeiro veículo do prazer e da auto-expansão. Cultura essa, portadora de uma auto-responsabilização do indivíduo pelo seu estado físico, sua saúde, seu bem-estar difundida pela gerontologia e programas para a “terceira idade”. c) Política social na sociedade capitalista contemporânea e os programas para a “terceira idade”: a velhice como responsabilidade individual. A expansão do capital financeiro a partir da década de 1970, para setores nãomercantilizados, antes sujeitos a políticas públicas desmercadorizantes, agora espaço de reprodução ampliada do capital, está relacionada às transformações do sistema produtivo e, conseqüentemente, à superestrutura ideo-política, logo, contou com o avanço das idéias e medidas neoliberais, da retomada do mercado como mecanismo regulatório e maximizador do bem-estar social, que se não significou desmonte do Estado intervencionista, fim do Estado de Bem-Estar Social, modificou seus papéis e funções, principalmente, com restrições no atendimento das demandas dos trabalhadores e, portanto, da sua capacidade de adotar políticas sociais públicas de cunho redistributivistas e “universalistas”, condição indispensável para o avanço do mercado naquelas áreas. Isso porque, o capital avança não apenas gerando novas necessidades, como também criando os meios de satisfazê-las, tanto os objetos, os serviços quanto os valores e os comportamentos necessários a essa satisfação, mas, cujo fim, não é o homem e suas ricas necessidades e, sim, a valorização, auto-expansão e as necessidades reprodutivas do capital. Merece destaque o papel que os fundos de pensão40 e a previdência privada jogaram nestas mudanças de “sensibilidade” em relação à população idosa. Esses se 40 Nos Estados Unidos, os fundos detêm um patrimônio de US$ 5 trilhões, aproximadamente 65% de seu PIB; na Inglaterra, o patrimônio dos fundos de pensão é cerca de 800 bilhões de dólares e corresponde a 70% do PIB do país; na Holanda, o patrimônio é de 332 bilhões de dólares, superior ao PIB em 13%; no Brasil, o montante de recursos patrimoniais dos fundos de pensão atinge a casa de 145 bilhões de reais, ou aproximadamente 15% do PIB brasileiro (GRANEMANN, 2001, p.83-84). 87 transformaram em agências financeiramente poderosas que, na condição de estarem entre os maiores investidores, têm o poder de ditar as regras e os ritmos dos mercados financeiros, hoje responsáveis pelo processo de centralização e concentração de capital e pela financeirização da riqueza. Lenoir (1979) mostra que, na França, a concorrência entre esses grupos financeiros leva-os não apenas a assegurar um rendimento mensal aos aposentados, mas também a oferecer uma série de outras vantagens e serviços, tais como: férias, clubes e diferentes tipos de alojamentos. Empregando profissionais em diferentes áreas de formação, na pesquisa das condições de vida e das necessidades dos velhos, essas instituições contribuíram ativamente para a invenção da “terceira idade”. Destaca ainda que, as caixas de aposentadoria de executivos, foram, na França, as primeiras a implementar serviços que tinham a preocupação de alocar o tempo da aposentadoria, propor formas de residências e programar férias para seus beneficiários. Tais benefícios ampliaram-se depois, em graus distintos, para outras categorias de aposentados. Essa “nova sensibilidade”, segundo esta pesquisa demonstra, também está relacionada aos movimentos sociais e as pressões ou problematizações que as organizações técnico-científicas dos “experts” da velhice vêm desenvolvendo em termos internacionais, influenciado os movimentos em prol dos idosos e as políticas sociais destinadas a esse segmento, em todo o mundo. Essas organizações lutaram pela ampliação e garantia do atendimento das necessidades dos idosos, para além daquelas meramente de sobrevivência, como também, por participação social, autonomia, direitos civis e políticos, necessidades culturais, educacionais, dentre outras, como antídotos contra a situação de “marginalidade” e preconceitos contra os idosos, mas, contraditoriamente, negam o seu objeto e a própria problemática do envelhecimento do trabalhador ao difundirem as modernas imagens da velhice, como tempo de realização, do “fazer prazer”, que depende da motivação do indivíduo, da proteção da família, e da comunidade. Não por acaso, o termo “terceira idade” surge no final dos anos 1960, na França, a fim de exprimir uma nova realidade de velhice, realidade essa não mais associada a tempo de vida marcado pela miséria, doença e decadência, mas, um tempo de atividades desligadas da vida profissional e familiar, um tempo específico de lazer, em que novos valores coletivos são elaborados. O gerontólogo francês Huet propôs para esse estágio da existência humana a designação “terceira idade”, materializada com a implantação nos 88 anos 1970, da Universidade para a Terceira Idade, popularizando-se no vocabulário mundial. Essa expressão tem um sentido aparentemente libertário, dado que se contrapõe às visões tradicionais de compreensão da velhice, como doença, decadência, perdas, que, segundo Néri (1999), são típicas das pesquisas sociológicas, ou das primeiras pesquisas gerontológicas, acusadas de reproduzirem estereótipos da inatividade, passividade, improdutividade e outros déficits atribuídos socialmente à velhice, como se eles não tivessem uma base material, que é a sociedade capitalista. Todavia, essas tentativas de negação dos estereótipos tradicionais atribuídos à velhice são tão maléficas quanto as primeiras, que marginalizam e excluem, e suas causas são as mesmas, as relações de produção e reprodução sob o jugo do capital e sua lógica de desvalorização do ser humano e de suas necessidades e qualidades, que só lhe interessa enquanto força produtiva ou enquanto consumidor. Além das tentativas de homogeneizar a compreensão de experiências de envelhecimento, desconsiderando as diferenças de classes, etnia, gênero, dentre outras, funcionando como uma ideologia da velhice (cf HADDAD, 1986), cuja função é fornecer respostas genéricas que justificam a naturalização e a aceitação dessa realidade como uma situação inexorável. Além disso, a difusão da expressão “terceira idade”, para expressar o envelhecimento moderno, supervaloriza essa etapa da vida com comportamentos ativos, joviais, dinâmicos e termina-se por negar o envelhecimento. Seu objetivo, na realidade, passa a ser a busca da juventude como alguma coisa que sempre pode ser alcançada, desde que se tenham formas de consumo e estilos de vida adequados (cf DEBERT, 1999). Portanto, não se trata de valorização da pessoa idosa, mas da afirmação do valor à juventude. Gradativamente, a problemática dos trabalhadores velhos vai se deslocando, tanto das lutas dos trabalhadores ativos, quanto da problemática dos mais pobres, e a velhice, que ganha visibilidade pública, em função da sua capacidade de consumir, é aquela dos setores médios e abastados. Assim, destaca Lenoir (1998, p.87): A constelação semântica tradicional que designa a velhice de fato, a das classes populares, a única de que se falava publicamente, ainda nos anos 50, com seus ‘velhos sem recursos’, seus ‘velhos entrevados’, e seus ‘enfermos senis’, abandonados em ‘asilos’ – apaga-se em benefício de uma outra que tende a exprimir a forma como ela é considerada nas classes médias com suas ‘pessoas idosas’: essas pessoas com ‘idade 89 avançada’ ou ‘idade de ouro’, moram nos ‘lares do sol’ ou nas ‘residências-luz’, se distraem nos clubes da terceira idade ou seguem cursos nas universidades da terceira idade. A contradição no interior desse movimento de visibilidade pública do envelhecimento, pela Gerontologia, foi denunciada por Debert (1997, 1999), por um processo que ela chamou de reprivatização da velhice, ou seja, ao mesmo tempo em que se enfatiza a velhice como um problema social (sujeito a políticas públicas), portanto, de responsabilidade pública, a gerontologia tem que se legitimar frente a seus clientes idosos, “vendendo” a idéia de que a velhice pode ser uma etapa de lazer, de auto-satisfação, prazer, logo, uma questão de autoconvencimento, de motivação, envolvimento, e assim, de responsabilidade individual. Ao difundir essa idéia, nega seu próprio objeto, a velhice, e fecha o espaço para as situações de abandono e dependência. Essas situações passam a ser vistas como conseqüências da falta de envolvimento em atividades motivadoras, socializadoras ou da adoção de formas de consumo e estilos de vida adequados. Tomam-se, os resultados das pesquisas de Debert (1999) como eixo norteador das análises das formas de respostas à problemática do envelhecimento do trabalhador, nesta pesquisa, ora exposta, mas, o que denomina de reprivatização do envelhecimento, toma-se, nesta última, como um reforço da cultura privacionista, promovido pela política setorial, instrumento de direitos dos idosos, e programas sociais para esse segmento, além de serem, também, expressões do controle social sobre o tempo de vida dos idosos e do planejamento externo de comportamentos, atitudes e sentimentos considerados legítimos. A mudança de expressão se justifica à medida que a individualização ou transmutação de problemas sociais em problemas individuais, bem como a presença do sistema privado de proteção social (mercantil ou não-mercantil), serem constantes no capitalismo, mesmo em fase de maior intervencionismo estatal sobre a questão social, apesar das peculiaridades que essa relação público/privado apresenta em cada modelo de produção e regulação capitalista. Interessando a esta pesquisa resgatar e explicar as atuais formas de simbioses entre público/privado, através das experiências concretas de proteção social ao envelhecimento, da sociedade civil e do Estado (a partir da legislação e das tendências que se cristalizam no modo de fazer política social na contemporaneidade). Um outro diferencial em relação às análises de Debert (1999) está relacionado às determinações desse processo. Enquanto a autora toma os processos ideais (como os discursos contraditórios de visibilidade pública da velhice pelos “experts”, embora estes 90 tenham por base as mudanças efetivadas pelos programas para idosos, discursos da mídia, mercado e outros), como determinantes da privatização – ou retorno do envelhecimento para o âmbito privado - abordando-a como uma questão interna aos “experts” e aos seus discursos. A perspectiva desenvolvida, neste estudo, a insere em bases materiais, ou seja, no movimento do capital, nas transformações dos processos produtivos e reprodutivos, que ao reatualizar o ideário liberal, sob novas roupagens, reforça a cultura privacionista no trato da questão social, gerando uma cultura de consenso no modo de fazer política social, tendência na qual se inserem as políticas para idosos. Esse ideário e as práticas que fundamenta, promovem uma rearticulação entre o “público” e o “privado”, na provisão de serviços sociais, e que para efetivar-se com chances de êxito (tanto para o avanço do mercado como provedor de bens e serviços, como para restrição da ação estatal) requer a responsabilização do sujeito por seus problemas e na solução desses. Os problemas sociais, dentre esses, o do envelhecimento do trabalhador, como responsabilidade individual, são resultantes dos seguintes processos imediatos: a) a influência do pensamento conservador no interior das disciplinas “científicas”, nas quais emergem as análises e propostas de intervenção social; b) as novas funções do Estado ou novo modelo de regulação social, que tem reduzido suas funções na reprodução social do conjunto da classe trabalhadora, restringindo sua ação e dividindo a responsabilidade no trato da questão social, com a sociedade civil, ou seja, mercado, organizações nãogovernamentais e a família, vizinhança, comunidade, como instâncias de proteção social; c) a expansão do consumo, agora diferenciado e para as populações portadoras de renda, atingindo os diversos tempos do trabalhador, inclusive o seu tempo “livre”, principalmente, dos idosos com tempo disponível para o consumo, mas que para isso, foi necessário desfazer todos os obstáculos que o impediam de ser um consumidor em potencial, criar novos valores e comportamentos, e difundir uma cultura autopreservacionista e individualista na busca do bem-estar. Os determinantes desses processos imediatos são as transformações no sistema produtivo, não apenas uma modificação técnica e tecnológica dos processos de trabalho, mas também uma ofensiva classista que visa antes atingir a classe trabalhadora, tanto em seus mecanismos de organização, quanto em suas conquistas históricas de proteção pública; deslegitimando o espaço público (estatal) no trato das refrações da questão social, 91 e instaurando um “novo” trato as suas refrações no campo moral, solidário e voluntário da ajuda da sociedade civil. Nessa perspectiva, a ofensiva do capital, como resposta à crise na década de 1970, se expressa pelo processo de reestruturação produtiva impulsionado pela terceira revolução industrial, com a incorporação de avanços tecnológicos, que cada vez mais reduz o trabalho vivo e amplia, sem precedentes, o desemprego, que assume dimensões estruturais e engendra formas de precariedades nas condições de trabalho, dados os objetivos do capital de redução dos custos de produção, domínio do mercado mundial e à fragmentação (objetiva e subjetiva) da classe trabalhadora. Se expressa também, por uma ofensiva político-ideológica, de recomposição das bases de hegemonia do capital, que nasce na produção, na busca da captura da subjetividade do trabalhador, mediante a cooperação no processo produtivo e fora dele, difundindo uma cultura solidarista entre classes antagônicas tanto no enfrentamento da crise, quanto no trato da questão social, deslegitimando a solidariedade social41 administrada pelo Estado que deu origem as políticas públicas de corte social, reatualizando práticas filantrópicas e o trabalho voluntário no trato das mazelas sociais e viabilizando a mercantilização de serviços sociais para o público que pode pagar por eles. Essa cultura solidarista, como destaca Abreu et al (2002, p.2), dissimula as conseqüências das saídas neoliberais do capital a sua própria crise, dado que essas aprofundam as desigualdades sociais e acirram os antagonismos entre classes sociais – condição e grande ameaça desse padrão de acumulação. Nesse processo, a solidariedade entre sujeitos antagônicos, isto é, entre capital e trabalho, reafirma-se como uma estratégia ideológica de controle social face ao agravamento e ao enfrentamento da questão social, base da constituição dos processos político-pedagógicos na organização da cultura dominante – como cultura que se prende ao consenso. 41 Conforme Abreu et al (2002, p.2) “a solidariedade social é, pois, o contraponto da solidariedade de classe e afirma-se concretamente como uma modalidade de ideologização e mascaramento da distribuição desigual e da suposta superação dos antagonismos de classe”. Todavia, contraditoriamente também expressou o reconhecimento público e estrutural dos problemas sociais que afetavam a classe trabalhadora, e cuja reprodução social passou a ser garantida pelos fundos públicos. A solidariedade local e voluntária é um retrocesso a esse processo de reconhecimento da questão social e de enfrentamento público, embora estes visassem o controle da classe trabalhadora e quebrar a solidariedade de classe. Esta nova estratégia trata-se de reatualizar a solidariedade entre classes antagônicas e responsabilizar os sujeitos e indivíduos pelo seu próprio bem-estar e problemas sociais, mas mantendo e ampliando a reprodução do capital com os fundos públicos. 92 Como destacado neste estudo, o capital tem, historicamente, mobilizado mecanismos de contratendência para enfrentar as crises cíclicas de sua reprodução, imprimindo redefinições de suas práticas e na intervenção do Estado, também determinado pelo estado das lutas de classes. Todavia, dado o fracasso completo da experiência do chamado socialismo real nos países do Leste Europeu, e a pulverização das lutas das classes subalternas em torno de direitos por categoriais específicas - produto da democracia burguesa - deram origem a uma correlação de forças, em que as forças conservadoras ganham terreno na orientação econômica, política e social, apesar das resistências da classe trabalhadora - atingida pela redução do proletariado, pela formação do subproletariado, pelos desempregados e pelo surgimento de um neocorporativismo nos seus movimentos de classe, que afetam sua consciência de classe. É nesse cenário que as forças conservadoras tentam redirecionar as mudanças na regulação estatal à luz das idéias neoliberais e ganham repercussões internacionais, fortalecidas pelas tendências da reestruturação do capital e pela ausência de contraponto ou ofensivas unificadas contrárias. O Estado intervencionista (na reprodução do capital e trabalho) passa a ser o alvo das críticas, responsabilizado pelas crises econômicas, pelo endividamento, pelos déficits fiscais, pela redução das taxas de lucro, inflação e demais mazelas da sociedade atual, e a proteção social pública é acusada de promover paternalismo e desestímulo ao trabalho. Como destaca Oliveira (1998), os ataques dos neoliberais aos gastos sociais são uma maneira de destruir a relação do fundo público com a estrutura de salário, correção das desigualdades e dos bolsões de pobreza, concluindo que os neoliberais não propõem o desmantelamento total das funções do fundo público como antivalor, como suporte à acumulação capitalista, mas visa o repasse da reprodução social dos trabalhadores à esfera privada, sob a máscara do discurso da solidariedade direta, da cooperação, da ampliação da participação “cidadã”, legitimando os novos modelos de intervenção do Estado e repassando para a sociedade civil - completamente destituída de sua acepção materialista e classista - a responsabilidade pelo trato das refrações da questão social. Essa perspectiva de divisão de responsabilidades no trato da questão social, à medida que reduz a demanda do Estado e restabelece os laços de solidariedade direta, têm seduzido conservadores e “progressistas”, e está relacionada ao mix público/privado, com a participação da sociedade civil (incluindo o mercado) na provisão de bens e serviços, 93 restringindo o Estado ao papel de normatizador, fiscalizador e, em alguns casos, financiador. Trata-se de uma nova modalidade de proteção social, agora sob a rubrica de pluralismo de bem-estar, ou bem-estar misto, como alternativa, que mantém os sistemas públicos de intervenção social, mas sob novas bases (mais restritivas - focalizadas e seletivas). Apesar das perspectivas ditas progressistas da esquerda se autodenominarem contrárias ao Estado Mínimo neoliberal, são a ele funcionais, ao proporem a denominada “participação solidária” da sociedade civil. Trata-se, na verdade, de uma forma de desresponsabilizar o Estado com as refrações da questão social, de remetê-las a um campo que é ético e moral, ao da benemerência da sociedade civil, da filantropia, e não a um campo político de responsabilidade estatal. Deve-se ressaltar que o avanço da ideologia neoliberal e do “desmonte” que promove do sistema de proteção social (público) não atinge a todos os países da mesma forma. Conforme Esping-Andersen (1995, p.104), “com exceção de alguns casos, o quadro dominante com respeito ao Welfare State, é o de uma ‘paisagem congelada’. [...] sistemas de seguridade social não se prestam facilmente a reformas radicais, e quando estas se realizam tendem a serem consensuais”. Apesar de reconhecer situações de impasse em alguns países, e outros que “adotaram” a rota neoliberal e aqueles que vêm realizando reformas conservadoras como os Estados Unidos e Inglaterra. Conclui que no interior do grupo de Welfare State avançado, apenas alguns poucos deram passos radicais de recuo ou desregulamentação do sistema existente. Entretanto, reconhece que todos foram obrigados a cortar benefícios ou a introduzir medidas de flexibilização. Assim, apesar de não seguirem reformas privatizantes, destaca que um processo ‘silencioso’ de privatização pode estar a caminho em muitos países, por causa principalmente da erosão gradual dos níveis dos benefícios ou dos serviços. Assim, mesmo os autores que rejeitam a tese de “desmonte” do Welfare State reconhecem que medidas contencionistas, seletivizadoras e privatizantes ganham terreno, ainda que com fôlego e alcance distintos. Além de reconhecerem a existência de uma nova modalidade de proteção social, chamada de Welfare Society, que vem sendo organizado em parceria com o Estado, próprio da chamada “cidadania solidária” que mobiliza organizações comunitárias, movimentos sociais, partidos de esquerda, dentre outros, em países diversos, entre eles a Suécia e Itália, na execução de serviços sociais. Todavia, essas 94 alterações também são funcionais à lógica de desresponsabilização do Estado, de redução de suas demandas com a reprodução do conjunto da classe trabalhadora e legitimam um “novo” trato às refrações da questão social, mesmo em países desenvolvidos e com longa tradição de proteção social pública. Nessa perspectiva, gradativamente, e por mecanismos diversos, instaura-se uma “nova cultura” de fazer política social, aquela em que o Estado normatiza, subvenciona, estimula como um regulador externo, e a sociedade organizada realiza. Assim é que se explicam, as orientações gerontológicas e das organizações internacionais como ONU e OMS na condução das políticas dirigidas aos idosos, no sentido de serem de responsabilidade do Estado, da sociedade civil e da família. Além do investimento na velhice bem sucedida, ativa e saudável, como critério universal de enfrentamento da problemática do envelhecimento, que dá origem a programas preventivos e sócio-culturais, centrados no indivíduo, na sua vontade e motivação para reverter o quadro de experiências socialmente produzidas. Ao difundirem uma cultura autopreservacionista da saúde, do corpo, do bem-estar físico e mental autoresponsabilizam os idosos pelos seus problemas, independentes das condições materiais de existência, engendrando processos de controle social do tempo livre dos idosos e de privatização das formas de enfrentamento desse problema social, conforme explicitado nos capítulos subseqüentes. Essas novas tendências no desenho das políticas sociais, impostas aos países periféricos pelo ajuste estrutural à nova ordem mundial globalizada, inviabilizam as incipientes e parciais práticas de proteção social pública e reforçam o caráter assistencial e compensatório do combate à pobreza nas intervenções do Estado e as históricas relações entre o “público” e o “privado” na prestação de serviços sociais. Com o objetivo de explicitar as condições materiais particulares que constituem o envelhecimento do trabalhador como uma das expressões da questão social, em países de capitalismo periférico, e reconstituir as lutas sociais que problematizam as necessidades sociais dos trabalhadores em cena pública, bem como as formas de respostas do Estado e sociedade, em especial, através do sistema público de proteção social, centralizou-se as análises do segundo capítulo, nos processos históricos particulares responsáveis pela constituição da problemática social do envelhecimento e das relações entre Estado/sociedade no Brasil. 95 Deve-se ressaltar que nas sociedades periféricas, como a brasileira, a constituição do sistema de proteção social público ganha peculiaridades próprias, em função do modo como se estruturam as relações Estado/sociedade, como os setores subalternos vocalizam suas demandas em cena pública, como essas são institucionalizadas no aparelho de Estado, como se dá às relações entre as classes, e se estrutura o sistema de dominação, além das determinações dos processos de reestruturação do capitalismo mundial e as redefinições que promove nas funções e papéis do Estado, de modo a gerar um Estado adaptado às novas necessidades reprodutivas do capital. Assim também, contra o viés neocolonialista das estruturas de saber sobre a problemática social do envelhecimento do discurso da gerontologia internacional, com forte influencia nos movimentos sociais em prol dos idosos, que desconsidera as diferenças de classes, o saber local e os processos históricos particulares, busca-se destacar as medições que relacionam as singularidades do capitalismo periférico ao movimento global do capital e peculiarizam a situação do idoso em sociedades periféricas, ao mesmo tempo em que lhe dá características gerais, comuns à condição de trabalhadores envelhecidos. 96 3 A PROBLEMÁTICA SOCIAL DO ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR, LUTAS SOCIAIS E OS MECANISMO DE PROTEÇÃO SOCIAL NO CAPITALISMO PERIFÉRICO BRASILEIRO. A perspectiva de análise da “problemática social” do envelhecimento, pela via da questão social, tomando-se as lutas sociais como um de seus elementos constituintes, segue uma perspectiva metodológica que formula sua interpretação, pautando-se na investigação dos sujeitos da história. Essa perspectiva remete à compreensão da ação das classes dominantes, da classe trabalhadora e de seus diferentes mecanismos de manifestação, bem como à política institucional do Estado, principalmente, através das políticas públicas de corte social e dos determinantes no seu desenho institucional, para além dos meros interesses imediatos em jogo na política, isto é, procura apreender as formas de respostas à questão social a partir dos projetos societários das classes e de suas lutas pela manutenção e/ou conquista da hegemonia. Na questão social, conforme a interpretação apresentada nesta pesquisa, estão explícitos: tanto os determinantes materiais e estruturais, referentes às condições de existência, sob o jugo do capital, que transforma o envelhecimento do trabalhador em um problema social quanto os elementos políticos e ideais, referentes às lutas sociais, aos processos de consciência dessas necessidades não satisfeitas e sua problematização em cena pública, como também as formas de respostas do Estado e sociedade. Em relação às condições materiais de produção e reprodução social, estas estão relacionadas à predominância do sistema produtor de mercadorias sob a ditadura do trabalho abstrato e do trabalho morto como sistema mundial que assume peculiaridades na periferia, em função das condições de subordinação e exacerbação da exploração do trabalho vivo. Isso se justifica porque a emergência da sociedade do trabalho abstrato não obedeceu a um modelo universalizante, nem ocorreu no mesmo período histórico. Essas diferentes formas de transição para o capitalismo geraram variados modelos de relação Estado/sociedade, que se alteraram de acordo com as necessidades do capital em expansão, com o grau de organização dos trabalhadores, e com as coalizões e pactos realizados, ou seja, com os interesses em jogo, que modificaram a correlação de forças e imprimiram diferentes formas ao Estado (sem alterar a forma-Estado, generalidade que o articula ao 97 capital) com a reestruturação de suas funções e papéis. Esse Estado (em suas diferentes formas) trata, de maneira distinta, as demandas sociais originadas pela classe trabalhadora, o que configurou padrões diferenciados de políticas sociais. Diante disso, parte-se da hipótese de trabalho que a forma particular de transição para o capitalismo no Brasil, em fase tardia42, quando os países capitalistas centrais já desenvolviam a Segunda Revolução Industrial, - em contexto de nova fase da mundialização do capital, com alterações na divisão internacional do trabalho e imposição aos Estados nacionais periféricos da necessidade de difusão das relações mercantis, engendrando a natureza de classe do Estado -, e as necessidades das classes dominantes internas e suas formas de conduzir essa transição, vão conformar uma especificidade ao capitalismo e ao Estado periférico, bem como à problemática social do envelhecimento dos trabalhadores e à relação Estado/sociedade, logo, ao sistema de proteção social montado para responder às refrações da questão social, em especial, a do envelhecimento do trabalhador. A análise das políticas sociais, como resposta às refrações da questão social, será dimensionada em períodos históricos, aqueles que a literatura consensualmente estabelece como de emergência, consolidação, expansão e reestruturação (progressista no final da década de 1980, e conservadora no início da década de 1990, até os dias recentes) do sistema de proteção social sob a intervenção estatal, embora as relações entre “público” e “privado”, na prestação de serviços sociais, tenham sido uma constante. Todavia, afirma-se o intervencionismo estatal nas expressões da questão social, desde quando o Estado assume a tarefa de desencadear um sistema nacional de proteção social com a montagem do padrão de seguridade social, como parte de uma cultura de fazer política social estabelecida mais explicitamente nos pós-guerras, pela correlação de forças e necessidades expansionistas do capital monopolista, mas que assume peculiaridades, tais como: 42 A noção de capitalismo em fase tardia usada neste estudo, não deve ser confundida com as análises de Ernest Mandel (1982), em seu livro “O capitalismo tardio”, denominação dada à atual fase do capitalismo. Segundo as análises do autor, o capitalismo passou por três momentos fundamentais, e cada um deles tem significado uma expansão dialética em relação aos períodos anteriores, o que envolve mudanças e manutenções: esses três momentos são: o capitalismo de mercado, o Estado monopolista ou imperialismo, e o capitalismo tardio, este último marcado por uma prodigiosa expansão do capital até zonas antes nãomercantizadas, convertidas agora em áreas de reprodução do capital. O sentido utilizado neste estudo, todavia, aproxima-se das análises de João Manuel Cardoso de Melo, que analisa as especificidades do capitalismo latino-americano, pelo seu ponto de partida, que é a condição de economias exportadoras e por seu momento histórico de emergência, quando o capitalismo monopolista se torna dominante em escala mundial, portanto, ocorrendo uma industrialização capitalista retardatária em relação às outras formações capitalistas européias. Inclui-se ainda uma outra característica: a dependência dos capitais estrangeiros. 98 fragmentação dos beneficiários e benefícios, “universalização” por baixo, baixa eficácia e efetividades das políticas sociais, articulada as estratégias de privatização e filantropização destas, elemento constante no modo de enfrentar a questão social no país. As lutas sociais também são resgatadas como mecanismos de problematização de necessidades sociais não satisfeitas no envelhecimento. Essas manifestações vão das lutas operárias aos movimentos sociais em prol dos idosos, nas últimas décadas, que vocalizam demandas por política setorial e por outros instrumentos legais de direitos sociais aos idosos, para além das políticas de seguridade social. Mas, grande parte desses movimentos sociais não apenas se autonomiza das lutas de classes, como também reproduz sem criticidade o discurso da solidariedade entre classes, das parcerias, do voluntariado, além de assumir funções do Estado na implementação das políticas, contribuindo, contraditoriamente, para anular o campo dos direitos sociais pelo qual tais movimentos lutaram, ao remetê-los para o âmbito da ajuda social da sociedade civil. Essa intervenção da sociedade civil, denominada “terceiro setor”, é funcional às estratégias neoliberais de instituir um Estado Mínimo ao trabalho, através do discurso de redução da demanda do Estado, dos gastos sociais, da necessidade de focalização para atingir os pobres e mercantilizar serviços sociais para os que podem pagar, legitimando um “novo” trato às refrações da questão social que as “privatiza”, tanto nas formas de enfrentá-las, quanto na autoresponsabilização dos indivíduos pelos seus problemas, deslegitimando as políticas de cunho “universalistas” e os direitos sociais garantidos pelos fundos públicos. 3.1 Capitalismo periférico brasileiro: processos particulares na constituição da problemática social do envelhecimento do trabalhador. Entre as vias de transição para a sociedade do trabalho abstrato, destacam-se as formas “clássicas” e as “retardatárias”. O reconhecimento de uma alternativa histórica à Revolução Burguesa “Clássica”, do tipo jacobino, na transição para o capitalismo, permitiu que autores como Lênin, Gramsci e Moore Jr desenvolvessem uma rica e complexa análise de formações econômico-sociais que não se modernizaram pela via clássica. 99 Como destaca Almeida (2005), os conceitos de “via-prussiana43” (Lênin), “revolução passiva44” (Gramsci) e “modernização conservadora45” (Moore) carregam consigo as especificidades de distintas formações econômico-sociais, à medida que foram elaborados para interpretá-las. Todavia, apesar da ausência de intenções de generalizações por parte dos autores, essas análises conseguem traduzir um conjunto de relações históricas responsáveis pela determinação dos processos de “revolução pelo alto” ou “revolução sem revolução”, comuns nas modernizações de vários países, sem o protagonismo das classes subalternas e com pactos entre as classes dominantes tradicionais e emergentes, sob a mediação do Estado. Essas transições sem revolução, no sentido clássico do termo, Moore (1973 apud FLEURY, 1994) chamou de modernização conservadora, ao analisar o caso da Alemanha; uma modernização ocorrida em sociedades em que o processo de industrialização se deu tanto com atraso, em relação aos demais países, quanto na ausência de uma burguesia hegemônica capaz de conduzir o processo. Nessa perspectiva, para realizar a transição com sucesso, se impõe a necessidade de alianças com as classes tradicionais do bloco do poder. Assim, a modernização se processa sem alijar as elites agrárias que estabelecem uma coalizão com a burguesia industrial débil, através da mediação do Estado, que assume um papel ativo na condução do processo de industrialização. Esse modelo de industrialização tardia, no qual situa-se a Alemanha, o Japão e outros, opõe-se ao clássico denominado de via “liberal-burguesa”, como ocorreu na 43 Os estudos de Lênin (1980) destacam a “via prussiana” em oposição à “via americana”, sendo que o fator distintivo seria o papel desempenhado pelo latifúndio ou elite agrária nessa transição. No primeiro caso, o traço essencial estava em que a “[...] exploração feudal do latifúndio transformava-se lentamente numa exploração burguesa – junker [...]” (idem, p.30), ou seja, uma transição do feudalismo para a exploração capitalista da terra sem divisão do latifúndio. No caso da “via americana” ocorria o contrário: os camponeses destruíram o latifúndio feudal onde ele existia, ou iniciaram a produção capitalista em pequenas propriedades, transformando-se em “farmers”, ou seja, numa burguesia rural, e dando origem ao proletariado rural. 44 Gramsci nomeia de “Revolução Passiva” ou “Revolução Restauração” as transformações por uma via alternativa à Revolução Jacobina, que implica na mobilização das massas. O autor aplica o conceito, retomado e modificado do utilizado por Vicenzo Cuoco, para análise do Risorgimento, no sentido de que também na construção do Estado moderno italiano, as elites políticas e econômicas emergentes (a burguesia) necessitaram fazer alianças com as forças tradicionais (latifúndio feudal), o que implicou em uma solução do tipo “cesarismo” (um terceiro elemento que articula a aliança entre as forças em equilíbrio), para efetivar a transição para o capitalismo. 45 Moore (1973 apud FIORI, 1995) trabalhou algumas determinações históricas e sociológicas responsáveis, pelo que chamou de modernização conservadora da Alemanha, mostrando que sua especificidade estava na força do campo, como em Lênin, e na fragilidade do burgo, como em Engels. De sua aliança, contudo, teria resultado não apenas o fortalecimento autoritário de um Estado modernizante, mas também sua sucessão por um regime democrático débil e, logo depois, pelo fascismo. 100 Inglaterra, França e Estados Unidos da América, tidos como revolucionários, à medida que se instaura em oposição à ordem anterior, rompendo com as relações econômicas, políticas e sociais tradicionais, quase sempre em aliança com os setores populares, na primeira etapa de rompimento com o ancien regime. Na tentativa de analisar as especificidades do caso brasileiro, algumas interpretações46 fazem analogia com o caso prussiano, a denominada modernização conservadora, ou “revolução pelo alto”, considerando tanto a ausência da participação das classes subalternas nos processos de mudanças, quanto a aliança entre as classes oligárquicas, burguesia emergente, setores militares e médios na condução da transição para a industrialização. Outras interpretações caracterizam a especificidade do capitalismo periférico, pela presença ativa do Estado, na constituição e desenvolvimento industrial. Algumas chegam a afirmar, dada essa prevalência, que o esquema de relação base/superestrutura não se aplica a esses países, sob o argumento de que, nessas sociedades, a economia não alcança a necessária coesão da sociedade, requerendo a presença do poder político na construção da unidade da formação econômico-social. Assim, essas interpretações tratam o Estado como um grande Leviatã, não apenas como a garantia da reprodução do capital, mas também como o seu constituinte, bem como das classes sociais principais, cujas identidades são políticas e não econômica, logo, posteriores ao Estado, que cria canais de penetração e incorporação dos interesses dessas classes na sua estrutura. Desconsiderando a natureza de classe do Estado. Assim, destaca Fleury (1994, p.137): [...] trata-se de uma situação em que as forças sociais não preexistem ao Estado, mas sim são conformadas a partir de sua intervenção, o que leva ao paradoxo de que tudo passa pelo político, mas que, ao mesmo tempo, o político está esvaziado de sua função de representação de interesse, já que os interesses não se conformam senão no próprio Estado. Essa dificuldade de pensar, de forma dialética e orgânica, as relações entre o político e o econômico, “num único e complexo movimento de acumulação e dominação, ou de dominação como motor da acumulação” (FIORI, 1995, p.22), está na origem dos 46 “As transformações ocorridas em nossa história não resultaram de autênticas revoluções, de movimentos provenientes ‘de baixo’, que envolvessem o conjunto da população, mas se encaminharam através de uma conciliação entre os representantes dos grupos opositores e os economicamente dominantes, conciliação esta que se expressa sob a figura de reformas pelo alto” (COUTINHO, 1977, p.8). 101 esquemas unilaterais de análise base/superestrutura, nas análises economicistas, ou politicistas, em que o Estado é apreendido numa relação de pura exterioridade em relação ao capital e às classes sociais. Em outra linha de análise, pela determinação da divisão internacional do trabalho e do mercado mundial, os “exogenistas” ou “dependentistas” (cf, FARIAS, 2000) elaboram uma espécie de “sub-história” ou “história negativa” ao enfatizarem as relações centro/periferia, como se as formações capitalistas periféricas fossem simples subproduto da dependência do país; uma visão instrumental do Estado a serviço das potências centrais, do mercado mundial, submetido a uma divisão internacional do trabalho favorável ao centro, que estaria na raiz dos obstáculos a uma economia capitalista, nos moldes europeus e do Estado democrático burguês. Além de essas análises se centrarem nas formas de circulação internacional do excedente e não nas condições de produção da mais-valia, que remeteria à produção, à luta de classes, ao movimento contraditório das classes sociais e às contradições que se desenvolvem entre trabalho e capital, tanto no plano nacional quanto no mundial, elas centram-se nas relações entre as nações que tendem a impedir a compreensão da dinâmica interna da reprodução das relações capitalistas na sociedade periférica. Portanto, neste trabalho, busca-se superar tanto as concepções “instrumentalistas” dos Estados periféricos, reduzidos a simples “correias de transmissão” dos Estados centrais, como denominado por Salama e Mathias (1983), como também aquelas que o concebe unicamente como um resultado da estrutura e das relações das classes internas. Assim, propõe-se uma análise dialética que não desconsidera, de um lado, as determinações da divisão internacional do trabalho, o movimento de mundialização polarizante do capital, em suas diversas fases, que geram relações hierárquicas no sistema mundial, e que impõem aos Estados periféricos uma delegação parcial de funções em escala internacional, da tarefa de garantir a reprodução ampliada das diversas frações de capital que se entrecruzam no espaço mundial, embora, circunscritos às fronteiras nacionais. De outro lado, as determinações e relações internas entre as classes e o projeto de dominação que não visa romper com o capitalismo dependente, com as estruturas de privilégio ultra-elitistas. Essas determinações imprimem ao Estado uma dupla e contraditória função: criar condições para a valorização e reprodução do capital internacional, e ao mesmo tempo do capital nacional ou associado. 102 Sob essa perspectiva, as contribuições de Florestan Fernandes (1981b) são exemplares ao considerar o movimento da economia periférica como um processo que, apesar de possuir características próprias, está sobredeterminado pelas vicissitudes de um todo hierarquizado e em movimento, que é a economia mundial. Trata-se de uma economia de mercado capitalista constituída para operar, estrutural e dinamicamente: como uma entidade especializada, ao nível da integração do mercado capitalista mundial; como uma entidade subsidiária e dependente, ao nível das aplicações reprodutivas do excedente econômicos das sociedades desenvolvidas; e como uma entidade tributária, ao nível do ciclo de apropriação capitalista internacional, no qual ela aparece como uma fonte de incrementação ou de multiplicação do excedente econômico das economias capitalistas hegemônicas (FERNANDES, 1981b, p.36). Todavia, o autor não desconsidera as relações entre as classes internas e suas relações com o Estado. A ao contrário, para ele, a luta de classes condiciona o processo de acumulação da periferia; e o regime de classes é a forma social do capitalismo dependente. Nessa perspectiva, o desenvolvimento dependente aparece como resultado de um duplo movimento: das determinações da divisão internacional do trabalho e das burguesias internas incapazes de levar às ultimas conseqüências as utopias de que são portadoras, responsáveis pela perpetuação de um padrão de luta de classes que impede a emergência das classes subalternas no cenário político e que promove, através do Estado, uma modernização adaptativa e associada com o capital estrangeiro. Nessa perspectiva, as hipóteses prussianas, como modelo de transição para o capitalismo, apresentam limites para o caso brasileiro, principalmente se considerarmos algumas especificidades do caso alemão, tais como: uma industrialização que se desenvolve pela indústria pesada, com tecnologia de ponta, apoiada no Estado e afiançada por um claro projeto Nação-potência, na corrida interimperialista; uma modernização conservadora que imprimiu dinamismo a essas economias. Como destaca Fiori (1995), as elites brasileiras estiveram próximas desse modelo, mas acabaram rejeitando uma alternativa autêntica prussiana, posto que manteve o sistema privado internacional como o principal fiador do processo de desenvolvimento da industrialização por substituição de importações, além de só tardiamente implementar a indústria pesada e com recursos privados internacionais. Assim, apesar do papel central da ação estatal na industrialização, como no caso das industrializações tardias, a brasileira esteve sempre limitada por um compromisso conservador, incapaz de romper com os laços de dependência externa. 103 Essas particularidades, na transição para o modo de produção capitalista, no Brasil, vão lhe dar características específicas. Trata-se de uma modernização tardia, quanto ao momento histórico de sua emergência, já na fase da Segunda Revolução Industrial, em que as mudanças das classes proprietárias rurais para as novas classes burguesas não exigiram uma ruptura total, de imediato, com as antigas relações de produção, mas provocam nestas uma certa reestruturação, formando um modelo desigual mais combinado. Essas mudanças não se fizeram alijando frações das classes oligárquicas do poder, antes, ao contrário, implicaram uma aliança que tomou de assalto o Estado liberal, criando as condições para a conformação do moderno Estado burguês, e reorientando suas funções para a expansão e hegemonia da acumulação capitalista. Esse modelo de desenvolvimento desigual mais combinado, que articula estruturas modernas e atrasadas, sempre foi um mecanismo que permitiu as burguesias periféricas compensar a debilidade da estrutura de capital, a instabilidade econômica, possibilitando a transferência de renda entre os setores heterogêneos e os mecanismos diversos de extração de mais-valia (absoluta e relativa). Como destaca Fernandes (1981b), sob o capitalismo periférico, a persistência de formas econômicas arcaicas não é uma função secundária e suplementar, ou ainda de acordo com Oliveira (1988), não se trata de um dualismo antagônico, [...] a especificidade particular de tal modelo consiste em reproduzir e criar uma larga ‘periferia’, onde predominam padrões não capitalísticos de relações de produção, como formas e meios de sustentação e alimentação do crescimento dos setores estratégicos nitidamente capitalistas, que são em longo prazo a garantia das estruturas de dominação e reprodução do sistema (OLIVEIRA, 1988, p.42). Essa heterogeneidade nas formas de produção, convivendo com as relações capitalistas hegemônicas, tem conseqüências no padrão de dominação geralmente compósito, com a conformação das classes sociais e com os mecanismos de exploração da força de trabalho. Uma dessas conseqüências é inviabilizar uma estratificação social de fundamentos univocamente econômicos, no mercado. Segundo Florestan Fernandes (1981b), a heterogeneidade do sistema produtivo perpetua mecanismos de estratificação verticalizada, dividindo a sociedade em dois blocos: os possuidores de bens que monopolizam todos os benefícios do sistema e os ‘não-possuidores de bens’ a maioria dos quais verdadeiros 104 condenados do sistema. Assim, a origem dessa divisão é econômica (apesar de heterogênea) e não apenas política. Em termos da formação da classe trabalhadora, essa heterogeneidade nas estruturas produtivas promoverá fragmentação no seu interior, que, ao lado do desequilíbrio na correlação de forças entre capital e trabalho, retarda o aparecimento de uma base sindical forte e combativa, o que solapa a capacidade de os trabalhadores defenderem seus interesses de classe. Além disso, a existência de um grande contingente populacional ou uma imensa massa de excedentes, - que é impulsionada a viver no submundo das atividades não-mercantis marginais, no setor de auto-subsistência e informal -, que vive “dentro das fronteiras do capitalismo, mas fora de sua rede de compensações e garantias sociais” (idem), promove outras segmentações (entre pobres e trabalhadores) e torna a condição salarial uma condição de ascensão social. Para Florestan Fernandes (1981b), a heterogeneidade do sistema produtivo também tem profundas implicações sobre a formação da burguesia periférica: impede o aparecimento de mecanismos de solidariedade de classe socialmente construtivo; mantém uma grande heterogeneidade no interior da classe; e são obstáculos a centralizações do capital que compromete o poder de iniciativa da burguesia, bloqueando a sua capacidade de introduzir inovações no campo econômico e no político. Tal debilidade exigirá do Estado um processo de unificação da burguesia como classe dominante, como uma questão eminentemente política, capaz de dar-lhe hegemonia, e constituirá o que o autor denomina de “padrão compósito de hegemonia burguesa”, um padrão de organização e funcionamento do poder político típico de “plutocracias”, que comprometeu o espírito “revolucionário” da burguesia, e que dificulta, dados os mecanismos de marginalização das classes subalternas da luta política, as oposições que poderiam encaminhar o processo de transição por vias revolucionárias. Outra conseqüência dessa heterogeneidade da produção e da constituição retardatária do capitalismo industrial no Brasil é a presença de mecanismos de superexploração do trabalho, que não só se caracteriza pela articulação, no cenário industrial e no campo, da mais-valia absoluta com a mais-valia relativa, mas também, como destaca Alves (2000), pela constituição de novos patamares de poder do capital sobre o trabalho. 105 Tal superexploração do trabalho, que é característica do capitalismo periférico, permitiu às classes dominantes locais uma compensação perante o intercâmbio desigual no mercado mundial, através de uma maior exploração do trabalhador, mediante a mais-valia absoluta que se mantém com a industrialização, apesar de sua característica ser a maisvalia relativa. Mas, por manter e perpetuar as relações não-capitalistas na agricultura e ao criar um padrão não-capitalista de reprodução num setor como o dos serviços, incluindo o setor informal como espaço de reprodução de parte da força de trabalho não absorvida no mercado formal de trabalho, o desenvolvimento industrial convive com a articulação de mais-valia absoluta e relativa, caracterizando a superexploração do trabalho. O desenvolvimento da industrialização, no complexo de reestruturação produtiva da década de 1950, aprofundado nas décadas de 1960 e 1970, reforça o hiato entre os rendimentos do capital e do trabalho, posto que permite um salto histórico na produtividade, com a tecnologia importada, mas, sem possibilitar um salto proporcional aos salários, ampliando-se, nos contextos de ditadura, à convivência da produtividade do trabalho com a mais-valia absoluta, no interior da indústria, associadas a políticas de arrocho salarial, consolidando uma característica do capitalismo periférico: a perversa concentração de renda. A subordinação do trabalho ao capital pelos mecanismos de superexploração é aprofundada nas economias periféricas de industrialização tardia, posto que esta ocorre num momento em que o sistema mundial, como um todo, dispõe de uma imensa reserva de “trabalho morto”, que, sob formas de tecnologia, é transferida aos países recémindustrializados. Essa transferência significa mais que uma simples relação de troca e subordinação entre nações. Formas mais desenvolvidas de subordinação (real) do trabalho ao capital são postas em ação mediante esses meios de produção. Nessa perspectiva, destaca Oliveira (1988, p.42): [...] o capital ‘queima’ várias etapas, entre as quais a mais importante é não precisar esperar que o preço da força de trabalho se torne suficientemente alto para induzir as transformações tecnológicas que economizam trabalho. Assim, ao acelerar-se o crescimento industrial distanciou-se de modo irrecuperável os rendimentos do capital em relação aos do trabalho. Conforme Alves (2000), a vigência da superexploração do trabalho, que, apesar de centrada na mais-valia relativa, mantém como sua determinação reflexiva a mais-valia absoluta, pode implicar, em certas conjunturas do ciclo do capital, no crescimento do 106 padrão de vida de parcelas da classe operária. No entanto, ela ocorre pela reposição (e recriação) contínua da concentração de renda e da desigualdade social, que refletem a discrepância entre os rendimentos do trabalho e os rendimentos do capital. A superexploração do trabalho, com a combinação de formas de mais-valia absoluta e relativa, com as discrepâncias entre os rendimentos do trabalho e do capital, aliada à debilidade estrutural organizativa dos trabalhadores, tem implicações na problemática do envelhecimento do trabalhador, porque este é obrigado a um dispêndio de força superior ao que deveria empregar normalmente, provocando, assim, seu esgotamento prematuro, acelerado com a intensificação do trabalho e com sua remuneração abaixo de seu valor, ou não compatível com os rendimentos de produtividade, que promovem seu empobrecimento (relativo ou absoluto) e o deixam na total dependência dos recursos da família e da sociedade. Também na periferia, o capitalismo cresce na mesma proporção em que gera uma superpopulação relativa, uma população excedente às necessidades produtivas do capital, com um agravante: ele já nasce – considerando a importação de tecnologia – poupando ou reduzindo o trabalho vivo na produção, que, sem uma contrapartida organizativa do trabalho de peso, ampliou essas massas excedentes e os mecanismos seletivos de uso da força de trabalho. Com a abundância de mão-de-obra, o capital cria um “ciclo de vida produtivo” para a força de trabalho, conforme seus critérios de “utilidade” e de “uso”, gerando enormes massas de excedentes, podendo utilizar abusivamente dos critérios seletivos e alijando a mão-de-obra “desgastada” do mercado de trabalho, que tem seu valor de uso limitado, mesmo que não necessariamente em idade avançada. Ao perder seu “valor de uso” e sua funcionalidade para a sociedade capitalista, os trabalhadores idosos atingem um potencial desumanizante de “supérfluos” para o capital e de peso morto do exército industrial de reserva. Nessa perspectiva, o trabalhador não tem controle sobre seu tempo de vida, que é definido pelo tempo da produção, do capital. Assim, o tempo de uso da força de trabalho não se define, a priori, cronologicamente, portanto, não está relacionada à degradação natural, biológica da espécie, mais, sim, pelas necessidades reprodutivas ampliadas do capital, definido pelo tempo do capital. O uso extensivo ou intensivo da força de trabalho acelera a degradação natural do trabalhador e é um mecanismo de precoce expulsão dos 107 trabalhadores mais velhos do mercado de trabalho, que, aliado à existência de um excedente muito grande de força de trabalho, permite que os empregadores estabeleçam critérios de seletividade como: sexo, idade, etnia, dentre outros, além dos requisitos de qualificação inerentes às tarefas. A redução da classe trabalhadora à “força material de produção” promove uma degradação social dessa classe, igualada a uma coisa material, mas que atinge diretamente os que não têm mais condições de uso para o capital, nem possuem os meios de sobrevivência, que são reduzidos a menos que uma coisa, não sendo considerados nem na sua condição humana. A tragédia do fim da vida para os trabalhadores está determinada pela ausência de meios de sobrevivência, posto que, sob o comando do capital, o sujeito que trabalha não pode mais considerar as condições de sua produção e reprodução como sua propriedade, pois não tem controle sobre os meios de produção, os processos de trabalho e o produto do trabalho. E não tendo o homem valor, a não ser o econômico, enquanto força de trabalho, “condição material da produção”, a velhice está fadada à pobreza e à dependência dos recursos da família e sociedade, como está sujeita a uma desvalorização social, que reflete a desvalorização da vida humana fora dos circuitos produtivos. Nas sociedades capitalistas centrais, as lutas por direitos promoveram uma ampliação da esfera pública estatal, introduzindo a reprodução da força de trabalho – ativa ou inativa – através dos fundos públicos, apesar de as lutas limitarem-se à ordem, ou seja, seu contraposto foi a consolidação da sociedade do trabalho abstrato. Nas sociedades periféricas, o Estado não garante a reprodução da totalidade da força de trabalho nem das massas excedentes, que é realizada em grande parte no setor doméstico, - um setor que também é submetido a profundas modificações, dentre elas, a redução da família e a perda do seu papel produtivo (típico de qualquer capitalismo), mas que, na periferia, se mantém como mecanismo de solidariedade primária -, e no setor informal, como meio de lutar contra a impossibilidade de se reproduzir, recorrendo ao setor de auto-subsistência que em sociedades periféricas, como a brasileira, corresponde a 50% da população economicamente ativa. Em 1999, segundo os dado da PNAD/IBGE, 69% do mercado de trabalho brasileiro era constituído por trabalhadores autônomos, assalariados sem registro em carteira profissional, e por trabalhadores não-remunerados, constituindo uma grande massa de 108 trabalhadores sem proteção legal, executando tarefas ocasionais, e com longas e insalubres jornadas de trabalho e percebendo baixa remuneração. Para esses trabalhadores não-proletariados e para os proletariados inseridos no mercado formal de trabalho - mas sujeitos a baixos salários -, e para trabalhadores de outras infinidades de trabalho urbano e rural, o envelhecimento é marcado pela pobreza. Mesmo aqueles trabalhadores assistidos pelas políticas públicas, têm um padrão trivializado de reprodução social, submetidos às mínimas condições de sobrevivência, geralmente pela Assistência Social. Essas condições de existência dão características específicas à problemática do envelhecimento dos trabalhadores no Brasil. Enquanto, no contexto europeu, restringia-se a um problema de ociosidade promovida pela aposentadoria, de marginalidade pela retirada de papéis sociais produtivos, na família e na comunidade, de afastamento das relações sociais, embora, também lá, como mostram os estudos de Beauvoir (1990), velhice e pobreza era quase um pleonasmo, em função do empobrecimento após as aposentadorias dos trabalhadores, e a situação dramática dos idosos que vivem de renda mínima. Todavia, é a velhice das classes médias que ganha visibilidade e veio mascarar a velhice pobre dos trabalhadores. A grande maioria dos trabalhadores idosos, no Brasil, vive de mínimos sociais, sendo alta a incidência de pobres e de indigentes, idosos sem nenhuma renda; esses ainda estão inseridos em atividades produtivas, mesmo que marginais, depois de aposentados, principalmente entre os mais pobres; chefiam suas famílias; têm baixo nível de escolaridade e maior incidência de doenças e dificuldades funcionais. Essa realidade não é condição inexorável do envelhecimento, pelas restrições físicas e orgânicas ou de papéis sociais, mas é peculiar à velhice dos trabalhadores, principalmente os de baixa renda, constituindo um problema social pela vulnerabilidade social desse segmento quando eles perdem o valor de uso para o capital; pelos problemas que enfrentam devido à aceleração do processo de declínio biológico, pelo uso intensivo e extensivo da força de trabalho; pelas condições de vida a que foram submetidos durante toda a vida, ampliando as probabilidades de apresentarem incapacidades físicas e mentais, comprometendo sua autonomia e independência. Nessa perspectiva, o envelhecimento do trabalhador está determinado pelas condições de existência historicamente postas pelo modo de produção capitalista aos 109 trabalhadores, em função da expropriação dos meios de produção e da redução destes a “condição material de produção”, ou seja, a condição de mera força de trabalho, utilizada para fins de valorização do capital, de produção de riquezas e não de satisfação das necessidades do produtor. Uma degradação que atinge toda a classe trabalhadora, igualada a uma coisa material e aprisionada a relações coisificadas e reificadas, que reduz sua condição humana a fator econômico. Para o trabalhador velho a perda do valor econômico, com o envelhecimento, joga-o na condição desumanizante, abaixo de uma coisa, expressa no rebaixamento de suas necessidades sociais, tornando-se literalmente um ser isento de necessidades. Nesses termos, a problemática social do envelhecimento do trabalhador está dimensionada por um duplo e articulado processo: de um lado, determinantes de ordem material, que geram a impossibilidade de reprodução social sem os recursos da família e sociedade, considerando a expropriação dos meios de produção e do acesso à riqueza socialmente produzida capaz de garantir uma velhice digna; de outro lado, determinantes culturais, cuja origem são as relações dominantes de produção, que atribui uma desvalorização social aos idosos quando perderem a rentabilidade para o capital, perdendo a qualidade de homem (econômico), parâmetro para a definição dos direitos humanos e de “cidadania”. Como destaca Kurz (2003), nas sociedades capitalistas, as pessoas e o trabalho só são “válidos” no nível da rentabilidade. Essa lógica do capital expurga, para fora da condição humana, os “não-rentáveis” que amargam uma “vida sem valor”, não sendo sujeitos de direitos, nem sujeitos políticos, já que são “invisíveis” para o capital, para o qual são apenas fatores de custos ou custos mortos e têm um padrão de reprodução social trivializado pela assistência social, principalmente, nas sociedades periféricas, considerando-se o trato compensatório da pobreza pelo sistema de proteção social público, sempre em parceria com o setor filantrópico, o que faz das redes de solidariedade o sustentáculo da proteção social aos mais pobres. [...] todos os que não têm condições de trabalhar, são em princípio “vidas sem valor”. Seriam isto todas as crianças e adolescentes, que ainda não têm capacidade para trabalhar, a não ser que já servissem como material de trabalho, assim que pudesse andar. Seriam isto todos os enfermos, deficientes, etc. que representam apenas fatores de custos. E obviamente todos os idosos, que já não são capazes de trabalhar e para os quais se verifica o mesmo, a não ser que fossem aproveitáveis para alguma coisa mesmo no leito de morte. Por fim seriam isto os desempregados, que, 110 portanto se tornam escusados. A lógica capitalista pronuncia esta sentença não só sobre os indivíduos, mas também sobre os respectivos âmbitos e instituições: a formação, a educação, os cuidados e assistência, os serviços sanitários, a arte e a cultura etc. parecem custos mortos, que devem ser eliminados (KURZ, 2003, p.2). Apesar dessa lógica capitalista, ampliou-se a longevidade e a expectativa de vida em todas as classes sociais, emergindo o envelhecimento populacional como fenômeno mundial. A longevidade é uma conquista da humanidade, das transformações sociais, como urbanização, saneamento, melhoria alimentar, tecnologias de saúde, dentre outras. As lutas sociais conquistaram elementos importantes nesse processo, dentre eles, os direitos sociais, materializados em políticas públicas de seguridade social, tais como a de acesso à renda (previdência e assistência social), e a de saúde. Entretanto, o envelhecimento em sociedades capitalistas periféricas - em especial, na brasileira -, apesar do aumento da longevidade e da população idosa (8,6%, conforme o senso 2000), é marcado por profundas desigualdades sociais, dentre estas, as engendradas pela posição de classe dos indivíduos. Apreender essas diferenças e desigualdades no envelhecer, a partir das estatísticas oficiais, de modo a configurar a problemática social do envelhecimento do trabalhador, não é tarefa simples, posto que essas estatísticas não tomam as diferenças de classes como elemento chave na organização e coleta dos dados, que explicaria as diferenças nas condições de vida dessa população, embora outras desigualdades possam ser apreendidas, como de gênero, raças, regionais, que são também genericamente atribuídas a todo o grupo etário. Todavia, acredita-se que, pelas condições de vida da população idosa brasileira, a partir dos indicadores de rendimento, trabalho, saúde, educação e situação familiar, se possa abstrair sua condição de classe ou de fração de classe e configurar os problemas que os trabalhadores envelhecidos enfrentam e que tornam o seu envelhecimento numa problemática social, dando-lhe características particulares, em relação à realidade dos países capitalistas centrais. Em relação à distribuição de renda, os dados do PNAD (1997) apresentam a evolução do percentual de idosos ao longo dos centésimos da distribuição de renda. Esses dados mostram que a percentagem de idosos cresce ao longo dos centésimos da distribuição de renda, estando os idosos, portanto, sub-representados entre os mais pobres, 111 concentrando-se, entre 2% e 4%, na extremidade inferior dessa distribuição; e sobrerepresentados entre os mais ricos, alcançando 10% na extremidade superior da distribuição de renda, ou seja, mais de três vezes superior aos que são extremamente pobres. Todavia, há uma grande concentração de idosos no centro da distribuição. Segundo Barros et al (1999), é possível que essa concentração deva-se ao vínculo das aposentadorias ao salário mínimo, dado que, nesse ponto (sexto e sétimo décimos de renda), corresponde à renda média próxima a um salário mínimo. Assim sendo, a pobreza não atinge a todo o grupo etário de 60 anos ou mais, mas uma parcela dele. Se associarmos os percentuais de idosos do extremo inferior da distribuição de renda com aqueles dos níveis medianos, chega-se a um grande percentual de idosos com baixos rendimentos, necessários apenas à manutenção e satisfação de necessidades básicas, encontrando-se, aí, grande parte dos trabalhadores idosos e aqueles que tiveram piores condições de vida e de trabalho ao longo da vida, refletidas na média dos benefícios recebidos. Os dados dos últimos PNADs mostram uma melhoria na situação de renda dos idosos na década de 1990. Todavia, ainda é alto o número de idosos sem nenhuma renda, aproximadamente 12% em 1998, apesar desse índice ter diminuído, pois chegou a 21%, em 1981, situação amenizada com o aumento das mulheres com algum rendimento de aposentadorias ou pensões. As famílias com idosos em situação de indigência (segundos dados do PNAD, 1998) são de 9,3% entre as famílias nucleares de idosos com filho, e de 12,6% entre as famílias extensas com idosos, índices menores do que aqueles das famílias sem idosos (22,6% e 21,2% respectivamente), o que se deve aos rendimentos da aposentadoria, mesmo mínimos. Entretanto, o grau de pobreza ainda é muito alto entre as famílias com idosos, segundo esse dados, enquanto, nas famílias nucleares com filhos, mas sem idosos, era de 20,1% e, nas famílias extensas, 20,8%; entre as famílias com idosos, era 18,3% e 23,2% respectivamente, um índice de pobreza até maior nas famílias extensas com idosos, considerando o empobrecimento das famílias, desemprego, etc. O grau de escolaridade entre os idosos mais pobres é baixo, dados do PNAD de 1997 mostram que mais de 61% dos idosos pobres não chegaram a completar sequer o primeiro ano de estudo, ao passo que esse percentual é aproximadamente 30% entre os não-idosos. 112 Outra característica particular da situação dos trabalhadores idosos no Brasil, em função dos baixos rendimentos de aposentadorias e da concentração de renda, é a permanência do idoso aposentado no sistema produtivo. Jungla Maria Pimentel Daniel (apud HADDAD, 1986, p.44), em sua pesquisa intitulada “A condição de vida do operário aposentado”, em 1977, conclui: Pode-se dizer que a aposentadoria constitui, na realidade, o desfecho institucionalizado da exploração da força de trabalho. Aposenta os operários com base em seu salário, fruto do trabalho alienado e, ao aposentá-los, rebaixa ainda mais a remuneração de sua força de trabalho. Desta forma, obriga-os a se colocarem novamente no mercado de trabalho [...]. Teoricamente, a aposentadoria tira os operários do exército industrial de reservas. No entanto, coloca-os em condição de pauperismo profundo. Para sobreviverem a esta situação, os operários aposentados reagem, iniciando outro ciclo de vida, reingressando no mercado de força de trabalho, seja como contingente do exército ativo de trabalhadores, seja do exército de reservas, ou ainda lumpenizando-se. Essa realidade ainda é atual, longe de se constituir o tempo da velhice do trabalhador em “tempo de prazer” em aposição ao “tempo produtivo”, tempo “livre” de realizações, de lazer, antes, é um tempo em que se prolonga o trabalho, geralmente um trabalho marginal, principalmente, mas não exclusivamente, entre os mais pobres. Segundo dados do PNAD (1998), mais da metade dos idosos do sexo masculino e quase um terço dos do sexo feminino que estavam no mercado de trabalho eram aposentados, ou seja, os trabalhadores idosos continuam trabalhando muito. Essa permanência no sistema produtivo não se trata de uma contradição, posto que os trabalhadores idosos perdem o “valor de uso” para o capital, entretanto, são forçados a tentar reingressar novamente no mundo do trabalho, devido às precárias condições de sobrevivência em que se encontram. Todavia, considerando os critérios de seletividade, em função da abundância de força de trabalho, alijam-se esses trabalhadores, daí, sua concentração no mercado informal de trabalho, em trabalhos de auto-subsistência, por conta própria, em trabalhos agropecuários autônomos, dentre outros. Os dados do PNAD (1999), conforme a tabela abaixo, mostram que essa incidência da permanência no sistema produtivo é maior entre os idosos mais pobres, dos quais 43,1% mantêm-se na condição de economicamente ativos, mas expulsos do mercado formal de trabalho, concentram-se em trabalhos por conta própria (19,2%) e de auto-subsistência (11,5%). Essa realidade não atinge apenas os mais pobres. Em geral, os idosos, 113 praticamente mais de um terço (33,9%), são economicamente ativos e também se concentram em trabalhos por conta própria. Tabela 1. Brasil: comparação entre população com 60 anos ou mais e a população como 60 anos ou mais que está abaixo da linha de pobreza, 1999. Todos 60 + 60 + abaixo de 1/2 SM 1. Região geográfica Todos 60 + 60 + abaixo de 1/2 SM 5. Condição ocupacional Norte 3.4 6.0 Empregado 33.1 41.9 Nordeste 28.0 56.4 Desempregado 0.8 1.2 Sudeste 47.8 22.6 Não aplicável 66.1 56.8 Sul 15.2 9.1 Total 100.0 100.0 Centro-Oeste 4.4 4.3 Empregado 7.4 9.0 Empregado doméstico 1.5 1.7 19.2 Não informado Total 1.0 1.7 100.0 100.0 6. Posição na ocupação 2. Número de menbros do domicílio 11.8 1 pessoa Trabalhador por conta própria 13.6 2.2 Empregador 2.0 0.6 2 pessoas 30.3 4.6 Auto-subsistência 8.5 11.5 3 ou 4 pessoas 34.5 34.8 Não aplicável 66.9 58.1 5 ou mais 23.4 58.3 Total 100.0 100.0 Total 100.0 100.0 7. Anos de escolaridade Menos de 1 e ignorado 40.8 68.3 Brancos 60.4 32.9 De 1 a 3 21.7 19.4 Negros 38.6 66.4 De 4 a 7 24.4 10.9 Outros 1.0 0.7 De 8 a 10 4.6 1.0 100.0 100.0 De 11 a 14 5.5 0.3 3. Origemétnica Total Mais de 14 4. Condição de atividade econômica 33.9 Economicamente ativo Total 3.1 0.0 100.0 100.0 43.1 Economicamente inativo 66.1 56.8 Total 100.0 100.0 fonte: PNAD/Ipea Assim, o retrato da velhice do trabalhador pobre está longe da tão propagada “idade do lazer” ou “terceira idade”. Os idosos mais pobres vivem em famílias numerosas, 58,3% deles com 5 ou mais membros, logo, a “síndrome do ninho vazio”, que gera depressão, isolamento, também não se enquadra nessa realidade. Esses idosos também concentram os piores índices de escolaridade: 68,3% não têm nem um ano de escolaridade, não sendo em tese os alunos das universidades da terceira idade. Além disso, os mais pobres (66,4%) são 114 negros e estão concentrados nas regiões mais pobres do país: a região nordeste e a norte, fruto das desigualdades sociais e regionais47. Apesar dos trabalhadores idosos, ainda trabalharem muito, a renda proveniente do trabalho corresponde apenas a 29% da renda familiar, sendo a maior parte desta composta da aposentadoria (54% para os homens e 80% para as mulheres), que, apesar de baixa, tem proporcionado aos idosos chefiar suas famílias. O censo de 2000 verificou que 62,4% dos idosos eram responsáveis pelos domicílios brasileiros, o que significa que a grande maioria deles ocupa um papel de destaque no modelo de organização familiar brasileira, não ocorrendo a perda de papéis sociais (nem produtivo, nem familiar), embora 44,5% dos idosos responsáveis pelo domicílio tenha renda de apenas um salário mínimo, percentual que cresce para 65%, entre os idosos da área rural. As desiguais condições de vida e de trabalho aceleram o processo de declínio biológico, apresentando maior probabilidade de incidência de doenças. De uma forma geral, os idosos apresentam mais problemas de saúde que a população em geral. Em 1999, dos 86,5 milhões de pessoas que declararam ter consultado um médico nos últimos 12 meses, 73,2% eram maiores de 65 anos. Esse também foi o grupo de maior coeficiente de internação hospitalar (14,8 por 100 pessoas no grupo) no ano anterior, apresentando maiores dificuldades funcionais. Estudos de Parayba (2004), sobre a prevalência de dificuldade funcional entre os idosos, como, por exemplo, de caminhar cerca de 100 metros, mostram que, para os idosos abaixo da renda familiar per capita mediana é de 23,2%, entre os homens, e de 34,5%, para as mulheres, decrescendo no grupo de idosos mais ricos para 9,9% e 18,1% respectivamente, o que permite concluir que a renda aparece como condição importante para a redução de dificuldade funcional. Assim, em síntese, encontra-se um grande contingente de trabalhadores idosos em estado de pobreza, dependente dos recursos públicos para a própria reprodução e de sua família, ainda inserido em atividades produtivas, em que o trabalho é um contínuo no ciclo de vida, não podendo ser interrompido, dada à pobreza da família, com baixos 47 Essas desigualdades se expressam também na esperança de vida. “A esperança de vida ao nascer apresentou comportamento semelhante, com melhoria ao longo da década – passando de 60,1 anos em 1980 para 65,6 em 1990 -, e fortes diferenças regionais e sociais. A média obtida para o grupo mais pobre da região Nordeste – 51,5 anos – contrasta com o grupo mais rico da região Sudeste – 75 anos -, com um diferencial equivalente a 23,5 anos de esperança de vida”. (SOARES, 2001, p.160). 115 rendimentos, mesmo trabalhando, chefiando suas famílias, com maior incidência de analfabetismo funcional e de problemas de saúde. Essas são as condições que peculiarizam o envelhecimento dos trabalhadores (principalmente, os mais pobres), no Brasil. A velhice, denominada “terceira idade” nos países desenvolvidos e importada para a periferia, é impossível de se estender a todos os idosos, e de caracterizar o envelhecimento vivido por grande parte dos trabalhadores velhos, numa sociedade marcada pela concentração de renda, pelas desigualdades sociais e regionais, pela baixa socialização da reprodução social dos trabalhadores executada pelo Estado. Acrescenta-se o caráter excludente da expansão capitalista, do caráter polarizante da mundialização do capital, que avança gerando e aprofundando as desigualdades sociais, ampliando os “invisíveis” para o capital. Esses “invisíveis” o são também para os “experts” do envelhecimento, difusores da chamada “terceira idade” que mascaram o envelhecimento dos trabalhadores pobres, em especial, a sua face doentia e dependente. Nas sociedades capitalistas ocidentais, o sistema de proteção social montado para responder à vulnerabilidade, em massa da classe trabalhadora, como a da idade – marcada pela perda da capacidade laboral para o capital, e pelas incapacidades físicas e, em algumas situações, também mentais, causadas não apenas pelo avanço da idade cronológica, mas também pelas condições de vida e trabalho – se deu com a implementação das políticas públicas de seguridade social. Adotadas também nas sociedades periféricas, mas com matizes adaptadas à realidade política, econômica e cultural de cada país, principalmente do sistema de dominação social mantido pelo Estado, e as relações Estado/sociedade. Embora o sistema de proteção social público surja da necessidade de regulação das relações de trabalho e do fato de as formas de proteção civil não conseguirem dar respostas ao crescimento em massa dos problemas, o sistema público mantém tanto as relações de complementaridade com os sistemas privados (mercantis ou não-mercantis) quanto as relações de controle e tutela sobre a pobreza. 116 3.2 Estado periférico brasileiro e padrão de dominação: a política social como instrumento de controle social. O Estado capitalista periférico também assume especificidades. Apesar da diversidade de suas formas, que imprime ao Estado, singularidades, inclusive, em suas funções, como destaca Farias (2000, p.59), [...] estas formas específicas só podem existir numa certa ligação que o conduz à forma–Estado, enquanto generalidade. Assim, apesar da diversidade de suas formas, os Estados em tela têm todos ‘isto de comum que reside no fato de que repousam sobre o terreno da sociedade burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista. É o que faz com que certas características essenciais lhes sejam comuns’(MARX, 1975, p.26). Dentre as características em comum, ressalta-se a relação orgânica do Estado moderno com o capital, como destaca Mészáros (1989, p.119) “[...] o Estado moderno altamente burocratizado, com toda a complexidade do seu maquinário legal e político, surge da absoluta necessidade material da ordem sociometabólica do capital e depois, por sua vez – na forma de uma reciprocidade dialética – torna-se uma precondição essencial para a subseqüente articulação de todo o conjunto”. Esse autor analisa o Estado como uma estrutura de comando político abrangente do sistema do capital, que relativiza sempre sua autonomia. Todavia, isso não significa que o Estado seja redutível às determinações que emanam das funções econômicas do capital, nem que suas funções possam ser derivadas do capital, desconsiderando as lutas de classes, a essência do Estado48, bem como suas funções de legitimação que o abre para pactos, conciliações e consensos que viabilizaram a democracia formal burguesa. O Estado periférico tem como função criar condições de reprodução para o capital, tanto imposto pela economia mundial, pelas determinações da divisão internacional do trabalho, quanto pelo estado das lutas de classes internas, que articula organicamente economia e política. Apesar do seu papel ativo na expansão da acumulação capitalista, comum na fase monopolista e nas transições para o capitalismo em fase tardia, o Estado 48 Como destaca Farias (2000, p.32-33) “a categoria Estado corresponde a um ser social rico de determinações que se estruturam material e socialmente, tanto a nível fenomênico, quanto no essencial. Esta categoria exprime sob a aparência de governo ou regime político. Neste nível, os aparelhos de Estado apresentam-se – como um eixo material, em torno do qual gira um aspecto social, ou seja: a legitimação de Estado, ou a democracia burguesa formal. O governo não deve ser confundido com o Estado propriamente dito, que é a sua substância oculta. Esta essência da forma-Estado resulta da luta entre as classes sociais, tendo por eixo a divisão capitalista do trabalho, constituindo um todo contraditório”. 117 ainda conduz as atividades básicas propulsoras do processo de industrialização e modernização. Todavia, o Estado capitalista moderno não surge ex post da acumulação, nem anterior a esta, o que lhe daria um caráter autônomo e isolado do contexto de mundialização do capital. Esse Estado é integrante dessa ordem, desde o início, sua ação – através dos diferentes regimes políticos – favorece as novas orientações da acumulação, interferindo nas condições de reprodução do capital, na hegemonia da burguesia, realizando sua unidade política e difundindo mecanismos de controle sobre as classes subalternas. Portanto, a constituição de um Estado representativo burguês moderno, numa sociedade periférica e de industrialização tardia, como o Brasil, está envolta em contradições. Essas contradições são engendradas tanto pelas necessidades objetivas da reprodução do capital social total, - em contexto de mundialização do capital, em fase imperialista49, que impulsiona a função do Estado de expansão das relações mercantis capitalistas na periferia, imprimindo-lhes um caráter de classe, mas, não como uma via de mão única, determinado de fora -, quanto pelas necessidades das classes dominantes emergentes, que mediante pactos com as classes oligárquicas, capturam o Estado de assalto e impõem a este a necessidade de expandir a acumulação capitalista, de difundi-la como relações econômicas e políticas hegemônicas, ou seja, de impulsionar a industrialização e de intervir na relação capital/trabalho. Nessa perspectiva, o padrão heterogêneo de desenvolvimento nacional, na sociedade brasileira, é também resultante dos mecanismos de dominação de classe, do estado da luta entre as classes, de como as classes dominantes conduzem os processos de transição, consolidação e expansão das relações sociais capitalistas, mediados pelo Estado e associados com o capital estrangeiro, o que inviabilizou historicamente um desenvolvimento autônomo. As classes dominantes, mesmo na sua forma compósita, através de acordos e alianças, transformam o Estado em artífice do desenvolvimento, agente da modernização. Nessa perspectiva, destaca Fernandes (1976), cabe ao Estado a capacidade de viabilizar e acompanhar os ritmos das mudanças, ou seja, de adaptar o país às mudanças externas, de manter a assimetria na correlação de forças entre capital e trabalho, graduando a 49 Concordamos com Amin (2001) que diz que o imperialismo não é, pois, tão-somente um estágio – nem mesmo o estágio supremo – do capitalismo; constitui, ao contrário, seu caracter permanente. 118 modernização e congelando a história, quando a dominação estiver ameaçada pela participação popular. Sem dúvida, essas condições engendraram um Estado “superdesenvolvido”, uma ênfase demasiada no político, que requererá que as lutas políticas ocorram dentro do próprio Estado, considerando-se a estrutura corporativa de articulação das relações Estado/sociedade geradoras de mecanismos desiguais, através do qual ocorreu a incorporação dos atores emergentes da nova ordem – burguesia e proletariado – no sistema político, configurando-se como atores políticos, pela via do Estado. Todavia, pela característica de classe do Estado, com ressalta Werneck Vianna (1999), tratou-se de um corporativismo maneta, sem espaço para participação operária nas estruturas decisórias. Ao contrário, a ordem corporativa desenhou-se para controlar e reprimir o operariado, não para lhe dar voz. O padrão de atendimento das demandas sociais inclui canais de negociação extremamente favoráveis ao empresariado, posto que o novo arranjo político levaria a uma reestruturação do aparelho estatal, com criação de novas arenas de negociação, às quais o empresariado passaria a ter um acesso direto (cf DINIZ, 1978), enquanto para os trabalhadores, esse padrão representou a legalização e a legitimidade da questão social, seu reconhecimento como sujeito político, e dos problemas que enfrentavam como estruturais, decorrentes da nova ordem e não individuais. Todavia, conforme Cerqueira Filho (1982), o Estado e as classes dominantes conduzem a questão social, com práticas e discursos integradores e paternalistas, ocultando a luta de classes e combinando o autoritarismo com o mecanismo de favor, instituindo um atendimento à questão social que visa à desmobilização/despolitização da classe operária, com o enquadramento do movimento dos trabalhadores na estrutura sindical corporativa, respondendo, de forma fragmentada, às demandas dos trabalhadores, conforme seu poder de pressão e sua importância no cenário econômico, reforçando a heterogeneidade das classes subalternas, segmentando-as em dois grupos: os beneficiários da classe trabalhadora, com atividade laboral reconhecida pela legislação trabalhista; e os pobres ou exército industrial de reserva, um imenso contingente de trabalhadores excedentes ou em atividades marginais, que a legislação não reconhece. Considerando-se o potencial das lutas operárias de ameaça a ordem, claramente já explicitado, nas primeiras décadas do século XX, resultante das inúmeras greves e de suas 119 lutas por melhores condições de vida e trabalho, a questão social passa, então, a ser reconhecida como legítima e emergem respostas públicas, através das legislações trabalhista, sindical e previdenciária. Todavia, mantêm-se e ampliam as fragmentações na classe trabalhadora, excluindo os segmentos mais pobres e a população excedente que não têm mecanismos aglutinadores de luta. Conforme Cohn (2000), a partir de então, cristalizase no país a concepção de que a questão social, na perspectiva da responsabilidade pública com um patamar mínimo de bem-estar dos cidadãos, é definida pelo contrato de trabalho, é algo que passa a ser estritamente associado ao trabalho. Ainda segundo a autora, o cidadão, agora, distingue-se dos pobres: questão social dos trabalhadores ou das classes assalariadas urbanas passa a se constituir, a partir de 1930, como uma questão de cidadania; a questão dos pobres, dos desvalidos e dos miseráveis – exatamente por não estarem inseridos no mercado de trabalho formal – continua sendo uma questão de responsabilidade da esfera privada, da filantropia. Essa forma de enfrentamento da questão social formaliza o estatuto de “cidadania” para determinados segmentos sociais, e atribui a categoria de subcidadão a todos aqueles que são pobres ou não têm sua atividade laboral reconhecida pela legislação trabalhista. Assim, emerge e se consolida no país um sistema de proteção social que segundo Cohn (2000, p.3), apesar de se desenvolver em duas vertentes paralelas – a dos direitos sociais e a da filantropia – não as diferencia quanto ao seu traço paternalista e conservador, associando a ‘igualdade perante a lei’ à política do favor, do compadrio e do favoritismo, à medida que a intermediação política entre dominantes e dominados, exercida pela burocracia estatal, não chega a romper a sobrevivência das relações clientelistas. Instaura-se, assim, um padrão de proteção social, via políticas sociais públicas, que tem como características respostas fragmentadas ou a antecipação frente às demandas sociais, de modo a controlar os movimentos classistas e sociais que problematizam suas necessidades sociais em cena pública; a evitar a constituição de sujeitos políticos, fora da arena de controle do Estado, cuja conseqüência é a transmutação de direitos em concessões. Essas respostas fragmentadas que vão se dando de “grupo a grupo”, de “corporação a corporação”, numa lógica de “hierarquia de privilégios”, são mecanismos que obstaculizam a consciência de classe, posto que são fragmentadores da unidade das lutas das classes subalternas, e visam, conforme Oliveira (2000), à “anulação da política” como 120 arena de negociação, de regras universais e pactuadas, são verdadeiras “operações de silenciamento” da classe trabalhadora, seja tutelando-a, cooptando suas lideranças, seja reprimindo-a, controlando suas manifestações pela força ou mediante políticas sociais. Todavia, essas medidas não anulam os conflitos; e as lutas sempre ressurgem, nunca morrem, as quais se deve todo o esforço de democratização do país e à constituição das políticas sociais como mecanismo de respostas às necessidades concretas dessas classes, mesmo que imediatas. 3.3 O envelhecimento na agenda pública brasileira e as contradições na constituição do sistema de proteção social público. A trajetória de problematizações do envelhecimento do trabalhador e a penetração na agenda governamental brasileira dependeram do contexto histórico e dos mecanismos políticos institucionais de atendimento das demandas sociais. Assim, em contexto de “democracia restrita” e de institucionalização do corporativismo, os movimentos de problematização de necessidades são conduzidos pelos “grupos de interesses”, ou seja, movimentos organizativos da classe trabalhadora, pelos sindicatos corporativos. Em contextos democráticos ampliados pelas lutas sociais, esses movimentos são conduzidos por uma pluralidade de sujeitos políticos e organizações sociais com demandas por direitos sociais por segmentos. Essas demandas, geralmente pulverizadas, considerando-se a ausência de uma tradição de lutas que aglutinem o conjunto da classe trabalhadora, embora se registre lutas setorialistas e corporativas de grupos (cuja direção foi imposta pelo corporativismo estatal), são expressões de lutas limitadas à ordem, nem sempre articuladas com os movimentos classistas. A partir dessa perspectiva, a constituição das políticas sociais públicas tem como pré-condição a problematização de necessidades sociais em cena pública, exceto nas ditaduras (um período longo da história brasileira) que se antecipam às demandas, mas mesmo assim, ampliam as políticas sociais, buscando legitimação ao regime de exceção, de modo a evitar que as lutas sociais eclodam na cena pública. Perante esse fato histórico, propõe-se uma ruptura com as interpretações das políticas sociais como unilateralmente resultantes da ação de um Estado capitalista periférico que pretende responder aos desafios do desenvolvimento e da modernização, ou seja, uma estratégia do processo de modernização sem relação com as classes sociais, 121 desconsiderando as lutas entre as classes, nestes contextos. Essas interpretações consideram o Estado como um árbitro, acima das classes sociais, que cria espaços, de maneira equivalente e plural, de inserção dos sujeitos da nova ordem – empresários e trabalhadores. Entretanto, a natureza do Estado moderno periférico é capitalista, o que o torna subserviente à acumulação do capital, de uma maneira geral, à iniciativa privada, como capital nacional, estrangeiro ou associado. Todavia, o crescimento do capital implica crescimento dos trabalhadores, dos problemas decorrentes dessa ordem que gera pobreza e massas excedentes, na mesma proporção que gera riquezas e revoltas dos trabalhadores, que, mediante mecanismos de organização, associação e manifestação, por mais heterogêneos e débeis que sejam, são expressões de lutas que tendem a inviabilizar a acumulação periférica, sem uma resposta do Estado, que atendesse minimamente suas reivindicações imediatas, mesmo que revestidas em mecanismos de controle social dos trabalhadores e de reprodução para o capital. As formas de resposta do Estado são as políticas sociais, cujas conseqüências da sua implementação, segmentando as demandas, bem como tecnocratizando questões econômicas-políticas, despolitizando-as, deslocando o conflito para o interior do Estado, são comuns, às políticas sociais não apenas no Brasil, mas também nos demais Estados capitalistas, periférico ou não. Assim, entender a política social como resultante da luta de classes, ótica de análise desta pesquisa, implica rompimento não só com o economicismo que atribui a emergência desta apenas às demandas do capital, como uma dentre as várias estratégias e técnicas anticíclicas, por meio dos poderes públicos, que objetivam conter a queda da taxa dos lucros, obtendo, com isso, algum controle sobre o ciclo do capital, ou como estratégia de modernização, na periferia, mas também, com o politicismo que atribui a emergência das políticas sociais públicas à capacidade de organização e de pressão dos trabalhadores, como uma ação consciente dos sujeitos políticos, autonomizadas do processo de produção. Nessa perspectiva, é mister considerar tanto o projeto de hegemonia da burguesia, a busca do consenso, de legitimação, de modo a criar condições de expansão, abrindo certas “concessões” para manter a ordem e revertendo-as em benefícios para a reprodução do sistema como um todo, e administrar a crise por fatores extra-econômicos, com os fundos públicos, quanto o movimento organizado dos trabalhadores por melhores condições de 122 vida e trabalho, que alteraram a correlação de forças e buscam interferir na reestruturação das funções do Estado. Nas sociedades capitalistas periféricas, como a brasileira, as políticas sociais têm seus momentos de criação e expansão em contextos autoritários, como estratégias do Estado e classe dominante de antecipação às demandas, todavia, não eliminam a luta de classes, a contradição básica entre capital e trabalho, e os mecanismos de manifestação dos trabalhadores. Entretanto, buscam silenciá-los, enquadrá-los, despolitizá-los, daí, os recursos à repressão e à cooptação. Apesar disso, estes movimentos renascem após refluxo forçado, sob formas variadas de lutas e reivindicações. a) As lutas operárias e as primeiras medidas de proteção social à velhice dos trabalhadores: previdência versus assistência. As questões relacionadas ao envelhecimento do trabalhador - como problemática social - emergem à cena pública, inicialmente, através das lutas operárias, não como uma questão autônoma, de lutas por políticas específicas para esse segmento, mas, como parte das lutas operárias por melhores condições de vida e de trabalho. Isso porque, sua emergência deve-se à constituição do proletariado como sujeito político, à luta para o reconhecimento de seus problemas como decorrentes da ordem capitalista e não de imprevidência ou de cunho individual. Embora a questão social, como fenômeno concreto, seja anterior à sociedade capitalista, manifestada nas formas de expropriação do trabalho e na luta entre dominantes e dominados, nas sociedades capitalistas, ela assume especificidades próprias, em função da socialização da produção de riquezas e de sua apropriação individual, que gera pauperismos (absolutos ou relativos), que ganha visibilidade pela proporção que atinge e pelas lutas como reação. No Brasil, essas condições estão postas desde o final do século XIX e início do século XX, período correspondente à Primeira República (1890 – 1930), pois, conforme Cerqueira Filho (1982), nesse período se instala a industrialização no Brasil. Não há dúvida, porém, de que, a partir de 1930, esse processo de transformações econômicas, acompanhadas de transformações sociais, políticas e culturais, adquire caráter dinâmico, coincidindo com o início da hegemonia capitalista, como relações de produção, sobre as 123 demais. Entretanto, essas condições, ainda embrionárias, dão origem ao proletariado e às burguesias locais, ao acirramento das contradições entre capital e trabalho e às lutas por melhores condições de vida e trabalho. Nesse período, o tratamento dispensado pelo poder público à questão social (e às suas diversas expressões), compatível com o Estado liberal (cujas classes dominantes eram compostas, em sua maioria, pelas oligarquias agrárias), era a repressão, tratando-a como um caso de polícia - forma histórica de evitar a emergência das classes subalternas na vida política, nesta sociedade. O tratamento “político” era dado pela esfera privada, onde a questão social deveria ser enfrentada pela sociedade civil, como objeto de filantropia, benemerência e caridade, desenvolvida, principalmente, pela Igreja Católica e pelo trabalho voluntário de diversas organizações da sociedade civil. A composição das classes assalariadas urbanas, nas primeiras décadas do século XX, terá grande influência no modo de eclosão da questão social e nos mecanismos de respostas. As políticas e as medidas de incentivos à imigração, movidas pelo setor agromercantil, mas também alocadas na indústria, geraram uma força de trabalho de origem européia, com fortes raízes na luta operária em seus países de origem, em especial, de inspiração anarquista e socialista50. Emerge, assim, nos “centros nervosos” do capitalismo brasileiro, um período marcado por grandes movimentos de luta operária que se manifestavam através de várias greves gerais em 1905, 1907, 1917 e 1919, “todos deflagrados por questões salariais incluindo posteriormente outras reivindicações como: redução da jornada de trabalho; regulamentação do trabalho de menores e mulheres; aposentadoria, etc.” (CARDOSO et al, 2000, p.81). Nessa perspectiva, o envelhecimento do trabalhador ingressa na agenda social, através das lutas operárias. Essas lutas, no final do século, buscavam proteção social à família dos trabalhadores, sendo, portanto, uma forma de fortalecimento da família operária. A aposentadoria era um meio de contribuir para a subsistência coletiva do grupo 50 A movimentação operária era grande no final do século, como destaca Cardoso et al (2000, p.81), “ainda no final do século XIX – em 1890 – os socialistas são os primeiros a terem expressão política no movimento operário brasileiro que cresci. Cria-se nesse ano o Partido Operário cuja existência chegou até 1892. Neste mesmo ano, diversos grupos socialistas, em sua maioria italianos e com alguma influência dos alemães, realizam uma conferência no Rio de Janeiro, considerado o primeiro Congresso Socialista no Brasil, cujo programa adotado resumia-se a reivindicações de caráter imediato, relacionadas às condições de vida e de trabalho do operariado”. 124 familiar, e não de reivindicar a independência financeira dos velhos em relação aos filhos (cf DUTRA, 2001). A esses movimentos desencadeados pelo proletariado, que avançam com a sindicalização, a resposta do poder público era a repressão policial (como assinalado anteriormente), utilizada como instrumento mais eficiente de manutenção da ordem. Assim, a questão social era ilegal, subversiva, ilegítima. Essa ausência do Estado favorecia as iniciativas da sociedade civil, dentre elas, a iniciativa dos próprios trabalhadores, através das mutualidades, em que as respostas aos problemas sociais são postas como uma autodefesa do trabalho diante do capital, recorrendo à autoproteção, à ajuda mútua, com o objetivo de assegurar materialmente os trabalhadores em situação de desemprego, velhice, doença e morte. Segundo Fleury (1994), o fato de as respostas terem sido colocadas inicialmente nesses termos de uma autoproteção, de autodefesa frente ao capital, através das técnicas de socorro e mutualidades, com recursos próprios, evoluindo para a adesão dos empresários, através de cotizações, formando as caixas de aposentadorias e pensões, como entidade civil, tanto circunscreveu ideológica e politicamente a cena e os atores centrais, quanto passou a impregnar e moldar as possibilidades futuras de ação no campo da proteção pública. Antes de 1930, o governo já dava sinais de alteração no trato da questão social, influenciado pelas pressões dos movimentos classistas e pelas experiências de outros países que já adotavam políticas de seguro social, promulgando a Lei de Acidentes em 1919, criando as CAPs (Caixas de Aposentadoria e Pensões) em 1923, conhecida como lei Elói Chaves (ponto de partida da previdência social), as leis de férias, o código de menores, dentre outras. Todavia, a regulamentação das CAPs - e até seu financiamento -, por parte do Estado, não alterou seu perfil liberal, o caráter episódico de sua intervenção sobre as refrações da questão social, porque ele participava da regulação da relação capital/trabalho, mas não assumia a tarefa de desencadear um sistema nacional de proteção social. As Caixas de Aposentadorias e Pensões, normatizada pela lei Eloy Chaves de 1923, são parte das respostas da sociedade civil à questão social, no âmbito da filantropia empresarial. Essas instituições são de natureza civil, privada, funcionando não como mecanismos de fortalecimento da solidariedade intraclasse trabalhadora, como no caso das 125 mutualidades, pois essas atuam mediante sistema de capitalização ou de seguro privado, isto é, os benefícios estão diretamente relacionados à capacidade contributiva individual de cada um. Durante um longo período, as formas de respostas à questão social era estritamente civis, como as Irmandades de Misericórdia, primeiras instituições de caridade que funcionavam como enfermaria, albergue, hospedaria. Nesse campo, a Igreja Católica tem um papel central no modelo caritativo de ação junto aos pobres, na criação de instituições asilares, orfanatos, dentre outras. Esse modelo de ação ganhará dimensões técnicas e conviverá com diferentes graus de interação com os sistemas públicos de proteção social montados a partir da década de 1930, cujo marco é a política previdenciária. Somente a partir de 1930, com a “revolução” burguesa, fruto do pacto entre as classes dominantes tradicionais e as emergentes, que capturam o Estado, e adotam a industrialização por substituição de importações, como modelo de desenvolvimento, a contradição capital/trabalho não é mais secundarizada, mas, o cerne da ordem, instaurandose um novo trato à questão social, através do direito sindical, direito trabalhista e direito previdenciário, uma regulação da relação capital/trabalho fundamental à expansão da acumulação, que abre canais de negociação, mediados pelo Estado. A ação da classe trabalhadora e seus mecanismos organizativos, dentre eles, o sindicalismo autônomo e suas lutas em torno de suas demandas trabalhistas, são indícios que colocam em dúvida a tese da outorga da legislação trabalhista, do sistema de proteção social, unilateralmente, tido como resultante do processo de modernização dirigido pelas elites dominantes, através do Estado, para incluir a capacidade de esses sujeitos políticos vocalizarem suas demandas, de inserirem-nas na agenda pública estatal. Em relação ao envelhecimento, aquele que ganha visibilidade social é o dos trabalhadores inseridos no mercado de trabalho formal, continuam os mais pobres “invisíveis” para o capital e desprotegidos. Emergência do sistema de proteção social público: a previdência social como política de inserção. A política previdenciária, cujo modelo nasce das mutualidades e das CAPs, é uma das mais antigas formas de respostas à problemática social do envelhecimento do trabalhador e a outras situações de riscos, tais como: maternidade, invalidez, morte, 126 enfermidade, acidente de trabalho, dentre outros, visando garantir a reposição de renda dos seus beneficiários, quando não mais puderem trabalhar. A política previdenciária constituirá num dos principais mecanismos de intervenção do Estado e da inserção seletiva e controlada de frações da classe trabalhadora, que ganha estrutura administrativa, com a institucionalização, em 1933, dos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs. Os IAPs representam a nova direção na intervenção do Estado, que deixa de ser mero regulador, normatizador, para colocar-se como responsável pelas estruturas de proteção social. Mesmo o Estado participando da gestão, administração e financiamento dessas instituições, ele mantêm o sistema de capitalização, que é uma individualização e responsabilização do indivíduo pela previdência, e a organização por grupos, antídoto contra a solidariedade no interior do conjunto da classe trabalhadora. Assim, firma-se a noção de seguro social como análoga ao seguro privado. Conforme Vianna (2000), a política previdenciária faz parte do projeto Vargas de reorganização do processo de acumulação do capital, para encaminhar preventivamente o conflito capital/trabalho, em estreita ligação com a estrutura sindical corporativa em que a previdência tornou-se um instrumento de incorporação controlada, de cooptação, principalmente dos setores mais dinâmicos da economia, dos mais combativos, o qual deu origem a uma diversificação de poder, de benefícios, e de estrutura de serviços aos IAPs, consolidando o corporativismo no mundo sindical e restringindo suas lutas por mais benefícios para cada categoria, fortalecendo o corporativismo setorialista, e não a movimentos mais amplos de lutas por políticas para o conjunto da classe trabalhadora, inclusive, aos marginalizados pela condição de população excedente. Mas, como destaca a autora, concedida a proteção à categoria ocupacional reconhecida por lei e, portanto, organizada na estrutura sindical corporativa - os cidadãos conforme a lei -, o sistema promovia uma discriminação dos mais pobres, ou dos ‘de baixos’, como denomina os não inseridos no mercado formal, que permaneciam excluídos do sistema de proteção social público. Todavia, havia espaço de movimento, de reivindicações, de participação nas decisões para os inseridos, posto que esses Institutos tinham regras próprias, eram administrados com seus próprios recursos, com burocracias próprias, e com a participação dos trabalhadores, ainda que fossem hierarquizados e desiguais em termos de recursos e de poder de barganha. Obviamente, que o reverso da 127 medalha foi a cooptação dos trabalhadores, fortalecimento da heterogeneidade, da identidade fragmentada da classe trabalhadora, e não uma consciência unitária de classe. A primeira proposta de unificação da previdência social - bem como a equiparação de assistência médica aos benefícios, em termos de importância – foi abortada com a revogação do Decreto lei 7.526, assinado por Getúlio Vargas. Somente em 26 de agosto de 1960, no período de governos populistas e desenvolvimentistas, em especial no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) foi promulgada, uniformizando os direitos de todos os segurados, ampliando os benefícios, segundo o padrão dos IAPs, para todos os trabalhadores regulados pelas leis do trabalho. Todavia, manteve a cisão dos sistemas de proteção social brasileiro, excluindo os trabalhadores rurais, as empregadas domésticas e os trabalhadores autônomos que continuavam sem cobertura. Essa unificação da previdência social é o primeiro passo rumo ao fim do regime de capitalização e à instauração do regime de repartição que parte da idéia de que a previdência deve ser uma responsabilidade pública e de que a atual geração de trabalhadores paga os benefícios dos atuais aposentados, juntamente com os recursos públicos do Estado e contribuição das empresas, na confiança de que, no futuro, esse esquema seja mantido e que garantirá as aposentadorias daqueles que hoje são contribuintes, criando condições para consolidar a chamada “solidariedade previdenciária” entre os trabalhadores. Todavia, os passos posteriores, mesmo que ampliem a cobertura, adotam mecanismos para desestabilizar aquela solidariedade, como a institucionalização da previdência complementar privada, os incentivos à medicina previdenciária, comprada no setor privado, e outras medidas privatizantes, mercantis, além de manter uma rede de proteção social não-mercantil incentivada pelo Estado, principalmente na assistência social, para os pobres. Assistência Social: o trato compensatório e filantrópico da pobreza. Para os pobres, o exército industrial de reserva, os “não-rentáveis” (crianças, adolescentes, idosos, deficientes, desempregados) e trabalhadores cujas atividades não são reconhecidas pela CLT, que têm seu reconhecimento e sua visibilidade bloqueados, impedidos de vocalizar suas demandas pela falta de mecanismos organizativos que 128 promovam ameaça à ordem, destinava-se à assistência social, uma política paralela ao sistema de seguros de Vargas. Como ressalva Sposati (1989), a assistência social é quase o campo do “não-direito”, posto que sua demanda seria a dos “menos cidadãos” e sua ação tende a recriar desigualdades, ao invés de diminuí-las. Assim, a condição social dos idosos tende a se diferenciar no próprio interior da classe trabalhadora, conforme o padrão de reprodução social instituído na sociedade brasileira, sendo que, sobre os trabalhadores mais pobres, recai um envelhecimento desumanizante, desprotegido, quase sempre objeto de ações filantrópicas. Mesmo a ação estatal através da assistência social, que passa a determinar esses trabalhadores mais pobres como alvo especifico dessa “não-política”, se dá apenas na década de 1960, no regime militar. Esses assistidos recebem um tratamento dispensado aos “invisíveis” para o capital, isto é, um padrão trivializado de reprodução social, que recria as desigualdades e as relações de subordinação das classes subalternas. Deve-se destacar na assistência social a sua histórica relação com a filantropia, que não é rompida com a intervenção do Estado, que passa a regulamentar essa relação. Assim, em 1938, foi criado o Conselho Nacional de Serviço Social (ligado ao Ministério da Educação e Saúde), com o objetivo de normatizar e fiscalizar as ações de assistência social, predominantemente desenvolvidas por entidades privadas. A primeira instituição de assistência social será a Legião Brasileira de Assistência Social (LBA), reconhecida como órgão de colaboração com o Estado, em 1942. Esse organismo, que assegurava estatutariamente sua presidência às primeiras-damas da República, representa a simbiose entre a iniciativa privada e a pública51, a presença da classe dominante como poder civil e a relação benefício/caridade, beneficiário/pedinte, conformando a relação básica entre Estado e classes subalternas (FLEURY TEIXEIRA, 1989, p.63). Após a Segunda Guerra Mundial, a LBA orienta suas ações para a maternidade e a infância. Nesse sentido, a LBA, segundo Oliveira, no prefácio da obra de Raichelis (1998), erigiu 51 a assistência social sob um novo paradigma que podemos chamar, Essa simbiose entre público e privado reflete-se também na criação de outras entidades ainda na década de 1940, como o Serviço Social do Comércio (SESC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), do Serviço Social da Indústria (SESI), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). 129 contraditoriamente, de filantropia estatal, ou seja, fundador da assistência pública como “não-política”, que será marcada pelo clientelismo. Suas inúmeras reformulações (estatutárias) redefinindo clientela, fontes de financiamento e outras alterações institucionais não alteraram suas marcas históricas: “uma relação ambígua que omite a definição das competências entre o setor público e o privado na prestação dos serviços assistências; uma relação marginal e instável com o conjunto das políticas sociais; um modelo elitista e paternalista na prática de atendimento das populações ‘carentes’” (FLEURY TEIXEIRA, 1989, p.63). Assim, mesmo com a intervenção pública, a assistência social mantém as ações travestidas de ajuda, sempre relacionada ao “mérito da necessidade” e não ao “direito do cidadão”, pois se dirige aos subcidadãos; não recebe nem o cunho de salário indireto ou de composição do valor da força de trabalho, pois se destina aos destituídos, aos ”nãorentáveis”, aos “invisíveis”, que representam apenas fatores de custos. Essa intervenção pública se associa às práticas filantrópicas, demandatárias imediatas dos recursos públicos, cujos serviços são pautados por valores humanitários de solidariedade, voluntariado, obscurecendo as relações de direitos. Consolidação e expansão do sistema de proteção social: a inclusão contraditória dos trabalhadores idosos. O sistema de proteção social público brasileiro se consolida e se expande no período que vai de meados da década de 1960 a, praticamente, meados da década de 1970, num contexto de ditadura militar, que substituiu o regime populista, que, com aliança com as camadas populares, abriu espaços para as reivindicações dos trabalhadores, com as bandeiras de reformas de base, de lutas e reivindicações no campo, tais como as ligas camponesas e os sindicatos rurais, e suas lutas por reformas agrárias, dentre outras frentes de lutas, cujo temor das classes dominantes, num contexto de guerra fria e de influência norte-americana, consolidou a “ditadura de classe” com o golpe militar de 1964. Em um contexto adverso à participação política das massas, de repressão ao movimento sindical e a todas as contestações sociais, a ditadura militar tecnocratizou as decisões, ampliou o sistema de proteção social de modo a antecipar-se às demandas sociais, evitando sua eclosão na cena pública, legitimando minimamente o regime de exceção, de modo a encobrir sua dureza. Além disso, a ditadura manteve a fachada 130 corporativa do sindicalismo operário, mas esvaziou-o de seu papel de negociador diante do capital, fechou inclusive, a possibilidade de cooptação, excluindo a participação dos trabalhadores, prevalecendo, assim, um corporativismo bifronte (participação dos empresários e governo). Conforme O’Donnell (1976), o caráter bifronte desse corporativismo resultava de sua dupla função: controlar os sindicatos e organizações populares, através de mecanismos estatizantes (‘o avanço do Estado para dentro da sociedade civil’), e cimentar alianças entre os vários setores das classes dominantes – a face privatista, pela qual ‘elementos da sociedade civil penetram o Estado’ (VIANNA, 2000, p.115). O Estado burocrático-autoritário ressurgia, para Cardoso (1975), como o “comitê executivo de um pacto de dominação que expressava a aliança entre funcionários (militares e civis), burguesia de Estado (ou seja: executivos e policy makers das empresas estatais), grande empresariado privado (nacional e estrangeiro), e os setores das novas classes médias a eles ligados” (p.215). Formava-se, assim, o que o autor denomina de anéis burocráticos, expressão usada para nomear a forma de representação de interesses no aparelho de Estado, uma privatização do público que favoreceu as diversas facções das classes dominantes, aos interesses hegemônicos da grande empresa, pública e privada, nacional e estrangeira, geralmente associada. É neste contexto adverso às problematizações de necessidades em cena pública que se expande o sistema de proteção social público: [...] momento em que efetivamente se organiza os sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados nas áreas de bens e serviços sociais básicos (educação, assistência social, previdência e habitação), superando a forma fragmentada e socialmente seletiva, abrindo espaços para certas tendências universalizantes, mas principalmente para implementação de políticas de massas, de relativa ampla cobertura (DRAIBE, 1990, p.9). Os trabalhadores idosos que não tinham suas atividades laborais reconhecidas por lei foram incluídos na assistência previdenciária, assim como os idosos carentes, mas tiveram suas necessidades rebaixadas a menos do mínimo, reproduzindo a máxima de “vidas sem valor”, de “ser isento de necessidades”, atribuída aos idosos, uma trivialização do padrão de reprodução social, que reforça as desigualdades sociais, ao invés de diminuílas. 131 Nessa perspectiva, em função do ingresso tanto dos excluídos ao universo da previdência, quanto de novos assalariados, resultante do movimento de modernização conservadora que impulsionou o crescimento econômico a novos patamares, a política previdenciária ampliou a sua clientela e promoveu uma nova reestruturação do sistema, com instituições centralizadoras e unificadoras, tais como a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que efetivou a fusão dos IAPs. Em 1967, o seguro de acidentes de trabalho foi incorporado ao INPS. Em 1971, criou-se o Programa de Assistência Social ao Trabalhador Rural (PRORURAL), estendendo a previdência social aos trabalhadores rurais através do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL). Em 1972, as empregadas domésticas são incorporadas. Seis meses após, em 8 de junho de 1973, a lei 5.890 contempla os trabalhadores autônomos. Os idosos do exército industrial de reserva, do setor informal, os pobres, de uma forma geral, também foram incluídos, através da lei 6.179, de 11 de dezembro de 1974, que aprova o amparo da previdência social para os velhos carentes com mais de 70 anos e para inválidos, no valor de meio salário mínimo, desde que cumpram os requisitos de não exercer atividades remuneradas; de não ser mantidos por outras pessoas e de não ter outro meio de subsistência. Em síntese, uma atenção à velhice desumanizada, abandonada, mas incapaz de promover esses velhos sequer à categoria de pobres, mantendo-os na indigência, e com atenção restrita a poucos, considerando-se a discrepância entre os critérios de idade e a esperança de vida, principalmente nas regiões mais pobres. Como destaca Vianna (2000), se essa expansão rompe com a lógica da integração seletiva, todavia, considerando a minimização do padrão de reprodução desses novos beneficiários, expressa nos valores dos benefícios, deixa claro que essa expansão nivela a “cidadania” num estatuto inferior. Esse sistema de proteção social público se expande e desenvolve um esquema assistencial denso sobreposto e/ou paralelo, ao núcleo securitário, dirigido a grupos específicos, ditos de risco, que, na realidade brasileira, não são residuais, mas representa a maior parte da população, assalariada ou não, incluindo os trabalhadores idosos pobres. Mas, longe de romper com a tradição da assistência social, essa expansão do sistema a reforça, imprimindo além do caráter conservador, sua dimensão clientelista. Com a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), em 1977, a LBA e a Funabem passaram a incorporar o sistema previdenciário, mas essa 132 tentativa de unificação das políticas, considerando-se a forma de inclusão marginal dessas instituições de assistência, não significou mudanças significativas de suas marcas históricas. Todavia, essa unificação representou uma tentativa de centralização, pois a LBA passou a ser encarregada de implementar e executar a política nacional de assistência social, bem como orientar, coordenar e supervisionar outras entidades executoras dessa política, à medida que mantém sempre a execução da política nas organizações da sociedade civil, filantrópicas ou não. Mesmo que a inclusão dessas instituições no SINPAS tenha ampliado a clientela, os benefícios, os programas implementados, a interiorização dessas instituições “manteve a separação histórica entre a assistência e as demais políticas sociais, o que se refletiu no pequeno volume de recursos alocados para as duas fundações” (FLEURY TEIXEIRA, 1989, p.91), e foi, segundo a autora, “responsável pelo caráter transitório, fragmentado e quase sempre experimental dos programas de assistência social”. Outra característica marcante do sistema, aliado ao reforço da iniciativa privada, de cunho filantrópico que acompanha seu desenvolvimento, no trato das refrações da questão social, é o reforço à iniciativa privada com fins lucrativo, na execução das políticas, ou seja, atrelou-se o sistema a uma lógica privatizante. Essa lógica está presente tanto na adoção de critérios de mercado ou da eficiência empresarial na gestão das políticas, quanto na “terceirização”52, através da contratação de clínicas e hospitais privados para ampliar a atenção médica previdenciária, sem novos investimentos públicos, como também no financiamento das políticas com recursos dos trabalhadores (FGTS, FAS, PIS/PASEP), e no estímulo aos convênio-empresas na prestação da proteção social dos trabalhadores. Assim, consolida-se um sistema de proteção social, cujas principais características são: extrema centralização (política, institucional e financeira) das ações do Governo na esfera federal; inexistência de participação social e política nos processos decisórios; predominância da lógica de auto-sustentação financeira nos investimentos sociais; processo de privatização das políticas públicas; e, como conseqüência das características anteriores, reduzida efetividade social das políticas (cf PAULA, 1992). 52 “Comprar serviços privados, mediante formas de pagamento que se alteraram ao longo do tempo, tornouse um dispositivo crucial para a modernização autoritária da medicina previdenciária. Contratações de hospitais e credenciamento de prestadores passaram a serem as práticas dominantes do INAMPS, substitutivas do investimento nas unidades próprias. Donnangelo, 1975, mostra que já em 1967 cerca de 80% dos hospitais em funcionamento no país estavam contratados pelo INPS, embora a maioria deles pertencesse ao setor privado” (VIANNA, 2000, p.146). 133 Em síntese, estratégias de atenção aos trabalhadores idosos podem ser mapeadas em um conjunto disperso de iniciativas, a partir da emergência do sistema de proteção social, ampliando os incluídos, na sua fase de expansão, na política tanto previdenciária quanto de assistência social, que inclui esse segmento entre seus beneficiários, desde que elegíveis. Todavia, lutas e reivindicações por políticas específicas para os idosos são recentes no país e estão relacionadas às influências da Gerontologia Internacional, às experiências de programas não-asilares em outros países, aos grupos de pressão locais, dentre eles, aqueles formados pelos “experts” do envelhecimento e suas tentativas de tomálo como objeto autônomo não só no que concerne ao saber, mas também às políticas; bem como às iniciativas governamentais. A partir de 1973, o Ministério da Previdência Social realiza um estudo exploratório, um diagnóstico da população idosa no Brasil onde comprova o aumento da população idosa, o qual requer medidas de política social. Em 1974, criam-se leis, programas e projetos voltados para o envelhecimento, tais como: Programa de Assistência ao Idoso (PAI), Projetos de Apoio à Pessoa Idosa (PAPI). Durante a década de 1970, organizações privadas e públicas intensificam suas ações junto à população idosa: o Serviço Social do Comércio (SESC) adota programas para a “terceira idade”, no estilo dos modelos americano e francês; e a LBA desenvolve programas para idosos de baixa renda; dentre outras. No final da década de 1970, momento de distensão da ditadura e da euforia movimentista na sociedade brasileira, ou seja, momento em que ressurgem do refluxo forçado os movimentos sociais, intensificam-se os movimentos em prol do idoso e de problematizações sobre o envelhecimento, como os eventos promovidos pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), que organiza os Seminários Regionais em São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro, cujos encaminhamentos e bandeiras de lutas eram a construção de uma política social do idoso (cf BARROSO, 2002). Para se ter idéia do crescimento da população idosa, de 1960 a 1970, houve um aumento de 41,6% do número de pessoas com sessenta anos ou mais, e, de 1970 a 1980, o aumento foi de 53,0% (cf HADDAD, 1986b). Todavia, essa nova emersão do envelhecimento à cena pública não se deve apenas ao seu crescimento numérico, mas aos processos de pressão, de reivindicações, agora influenciados pelos “experts” do envelhecimento e por organizações internacionais, responsáveis pela problematização das 134 questões relativas ao envelhecimento. A autonomização desses movimentos, em relação aos movimentos da classe trabalhadora, fragmenta os problemas sociais enfrentados por esse segmento, e os distancia do seu fundamento comum, que consiste nas relações de exploração na sociedade capitalista e seus valores dominantes, e as condições de desenvolvimento econômico e social de cada país. Nesse contexto, eclodem na cena pública as propostas de melhoria da qualidade de vida, principalmente, via organizações privadas, antes mesmo das lutas por melhores condições objetivas de vida, especialmente para os mais pobres que perdem a centralidade nas lutas e reivindicações dos movimentos em prol dos idosos. Essa direção das lutas reflete as orientações teóricas dos “experts” norte-americanos, sobre a qualidade de vida no envelhecimento, os quais destacam critérios subjetivos como: a satisfação com a vida; expectativas com o futuro; vida ativa; competência adaptativa, no exercício de papéis sociais e no ajustamento pessoal; vida produtiva; continuidade de papéis e relações informais, dentre outros critérios que reforçam a responsabilidade individual53 com o bemestar na velhice, correspondendo as atividades de responsabilidade pública, via políticas sociais, àquelas que contribuem para o bom desempenho das atividades de responsabilização individual. Portanto, são essas análises que fundamentam as propostas gerontológicas de “socialização libertadora”, da propagação da cultura do lazer, de atividades físicas, sociais, culturais, da aprendizagem da “arte de saber envelhecer” ou de evitar o envelhecimento, ou seja, elas orientam a “pedagogia da velhice” que encerra uma saída para a problemática vivida pelos velhos, tomada na sua imediaticidade como isolamento social, solidão, ociosidade, decorrentes da perda de papéis sociais, em que o determinado apresenta-se como o determinante, desconsiderando as condições de vida dos idosos e universalizando suas necessidades e problemas. 53 De acordo com Queiroz (2003) nesse processo a responsabilidade individual entra com o desenvolvimento do interesse em apreender; de auto-cuidado, que implica mudança de hábitos de vida, mais saudáveis, evitar os riscos; desenvolver comportamento solidário, tais como desenvolver trabalhos voluntários e outras formas de ajuda social; a participação social que está relacionada a inserção em movimentos sociais, nos instrumentos legais de participação institucionalizada como Conselhos de Direitos, associações, grupos de convivência, dentre outras; relacionamento familiar, como manter-se ativo na família, participar da vida familiar. Embora também ressalte a responsabilidade pública com políticas públicas, em geral estas, estão relacionadas a criar espaços para a efetivação dessa aprendizagem da arte de saber envelhecer, como educação para o envelhecimento, abertura de espaços na comunidade para os idosos, oportunidades de desenvolver atividades físicas, culturais, sociais e produtivas. 135 Sobre a movimentação em torno do envelhecimento, no ano de 1975, sob o patrocínio do Ministério da Previdência e Assistência Social, foram realizados três seminários regionais com o tema “A Situação do Idoso no País”, nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza. Esses seminários foram preparatórios para um seminário nacional em Brasília, intitulado “Estratégias de Política Social para o Idoso no Brasil”, que, segundo especialistas da velhice, constitui um marco no trato da “problemática social” do envelhecimento, à medida que visa romper com a natureza assistencialista no enfrentamento dessa problemática, que se restringia à carências básicas, à mera manutenção biológica dos idosos mais pobres, para atender outras necessidades e em regimes não-asilares. O documento que sintetiza as discussões desses seminários, “O Idoso na Sociedade Brasileira: Diagnóstico Preliminar” (ANDRADE et al, 1977), indica a falta de uma política social definida para a questão, frente à diversidade de instituições e programas já existentes no país, e a necessidade e o surgimento de alternativas não-asilares, com atividades que permitam criar condições para a integração dos idosos na família e na comunidade, mais viáveis para reverter a situação de marginalidade dos idosos, com a divisão responsabilidades com a família e com a comunidade, prática comum da assistência social na sociedade brasileira. A conjugação de esforços, portanto, não deve ocorrer, somente a partir da comunidade. É fundamental envolver os poderes públicos sem atribuir, contudo, a estes, a integral e exclusiva responsabilidade da prestação de assistência. Entende-se que esta co-participação deve processar-se através de uma soma de recursos e ação. De um lado, os órgãos governamentais fixando diretrizes, injetando recursos e prestando assessoramento técnico, de outro, a comunidade identificando disponibilidades existentes, necessidades da clientela e criando, inclusive, oportunidades para o idoso, através da promoção de atividades compatíveis com suas limitações” (ANDRADE et al, 1977, p.22). Como destaca Lima (1999), embora o documento reconheça que grande parte dos problemas do envelhecimento esteja relacionado à pobreza, e à falta de condições sociais adequadas, a questão central a ser enfrentada passa a ser a marginalização social dos idosos, atacando não as estruturas produtivas e as formas de reprodução social da ordem produtiva, bem como o modelo de desenvolvimento econômico e social adotado, mas, seus efeitos, como a marginalização social dos idosos, que implica em medidas que visam atuar sobre essa dimensão “cultural” do problema. Assim, elege-se a integração social, a ressocialização, capaz de reverter essa realidade de preconceitos contra os idosos, sendo 136 privilegiada a estratégia de ação, a partir dos centros sociais urbanos, tanto porque melhor poderia combater a estigmatização e a marginalidade social dos idosos, quanto porque são soluções de baixo custo, com trabalho voluntário e com participação das entidades sociais privadas. Em janeiro de 1977, o Ministério da Previdência e Assistência Social define a “Política Social do Idoso”, incluindo, conforme Goldman (2000, p.33), os seguintes tópicos: a) implantação do sistema de mobilização comunitária; b) atendimento institucionalizado; c) atendimento médico-social; d) programas de pré-aposentadoria; e) treinamento de recursos humanos. Mas, como destaca a autora, por sua generalidade, o conteúdo do documento se aproxima mais do modelo de uma carta de intenções do que de uma política consistente e viável capaz de orientar programas e projetos já existentes para o envelhecimento, para reformar ou criar novas formas de atenção a esse segmento. Por isso, ela não conseguiu ser implementada, para além do formal, nem conseguiu atender as reivindicações dos idosos e de seus movimentos que se avolumavam no final da década. Em função de descontentamentos com a legislação, começaram a emergir novos movimentos em prol dos idosos, dentre eles, a Associação Cearense em prol do Idoso (ACEPI), fundada em 01 de junho de 1977, integrando dez entidades sociais que prestavam serviços aos idosos e que reivindicavam a efetivação da Política Social do Idoso, além de entidades privadas, associações classistas, associações profissionais, o que marcou um novo momento da emersão da problemática do envelhecimento na cena pública. b) Os “novos” movimentos sociais e as lutas sociais em prol do envelhecimento e de políticas setoriais: a influência do discurso gerontológico internacional e autonomização da velhice. Como destaca Oliveira (2000, p.64), “penosamente, na brecha das próprias contradições da expansão capitalista poderosamente ajudada por esse quase fascismo, as 137 classes dominadas voltaram a reconstruir a política”, ou seja, a se manifestar, a reivindicar, reconstruindo a democracia, através de mecanismos diversos de lutas, como a criação dos comitês contra a carestia, pela anistia, ou de lutas por políticas públicas com os movimentos populares urbanos, pela constituinte, dentre outras. Nesse contexto, emergem os “novos” movimentos sociais, que ganham essa denominação, pelo fato de representarem uma mudança dentro do sistema político representativo; de surgirem como alguma coisa nova, de participação espontânea, autônoma; movimentos contra o Estado, mas sem relação com os grupos de interesses classistas, como sindicatos, partidos, associações, dentre outros. “Eles apareciam como algo dominante, novo, de caráter mais puro, muito mais importante, que iria ocupar um espaço vazio” (CARDOSO, 1994, p.82). Em grande parte, esse espaço encontrava-se vazio no país porque, conforme a autora, estávamos numa ditadura militar, e todos esses canais de representação haviam sido bloqueados. Esses movimentos colocavam-se como “antiEstado”, “antipartido”, “anti-sistema político”, uma ofensiva contra o sistema político dominante. Além disso, também ressurge o movimento sindical, o “novo sindicalismo” dos anos 1980, que, como destaca Alves (2000), ao invés de ser mera reação defensiva da classe operária à sanha do capital, voltado para a destruição dos direitos sociais, na nova fase da mundialização do capital, como ocorria nos países desenvolvidos, assume, no Brasil, particularidades, com feições de uma ofensiva da classe operária, procurando conquistar direitos do trabalho, organizações por local de trabalho, poder de negociação. É também nesta década que são criadas as Centrais Sindicais e o Partido dos Trabalhadores, o PT. Apesar dessa efervescência política das classes subalternas, que prossegue na ofensiva, até a Constituição de 1988, o processo de “democratização” se deu dentro da ordem, uma transição lenta e gradual que criou espaços plurais de participação, procurando institucionalizar esses movimentos, trazendo-os para dentro do Estado, os quais, gradativamente, passam da ofensiva a parceiros do Estado, na execução das políticas sociais. Considerando a debilidade organizativa da classe trabalhadora, em termos de conjunto da classe, mesmo com a criação das centrais sindicais, aliada a histórica fratura entre os “inseridos” nas relações capital/trabalho, defendidos pelos sindicatos; e o exército 138 industrial de reserva, os pobres ou marginalizados - com movimentos fragmentados e isolados -, essa condição histórica tende a reforçar a setorialização das lutas e o fortalecimento de grupos de pressão que vocalizam as demandas particulares, nem sempre associados a movimentos de classe, reduzindo suas lutas a direitos sociais. É nesse cenário que emergem os movimentos sociais dos idosos, ou outros em prol desse segmento, e as reivindicações por políticas sociais. As décadas de 1980 e 1990 são marcadas pela emersão do envelhecimento na agenda social como um problema social e político relevante. Essa transformação da velhice em tema privilegiado deve-se tanto à revolução demográfica mundial, com o aparecimento do fenômeno da longevidade, também em países em desenvolvimento, como o Brasil, quanto à força dos grupos de pressão como movimento dos aposentados e pensionistas, as diversas organizações da sociedade civil, organismos internacionais, responsáveis pela vocalização do envelhecimento, sob a influência da Gerontologia Internacional, principalmente norteamericana, cuja orientação influenciará o modo de interpretar a problemática do envelhecimento e as políticas sociais. Essas lutas defendem a parceria com a família, a comunidade, o Estado e o mercado, de preferência que as propostas surjam de iniciativas da própria sociedade civil, que busquem formas de autosustentabilidade, embora reguladas, normatizadas e até financiadas, em alguns casos, pelo Estado, mas com contrapartida, das organizações sociais, municípios e estados; logo, são funcionais à lógica de redução das demandas do Estado, ao ressurgimento das solidariedades diretas (indiferenciadas e entre classes antagônicas), da auto-ajuda ou da ajuda mútua na prestação de serviços sociais, e às alterações nas relações Estado/sociedade e público/privado. Dentre os principais movimentos, organizações sociais e associações que deram visibilidade ao envelhecimento e reivindicaram uma política nacional para os idosos, destacam-se: a) movimento social dos aposentados e pensionistas: o trabalhador velho como sujeito político. Na década de 1980, no contexto de redemocratização do país e efervescência dos movimentos sociais, surgem vários movimentos em prol dos idosos. Outros já existentes se fortalecem, como o caso do movimento de aposentados e pensionistas que, desde a sua 139 origem, marca o aparecimento de uma nova forma de articular a defesa dos interesses dos beneficiários da previdência social, em que os próprios idosos articulam suas armas em defesa dos seus interesses, transformando-se em sujeitos políticos, capazes de se organizar e lutar em prol de sua causa. Os idosos, aos poucos, derrubam a máxima “o velho não tem armas. Nós é que temos de lutar por ele”, expressão de Chauí ao prefaciar livro de Bosi (1994), quando se referia à situação dos idosos nas sociedades contemporâneas, desarmados pela modernidade, mas que aprendem a lutar com as armas da democracia liberal burguesa, tais como a “cidadania”, os direitos humanos e sociais, de modo a garantir condições de reprodução social. Conforme Haddad (1993), a velha luta dos idosos foi sendo reelaborada e assumiu novos contornos no âmbito da Nova República, luta ligada às profundas defasagens nos proventos dos beneficiários. Essa organização, desde a década de 1960, com a União dos Aposentados e Pensionistas, lutou pela equalização dos direitos previdenciários, pela lei Orgânica da Previdência Social, que, após um período de refluxo, numa conjuntura avessa às lutas populares, retornou com o processo de anistia, de abertura política, enfim, em uma conjuntura mais favorável às forças organizativas, no final da década de 1970 e início da década de 1980. Nesse período, os trabalhadores idosos fundaram as Associações de Aposentados e Pensionistas, cuja efetivação, como movimento unificado, ocorreu com a criação de federações que se uniram, formando, em 1985, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP). Com o início dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, criou-se espaço para demandas de diferentes segmentos da sociedade. Nesse contexto, o Movimento dos Aposentados e Pensionistas tomou a constituinte como principal interlocutor para as conquistas previdenciárias. Os idosos de todas as partes do Brasil demonstraram sua força política nas galerias do Congresso, na Praça dos Três Poderes, nas inúmeras passeatas, dentre outras manifestações públicas que sensibilizaram a opinião pública, a mídia, os constituintes, mostrando possuir um grande processo de mobilização, envolvendo aposentados e pensionistas urbanos e rurais. Grande parte das conquistas na Constituição de 1988 foi resultado de discussões e debates entre os aposentados e pensionistas, efetivados em vários eventos que promoveram, como o I Congresso dos Aposentados e Pensionistas, em São Paulo, na 140 cidade de Praia Grande, de 18 a 20 de agosto de 1987, depois, no Rio Grande do Sul, dentre outros eventos. Ao final dos anos 1980, o poder de organização das associações e das federações era tanto que os aposentados e pensionistas formaram o segundo maior lobby na Constituinte, perdendo apenas para o grupo ruralista da União Democrática Ruralista (UDR). Com a promulgação da nova Constituição, em 05 de outubro de 1988, o movimento de aposentados e pensionistas viu materializadas suas principais reivindicações. Porém, o não atendimento do preceito constitucional, nos anos seguintes, marcou o início do segundo momento da luta: a luta pelo cumprimento da Constituição. Segundo Haddad (1993), uma das limitações do movimento é não ter tido forças para envolver os trabalhadores ativos, as centrais sindicais, o conjunto dos trabalhadores, tornando-se, assim, uma luta específica e setorial que contribuiu para a autonomização do envelhecimento, com relação às demais lutas dos trabalhadores. A luta dos idosos os colocou como um forte grupo de pressão, durante a Constituinte e depois, posto que continuaram participando ativamente dos embates judiciais e dos atos públicos contra a política de arrocho nas aposentadorias e pensões. Tal participação na esfera pública revelou uma face da velhice completamente diferente daquela produzida socialmente, marcada pelo conformismo, apatia e resignação a uma “vida sem valor” e “sem necessidades” humanas. Essa nova fase rompeu com as imagens históricas de “inutilidade”, de “reclusão”, de “afastamento da vida política”, da “vida pública”, isto para os trabalhadores idosos, já que, para a classe dominante, nunca houve essa interdição à vida pública e à vida produtiva, intelectual, artística e a outras dimensões da vida. Sem dúvida, as lutas sociais impuseram respeitabilidade e reconhecimento social aos trabalhadores idosos. Esses movimentos, apesar de autonomizados, são eminentemente classistas, são compreendidos no âmbito dos conflitos gerados pela luta de classes, dado que a Previdência Social é um direito extensivo ao trabalho. A vocalização das demandas que defendem são dos trabalhadores velhos aposentados, mas que contribuíram para a visibilidade do envelhecimento e com a luta por políticas públicas. 141 b) a participação social do SESC no processo de mobilização dos idosos e de organizações sociais. Uma outra face dos movimentos dos idosos ganha visibilidade, sendo impulsionada pelo trabalho social com idosos do SESC, pelos eventos regionais e nacionais que promove, influenciando teoricamente as ações desses movimentos. Essa face não só autonomiza o envelhecimento das demais lutas dos trabalhadores, mas também o universaliza, como uma realidade que atinge a todos os idosos da mesma maneira, independentemente, das condições materiais de existência dos indivíduos, mascarando a problemática social do envelhecimento do trabalhador, despolitizando as lutas, apartadas das lutas da classe trabalhadora e dos questionamentos da ordem burguesa. Nesta seção, destacaremos apenas a participação do SESC54 no processo de visibilidade social do envelhecimento, na orientação dos processos reivindicativos dos idosos e organizações sociais, na difusão de uma leitura da “problemática social” do envelhecimento, das necessidades consideradas legítimas e das formas de enfrentamento. A participação social de uma organização patronal, como o SESC, no processo de visibilidade social do envelhecimento e da luta por política social para o segmento, é uma expressão da heterogeneidade das organizações da sociedade civil. Portanto, vai de encontro à noção de sociedade civil homogênea portadora dos impulsos positivos para a renovação democrática da sociedade, representante do interesse geral, e destituída de interesses classistas. Antes, ao contrário, esse fato revela que a sociedade civil é expressão de uma rede complexa de funções educativas e ideológicas, através das quais se instituem consensos em torno de projetos societários, tornando-os hegemônicos. Obviamente, como destaca Semeraro (1997) que Gramsci percebe que esse espaço da sociedade civil pode também se transformar em arena privilegiada onde as classes subalternas organizam as suas associações, articulam as suas alianças, confrontam os seus projetos ético-políticos e disputam o predomínio hegemônico. Todavia, não é esse o caso dessa associação patronal, apesar da natureza dos serviços que prestam, dos fins sociais ditos não-lucrativos. 54 Um estudo aprofundado da participação do SESC no trabalho social com idosos, materializados em programas sociais para a “terceira idade”, bem como o significado dessa ação social de frações da burguesia brasileira na reconstituição das bases de hegemonia, legitimando novas modalidades de trato da questão social é abordado no terceiro capítulo desta tese. 142 Na perspectiva de tornar claros os objetivos do SESC, merece destaque a ideologia que rege a sua criação. Criado para tornar visíveis e materializar as idéias presentes na “Carta de Teresópolis” ou “Carta de Paz Social55”- movimento da classe patronal para antecipar-se aos conflitos, silenciá-los através da ação social -, “o SESC inspirava-se no princípio de que a ‘sólida paz social fundada na ordem econômica’, resultaria de uma ‘obra educativa’ capaz de fraternizar os homens, fortalecendo neles os sentimentos de solidariedade e de confiança” (SESC, 2003,p.68). Portanto, a cooperação, a solidariedade entre sujeitos antagônicos e a preocupação da classe patronal com o bem-estar social dos trabalhadores e da comunidade mascaram os interesses divergentes, as causas das desigualdades sociais e fazem parte das estratégias hegemônicas do capital. Em relação ao envelhecimento, o SESC não só gerou uma tradição na produção de conhecimento gerontológico, na formação de técnicos na área de Gerontologia, através de intercâmbio com universidades (dos Estados Unidos, Espanha, França), com os cursos oferecidos por profissionais destas universidades, mas também criou centros de documentação, publicações; promoveu espaços de debates e discussões através de seminários e congressos envolvendo idosos e profissionais; influenciou, com as primeiras experiências de trabalho social com idosos, a mobilização destes na defesa de direitos sociais; sensibilizou a sociedade e o Estado em relação às questões do envelhecimento; prestou cooperação técnica a órgãos públicos; participou dos canais abertos à participação dos representantes dos idosos; e difundiu um tipo de trabalho social com idosos, fundado em atividades sócio-culturais, direcionando as suas reivindicações, que se deslocam das lutas por melhores condições de vida para uma melhor qualidade de vida, subjetivada em condições imateriais (lazer, educação, esporte, cultura), mascarando as desigualdades sociais no envelhecer e a divisão das necessidades sociais em sociedades de classes. Nessa perspectiva, o SESC participou do Movimento Pró-Idoso (MOPI), com sede em São Paulo, em 1975, formado por entidades governamentais e privadas, órgãos públicos e profissionais liberais envolvidos com a questão do idoso. O MOPI nasceu nas dependências do SESC, lá funcionou por vários meses, contou com participação de seus 55 Numa conjuntura de forte industrialização, com o aumento do número de trabalhadores e dos problemas sociais que essa ordem promove, além do crescimento dos movimentos de contestação, e de reivindicação, em resposta, em 1945, realizou-se a Conferência das Classes Produtoras, em Teresópolis, na qual resultou a “Carta de Paz Social”, o documento propunha a criação de organismos, mantidos exclusivamente por contribuições patronais, destinadas ao serviço social em benefício dos trabalhadores. O que aprofunda as características do nosso sistema de proteção social: a parceria com o mercado, família, organizações filantrópicas. 143 profissionais e teve o formato das lutas e reivindicações influenciado pelos mesmos ideais: criar espaços de socialização, de valorização dos idosos, a partir de iniciativa própria, legitimando um “novo” formato de atenção às refrações da questão social, que reatualiza práticas filantrópicas e o trabalho voluntário. Destaca-se também sua capacidade de mobilizar idosos, profissionais, de formar lideranças e de orientar suas reivindicações, principalmente através dos eventos realizados, destacando-se, dentre estes: o primeiro seminário com o tema “O Idoso na Sociedade Brasileira”, realizado no SESC-Consolação, entre os dias 21 e 26 de junho de 1976; o I Colóquio Internacional “Políticas Públicas e Envelhecimento Populacional”, em parceria com a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP) e com o Centro Internacional de Gerontologia Social da Universidade de Sorbonne, de Paris; no ano de 1982, o I Encontro Nacional de Idosos, de 19 a 22 de setembro, com o tema: “O Idoso e a Participação na Comunidade Nacional”; em 1984, o II Encontro Nacional de Idosos, durante o qual foi elaborada a “Carta de Declaração dos Direitos dos Idosos Brasileiros”; o V Encontro Estadual de Idosos, com o tema “O Idosos e a Constituição”, que deu origem à “Carta de Rio Preto”, documento que aglutinava as reivindicações do público alvo para a nova Constituição do Brasil; o Estatuto do Idoso também foi objeto de um documento, do XII Encontro Estadual de Idosos, que originou o “Manifesto de Campos do Jordão” que destacava a importância do Estatuto como instrumento capaz de promover a autonomia, a integração e a participação dos idosos na sociedade. Esses encontros estaduais e nacionais, promovidos pelo SESC, têm marcado a trajetória do movimento social dos idosos, com força suficiente para mobilizar a opinião pública, autoridades governamentais, legisladores, órgãos públicos e empresas privadas. Influenciaram o formato das políticas sociais dirigidas para esse segmento e introduziram no interior do movimento reivindicativo dos idosos a defesa de um modelo de fazer política social que nega os direitos sociais pelos quais eles lutam, ao remetê-los para o âmbito da sociedade civil, do trabalho filantrópico e voluntário, desresponsabilizando o Estado pelo atendimento das refrações da questão social, mas compatível com a ideologia liberal que rege os ideais e ações dessa organização patronal. O SESC destaca-se também no desenvolvimento da Gerontologia Social brasileira. Até recentemente, os principais nomes da Gerontologia saiam do SESC, em plena consonância com a Gerontologia Internacional, posto que incentivaram a formação de seus 144 profissionais fora do país, ou através de cursos promovidos no Brasil, com “experts” estrangeiros, além dos eventos internacionais de que participavam, influenciando pesquisas e propostas de ação social que visam redefinir ou dar ênfase nas novas imagens do envelhecimento, como a melhor etapa da vida, de realização pessoal, o que mascara o envelhecimento do trabalhador, a velhice pobre, doentia, abandonada, sem recursos ou com parcos recursos, que perde a visibilidade e a centralidade na “problemática social” do envelhecimento para o modo de envelhecer das classes médias e suas demandas. c) Mobilizações das organizações profissionais dos “experts” da velhice: a importância das ONGs técnico-científica como ANG e SBGG. As organizações não-governamentais tiveram grande participação na defesa dos direitos dos idosos, em muitos casos, substituindo os movimentos sociais dos idosos. Assim, destaca-se a Associação Cearense Pró-Idoso (ACEPI), formada por organizações desse tipo, que prestam serviços aos idosos. O Movimento Pró-Idoso (MOPI), também formado por organizações públicas, privadas e por profissionais que fala em nome dos idosos, problematiza aquilo que considera suas necessidades fundamentais. Dentre essas organizações, destacam-se ainda as organizações técnico-científicas, de natureza não-governamental e sem fins lucrativos, como a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e a Associação Nacional de Gerontologia (ANG), com influência das agências internacionais, como Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização das Nações Unidas (ONU) e Associação Internacional de Gerontologia. Elas foram não só espaços de agregação de profissionais, mas também sujeitos ativos na problematização do envelhecimento e na sua ressignificação, as quais lutaram na defesa do envelhecimento como um direito humano fundamental, contribuindo com os eventos realizados para aglutinar idosos, associações e organizações numa causa comum: a Política Nacional do Idoso. Essas entidades empenharam-se em transformar o envelhecimento em uma questão política, com visibilidade pública, mas, contraditoriamente, ao proporem práticas que visam promover a velhice bem sucedida, participativa, autônoma, saudável e ativa, que, por depender do indivíduo, de sua capacidade de apreender, de redefinir seu tempo “livre”, da sua motivação para adotar práticas saudáveis de vida e evitar situações adversas (independente de ações sobre as estruturas sociais geradoras de desigualdades e diferentes 145 velhices, de mecanismos de distribuição da riqueza socialmente produzida capazes de possibilitar condições digna de vida), autoresponsalizam os indivíduos pelo seu bem-estar na velhice, um dos vetores da cultura privacionista, à medida que remete a atenuação do problema para o âmbito subjetivo, individual e, portanto, privado. Essa contradição é inerente ao seu fundamento teórico conservador que imprime uma leitura da questão social e do seu trato em que “o cuidado com as manifestações da ‘questão social’ é expressamente desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social estabelecida” (NETTO, 2001, p.44); reconhecese a necessidades de combater as manifestações da ‘questão social’, mas de modo que não ataque os fundamentos da sociedade burguesa. A SBGG, por sua vez, foi fundada como “Sociedade Brasileira de Geriatria”, em maio de 1961, por um grupo de cardiologistas, reumatologistas e clínicos do Hospital Miguel Couto, no Rio de Janeiro, após um curso de extensão da Universidade do Brasil, atualmente UFRJ, intitulado “Temas de Geriatria”. Em 1968, ela passou a se chamar Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, filiando-se à Associação Médica Brasileira. Mas, somente dez anos depois, em 1978, a SBGG passou a receber profissionais não médicos, com a criação da Comissão especial de Gerontologia Social. A predominância de médicos na entidade priorizou uma perspectiva de compreensão do envelhecimento cuja ênfase era posta na dimensão biológica como lócus privilegiado, a partir do qual se poderia produzir conhecimento e intervir sobre o envelhecimento. Como destaca Lima (1999), era no corpo que envelhece que se busca a velhice, processo que isolou a velhice da sociedade e da cultura, bem como de outras fases do ciclo da vida, decretando-os como naturais, embora ela mesma fosse o resultado de uma construção social, que contribuiu para uma visão homogeneizadora do envelhecimento, baseada na universalidade das suas características. Todavia, gradativamente esse discurso vai sofrendo alterações. Stucchi (1994 apud DEBERT, 1997, p.42), no histórico que faz sobre a SBGG, mostra os confrontos envolvidos nessa entidade que antes congregava apenas médicos e que, em 1978, abre-se para gerontólogos especializados em diferentes áreas do saber. Essa abertura é explicada pelo ingresso de geriatras mais jovens que, contra o conservadorismo de seus pares mais velhos, viram a importância de abordagem multidisciplinar da velhice e procuraram integrar à Associação gerontólogos com formação em Ciências Humanas. A tônica dos 146 discursos, que opunha médicos geriatras aos profissionais formados em humanidades, era a necessidade de levar em conta o caráter socialmente construído da velhice que dá sentidos distintos a essa experiência. Contra o determinismo biológico dos geriatras que supunha ser o curso da vida um contínuo de etapas naturais e universais de desenvolvimento, os gerontólogos empenhavam-se em mostrar a dimensão cultural da velhice, contra imagens negativas da velhice, como doença. Mas, como destaca Lima (1999, p.29): [...] ao reconhecer a dimensão social como fator condicionante do envelhecimento, a gerontologia de certa forma rompe com a representação ‘natural’ da velhice, porém não abandona inteiramente a constituição de seu objeto como um ‘universal’. A velhice saiu dos limites do corpo, sem que os pressupostos homogeneizadores da representação da velhice sejam desfeitos. Como exemplo disso, a gerontologia internacional tem se esforçado para generalizar a problemática do envelhecimento, independente das diferenças de classes, gênero, etnia e dos processos históricos e estruturais particulares. A linearidade e homogeneidade dos processos de envelhecimento biológicos se transformam na linearidade e homogeneidade das fases do desenvolvimento psicológico, do status social (ou falta dele) e das etapas de vida definidas a partir de papéis sociais determinados pela inserção dos indivíduos no processo produtivo ou no ciclo familiar (cf FONTES apud LIMA, 1999, p.29). A posição marginal da Gerontologia no interior da SBGG e a necessidade do movimento social de associações aglutinadoras, capazes de sensibilizar a sociedade e o Estado para a “problemática social” do envelhecimento, de organizar eventos, direcionar encaminhamento e qualificar profissionais, não médicos, em Gerontologia Social, deram origem à Associação Nacional em Gerontologia. Após o I Fórum Nacional em Gerontologia, realizado em Fortaleza, em 1986, surgiu a proposta de criação da entidade. Todavia, a ANG foi oficializada apenas em 1988 e atualmente realiza, em parceria com outras instituições (SESC, Universidades, dentre outras), eventos de nível nacional, palestras, conferências, além de viabilizar instrumentos de circulação de informações, com as publicações em conjunto com o Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio em Serviço Social (CBISS), na área de gerontologia. Além de se colocar como porta-voz dos idosos, com autoridade científica para falar por eles, das suas necessidades e aspirações, e pelos profissionais da área, a ANG também 147 tem funcionado como assessoria técnica e de participação direta nas questões que dizem respeito aos idosos, nos Conselhos de Direitos dos Idosos (municipal, estadual e nacional). Merece destaque a participação dessa Associação na elaboração do documento que serviu de subsídio à Política Nacional do Idoso, realizado pelos seus grupos de trabalho. De uma maneira geral, essas organizações foram e são ativas na luta pelos direitos dos idosos e pela formação e difusão do que chamam de consciência gerontológica que se expressa na conscientização e participação de todos por um envelhecimento saudável, inclusive, dos próprios indivíduos, de suas famílias, das comunidades e das organizações não governamentais, homogeneizando não apenas as demandas e necessidades dos idosos, mas também os discursos governamentais e da sociedade civil em torno da política social para idosos. d) As pressões das organizações multilaterais internacionais: a influência da ONU e OMS na agenda internacional e nacional e no desenho da política dirigida aos idosos. Durante as décadas de 1980 e 1990, intensificaram-se as influências das organizações internacionais na agenda social brasileira. Em relação ao envelhecimento, as pressões de algumas organizações da ONU não tiveram o peso da influência de organizações como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional (FMI), que implicasse sanções ou incentivos materiais, mas outras formas de pressões, que se fizeram, influenciando os movimentos sociais e ONGs em defesa do idoso. Nas últimas décadas, essa influência das agências internacionais tem crescido a ponto de imprimir um ajuste estrutural dos países periféricos à nova ordem internacional, que impõe às agendas nacionais não apenas políticas de estabilização macroeconômicas, como normalização da política monetária e fiscal, liberalização dos mercados de bens e capital mediante desregulamentação e privatização das empresas estatais, abertura comercial, dentre outras; mas também reformulações das políticas sociais e novas diretrizes. Como destaca Faleiros (1996), as políticas nacionais, das mais diferentes nações, possuem tantas semelhanças entre si que se configuram como cada vez mais internacionais. Em suas pautas, questões como “corte nos gastos públicos, abertura comercial, redução de imposto para os mais ricos, reforma do sistema de proteção social, arrocho salarial, terceirização” (p.18) visam fazer do mercado um modelo de regulação 148 social e minimizar as funções do Estado (em relação à reprodução social do trabalho), reduzindo suas demandas, dividindo responsabilidades com a sociedade civil. Considerando as orientações neoliberais, essas ações tendem a induzir um processo de desresponsabilização do Estado perante às refrações da questão social, através da adoção de estratégias de descentralização, que têm significado repasse de responsabilidades do governo federal para as esferas estaduais e municipais, assim como da prestação de serviços para organizações não-governamentais. Em relação ao envelhecimento, essa influência tem seu marco mais significativo também nas últimas décadas, e os argumentos para essa intervenção estão relacionados aos dados demográficos, como o crescimento das expectativas de vida e da longevidade nos países em desenvolvimento, e os riscos para o sistema previdenciário e de assistência médica e social, caso não se invista no envelhecimento ativo, saudável e produtivo. Tal perspectiva implica uma nova imagem do envelhecimento como recurso para a sociedade e familiares, potencializando o idoso através de ações preventivas, educativas e de lazer de modo a torná-lo ativo e saudável por mais tempo, reduzindo os custos de um envelhecimento doentio e marginalizado para o Estado, responsabilizando os idosos, sua família, a sociedade pela proteção social. Essas tendências são comuns às políticas sociais na nova ordem do capital, postas pela ideologia neoliberal. O ponto de partida dessa influência foi o ano de 1982, no qual se realizou, em Viena, a Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento (AME), patrocinada pala Organização Mundial da Saúde (OMS), em que foi traçado o Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento (PAME), com o intuito de incentivar e fornecer diretrizes para as políticas dirigidas aos idosos, de sensibilizar governos e organizações não-governamentais para as questões do envelhecimento. As formulações do PAME, conforme Cavalcanti e Saad (1990), compreendem temas como: • A dignificação do homem, através da solução de suas carências, o que engloba trabalho, educação, saúde e moradia; • O conhecimento prévio das tendências demográficas prevalecentes em determinada região, a fim de criar subsídios para a elaboração de políticas e 149 programas destinados à população idosa, que, por sua vez, serviriam ainda como orientação para profissionais, políticos e as pessoas em geral; • Informações sobre o processo de envelhecimento, com o intuito de desmistificar alguns estereótipos; • A importância da renda, para este segmento manter sua autonomia e dignidade; • O aumento e melhoria dos serviços sociais para idosos; • Implementação de programas de preparação de pré e pós-aposentadoria; • Promoção, através dos meios de comunicação, de uma imagem positiva do processo de envelhecimento. Dentre as várias orientações, previstas no PAME, ainda conforme Cavalcante e Saad (1990), há indicação das três forças sociais de igual importância na proteção social ao idoso: o Estado, a comunidade e a família. Ao Estado, é recomendado atuar como um mecanismo regulador-planificador e como um distribuidor de incentivos e subsídios para que as outras instâncias cumpram seu papel. A comunidade, por sua vez, deve propiciar a participação desse segmento a fim de que se sintam úteis à sociedade. Já em relação à família, a recomendação é que continue sendo a instância primeira, com relação aos cuidados básicos com os idosos. O conjunto dessas forças expressa bem as mudanças no tom das políticas públicas sociais na era neoliberal, não sendo essas políticas de responsabilidade pública, mas, de um misto de responsabilidade social das empresas, das organizações não-governamentais, das organizações informais (família e comunidade) e de cada indivíduo. Os reflexos da AME se fazem presentes no Brasil. Ainda em 1982, o SESC realizou o I Encontro Nacional dos Idosos, iniciam-se as atividades do Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI) da UFSC e uma série de eventos promovidos pela SBGG e ACEPI, mobilizados na defesa dessas diretrizes. Naquele mesmo ano, foi criada uma comissão, formada por representantes do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), Ministério da Saúde, LBA, INPS, INAMPS, SBGG e SESC, com a função de coordenar e apresentar sugestões sobre a problemática do idoso. O mesmo decreto que criou tal comissão (Decreto n.86.880, de 27 de janeiro de 1982) também instituiu 1982 como o “Ano Nacional do Idoso”. Foi também 150 criado o Comitê Nacional de Saúde do Idoso, programa de nível nacional, desenvolvido pela LBA, e também, no mesmo ano, o MPAS baixa a portaria n. 2864, de 5 de maio de 1982, que dispõe sobre a prestação da Assistência ao idoso, nos campos de ação das entidades integrantes do Sistema Nacional de Previdência Social (SINPAS): LBA, INPS, INAMPS e Central de Medicamentos (CEME). Conforme Moreira (1998), em 1988, uma avaliação feita na reunião interagências de todo o sistema de coordenação de políticas dedicadas ao idoso, na Áustria, revela que as ações adotadas nos países periféricos eram esporádicas e limitadas, havendo a necessidade de intervenção da comunidade internacional, no sentido de assistir a esses governos, de patrocinar eventos nacionais, de orientar ações de ONGs, e de gerar pressões à construção de políticas nacionais de proteção ao idoso. Outro importante marco, em consonância com o PAME, foi à aprovação, pela Assembléia da ONU, em 16 de dezembro de 1991, dos princípios das Nações Unidas, em favor das pessoas idosas (Resolução 46/91), com a recomendação de eles serem incorporados, o quanto antes, aos programas nacionais de direitos humanos, a fim de priorizar questões como independência, autonomia, participação e assistência social ao idoso. Conforme Ramos (2002, p.51): [...] os referidos princípios aludem à independência, que significa ter acesso à alimentação, água, moradia, vestuário, saúde, apoio familiar e comunitário, oportunidade de trabalhar ou outras formas de geração de renda; determinar o momento em que se afastará do mercado de trabalho; acesso permanente a programas de qualificação e requalificação profissional; poder viver em ambientes seguros adaptáveis à sua preferência pessoal, que sejam passíveis de mudanças; poder viver em casa pelo tempo que for viável; à participação, que significa participar das políticas públicas, transmitir conhecimentos aos jovens; atuar, se de seu interesse, como voluntários, de acordo com sua capacidade; poder formar movimentos ou associações de idosos; à assistência, que significa beneficiar-se da assistência e proteção da família e da sociedade; ter acesso à saúde mental, física e emocional, especificamente a preventiva; ter acesso a serviços jurídicos; desfrutar os direitos e liberdades fundamentais, quando residentes em instituições que lhes proporcionem os cuidados necessários; à auto-realização, que significa oportunidades de desenvolvimento de potencialidades; acesso aos recursos educacionais, culturais, espirituais e de lazer da sociedade e à dignidade, que significa não ser objeto de exploração e maus tratos físicos e mentais; ser tratado com justiça, independentemente de idade, sexo, raça, etnia, deficiências, condições econômicas ou outros fatores. 151 Apesar de ser um importante marco da afirmação de direitos dos idosos, como destaca Kurz (2003), as organizações civis dos Direitos do Homem e outras instituições, que se colocam nessa perspectiva, defendem as vítimas exclusivamente em nome do princípio que as tornou vítimas. Por isso, essas organizações não podem prosseguir a necessária crítica da sociedade, posto que remeteria à crítica a noção de homem do esclarecimento burguês, a noção de Direitos Humanos e a própria sociedade burguesa; Reduzindo-se sua intervenção a uma proposta de “inclusão”, mas que não critica os princípios de “exclusão” dos indivíduos da condição de humanos, de sujeitos de direitos. Assim, tais propostas se tornam princípios abstratos que não se assentam numa realidade concreta, mascarando a realidade capitalista e suas determinações. As condições capazes de gerar independência do idoso, mesmo dentro da ordem capitalista, requerem políticas públicas que melhorem as condições de vida e o acesso à renda básica (e não mínima) para os idosos. Apostar na produtividade dos idosos é desconsiderar que a sociedade capitalista cria um “ciclo de vida produtiva”, que alija os trabalhadores mais velhos, sem necessariamente serem velhos cronologicamente, os quais, com o desemprego estrutural, tornam-se alvo e motivo de “exclusões sociais”. Além disso, a busca da “empregabilidade” com a qualificação ou requalificação profissional não lhes garante emprego, a não ser como voluntários e de auto-subsistência. Quanto às condições de participação social, nas modernas concepções de envelhecimento, elas não se definem pela capacidade de transmitir conhecimentos, mas de aprender, inclusive, a viver essa fase da vida, de tomar atitudes de mudança de hábitos, de relacionamento, de socialização, dentre outras que dependem do indivíduo, da sua motivação para participar. Embora essas condições tenham gerado espaços de participação na política, através dos Conselhos de Direitos dos Idosos, também redefinem essa participação à execução da política. A assistência recai sobre a família e a sociedade, através de suas organizações privadas, lucrativas ou não, desconsiderando que o afrouxamento dos laços comunitários e familiares que exacerbam o individualismo, é decorrentes de mecanismos estruturais da ordem capitalista, que dificulta o papel da família como referencial de apoio às pessoas idosas, inviabilizando sua reprodução social, devido ao seu empobrecimento e à perda do papel produtivo. Apesar disso, o repasse de responsabilidades sociais são compatíveis com 152 as diretrizes das políticas sociais, em todo o mundo, com uma nova cultura que visa reduzir as demandas do Estado e remetê-las ou dividi-las com a família, comunidade e sociedade. A ONU tem promovido, nas últimas décadas, vários eventos para discutir a problemática do envelhecimento, oferecendo diretrizes, princípios teóricos e práticos sobre o envelhecimento e sobre as alternativas para as políticas sociais, em consonância com as organizações internacionais de Gerontologia, parceiras dos eventos. O exemplo da força dos organismos internacionais, como a OMS, foi o patrocínio, juntamente com o governo brasileiro, para o Encontro Internacional sobre Envelhecimento, em Brasília, de 01 a 03 de julho de 1996, culminando com a chamada “Declaração de Brasília”, de que resultou uma agenda para o restante do século XX, e mais além, e a assinatura do Decreto-Lei, por parte do governo brasileiro, que implementou a Política Nacional do Idoso, aprovada dois anos antes. Esse processo de difusão social do envelhecimento moderno continua bastante forte e organizado em redes mundiais, cujos princípios são fortalecidos e difundidos pelas ONGs locais e pelos movimentos sociais em prol do idoso. A OMS criou o Movimento Global para o Envelhecimento Ativo, lançado em 1999, no Ano Internacional do Idoso, por ocasião da caminhada “Abraço ao Mundo”, além de lançar o Projeto de Política de Saúde que pretende orientar as discussões e a formulação de planos de ação em todo o mundo, visando promover um envelhecimento saudável e ativo. Tal perspectiva não deixa de ser uma estratégia eficiente, do ponto de vista empresarial, pois reduz as despesas públicas, com programas de alta resolutividade em hospitais, assistência social asilar, dentre outras, e remete para o indivíduo a responsabilidade por se manter ativo, através da adoção de novos hábitos, exacerbando o individualismo na busca de proteção social, inclusive, privada. A abordagem do envelhecimento ativo, ou do envelhecimento produtivo, reafirmado na II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento (abril/2002), fornece um esquema para o desenvolvimento de estratégias, nos níveis global, nacional e local sobre a população que está envelhecendo. Recompõem, assim, os três pilares para a ação: independência, participação e segurança, cujo público alvo são governantes em todos os níveis, entidades não-governamentais, setor privado, e todos aqueles responsáveis pela formulação de políticas e programas ligados ao envelhecimento. 153 Essas diretrizes das políticas sociais são impostas nas agendas das nações periféricas, como a questão da descentralização e da transferência dos serviços para os setores comunitários, para as organizações locais não lucrativas e para os voluntários que reforçam o caráter compensatório do combate à pobreza, no sistema de proteção social (também periférico) dessas sociedades, incluindo o setor privado lucrativo para atender as necessidades dos setores melhor posicionados na hierarquia social, espaços de reprodução do capital com os recursos do trabalho e do Estado, que exacerba o individualismo e esgarça a frágil solidariedade da classe trabalhadora. Essas organizações constituem grande força de persuasão, de pressão, influenciando os movimentos em prol do idoso, os governos e a sociedade em geral, e têm contribuído com a visibilidade política do envelhecimento na cena pública nacional e internacional, ao mesmo tempo em que difundem um novo formato de política social. Embora os movimentos sociais em prol dos idosos tenham eclodido na década de 1980, na luta por direitos sociais, através de políticas sociais setoriais, é na década de 1990 que eles assumem a face de parceiros do Estado e do mercado, momento em que grande parte das ONGs assume o lugar e as funções dos movimentos sociais e do Estado. Apesar de parte dessas organizações já se colocarem como complementares à ação estatal ainda em décadas anteriores. Remando contra o particularismo de parte das lutas sociais desses “novos” movimentos sociais e dos avanços neoliberais no continente, a Constituição Federal de 1988 consagrou a expressão Seguridade Social, concepção inovadora que tratou de implantar um sistema de proteção social com tendências mais amplas e inclusivas de proteção estatal. Assim, projeta-se um movimento em direção a uma forma mais “universalista” e igualitária de organização da proteção social pública, à medida que ela amplia direitos sociais, expande acesso e cobertura, uniformiza benefícios, dentre outros avanços formais. A reestruturação do sistema de proteção social no Brasil: um novo padrão de proteção social público? A década de 1980 é marcada por uma transição inercial (cf O’DONNEL, 1879 apud PEREIRA, 2000, p.152), ainda presa aos velhos estilos de fazer política e inibidora da verdadeira democracia, todavia, como destaca a autora, foi também marcada por 154 significativos avanços políticos e sociais, os quais conferiram à década de 1980, ao lado do epíteto de ‘década perdida’, o de ‘década da redemocratização’, considerando-se a grande mobilização das classes subalternas, e a emergência das políticas sociais na agenda de reformas institucionais que culminou com a Constituinte e com a Constituição em 1988, denominada “Constituição Cidadã”, face aos avanços na afirmação de direitos sociais, como dever do Estado. Todavia, teriam sido esses avanços suficientes para alterar o perfil do padrão de proteção social brasileiro? Ter-se-ia rompido com o “Estado Assistencial”, logo, com o trato compensatório da pobreza? Ter-se-ia rompido com a condição social dos trabalhadores idosos, incluindo sua reprodução social como responsabilidade pública? Para responder essas indagações, devem-se situar as alterações do sistema público de proteção social, no contexto em que emergem e se desenvolvem. Emergem numa conjuntura de crise econômica. Desde o final dos anos 70, há indícios de esgotamento e crise do padrão de industrialização por substituição de importações, do padrão de acumulação de cariz desenvolvimentista56, esgotando-se o papel de “condotiere” do Estado na expansão capitalista, à medida que, como destaca Oliveira (2000), a exacerbação do papel do Estado, como capital financeiro geral e como capital estatal produtivo, no momento de crise da dívida externa, nos anos 1980, terminou convertendo a referida dívida em dívida interna pública, inviabilizando o papel de conduzir o desenvolvimento. Apesar desse esgotamento, nos aspectos organizacional, social e, principalmente, financeiro do Estado e do padrão de desenvolvimento adotado, uma série de medidas de reestruturação, na década seguinte, são postas em prática. Assim, “a partir de 1985, e até 1988, as importantes modificações introduzidas nas políticas sociais brasileiras foram determinadas por todo um complexo quadro de transformações políticas, sociais e econômicas” (cf SOARES, 2001, p.210), tais como: [...] o advento do governo da (chamada) Nova República no bojo do movimento de redemocratização nacional; a possibilidade de ocupação de postos estratégicos nesse governo por pessoas e grupos políticos identificados até então como oposições [...]; a organização de movimentos sociais [...] que pressionavam por mudanças efetivas; e a 56 “Em seu período de êxtase, o padrão capitalista de cariz desenvolvimentista criou seus próprios limites de crescimento ao incrementar a desproporcionalidade entre o Departamento III, o setor de bens de consumo duráveis, e o Departamento I, o setor de bens de produção. No período de 1968-1973, a expansão das importações de bens de capital (e intermediários) cresceu muito mais do que a produção interna ocasionando a tradicional crise de balança de pagamentos. Na mesma proporção, incrementou-se a remessa de lucros, dividendos, direitos de assistência técnica, juros, de empréstimos, ocasionando uma crise na conta serviços. A recorrência do capital financeiro internacional destinava-se a suprir o crescente déficit da balança comercial. A solução imediata era a expansão da dívida externa...” (Alves, 2000, p.111) 155 mudança na política econômica, comprometida com a retomada imediata do crescimento. A Constituição Federal de 1988 colocou-se na contramão dessa crise, acentuada com a crise mundial do capital e com as saídas induzidas pelo grande capital, consolidando um modelo de proteção social público (com tendências “universalistas”) já em crise em alguns países, inviabilizado pelas crises fiscais do Estado, pelas demandas de reprodução ampliada do capital e pela expansão das políticas neoliberais como alternativa a esse quadro. Além disso, a Constituição de 1988 impôs, ainda que tardiamente, o “pacto de classes”, garantindo direitos e proteção social pública aos trabalhadores, que, mesmos “sem ferir a ordem burguesa [...], ela assentou os fundamentos a partir dos quais a dinâmica capitalista poderia ser direcionada de modo a reduzir, a níveis toleráveis, o que os próprios segmentos das classes dominantes então denominavam ‘dívida social’” (NETTO, 1999, p.77). O desenho das políticas sociais apontava em direção à modificação do modelo de proteção social brasileiro, tais como: as tendências à universalização, ao redistributivismo, à inovação na estrutura administrativa – como a descentralização política, a participação social – e a responsabilização pública, via fundos públicos, pela proteção social. Em relação aos trabalhadores idosos e a população idosa em geral, considerando-se às tendências universalizantes das políticas, a Constituição ampliou e consolidou direitos, tais como: a) O conceito alargado de proteção social com a denominação de Seguridade Social57 - compreendendo um conjunto integrado de iniciativas dos poderes públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. b) Irredutibilidade do valor dos benefícios e caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados; c) Garantia do reajustamento dos benefícios pelo salário mínimo; 57 Expressão inovadora que tratou de implantar um sistema de proteção social mais amplo e inclusivo, com benefícios universalizantes e que visa superar a visão securitária da equivalência contributiva do seguro social, que integra mecanismos redistributivos de renda, e rompe com o assistencialismo aos instituir a assistência social como política de seguridade social. 156 d) Diminuição da idade para aposentadoria por velhice, para o trabalhador rural, 60 para o homem e 55 para mulheres, para o trabalhador urbano, 65 para homens e 60 para mulheres; e) Reajuste da pensão vitalícia para o valor de um salário mínimo, dentre outras. Todavia, a trajetória dos anos 1990 não seguiu o ideário da Constituição de 1988, instaurando uma conjuntura de reformas, antes mesmos da implementação dos princípios constitucionais, uma reestruturação conservadora que inviabilizou suas tendências progressistas. Como destaca Vianna (2003), apesar de manter o conceito de Seguridade Social, medidas são tomadas que inviabilizam a clareza de suas proposições e sua efetivação prática. Num contexto em que o endurecimento das pressões dos credores externos, a disputa por recursos escassos, a desmobilização da sociedade e uma série de outros fatores enfraqueceram a coalização de apoio àquele ideário, a legislação que regulamentou a Seguridade Social traçou os rumos da separação das três áreas: a Lei Orgânica da Saúde (n. 8.080, de 1990), as leis 8.212 e 8.213, de 1991 (do Custeio e dos Planos de Benefícios da Previdência), e a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742, de 1993). Ainda de acordo com a autora, do ponto de vista administrativo, também se efetivou a separação, ao invés de um Ministério da Seguridade Social, que abrangesse as três áreas previstas na Constituição, criou-se o Instituto de Seguro Social (INSS), e não de Seguridade Social, além das políticas que a concepção agrega, consolidarem-se em ministérios separados. Do ponto de vista do financiamento da Seguridade Social, também enfrenta problemas, considerando que as receitas tornaram-se gradativamente discriminadas. Além disso, a revisão constitucional de 1993/1994 instituiu um mecanismo provisório que permitia desvincular 20% de todas as receitas de impostos e contribuições, para fins de realocação, com base nas necessidades financeiras do governo central. Destaca-se também a criação do Fundo Social de Emergência (FSE), depois denominado Fundo Social Fiscal (FSF), e, mais recentemente, a Desvinculação de Recursos da União (DRU), regularizando a prática de desvio de recursos da área social para a área fiscal, para compor o superávit primário. Essas reformas são condizentes com as medidas de ajuste estrutural, imposto pelos mecanismos financeiros internacionais, que desencadearam mudanças mediante políticas 157 liberalizantes, privatizantes e de mercado, condição de inserção do país na nova ordem mundial globalizada, atingindo as políticas públicas de corte social, através das noções de redução de déficits públicos e de reforma do Estado. Todavia, apesar dessa conjuntura adversa, registraram-se alguns compromissos governamentais com o envelhecimento do trabalhador, reflexo dos princípios constitucionais que não puderam ser desmontados totalmente, apesar dos reveses constantes que inviabilizam sua efetivação prática. Dentre esses compromissos, destacamse a política de assistência social, regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social e ainda pela Política Nacional de Assistência Social e Norma Operacional Básica (Diário Oficial da União de 16/4/99), que propõe a garantia de benefícios e serviços, gratuidade e não-contributividade, quanto aos mecanismos de financiamento; e a descentralização e a participação quanto à forma de organização política institucional. Entretanto, essa política mantém a seletividade, o mérito ou “valor da necessidade”, para definir suas demandas, e inclui, entre os demandatários, os tradicionais sujeitos submetidos a riscos sociais, como família, maternidade, infância, adolescência e velhice. Essa política avança ao instituir como direito a uma renda monetária (no valor de um salário mínimo) todo portador de deficiência e todo idoso que não possui meios pessoais ou familiares, de prover sua manutenção, garantido pela instância federal, e denominado de Benefício de Prestação Continuada (BPC), além do Programa de Proteção à Pessoa Idosa que financia os programas e projetos executados pelos estados, municípios, Distrito Federal e entidades sociais privadas. Os avanços constitucionais na política de Previdência Social também foram significativos, dentre os quais merece destaque a sua inclusão no conceito de Seguridade Social, portanto, especifica à possibilidade de haver a instituição de benefícios nãocontributivos para combater a pobreza, na ausência de contribuições monetárias, logo, da inclusão de mecanismos redistributivos de renda. Esses benefícios fogem a lógica atuarial estrita do seguro social, como os benefícios rurais, além dos benefícios assistenciais (BPC) para idosos “carentes”, o que significa uma desarticulação da relação entre contribuição/benefício; redefinindo as formas de financiamento para além dos tradicionais sobre a folha de pagamento, utilizando também recursos da União, dos estados e municípios, e, também, com contribuições específicas. Todavia, as reformas previstas e efetivadas encaminham-se para firmar a assistencialização da previdência, estabelecendo 158 tetos, de modo a incentivar a complementação das aposentarias nos fundos de pensão ou na previdência privada. Em decorrência dessas alterações, cresce a cobertura dos benefícios entre os idosos, de 68,6%, em 1992, para 76%, em 1995 (cf SCHAWARZER; QUERINO, 2002), na maioria dos casos restritos a um patamar mínimo, isto é, ao salário mínimo oficial, que corresponde, segundo os autores citados, a dois terços (64,9%) dos benefícios pagos por mês na previdência social. No entanto, esses benefícios correspondem somente a pouco mais de uma terça parte (37,7%) do total de gastos da previdência. Assim sendo, a assistencialização da previdência social é uma realidade histórica para os trabalhadores mais pobres, a qual as reformas dos anos 1990, no marco das reformas neoliberais que atingiram o Estado brasileiro, buscam generalizar para todos os regimes de previdência, sob a retórica de gerar mecanismos de uniformização e de justiça entre os regimes. Dentre as medidas de reformas, destacam-se a Emenda Constitucional nº 20 (EC20), proposta pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que atingiu pontos essenciais da previdência definida na Constituição de 1988. Essa emenda introduziu o fator previdenciário que amplia a tempo para a aposentadoria e mantém os valores dos benefícios, no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e alterou também o Regime dos Servidores Públicos, aumentando o tempo de contribuição e implantando regimes de transição para os antigos funcionários. A alteração mais importante, porém, foi o novo artigo 202 da Constituição: ele estabeleceu a fixação de teto de benéficos para os servidores públicos, quando fosse assegurada a complementação de aposentadorias e pensões, por meio de planos de aposentadoria complementar, dos fundos de pensão ou da previdência privada, dispensando os estados e os municípios de garantirem o pagamento de benefícios acima do teto já fixado para o RGPS. Essas alterações se consolidaram na Emenda Constitucional nº 40, do governo Lula da Silva, fixando definitivamente um teto para a previdência dos servidores públicos, independentemente de participarem, ou não, de outras modalidades de previdência, logo, um incentivo aberto à previdência complementar. O incentivo à previdência complementar, mediante fundos de pensão ou a modalidade lucrativa dos seguros privados, significa a volta dos regimes de capitalização, um retorno ao individualismo com o bem-estar, estratégia eficiente de quebra da 159 solidariedade de classe entre trabalhadores, e a transformação da previdência em mercadoria comprada no mercado. Os fundos de pensão, conforme Marques (2003), em função da própria lógica que os conformam, agem no sentido da afirmação do padrão de acumulação dominante, que confere primazia à acumulação financeira, em detrimento da acumulação produtiva. Assim, inverte a solidariedade, pois não só amarra a garantia dos benefícios futuros à miséria do presente em termos de emprego e salário, mas também à capacidade de poupar e de render desse dinheiro empregado. Nessa perspectiva, as reformas na seguridade social, entre elas a política de Previdência Social - a mais antiga política de resposta à vulnerabilidade social dos trabalhadores e sua família, incluindo a da idade, com as aposentadorias e pensões - são mais que indicativos de modernização do sistema, antes, constituem estratégias de classe, no desmonte da proteção social pública, não pela sua extinção completa, mas pela precarização dos serviços e benefícios, e pelos incentivos aos serviços privados de proteção social, logo, reatualiza e reforça a cultura privacionista nas formas de enfrentamento da questão social. Deve-se ressaltar que essa cultura privacionista, nas formas de trato das refrações da questão social, que gera um novo senso comum em torno do modo de fazer política social, na contemporaneidade, não se restringe ao reforço da proteção social mercantil, mas também da proteção social não-mercantil, típica do chamado “terceiro setor”, autoidentificado como sociedade civil, como impulsos democráticos e inovadores na execução da política social, devido a finalidade social da natureza dos serviços que presta, ocultando a dita cultura privacionista. Essas “novas” formas de trato da questão social são parte das estratégias de redução do Estado como gestor e administrador da proteção social aos trabalhadores, do desmonte dos direitos sociais conquistados, sob a retórica de ampliação da participação da sociedade civil, da solidariedade indiferenciada, do cooperativismo de todos nas formas de enfrentamento das crises e da agudização da questão social, bases da recomposição da hegemonia das classes dominantes nas novas relações de produção e reprodução social. A referida hegemonia da classe dominante ou a recomposição de suas bases nasce na produção, na empresa capitalista, como condição ideológica necessária à reestruturação dos processos produtivos, das relações de trabalho, mediante mecanismos de captura da 160 subjetividade materializada nas estratégias de participação e cooperativismos do trabalhador no processo de trabalho. No âmbito da reprodução social (dimensão políticoideológica da reestruturação), atinge o modo de fazer política social e se consubstancia nas estratégias de “participação solidária” da sociedade civil, que tem reatualizado estratégias históricas constituídas pelas classes sociais no enfrentamento dessas mazelas sociais, como a filantropia, o trabalho voluntário, o cooperativismo, dentre outras. Essa “participação solidária” das organizações da sociedade civil, que se auto-intitulam públicas, porém nãoestatal, parte da “esfera pública”, é resultante, como esta tese busca provar, das novas simbioses entre “público” e “privado”, da penetração do “privado” no espaço “público”, e do referido cooperativismo entre sujeitos antagônicos que se estende ao enfrentamento da questão social. Assim, institui-se um “novo” modo de fazer política social “pelo qual imputa-se a lógica do público não-estatal na cultura e na prática organizacionais, e esvazia-se o caráter público, e como tal, universal, na prestação de serviços sociais e execução de políticas sociais” (GUERRA, 2005, p.8), nas quais as formas de respostas à problemática social do envelhecimento do trabalhador são partes constituintes e constituídas, já que são um corolário das formas de trato da questão social na contemporaneidade. As formas de respostas contemporâneas à problemática social do envelhecimento dos trabalhadores incluem as políticas de seguridade social (reformadas), mais principalmente, uma política setorial nacional dirigida aos idosos, como grupo etário, e o Estatuto do Idoso, como mecanismo jurídico de defesa dos direitos dos idosos, que reafirmam as políticas anteriores, no que se refere à proteção ao idoso, mas as ampliam, incluindo outras necessidades sociais. Incluem, também, como parte dessas respostas uma diversidade de iniciativas particulares privadas de proteção social, do chamado “terceiro setor” e do setor lucrativo, compondo um novo desenho de política social para idosos, objeto de análises do terceiro capítulo. Nessa perspectiva, a análise da política social para idosos, mediante desvendamento do seu desenho institucional e das tendências que cristalizam, impõe a necessidade da análise das iniciativas pioneiras no trabalho social com idosos, da filantropia empresarial, centrada nos seus fundamentos teóricos de onde emanam suas potencialidades, objetivos e funções no trabalho social com idosos, reatualizando e fundamentando as terapias de integração, re-socialização, inserção, baseadas na reforma moral e intelectual do homem, 161 transmutando problemas sociais em problemas individuais, um reforço da responsabilidade individual com seu bem-estar social, mecanismo da referida simbiose entre “publico” e “privado” que reforça a cultura privacionista no trato da questão social. Essas iniciativas constituem os embriões de um “novo” desenho de política social, aquele que tem a sociedade civil como espaço da proteção social, que penetram no aparelho de Estado e se difundem como um senso comum, como um novo metier de fazer política social. No capítulo seguinte, dedicou-se à análise dessas iniciativas e da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso, como momentos da cristalização desse desenho, à medida que legalizam e legitimam aquelas modalidades de prestação de serviços sociais, envolvendo o mix público/privado e outras formas de participação da sociedade civil. Assim, embora a legislação social objetive firmar as obrigações dos poderes públicos, na perspectiva da lei, ela própria é contraditória a ponto de reforçar a divisão de responsabilidades nas formas de proteção social, redefinindo o sentido da descentralização e da participação popular instituída na Constituição Federal de 1988. 162 4 DA SOCIEDADE CIVIL AO APARELHO DE ESTADO: AS “NOVAS” SIMBIOSES ENTRE O “PÚBLICO” E “PRIVADO” NA PROTEÇÃO SOCIAL ÀO ENVELHECIMENTO DO TRABALHADOR. As formas de respostas contemporâneas à “problemática social” do envelhecimento, mediante reforma das políticas de seguridade social, que mantém a intervenção do Estado na proteção social, mas que introduz modificações substanciais na orientação, na cobertura, no nível dos benefícios, na qualidade de prestação de serviços, ou normatizando uma política setorial específica e outros instrumentos de direitos e as iniciativas diversas da sociedade civil na proteção social aos idosos, financiada ou não pelo Estado, são expressões de alterações no formato da proteção social e das “novas” simbioses entre “público”58 e “privado” na política social. Deve-se ressaltar que as interações e as interpenetrações entre essas esferas são históricas e marcadas por contradições. Isso se deve ao fato de a política (espaço público por excelência) ser apenas uma função da sociedade, assim como as representações culturais e as formas de pensar são superestruturas assentadas no interesse social que torna impossível os abismos entre as duas esferas. Assim, a sociedade civil59 é a base histórica do Estado (sociedade política), que, entendida, enquanto totalidade, refere-se a todo sistema privado de produção60 e aos aparelhos privados de hegemonia, logo, incluindo 58 As análises da Arendt (2001), sobre a esfera pública, parte da idéia grega de público como tudo que vem a público pode ser visto e ouvido por todos, e como o que é comum a todos, e refere-se ao político. A esfera privada estava relacionada às atividades pertinentes a manutenção da vida, a associação natural da vida no lar. Todavia, acreditamos que nestas sociedades, por serem divididas em classes, também imprimem contradições nessa delimitação, isto porque a propriedade privada era condição para o ingresso na vida pública e pressupunha a existência de desigualdades e exclusão da maioria da população. Todavia, para a autora essa relação só é invertida nas sociedades modernas, em que as duas esferas estão constantemente se interpenetrando. 59 As interpretações do pensamento de Gramsci, aqui expostas, difere-se das interpretações liberais de Bobbio (1999), para as quais Gramsci situa a sociedade civil na superestrutura dissociada da estrutura, rompendo com as análises de Marx para quem a sociedade civil abrangia todo o intercâmbio material dos indivíduos, no interior de uma fase determinada de desenvolvimento das forças produtivas. Há, em Gramsci, uma ampliação do conceito, não uma ruptura com Marx. Assim, concordamos com as interpretações de Abreu (1999) e de Buci-Gluckmann (1980), assim explicitada por essa última autora: “através da enumeração dos ‘organismos privados’, o conceito de sociedade civil se vê capturado por uma dupla rede, que define seu funcionamento e que excede o modelo hegeliano ou jovem-marxista de ‘sociedade civil’. Por um lado, ele diz respeito às ‘sociedades capitalistas’, ou seja, às condições de vida materiais, ao sistema privado de produção. Por outro lado, ele implica os aparelhos ideológico-culturais da hegemonia, o aspecto educador do Estado” (p.99). 60 Deve-se ressaltar que Marx, ao identificar a sociedade civil como todo o intercâmbio material de vida, não a restringia ao mercado. Concordamos com Iamamoto (1993, p.112), que esta sempre foi compreendida num 163 conteúdos ético-políticos e econômicos. Na sociedade civil, existem as relações econômicas de produção, distribuição, acumulação de riqueza e consumo de produtos que circulam através do mercado, como também, um conjunto de organismos privados, tais como: igrejas, escolas, associações privadas, sindicatos, partidos, imprensa, organizações informais como a família, a comunidade, dentre outras, capazes de introduzir o indivíduo na vida coletiva e com funções educativas e ideológicas, fundamentais na produção de uma cultura pretensamente de consenso, da hegemonia de classe. Todavia, a sociedade civil não constitui espaços apenas, de produção de consentimentos, mas também de conflitos, disputas ideológicas e culturais. Nessa perspectiva, esse conjunto de organismos não é socialmente indiferenciado. Os cortes classistas e as lutas entre classes e frações dessas atravessam esse conjunto de organismos, constituem espaços da luta de classe, da afirmação de projetos antagônicos, de interesses divergentes. Assim, numa perspectiva de totalidade, o setor privado compreende não apenas o lucrativo, mas também atividades informais, domésticas ou pessoais, como espaços do particular, da intimidade, e as associações voluntárias, as cooperativas ou corporações privadas não-lucrativas, as organizações não-governamentais, todas marcadas, apesar do seu conteúdo ético, pelo caráter civil, privado; logo, como espaço da livre iniciativa dos indivíduos e suas organizações. Embora o Estado não se defina pela propriedade privada, antes, ao contrário, se constitui nas sociedades modernas como o lugar por excelência do político e do público. Todavia, este emana da sociedade civil e, numa perspectiva ampliada, traduz a relação orgânica entre sociedade política (Governo = Estado em sentido estrito, ou seja, o conteúdo coercitivo) e sociedade civil (condição de produção social = sistema privado de produção privada e aparelhos privados de hegemonia), tratando-se do conteúdo ético-político (cf GRAMSCI apud ABREU, 1999, p.67), exatamente devido às funções regulatórias do Estado sobre a vida social e a socialização da política. Assim, a noção de Estado, como espaço público, também guarda contradições, em função dessas interpenetrações entre o “público” e o “privado” e a defesa de interesses sentido mais amplo, como “produção capitalista de mercadoria, envolvendo o processo de trabalho; como produção das classes sociais e suas diferenciações, isto é, dos sujeitos sociais, como produção das formas de pensar e representações culturais, através das quais os indivíduos sociais expressam seus modos de vida e de trabalho”. 164 particulares. Nessa perspectiva, o Estado repousa sobre a contradição entre a vida privada e a vida pública, e atua no sentido de administrar e manter essa contradição e não de eliminála, posto que é um Estado capitalista, com relações orgânicas com o capital, destinado a criar condições favoráveis à máxima expansão desses interesses privados. Todavia, essa expansão, para ser eficazmente levada a cabo, não pode aparecer como a realização de interesses particulares. Ela deve apresentar-se como uma expansão universal – expressão de toda a sociedade -, uma instância neutra, acima das classes sociais, um administrador dos conflitos sociais, através da incorporação à vida estatal das reivindicações e interesses dos grupos subalternos, subtraindo-os de sua lógica própria e enquadrandos-os na ordem vigente. Tal incorporação, segundo Bianchi (2002), é resultado contraditório de lutas permanentes e da formação de equilíbrios instáveis de arranjos de forças entre as classes. O Estado entendido não apenas como aparelho governamental, mas também, como aparelho privado de hegemonia, ou sociedade civil, à medida que regula, normatiza e controla essa sociedade, é expressão da penetração no espaço privado, após já ter sido penetrado pelo próprio interesse privado, isto é, os interesses das classes dominantes, ampliando esses espaços de interesses, com a incorporação das classes subalternas, dada a sua função de organizador da hegemonia, difusor da cultura do consenso, que emerge das relações materiais de vida. Isso porque, como destaca Macciocchi (1980), nas interpretações que faz de Gramsci, o Estado trabalha pela formação de uma vontade coletiva, de uma unidade intelectual e moral, e pela edificação e estruturação do corpo social completo, a fim de que os objetivos e as idéias das classes dominantes possam ser tomados como valores universais. Como destacado nos capítulos anteriores, o Estado, na fase monopolista do capitalismo, legitimou-se socialmente - tendência que ganhou corpo principalmente nos países europeus, mas não exclusivamente nestes - como organizador, produtor, gestor e normatizador dos sistemas de proteção social, perspectiva que ”se corporifica ganhando matizes adaptadas às condições políticas, econômicas e socioculturais vigentes em cada país, mas o fato inexorável é que o Estado (ou os Estados) passou a assumir, com maior ou menor ênfase, as funções acima mencionadas” (DI GIOVANNI, 1998, p.15). 165 Todavia, mesmo nos países de Welfare State mais avançados, nem foi excluída a persistência ou a constituição de outras formas de proteção privadas (mercantis ou nãomercantis), atuando nas fronteiras dos sistemas públicos, nem a manutenção de mecanismos de intervenção social que individualizam, psicologizam e transmutam problemas sociais em individuais, em ajustes de personalidade, típicas das terapias de integração, inserção social, etc., mesmo sob a intervenção estatal. Nos países capitalistas periféricos, o Estado desempenha um papel central tanto na condução da modernização, criando as condições necessárias à acumulação, à expansão e à reprodução do capital, quanto na reprodução de parcelas da força de trabalho, apesar da baixa socialização dessa reprodução para os trabalhadores. Conforme Camarano (2003), em 2000, apenas 45% dos idosos mexicanos recebiam algum benefício da previdência ou assistência social. Realidade, também, da maioria dos países da América Latina, na qual alguns apresentam percentuais de cobertura menores. O Brasil apresenta situação diferenciada, com cobertura previdenciária semelhante a países desenvolvidos, chegando a 87,0% de cobertura entre os idosos do sexo masculino e 78,0% entre as mulheres idosas, mas, na sua grande maioria, restrita a benefícios mínimos (um salário mínimo). Entretanto, o sistema público de proteção social no Brasil não apenas conviveu com graus diferenciados de interação com o setor privado, mas também criou mecanismos para expandi-lo, tanto da sua face não-mercantil, através da revitalização pelo Estado do tradicional padrão assistencial – a chamada filantropia estatal (cf OLIVEIRA, 1998), que mantêm a assistência social no quadro do não-direito, mesmo sendo formalmente reconhecida como direito social, considerando as históricas parcerias com a filantropia empresarial e outras instituições e organizações sociais civis intermediárias na ação social junto à população -, quanto sua face mercantil, nas formas de privatização mais explícitas, com repasse de recursos públicos para este setor, comprando serviços ou incentivando seu crescimento pela precarização dos serviços públicos e não investimento nesta esfera. Para muitos analistas, trata-se de um padrão de proteção social que se firmou pela “americanização perversa” (VIANA, 2000), dada a analogia com o sistema liberal americano. Para outros, trata-se de um sistema misto que inclui características meritocráticas, corporativista, assistencialista, e tendências “universalistas”, introduzidas pela Constituição Federal de 1988. 166 Assim, as interações e complementaridades com o sistema privado são uma realidade inerente a esses sistemas públicos, como o brasileiro, mas que assumem “novas” peculiaridades, sob novos discursos e determinações, em função da nova ordem mundial globalizada e das estratégias de enfrentamento da questão social, no contexto de avanço do neoliberalismo e de redefinições do papel do Estado, na proteção social aos trabalhadores, o qual cria uma nova institucionalidade no modo de fazer política social. Esse “novo” trato da questão social se dá numa dialética que, como destaca Guerra (2005, p.10): [...] tem obedecido a uma dinâmica de continuidades e rupturas com as particularidades sócio-históricas da sociedade brasileira através das quais o ordenamento burguês enfrenta as refrações da questão social sob novas determinações, particularidades ao contexto de globalização econômicacultural quanto a financeirização do capital. Essas continuidades e rupturas manifestam-se na reatualização do modo histórico de enfrentamento das refrações da questão social, marcado pelo conservantismo e reformismo integrador, regido pelo pensamento conservador e pelas constantes redefinições do “público” e do “privado” que as classes dominantes promovem em conformidade com as necessidades reprodutivas do capital, que tem legitimado socialmente a ação privada no trato dessas refrações, de modo coordenado, sistemático, mas, sob novos discursos que têm seduzido os setores populares e de esquerda, como a ampliação da “esfera pública”, do fortalecimento da sociedade civil, do retorno da solidariedade direta à sociedade, desresponsabilizando o Estado pela reprodução social do conjunto da classe trabalhadora, transmutando-a em responsabilidade moral, ou “social”, caritativa da sociedade civil, conformando um “novo” e “velho”, para a realidade brasileira, modelo de fazer política social, que surge das iniciativas da sociedade civil e institucionaliza-se no aparelho de Estado, compondo o desenho da política institucional. As formas de enfrentamento da problemática social do envelhecimento do trabalhador, transmutada para todo o grupo etário, homogeneizado, e independente do modo como o trabalhador envelhece, são corolários dessas “novas” formas de trato das refrações da questão social, logo, parte constituinte e constituída do senso comum, em torno do modo de fazer política social. As iniciativas da sociedade civil, de cunho filantrópico, mediante programas sociais para a “terceira idade”, dentre eles os “Centros de Convivência” e as “Escolas Abertas à 167 “Terceira Idade”, constituem um dos objetos de análise deste capítulo, pelo pioneirismo num novo formato de política social para idosos, o qual rompe com a prática de assistência asilar ou outras práticas de assistencialismo e inclui ações para idosos não-dependentes ou não-institucionalizados, com os objetivos de re-socialização, integração e valorização social através da ocupação do tempo livre com lazer e educação permanente. De forma dialética, essas iniciativas privadas instituem um formato de proteção social que é legitimado pelo Estado, através dos mecanismos legais que os regulam, normatizam mediante princípios e diretrizes que uniformizam as ações, ao mesmo tempo em que fazem parte de um desenho de política social que legitima as ações da iniciativa privada da sociedade civil no enfrentamento da questão social. Assim, a recomposição do desenho institucional da política social para idosos, objeto central das análises deste capítulo, capaz de proporcionar uma visão de totalidade das diversas iniciativas particulares, implicou a necessidade da análise dos programas (os pioneiros), que não apenas materializam a política, como já destacado anteriormente, mas que, nesse caso, também instituem o próprio modelo de política social. Tal análise pretendeu desvendar os fundamentos do conteúdo substantivo desses programas, de onde emanam as suas potencialidades, funções, objetivos, ações prioritárias, dentre outras. Esses programas são anteriores à Política Nacional do Idoso (de 04 de janeiro de 1994 e regulamentada pelo decreto nº 1.948, de 03 de julho de 1996) e foram instituídos pela iniciativa privada (filantrópica), com grande influência no modelo de política social para idoso. Logo, tais programas são mais que iniciativas particulares, pela influência que desempenharam no trabalho social com idosos em instituições públicas e privadas e pela funcionalidade ao “novo” trato das refrações da questão social, uma reatualização do modo histórico e liberal de enfrentamento dessas refrações, que se renova (com continuidades e rupturas) com as mudanças societárias promovidas pelas alterações no modelo de produção e de regulação social. Não é acidental que os programas sociais para a “terceira idade” tenham emergido desse campo contraditório e heterogêneo chamado “terceiro setor”61 - autodenomianado de 61 Denominado de “público, porém privado”, a atividade pública desenvolvida pelo setor privado (cf Fernandes, 1994), que para nós é uma forma de camuflar sua origem privada, mesmo quando aparentemente autodenominam-se sem fins lucrativos, instaurando um campo nebuloso que pode ser acionado como público e/ou privado conforme a conveniência. “O termo é constituído a partir de um recorte do social em esferas: o Estado (‘primeiro setor’), o mercado (‘segundo setor’) e a ‘sociedade civil’ (‘terceiro setor’). Recorte este, 168 “público, porém privado”, pelo interesse público de suas ações, além dos financiamentos públicos que pleiteiam, das parcerias que realizam –, principalmente da filantropia empresarial, pioneira no trabalho social com idosos não-institucionalizados. Tais ações fortalecem, de um lado, o movimento pela desinternalização do idoso e por formas alternativas de convívio, participação e ocupação desses, por outro lado, também instituem a divisão de responsabilidades no trato da questão social, o movimento de retorno à família, à comunidade, como instâncias de proteção social ao idoso. Essa divisão de responsabilidades tem sido funcional à lógica de redução de gastos sociais pelo Estado, à despresponsabilização deste, com políticas universalistas e com os direitos sociais. Esses programas da iniciativa privada, mas com “fins públicos”, nascem para preencher os espaços vazios deixado pelo Estado e se difundem no Brasil como modelo de política social para os idosos. Tais programas, entretanto, são mais que uma preocupação com as refrações da questão social ou com a “inclusão social” (conforme os discursos empresariais) promovida pela filantropia empresarial. “Esse ativismo social empresarial se insere num contexto maior, o da capacidade que possui a ideologia neoliberal, como já o fazia a liberal, de procurar impor suas próprias respostas às mazelas sociais que ela mesma dissemina” (BEGHIN, 2004, p.1), não como direitos, mas como campo de filantropia, da ajuda social. Como destaca a autora, essa forma de enfrentamento das refrações da questão social não tem nada de novo em si; o que é novo são as formas de operá-lo. “As grandes empresas buscam, pois, libertar-se das amarras (os direitos sociais) para fazer face à concorrência de um mundo cada vez mais globalizado e, ao mesmo tempo, imprimir um modelo de intervenção social sobre a questão social” (idem). Retirando da arena política e pública os conflitos distributivos e as demandas por direitos, remete-os para o campo moral da ação da sociedade civil, uma estratégia que despolitiza a questão social, camuflando os conflitos de classes, harmonizando-os na lógica empresarial. O ativismo empresarial na área do envelhecimento tem representado uma expansão do controle do capital sobre todo o tempo de vida da força de trabalho, estendendo-se para o seu “tempo livre” e ao seu envelhecimento, através de um complexo disciplinar para talhar o corpo, as ações, os comportamentos e os sentimentos dos idosos, capaz de gerar, [...] claramente neopositivista, estruturalista, funcionalista ou liberal, que isola e autonomiza a dinâmica de cada um deles, que, portanto, desistoriciza a realidade social. Como se o ‘político’ pertencesse à esfera estatal, o ‘econômico’ ao âmbito do mercado e o ‘social’ remetesse apenas à sociedade civil, num contexto reducionista” (MONTAÑO, 2002, p.53) 169 mediante a “arte de aprender a envelhecer”, uma velhice ativa, saudável, produtiva e responsável pelo seu próprio bem-estar. Essas iniciativas empresariais materializadas em programas para a “terceira idade”, difundem uma cultura autopreservacionista do corpo, da saúde, dos riscos que autoresponsabilizam os indivíduos idosos pelo seu estado de precariedade, ao mesmo tempo em que difundem e legitimam demandas capazes de serem compradas no mercado, porque podem ser individualizadas. Essas iniciativas são também espaços de controle da consciência social, gerando associativismo a-classistas, em torno do lazer, da qualidade de vida que não questionam as condições de vida da maioria dos idosos brasileiros e o controle do capital sobre o “tempo livre” do trabalhador. Essa nova consciência é forjada também pela educação permanente, uma educação para a “cidadania”, campo de igualdade abstrata, ilusória, e de mascaramento das desigualdades sociais inerentes ao sistema. Por isso, ela é uma educação centrada no indivíduo na sua capacidade de romper com os preconceitos, de atualizar-se, de apreender a viver essa nova fase da vida, de motivar-se, de aderir a hábitos saudáveis. Ao se centrarem no indivíduo, as ações sociais dessas iniciativas empresariais, deixam intactas as estruturas geradoras de desigualdades sociais. Todavia, a participação da sociedade civil não se restringe a espaços de proteção social, mas inclui também sua participação na gestão das políticas públicas, nos processos de decisão e controle social, compondo o quadro da divisão de responsabilidades de todos com a questão social, do cooperativismo e parcerias, não através dos impostos para financiar as políticas públicas, mas através de ações particulares diretas, com ou sem recursos públicos, o que perfaz um modelo que a política setorial e outros mecanismos institucionais de direitos do idoso legalizam. Este capítulo visou uma análise da política social de resposta à “problemática social” do envelhecimento, através do desvendamento do seu desenho institucional e das tendências que cristalizam nas formas atuais de enfrentamento da questão social. Isso remete à análise dos programas sociais para a “terceira idade”, destacando os fundamentos que os regem. Dentre eles, trabalhou-se com os programas “Centro de Convivência para Idosos” e “Escola Aberta para a Terceira Idade” do SESC e a versão desta última nas “Universidade Para a Terceira Idade” da PUC de Campinas, por serem consideradas como pioneiros no trabalho social com idosos, modelo que se expande para outras organizações públicas e privadas, e que sintetiza a “terapêutica gerontológica” do lazer e da educação 170 permanente, como formas de enfrentamento da problemática do envelhecimento. Inclui-se ainda a análise da política setorial nacional, seus mecanismos de implementação e o Estatuto do Idoso, como mecanismos legais, jurídicos-políticos que compõem um “novo” formato de enfrentamento daquela problemática social. Para atingir tal fim, analisaram-se documentos oficiais, resoluções, legislações e publicações específicas dessas organizações, constituindo-se, assim, o material empírico submetido à análise. 4.1 A (re) atualização das “práticas filantrópicas”: a sociedade civil como lócus da proteção social Para além de uma leitura dos programas sociais, de iniciativa privada, por eles mesmos, é necessário situá-los no movimento mais amplo que lhes dá origem e as condições para sua expansão, nas últimas décadas. Como a reatualização da filantropia empresarial, através do discurso da responsabilidade social, da qual emanam esses programas, em contexto de reestruturação do capital e das bases de uma nova hegemonia das classes dominantes. Isto significa, inserir essas iniciativas, no contexto macro estrutural, permitindo uma visão de totalidade capaz de desvendar as relações que lhes dão significado, para além da aparência imediata dos programas e das intenções expressas em fundamentos e objetivos. Nessa perspectiva, o desvendamento do ideário empresarial, pela sua inserção no movimento de reestruturação do capital, na nova fase de sua mundialização, é a chave para compreensão das intenções deste com o retorno da filantropia, sob nova roupagem, e da ação privada em programas sociais para além do benefício da força de trabalho empregada nas empresas, para difundir-se para a comunidade ou sociedade em geral. O aumento dos investimentos privados na questão social, e a proliferação de organizações não-governamentais do chamado “terceiro setor” (com recursos públicos ou privados) na execução das políticas sociais estão vinculados a um modelo econômico e político de organização das forças produtivas e das relações sociais, o qual enfatiza o livre mercado como elemento regulador da vida social, e busca o consentimento dos trabalhadores às formas de dominação, à captura da sua subjetividade, através da cooperação nos processos de trabalho e na organização geral do bem-estar social, como responsabilidade de todos e de cada um, o qual legitima um novo formato de enfrentamento das refrações da questão social. 171 Assim, é a partir da década de 1980 que se expandem as iniciativas da filantropia empresarial e/ou programas sociais de empresa: [...] articulando-se às novas demandas capitalistas derivadas da reestruturação industrial (modernização produtiva) e da recomposição do movimento operário, com suas reivindicações salariais, por uma democratização das relações de trabalho e contra os princípios neoliberais (KAMEYANA, 2000, p.203). Todavia, a constituição dos órgãos de classes do patronato, na prestação de serviços sociais, visando o “bem-estar” dos trabalhadores como suporte de sua integração harmoniosa à ordem econômica, através de um programa educativo de reforma moral e cívica desses trabalhadores, mascarando o conflito de classes, as desigualdades geradas pelas formas de exploração, emerge no Brasil, junto com a expansão do capitalismo, grande parte desses órgãos surge ainda na década de 1940, como o Serviço Social do Comércio – SESC e o Serviço Social da Industrial – SESI. Seus objetivos explícitos escamoteiam suas reais intenções. Assim, destaca Kameyana (2000, p.203): [...] a filantropia era um dos meios empregados pela burguesia para enganar e disfarçar sua repugnante face exploradora com a máscara hipócrita e humilhante de ajuda aos pobres, com o fim de amenizar ou camuflar as contradições e, conseqüentemente, a luta de classes. Dessarte, o conjunto desses órgãos sempre funcionou como um dos braços do Estado, contribuindo, historicamente, para mascarar o campo dos direitos sociais, transmutados em ajuda filantrópica. Todavia, como destaca César (2002), é no terreno da constituição de uma ‘cultura corporativa de responsabilidade social’ que as mudanças nos padrões e práticas empresariais tecem novas formas de inserção do empresariado na questão social, ou seja, seu traço inovador é que não se restringe à busca do consentimento dos trabalhadores no local de trabalho, mas expande sua ação para a comunidade, difundindo uma nova cultura solidarista entre as classes sociais, isto é, a convivência pacífica e solidária nas relações regidas pelas leis capitalistas de mercado. Tem-se, assim, uma alternativa de trato das refrações da questão social, que é reveladora de um conjunto de inovações potencialmente constituidoras de hegemonia das classes dominantes, redefinindo de modo substantivo as relações entre o Estado e sociedade civil, que desqualificam o Estado como espaço da ação pública e garantidor de direitos sociais. 172 Sobre essa nova face da filantropia empresarial, afirma Mota (1995, p.155): [...] inegavelmente, essa é uma experiência inovadora no campo da prática social dos empresários brasileiros, até então voltada quase exclusivamente para a questão da reprodução da força de trabalho alocada nas suas empresas. Essa mudança, em certo sentido, rebate nos históricos modos de tratamento dispensados pelos empresários à questão social no Brasil. As modernas formas de filantropia que compõem o chamado “terceiro setor” camuflam sua inserção no mundo privado, mesmo quando se movem por fins nãolucrativos. Além disso, as noções modernas de responsabilidade social, cidadania empresarial, solidariedade são “formas modernas de camuflar as novas estratégias de exploração, negando as contradições, na medida em que a consciência e a sociabilidade que se constroem na esfera da produção desloca-se para a esfera da reprodução, ou seja, do consumo” (KAMEYANA, 2000, p.203). A retórica dos ideólogos é de que a ação social empresarial está procurando como retorno do seu investimento colaborar com o desenvolvimento social do país, demonstrando que a iniciativa privada deve ser consciente, ter uma responsabilidade social em relação aos problemas que atingem a sociedade como um todo, que, além de cumprir com sua função econômica, trabalha para a melhoria da qualidade de vida dos seus funcionários e da comunidade. A empresa que investe em ação social recebe a denominação de “empresa cidadã”, todavia, esses investimentos sociais também estão relacionados à eficácia da produção e à lucratividade da empresa quando investe em programas para funcionários e altera sua imagem diante do mercado, como estratégia de conquista do consumidor criando um marketing social, um diferencial, quando investe em programas para a comunidade62. Conforme Martinelli (1997 apud KAMEYANA, 2000, p.203): A filantropia empresarial é uma receita para a empresa se distinguir na renhida batalha do mercado globalizado contendo os ingredientes clássicos: qualidade total, reengenharia, relação custo/benefício, compromisso com o cliente. Entretanto, será mais palatável a empresa que incorporar uma boa dose de cumplicidade ao seu redor, evidenciada num programa de ação comunitária. 62 As empresas, com o do discurso moderno de “responsabilidade social”, buscam compatibilidade entre investimento social e eficácia da produção/lucratividade, como meio de fortalecer sua imagem institucional frente à opinião pública e ao mercado, apesar de como destaca César (2002) em suas pesquisas com os discursos empresariais, estes negam e buscam nos discursos desvincular a responsabilidade social de suas estratégias de marketing ou de valorização das ações da empresa. Mas no geral indicam que tais ações agregam valor à imagem da empresa e da sua marca. 173 Como destaca César (2002), para ‘estabelecer o diferencial’, num mercado globalizado, a empresa associou-se a um tipo de intervenção social pautada em imperativos éticos e morais de uma ordem pacificadora, que tem representado a legitimação e reaturalização, sob novas formas de operar, do modo histórico de trato à questão social, baseada na livre iniciativa privada, parceira do Estado, esse último com ações pontuais e restritas aos mais carentes. Além das funções tradicionais dos investimentos em filantropia, como a busca do aumento da auto-estima, o sentimento de pertencimento dos empregados das organizações, da alteração, em parte, da relação capital/trabalho difundindo a cooperação, o consentimento e a integração ao mundo produtivo, acrescentam-se as funções modernas, extensivas destas primeiras, mas ampliando, inclusive, o público atingido e os objetivos de fundar uma ordem pacificadora e solidária, uma nova hegemonia, mantendo a propriedade privada e as formas de apropriação da riqueza e do tempo de vida dos trabalhadores. Os investimentos em filantropia são expressões e parte de uma estratégia mais ampla do capital, enquanto sistema de dominação e controle do metabolismo social, qual seja: transmutar direitos em ajuda, desmontando conquistas históricas dos trabalhadores. A chamada “cidadania empresarial”, tão difundida, pressupõe uma concepção de empresa que é co-responsável pelo bem-estar da comunidade, mas que, na verdade, está vinculada a um projeto econômico e político da classe empresarial brasileira para expansão e acumulação do capital, na nova fase da mundialização do capital, com menores margens de conflitos, com o consentimento e o consenso à nova ordem. Na imediaticidade, seus propósitos aparecem como a busca de desenvolvimento social, estímulo da “cidadania”, alargamento do espaço social de provimento de bens e serviços públicos, de uma nova ética empresarial. A criação de um grupo que reúne expressivas empresas em torno de interesses comuns, com mediações e comportamentos próprios, parece caminhar no sentido do alargamento do espaço social de provimento de bens e serviços públicos podendo vir a ter uma expressão política significativa neste cenário, com a introdução de novos conceitos e concepções de desenvolvimento social e cidadania participativa no meio empresarial [...] (WILHEIM, 1995, p.15). Todavia, a filantropia empresarial tradicional ou moderna, sob o “manto” da responsabilidade social ou das “práticas solidárias”, mascara os interesses contraditórios, a luta de classes e as causas estruturais das desigualdades sociais. Como destaca César 174 (2002), os investimentos em filantropia são estratégias do empresariado na busca de adesão dos trabalhadores ao seu projeto hegemônico, pela persuasão e convergência de interesses; são novas formas de organização do consenso e da adesão que nascem na produção, com as novas técnicas de gestão do trabalho, mas se estendem à sociedade como um todo. Corresponde, ainda, a uma nova racionalidade econômica e política marcada pelo processo de reestruturação produtiva, pelo neoliberalismo e pelas parcerias entre Estado e sociedade civil no redesenho das políticas sociais. O discurso da “cidadania”, como direitos e deveres, é acionado, principalmente no que se refere aos direitos civis e políticos, enquanto os direitos sociais são negados pelo campo nebuloso da filantropia empresarial, da solidariedade. Aliás, é contra essa conquista histórica da classe trabalhadora que se coloca a ofensiva do capital, buscando resignificálos e enviá-los para o âmbito do “público não-estatal”, desqualificando o público estatal como espaço de respostas prioritárias às refrações da questão social. Isto porque como destaca Mishra (1999 apud SILVA, 2003, p.63), ”quer se queira quer não, é que a concessão de direitos sociais entra em conflito com os direitos econômicos ou de propriedade, um dos direitos fundamentais das sociedades capitalistas liberais”, ou seja, os direitos sociais interferem na economia, à medida que requerem recursos financeiros e sua respectiva distribuição. As estratégias neoliberais se voltam contra os direitos sociais, considerados amarras, perante a concorrência de um mundo cada vez mais globalizado e de Estados em crise financeira, e apontam a seletividade e a focalização para as ações estatais, em parceria com as ditas organizações não-governamentais na atenção às necessidades dos mais pobres, e com o setor privado (mercantil) para os que podem pagar pelos serviços, como único caminho possível e viável. Além de defenderem a retomada da solidariedade, da auto-ajuda e da ajuda mútua, para o interior da sociedade, legitimando um “novo” trato às refrações da questão social, àquele que divide responsabilidades e desresponsabiliza o Estado pela garantia de direitos. O Serviço Social do Comércio e o pioneirismo no trabalho social com idosos: a responsabilidade social como ideário empresarial na intervenção social O Serviço Social do Comércio – SESC - é parte das estratégias do patronato do comércio e serviços de criar, através dos serviços sociais ao trabalhador e a sua família, 175 tanto um trabalhador adaptado e integrado às exigências do sistema produtivo, quanto relações harmoniosas e solidárias entre capital e trabalho, mediante a “preocupação” com a qualidade e as condições de vida, principalmente dos comerciários mais pobres. A expansão dos serviços educativos à comunidade, para além do público tradicional dos comerciários, está relacionada à ideologia da responsabilidade social das empresas, da noção de “empresa cidadã” que ganha novas significações nas últimas décadas, que, além de agregar valor à imagem da empresa e suas marcas, também expressa um projeto de classe, a afirmação de uma nova hegemonia social firmada nos pilares da solidariedade interclasse, do cooperativismo e do associativismo a-classista, no projeto de intervenção social do empresariado e outros setores da sociedade civil em parceria com o Estado, ou em complemento a este. O trabalho social com idosos do SESC inicia-se na década de 1960 e, segundo seus técnicos, é decorrente de sua finalidade precípua: O SESC, instituição de direito privado, com sede e foro na capital da República, organizado e dirigido pela Confederação Nacional do Comércio, tem por finalidade estudar, planejar e executar medidas que contribuam para o bem-estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias e, bem assim, para o aperfeiçoamento moral e cívico da coletividade, através de uma ação educativa que, partindo da realidade social do país, exercite os indivíduos e os grupos para a adequada e solidária integração numa sociedade democrática [...] (SESC, RESOLUÇÂO CNC nº 24/68). Essa é a origem dos trabalhos educativos, de integração e ressocialização desenvolvidos pela instituição através do lazer, da cultura, saúde, assistência e da própria educação para os trabalhadores do comércio e da comunidade, entre eles os idosos, que, além de melhorar a imagem social da empresa, traz um retorno para a produção ou serviços, à medida que produz um trabalhador integrado, ajustado, com sentimentos de pertencimento à instituição que se preocupa com suas condições de vida, com seus baixos salários, com seu lazer, sua educação. Trata-se da versão de bem-estar social do patronato, elegendo as necessidades sociais que consideram fundamentais, dentre elas o aperfeiçoamento moral e cívico do trabalhador e da coletividade, logo, sujeito a uma reforma moral e intelectual, na qual o trabalho educativo se presta melhor a este objetivo, de criar um novo homo faber, mais também um novo homo ludens, no qual o lazer é uma necessidade premente capaz de gerar bem-estar e novas formas de socialização não apenas aos trabalhadores ativos, mas 176 também aos inativos, configurando, assim, novo associativismo em torno do lazer e do entretenimento. Deve-se ressaltar que o SESC é uma instituição patronal, o qual está articulado com os interesses empresariais, de onde saem às contribuições para manter a instituição, e as diretrizes do trabalho social. O SESC, sob regime de unidade normativa e de descentralização executiva, atuará em íntima colaboração e articulação com os empregadores contribuintes, através dos respectivos órgãos de classe, visando à propositura do sistema nacional de serviço social com uniformidade de objetivos e de planos gerais, adaptável aos meios peculiares às várias regiões do país (SESC, RESOLUÇÂO CNC nº 24/68). A ajuda na filantropia empresarial moderna ganha racionalidade de serviços sociais, articulada a projetos de empresas, e não a contribuições pessoais ou jurídicas, isoladas e episódicas. Com trabalho profissional qualificado e sistemático regido pela lógica e objetivos empresariais, as formas de ajuda filantrópica aparecem como alternativas em programas de bem-estar, capazes de fraternizar os homens, fortalecer sentimentos de solidariedade e cooperação. Tudo isso é uma estratégia eficiente do empresariado que, em nome do bem-estar da coletividade, expande um projeto de classe, que mascara os interesses antagônicos e a identidade de classe. Aliás, e contra ela que esse trabalho educativo se volta, gerando uma outra identidade, a de “cidadão”63, individualizada, de pessoa física pertencente a uma comunidade nacional, com objetivos comuns, como o 63 A defesa da “cidadania” comparece freqüentemente nos discursos dos diferentes sujeitos políticos contemporâneos, dos movimentos sociais ao discurso empresarial, servindo a diferentes propósitos, o que se explica por seus elementos históricos contraditórios. Como destaca Fleury (1994, p.43-44) “a cidadania – como relação que se estabelece entre os indivíduos, igualados a nível formal, e o seu Estado, através da participação dos primeiros, no exercício político e no atributo de um conjunto de direitos positivos frente a este Estado – é condição de reprodução da dominação social, desde que oculta a existência das relações contraditórias de exploração. Nega inclusive a existência de atores coletivos, as classes sociais, com interesses contraditórios e antagônicos [...]. Nesse sentido, a relação de cidadania é condição da consolidação das desigualdades de classe, remetendo os requisitos de igualdade a um plano formal que impede de problematizar as desigualdades existentes no nível social e a relação do Estado com as classes sociais”. Seu reconhecimento foi absolutamente imprescindível para a expansão do capital, condição imposta pelo mercado, principalmente quando relacionada aos direitos civis. Em relação a classe trabalhadora embora a cidadania tenha sido condição de organização e luta pelo acesso a direitos civis, políticos e sociais e possam colocar em questão a situação de iniquilidade social, de distribuição de renda, são também limitantes ao seu potencial revolucionário, restringindo suas lutas a esfera da distribuição e do consumo, a um redistributivismo, como as experiências do welfare state, sem alterar as relações de exploração. A defesa da cidadania pelas instituições filantrópicas deve-se ao fato desta constituir-se também em princípio de individualização através dos quais se aceitam e se estimulam certas identidades sociais e políticas, neste caso, por expressar uma relação individual de direitos, que a ordem pretende estimular, considerando que nega a existência das identidades de classes para criar uma identidade individualizada de “cidadão”, pertencente a uma comunidade nacional. 177 desenvolvimento social, a paz, cooperação e solidariedade, sob relações historicamente desiguais, regidas pela lógica do capital. Numa perspectiva liberal, a classe empresarial sempre buscou legitimar um modelo de intervenção sobre a questão social, baseada na divisão de responsabilidades, de modo a não caracterizar como direitos os serviços sociais prestados por essas iniciativas e pelo Estado. Assim, as parcerias são históricas, embora ganhem ênfase e expansão nas últimas décadas, em função da reatualização dos princípios liberais na organização econômica, política e social, cuja base material é o movimento de reestruturação do capital. Assim, a intenção da instituição, desde sua origem, foi atuar em cooperação com o Ministério do Trabalho e Previdência Social e qualquer entidade, pública ou privada, de serviço social como definido no parágrafo único do seu regimento. O trabalho social com idosos marcou a expansão dos serviços do SESC para a comunidade, apesar de incluir também comerciários aposentados no primeiro grupo de convivência para idosos. Hoje, a instituição atende cerca de 100 mil idosos no país, nos programas: “Grupo ou Centro de Convivência de Idosos”; “Escola Aberta para a Terceira Idade”; “Trabalho de Pré-aposentadoria”; “Programa SESC Gerações”; “Trabalho Voluntário na Terceira Idade”, que objetivam a socialização, autonomia e melhoria da auto-estima com a reconstrução da própria imagem do idoso. Esse trabalho social com idosos é parte da metodologia de trabalho em grupo do SESC e das suas áreas prioritárias de ação, o lazer sócio-cultural e a educação, que encontrou nas experiências desenvolvidas com idosos, nos Estados Unidos e na Europa, as suas diretrizes, objetivos, atividades propostas e o diagnóstico da situação dos idosos. Destacou-se, como objeto de análises desta tese, os dois primeiros programas “Centro de Convivência” e “Escola Aberta para a Terceira Idade”, considerando a influência que tiveram no formato das políticas sociais para idosos no Brasil, difundindo-se como experiências universais, capazes de enfrentar a “problemática do envelhecimento”, e por sintetizarem a “terapêutica gerontologica” do lazer e da educação permanente como fundamentos desses programas e solução dessa problemática. Apesar e do formato dos programas ter sido importado (dos Estados Unidos contexto em que o associativismo e o voluntariado fazem parte de uma cultura política e cívica baseada no individualismo liberal -, e da França), assim como a metodologia do trabalho social com idosos, o diagnóstico da “problemática do envelhecimento”, os 178 objetivos que visam atender, bem como as ações consideradas prioritárias, todos eles são inteiramente compatíveis com os objetivos e com a missão histórica do SESC: [...] Desde sempre a entidade entendeu a si própria como agência educacional não-formal. Ao eleger o lazer sociocultural como campo prioritário de ação, o SESC consolidou essa vocação, já que, ao fazê-lo descortinou com clareza que, nos momentos liberados do trabalho produtivo, emerge um novo tempo social pleno de possibilidades no que tange à formação e ao desenvolvimento da coletividade (SZAJMAN, 2004, p.5). O trabalho com idosos emerge dessa compreensão de um novo tempo social, um “tempo livre”, um tempo de lazer, como alternativa de ocupação desse tempo, capaz de oferecer oportunidades de desenvolvimento da personalidade, de nova sociabilidade, de valorização social do idoso. A sociabilidade não tem como referência o mundo produtivo, como espaço ontológico de origem, mas o espaço da reprodução social, do consumo, mantendo as estruturas produtivas num campo apartado da distribuição, perpetuando a falsa e aparente separação entre produção e distribuição, e focalizando, nesta última, as formas de associativismo, capazes de proporcionar qualidade de vida, sem questionar as condições de vida que impedem sua efetivação para a maioria dos trabalhadores idosos. Assim, destaca Abram Szajman (2004, p.5), presidente do Conselho Regional do SESC no Estado de São Paulo: [...] nosso compromisso prioritário com o bem-estar da população, em seu tempo livre, tem tido como resultado a melhoria da qualidade de vida e das aspirações pessoais daqueles que procuram nossos serviços, o que legitima a continuidade e aperfeiçoamento contínuo de nossa missão institucional. Dessarte, o alvo das ações é a ocupação do tempo livre do trabalhador, ativo e inativo, prioritariamente, com atividades de lazer (artísticas, intelectuais, esportivas, recreativas), ou de educação. Essa direção da ação social empresarial tem representado a subordinação do “tempo livre” ao universo e à lógica do capital, um controle sobre o tempo de vida do trabalhador através da política social da empresa ou filantropia empresarial. É especialmente na organização do tempo de lazer que se fazem sentir as estratégias patronais de domesticação, adestramento e controle da consciência dos trabalhadores em seu tempo reservado ao descanso. Sob a alegação de melhorar a autoestima e a qualidade de vida dos trabalhadores, se gesta um novo homo faber apropriado ao sistema produtivo, como também um novo homo ludens, que se realiza no lazer. Essas 179 estratégias atingem os não mais incluídos no sistema produtivo, direcionando suas preocupações, suas reivindicações para a qualidade de vida pessoal, expressa no envolvimento em atividades desinteressadas, prazerosas, forjando uma nova consciência, um novo associativismo baseado na idéia de liberdade pela “livre escolha” do lazer, em uma sociedade que aliena, fundada no trabalho abstrato, assalariado, aviltante. Trabalho e liberdade são desviados para planos diferentes, criando a ilusão de que é possível a liberdade no “tempo livre”, as atividades de auto-realização, como se as desigualdades não se reproduzissem no tempo liberado do trabalho, no tempo do envelhecimento, como se esse tempo estivesse livre da lógica expansionista do capital. As empresas que investem em bem-estar social, principalmente em lazer, acabam ganhando, tanto por adquirir uma boa imagem frente à sociedade, quanto por manter sob relativo controle o tempo em que o trabalhador não lhe deve nenhuma satisfação, no seu tempo liberado do trabalho, e depois na aposentadoria, expandindo o controle opressivo do capital sobre o tempo de vida do trabalhador e de sua família, e sobre a comunidade. Esse controle não apenas do seu tempo de trabalho, mas também do “tempo livre”, tomado como espaço de difusão de novo estilo de vida, comportamentos e atitudes de consumidores ativos, como espaço de consumo de mercadorias, bens e serviços produzidos pela lógica expansionista do capital, gesta uma consciência social a-classista, solidária, cooperativa com o capital, criando um novo homo ludens, que se realiza no consumo de uma indústria cultural, de entretenimento, da moda, e de realização pessoal. O trabalho sociocultural é parte do trabalho educativo, que tem no indivíduo seu foco de atuação, limitando sua ação a um processo: [...] social por excelência, para dotar os indivíduos da estrutura mental capaz de torná-los eficientes no seu autodesenvolvimento, de produzirem respostas às suas necessidades e às de seus familiares e de se tornarem cidadãos capazes de participar de forma afirmativa da vida econômica, política e sociocultural do país (SESC, DIRETRIZES GERAIS DA AÇÃO DO SESC, 2004, p.14). Essas diretrizes se estendem ao trabalho social com idosos, um trabalho educativo que visa modificar o indivíduo, gerar auto-estima, autonomia, integração e socialização, através da capacidade de motivação dos idosos, da disposição em aprender a “arte de saber envelhecer”, adotar novos hábitos saudáveis de vida, um estilo de vida participativo, jovial, e reciclar e atualizar esses idosos de modo a integrá-lo a uma sociedade em transformação. 180 Os programas para “terceira idade” se colocam nessa perspectiva de ressocialização e integração social, através do lazer e da educação permanente, que fundamenta a tese do controle do “tempo livre” dos idosos e do reforço e atualização da cultura privacionista no enfrentamento dessas refrações da questão social que remete o envelhecimento do trabalhador, após um longo processo de lutas para transformá-lo em uma questão pública sujeito a políticas públicas, para o âmbito privado da família, da comunidade, das organizações não-governamentais. Essa cultura também se expressa na autoresponsabilização dos idosos pelos problemas que enfrentam e na solução dos mesmos, presentes nas práticas autopreservacionistas do corpo, da saúde, dos riscos, que exacerbam o individualismo e culpabiliza os indivíduos por suas carências, e torna “invisível” a velhice dos trabalhadores, em especial, dos mais pobres. Os programas sociais para a “terceira idade” de iniciativas filantrópicas: embriões de um novo desenho de política social. As iniciativas filantrópicas no trabalho social com idosos, através de programas com objetivos de integração, re-socialização e valorização social, legitimadas e adotadas pela Política Nacional do Idoso como prioridade no atendimento da “problemática social” do envelhecimento, associadas a outras formas alternativas de convívio, participação e ocupação dos idosos, bem como o modelo de prestação de serviços sociais aos idosos através do mix público/privado, que legitima e incentiva as ações privadas no trato das mazelas sociais são partes de um processo mais amplo de reatualização de um trato histórico das refrações da questão social: “sua conversão em problemática de natureza individual e a assunção da questão social por parte da sociedade civil, que prima pela continuidade da aplicação de um receituário moral ao tratamento das ‘questões sociais’” (GUERRA, 2005, p.6). Esses programas promovem o que se denomina nesta pesquisa, de cultura privacionista no trato da questão social, e são partes integrantes dessa, remetendo o enfrentamento da problemática social do envelhecimento dos trabalhadores, transmutada tanto em problemática social do grupo etário como um todo, para o âmbito da sociedade civil e das suas várias expressões, como família, organizações comunitárias, organizações não-governamentais, dentre outras, quanto na individualização dos problemas sociais, principalmente no seu trato -, que torna as “terapias de integração social”, nas quais o indivíduo é o foco das mudanças, a modalidade básica da intervenção social. 181 A retórica da valorização social dos idosos, da ocupação do seu tempo livre com relações e atividades saudáveis mascara as tendências de controle social sobre o tempo de vida do trabalhador, mesmo quando na pretensa inatividade; e o planejamento externo das ações, comportamentos, sentimentos dos idosos, dirigindo suas formas de associativismo, de reivindicações, etc; bem como autoresponsabilizam esses idosos pelo envelhecimento saudável, produtivo e ativo. a) “Grupos ou Centros de Convivência”: o lazer como ideologia do igualitarismo no “tempo livre”, sociabilidade e associativismo a-classista. Os primeiros grupos de convivência organizados pelo SESC datam da década de 1960, formando grupos de aposentados em torno do lazer e da recreação, através de uma nova ocupação do “tempo livre”, capaz de gerar uma nova sociabilidade contra a “marginalização” do idoso e em favor de sua valorização social. Posteriormente, esses grupos denominados de “Centro de Convivência” foram aglutinados num mesmo espaço social, com os seguintes objetivos: • incentivar a integração social dos idosos, melhorando suas condições de vida e promovendo a sua socialização, atualização cultural e a descoberta de novas habilidades, numa perspectiva de inserção social; • auxiliar os idosos a preencher seu tempo livre com práticas e relações saudáveis, mas sobretudo a redimensionar sua vida, a ver o envelhecimento sob um novo prisma, em que a natureza fragilizada física dos mais velhos pode ser harmonizada com dignidade; • promover a valorização do idosos como fonte e repositório da memória histórica, proporcionando sua reintegração e participação nos processos sociais (SESC, 2004, p.6). Esses objetivos são delimitados sobre uma leitura da “problemática do envelhecimento”, tomada na sua dimensão cultural64, dos valores predominantes que geram marginalização social dos idosos, após a aposentadoria. Esta última é vista como problemática, por marcar o rompimento de papéis, e não como direito conquistado pelos trabalhadores o qual precisa se estendido a todos os idosos que vivem ou viveram apenas 64 Essa ênfase na dimensão cultural é a razão da existência dos programas, das atividades consideradas prioritárias e dos objetivos que visam atender. Assim, descrevem: “a falta de condições culturais favoráveis a um envelhecimento sadio agravado pelas baixas aposentadorias e por uma estrutura urbana quem embora em expansão, não levava em conta as condições físicas dos idosos, que já naquela época tinha seus reflexos na situação de isolamento e desajuste desse setor da população (SESC, 2003, p.37) . 182 da venda da sua força de trabalho, incluindo aqueles que não encontram lugar no mercado formal de trabalho e são obrigados a sobreviver no submundo do mercado informal, na precariedade do mundo da sobrevivência. Assim, a ”problemática social” do envelhecimento é definida por um dos técnicos do SESC: A questão da aposentadoria é muito grave, porque as sociedades atuais têm atribuído ao trabalho o valor essencial da vida. Isso é a maioria dos indivíduos vive em função de duas grandes dimensões: trabalho e família. O que acontece na época da aposentadoria é que os indivíduos vêem rompido esse elo de interesse. Dessa forma, vivem um fenômeno psicológico, social e emocional de esvaziamento de papéis (SALGADO, apud SESC, 2003, p.61). As questões de marginalização, isolamento, desajuste, para esse técnico do SESC, se originam com a perda gradual de papéis e funções sociais, com diminuição do grupo de convivência, com a ausência de aspirações culturais e de responsabilidades definidas, com o recolhimento ao espaço privado, com a desativação da memória e com o desinteresse pela vida, mas sem relação com as estruturas de produção e reprodução social sob a lógica do capital, base material da degradação social da força de trabalho e da sua desvalorização, quando da perda do “valor de uso” para o capital. Essa descrição de uma problemática a partir de seus efeitos não corresponde à problemática social que atinge os trabalhadores idosos no Brasil (conforme resgatada no capítulo II), principalmente entre os mais pobres. É sobre esse diagnóstico que justificam as ações para prevenir essa suposta “marginalização” e para proporcionar, através da participação o fortalecimento das estruturas de sociabilidade, e recriar vivências partilhadas que se colocam no lugar dos antigos vínculos de trabalho que se romperam com a aposentadoria ou, que, por vezes, suprem as carências afetivas da família dispersa. Essas ações visam, então, convivência social, bem-estar e envelhecimento saudável (cf SESC, 2004). Concordamos com as críticas que Haddad (1986) faz desta leitura da “problemática social” do envelhecimento, bem como com os paradoxos nos quais se assentam os objetivos do SESC no trabalho social com idosos. Essa autora diz que a ação do SESC, enquanto expressão ideológica da classe dominante, toma como o próprio ser o modo imediato em que a “problemática social da velhice” aparece socialmente. O determinado, o efeito – desamparo, solidão e marginalização social – é tomado como determinante: a gênese da questão é encoberta. As relações de produção, o trabalho abstrato e as condições de degradação social, que sofre a classe trabalhadora durante toda a sua trajetória de vida, 183 reproduzida na velhice pobre, desprotegida, desprovida de meios de sobrevivência e desvalorizada socialmente, tudo isso é ocultado, para ressaltar um problema de ordem cultural, e genericamente atribuído ao grupo etário como um todo, a ser resolvido com atividades educativas, recreativas, ou seja, com: [...] ocupações significativas e desafiantes compatíveis com as possibilidades e os interesses dos idosos, que devem recuperar e restabelecer o reconhecimento e a importância do indivíduo, impedindo que a idade inviabilize a participação social (SESC, 2003, p.19). As estruturas geradoras de desigualdades sociais, de desvalorização, ou a sociabilidade fundada no valor, no trabalho abstrato, que gera riqueza socialmente produzida e apropriada individualmente pelos proprietários dos meios de produção, não são questionadas ou indicadas como geradoras de velhice diferenciadas e desiguais. Em relação aos objetivos do SESC no trabalho social com idosos, destacam-se pelo menos três ordens de paradoxos: O primeiro paradoxo é oferecido pela incompatibilidade entre o ‘problema social dos idosos’ e as soluções buscadas via instituições: as instituições sociais, na medida em que expressam os interesses da maioria dominante – no caso, o SESC, criado e mantido pelo empresariado comercial brasileiro -, não podem resolver a tragédia da velhice em nossa sociedade, extensão da tragédia da vida no interior do modo de produção capitalista. O segundo paradoxo encontra-se entre a ‘problemática social dos idosos’ e a solução apontada: a ‘educação’. Prevenir a ‘marginalização social’ através do trabalho educativo que busque garantir aos idosos a conquista de um lugar na teia das relações sociais é desconsiderar, por querer ocultar, as relações sociais enquanto historicamente determinadas; não considerar o modo de produção correspondente é mergulhar nas águas da pseudoconcreticidade, onde as relações de classes e a exploração a que é submetido o trabalhador são escamoteadas. O terceiro paradoxo se estabelece na identidade ‘problema social dos idosos’ e ‘marginalização social’ [...] Na realidade, pensar genericamente na pós-aposentadoria para a classe trabalhadora e nãotrabalhadora como um momento de possibilidade de preenchimento do tempo livre com ocupações produtivas para o enriquecimento da sua personalidade e a descoberta de novos papéis que confiram importância e significado à sua vida, é não levar em conta a desigualdade social e, por decorrência, as condições objetivas de existência do aposentado da classe trabalhadora, que não é marginalizado, mas explorado e oprimido (HADDAD, 1986, p.87). Portanto, é desconsiderar que as necessidades sociais na sociedade capitalista são estabelecidas conforme a divisão social do trabalho, reproduzidas quando o indivíduo não está mais no processo produtivo, no seu envelhecimento, que inviabiliza um “tempo livre”, de lazer para todos. 184 A generalização da “problemática social do envelhecimento” ao grupo etário, independente de classe, etnia, gênero, e outros determinantes, assim como as demandas por ocupação do tempo livre com lazer e educação, com atividades de desenvolvimento da personalidade, dissimulam a existência do particular revestindo-o de um caráter universal. Assim, para o SESC, trata-se de ‘problemática social dos idosos’ em geral, quando, na verdade, a forma como é explicitada o se que denomina de problema social do envelhecimento atinge apenas uma parcela desses idosos, assim, como suas ações se voltam para aqueles com renda de aposentadorias e pensões, com tempo disponível para empregar em novas atividades. A grande maioria dos trabalhadores idosos ainda trabalha, ou está à procura de trabalho. Mesmo grande parte dos totalmente inativos, vive com apenas um salário mínimo (64% dos pagamentos em aposentadorias no Brasil são de um salário mínimo), gastos na sobrevivência desses, não sendo os demandantes desses programas. Trata-se das demandas de um setor particular de idosos, que são generalizadas para todos os idosos, para quem esse tempo da vida pode ser dedicado ao lazer. As necessidades de lazer, educação, cultura, atividades físicas na velhice corresponde às necessidades de um determinado setor de idosos, e também do próprio mercado, dirigido aos idosos das classes médias e altas, que podem comprar bem estar e proteção social no mercado. As atividades previstas nesses programas são diversificadas, devendo ser planejadas e sistematizadas a partir dos valores sócio-culturais, ocupacionais e de necessidades manifestas dos idosos freqüentadores, e, também, dos recursos humanos e materiais disponíveis em cada unidade operacional do SESC em todo o Brasil. De uma forma geral, porém, estão aglutinadas num conjunto de atividades que envolvem as seguintes dimensões do lazer: • artístico ou cultural (folclore, teatro, oficinas, música, dança, coral, modelagem, pintura, artesanato, etc.); • educativos ou informativos: palestras, seminários, ciclos de debates, cursos, filmes, vídeos, dentre outros; • social: comemorações ou calendário festivo; • físicas: hidroginástica, ginástica, caminhada, alongamento, atividades esportivas, etc.; • viagens, excursões, passeios, turismo social (SESC, 2003). 185 Além das atividades sociais, esportivas, recreativas, culturais, educativas, inclui-se envolvimento com a comunidade, em trabalhos voluntários, beneficentes, em campanhas educativas e em outras atividades que visam resgatar a participação e a “utilidade social do idoso, a auto-estima dela decorrente, amenizando os efeitos do preconceito, do abandono e do isolamento social” (idem), que estigmatizava os idosos. O idoso mobilizado por esses programas, entretanto, é o que pode pagar por sua inclusão nesses, bem como com condições de realizar campanhas beneficentes, trabalho voluntário, diferentemente daquele dito “marginalizado”, abandonado, ou daquele que ainda trabalha, chefia sua família e tem baixo nível de escolaridade. A valorização social e as estratégias de re-socialização, de integração aparecem, então, como alternativa à condição marginal dos idosos. Essa seria a origem e a razão de ser dos programas para a “terceira idade”, tomando o indivíduo como alvo da ação educativa ou sócio-cultural, como se a problemática do idoso se reduzisse a um problema individual de desajuste à sociedade em transformação, uma ação capaz de gerar novos valores, sociabilidades contrárias à estigmatização do idoso, aos preconceitos, à desvalorização social. Tudo depende da capacidade do idoso de apreender, motivar-se, participar, de reverter o quadro socialmente determinado de sua existência, de adotar um novo estilo de vida, ativo, solidário, participativo, e de dar um novo sentido à vida. O lazer (físico, artísticos, práticos, intelectuais e sociais, conforme a tipologia de Dumazedier) foi eleito o instrumento mais adequado para promover a integração, socialização e participação do idoso. Considerando que esses programas centram-se em atividades de lazer, nas suas funções de entretenimento, recreação e desenvolvimento da personalidade, e em suas potencialidades capazes tanto de gerar atitudes ativas, novos comportamentos e sentimentos que se contrapõem aos estereótipos e preconceitos, quanto de fundar novas sociabilidades e experiências de associativismo que proporcione bem-estar, valorização social, auto-estima e reconstrução da própria imagem, fundamentado nas análises teóricas sobre o lazer e suas potencialidades no trabalho social, assim, a análise crítica desses programas só podia se dirigir a seus fundamentos teóricos e ideológicos e as categoriais de “tempo livre” e seu corolário, o lazer, na ordem do capital. Essa crítica que enquanto 186 exercício teórico será tomado como parte da crítica da economia política65, considerando que o lazer é uma forma de experiência social à qual se estende a economia, como as demais experiências sociais na ordem do capital, ou seja, com objetivos de reprodução do capital. A influência das idéias de Dumazedier sobre tempo livre e lazer são essenciais na fundamentação desses programas, tanto na França, como no Brasil. Para se ter uma idéia, durante as décadas de 1970 e 1980, o SESC promoveu vários seminários internos com a presença do autor, além de enviar seus pesquisadores para cursos de pós-graduação, na Sorbonne, sob sua orientação direta. Para o autor, o lazer é, para a maioria dos trabalhadores, o tempo e a ação autodestinadas às mais íntimas formas de enriquecimento ou de satisfação pessoal, abordando-o não apenas na sua dimensão compensatória ou complementar às atividades profissionais ou obrigações sociais, mas eminentemente como uma necessidade das sociedades modernas, dos indivíduos, relacionadas ao desenvolvimento de sua personalidade; como espaço gerador de novos valores, sociabilidades, convivência social, e enriquecimento dos fenômenos culturais; como tempo de livre escolha de atividades que proporciona felicidade, alegria, divertimento, entretenimento;,uma nova moral de boa vida ou de qualidade de vida. Perspectiva adotada nos programas desenvolvidos pela instituição66. Autores como Salgado (1982) e Attias-Donfut (1979 e 1980), respectivamente, técnico do SESC e autora francesa que capacitou os profissionais dessa instituição para o 65 A economia política não é pensada aqui como ‘ciência autônoma’ particular, mas como crítica de uma forma histórica de relações sociais nas quais as relações econômicas enquanto relações entre portadores de mercadorias, tendo-se autonomizado frente aos homens e se constituído numa ‘esfera’ à parte, conseguiu impor seu domínio sobre todas as outras formas de experiência social. [...] o lazer é uma forma de experiência social à qual se estende a economia, é uma forma de atividade econômica (EMILIANO, 2005, p.1). Esta perspectiva de análise inviabiliza qualquer análise do lazer pelo lazer, como uma esfera separada e autônoma, como um tempo verdadeiramente livre e de desenvolvimento da personalidade, de realizações de ricas necessidades num sistema sociometabólico totalitário e abrangente do capital que engloba desde o campo da produção até o consumo, desde o plano da materialidade ao mundo das idealidades. O primeiro passo desta análise é estabelecer os fundamentos teóricos, ou seja, a matriz teórica que orienta esses programas e demarcar suas interpretações do lazer e do tempo livre. 66 Em suas diretrizes de ação o SESC está clara esta opção de compreensão do lazer. “[...] a Entidade reconhece a importância do lazer para liberar o indivíduo da fadiga resultante de suas obrigações, notadamente as do trabalho, como também ajudar o indivíduo a suportar os efeitos da disciplina e das imposições obrigatórias, buscando ainda o desenvolvimento de sua personalidade, na medida em que o libera dos condicionamentos que o automatizam” (2004, p.18). 187 trabalho com idosos, na década de 1970, deixam clara a opção pelas análises de Dumazedier, em relação a outras interpretações do lazer, como por exemplo, do norteamericano Max Kaplan, cujas interpretações se caracteriza como: [...] de ordem subjetiva, muito ligada a uma dimensão psicológica, propõe o lazer mais como uma atitude no fazer as coisas do que como um tempo específico dedicado a alguma atividade. Neste aspecto, prevalecia à seleção particular da atividade, e sua qualidade se avaliaria na razão direta dos valores individuais. Dentro dessa linha, encontra-se a proposta de Kaplan, para quem o lazer abrange todas as atividades humanas que traduzem no praticante uma grande satisfação, no ato de sua realização ou recordação. Ainda dentro dessa posição, as atividades de lazer devem possibilitar o desenvolvimento pessoal ou, unicamente, a distração capaz de aliviar as tensões e de eliminar o desgaste físico-mental produzido pelos compromissos cotidianos (SALGADO, 1982b, p.60-61). Essa definição do lazer como um estilo de comportamento, podendo ser encontrado em qualquer atividade, é negada por Dumazedier (1999), por constituir-se numa definição mais psicológica que sociológica. O lazer tem sido tratado, na literatura sociológica, segundo essas duas variáveis básicas: o tempo67 e a atitude68. A variável “tempo” considera o lazer segundo as idéias de tempo livre, de liberação não só do trabalho, mas também das obrigações cotidianas, sociais, familiares ou políticas. Enfim, um tempo verdadeiramente livre, em que o lazer representa um campo de livre escolha pessoal. A abordagem que os técnicos do SESC adotam, é reveladora do sentido atribuído ao lazer, comum às formulações originais de muitos programas para a “terceira idade”, baseada na idéias de tempo livre. Com referência a esta questão, o sociólogo Joffre Dumazedier considera e diferencia a existência de três tempos: tempo de trabalho, tempo liberado e tempo livre, sendo este último àquele que possibilita a real prática do lazer. Explicando sua posição, Dumazedier coloca que, após o tempo de trabalho, dedicado ao exercício de uma ocupação profissional lucrativa, estabelece-se um tempo liberado, que não é totalmente livre, em virtude de ser utilizado em relação a compromissos do tempo anterior ou a outros. Aí estariam incluídos, por exemplo, as ações de preparar-se ou locomover-se para o trabalho, as atenções à família ou compromissos sociais. O tempo livre seria, exatamente, o tempo que resta para ser 67 Bacal (1988), trabalha com a variável tempo. Ela denomina ‘tempo necessário’ ao tempo despendido para a execução das tarefas de trabalho; ‘tempo liberado’ ao tempo de que o homem dispõe após o tempo necessário e ‘tempo livre’ como sendo uma parcela do tempo liberado pressupondo a liberdade de escolha do que fazer ou não fazer, compreendendo tanto o lazer como o ócio. 68 Gaelzer (1986) trabalha com a dimensão atitude. “Costuma-se pensar que o lazer e tempo livre são a mesma coisa, mas todo mundo pode ter tempo livre e nem todos podem ter lazer. (...) o tempo livre é uma idéia de democracia realizável. O lazer não é por todos realizáveis por trata-se de uma atitude e não só de uma idéia. [...] lazer é a harmonia individual entre a atitude, disponibilidade de si mesmo e o desenvolvimento integral” (p.49). 188 utilizado em razão de quaisquer interesses, menos daqueles aos quais o indivíduo, por sua função social, tem a obrigatoriedade de atender. No tempo livre pode se situar o tempo de lazer, desde que as atividades assumidas estejam orientadas por uma escolha pessoal. Dessa forma, o verdadeiro lazer é aquele que produzido segundo interesses do indivíduo, resultados de repouso, diversão, crescimento do relacionamento social, é realizado no seu tempo livre, descomprometido de outros compromissos (SALGADO: 1982b, p.61). Percebe-se, a partir dessa perspectiva teórica, uma supervalorização do “tempo livre” como espaço de liberdade, de livre escolha, de satisfação de necessidades de autorealização; uma esfera apartada do mundo produtivo, não apenas do trabalho como atividade profissional, mas também da lógica expansionista do capital, dos condicionamentos sociais. Trata-se de uma proposição romântica e utópica do tempo livre no interior de uma sociedade fetichizada, como se fosse possível vivenciar uma vida absolutamente sem sentido no trabalho e cheia de sentido fora dele, principalmente no envelhecimento, depois de uma vida inteira desprovida de sentido, mas compensada num período de lazer. Trata-se de uma análise que desconsidera a dinâmica social na qual se manifestam as necessidades sociais e sua relação com o sistema produtor de mercadorias. Apostando na liberdade, restrita à livre escolha, Dumazedier (2004, p.34) define lazer assim: Um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. É exatamente a falta de articulação entre as condições históricas sociais produtoras de necessidades e suas relações com a produção, distribuição e consumo na sociedade capitalista, que cria a falsa noção de liberdade individual nesta sociedade. Todavia, como destaca Heller (1986, p.58), no: [...] universo da manipulação das necessidades, a liberdade individual é só aparente: a particular elege os objetos de suas necessidades e plasma essas necessidades individuais não em conformidade com sua personalidade, mas, sobretudo, em conformidade com o lugar que ocupa na divisão do trabalho [...] dado que o fim não é o desenvolvimento múltiplo do indivíduo, o particular se converte em escravo desse conjunto de necessidades. 189 A necessidade de tempo livre e do lazer não é apenas uma conquista dos trabalhadores, como também uma necessidade do sistema produtor de mercadorias, para o consumo de seus produtos, bens e serviços (material e simbólicos). Como necessidades humanas, a necessidade do lazer traz a marca das condições sócio-históricas, cuja possibilidade de satisfação dessa necessidade ou acesso está definida pelo lugar ocupado na divisão social do trabalho. As contradições do sistema produzem necessidades cada vez mais ricas, ao mesmo tempo em que empobrecem, homogeneízam necessidades para a grande maioria dos trabalhadores, principalmente para os mais pobres, ou seja, não satisfaz necessidades elementares da existência, posto que o fim da produção não é a satisfação de necessidades, mas a valorização e reprodução do capital. Sem dúvida, a necessidade de tempo livre constitui, segundo Marx (apud HELLER, 1986) numa necessidade elementar, porque supera, em todo momento, a alienação. Logo, a luta pelo incremento do tempo livre (isto é, pela redução do tempo de trabalho) faz parte da ótica de luta da classe operária. Evidentemente, Marx não nega que também a luta por tempo livre pode permanecer dentro do marco do capitalismo, pois são precisamente as leis que regulam a troca de mercadorias que fazem emergir ‘direitos iguais’, como ressalva Emiliano (2005, p.2), o lazer é a ideologia do igualitariamo: Acessível – enquanto mercadoria consumível – na esfera da circulação mercantil e tendo como pressuposto o assalariamento, no lazer todos são iguais – ilusoriamente iguais – enquanto consumidores, e enquanto tais já não se reconhecem com o que são em sua vida real. O lazer, assim, é a inversão da vida; a vida de um mundo investido. Situado na aparência do sistema, na esfera das trocas iguais, o lazer compõe a ‘autonomização da aparência’. É nesse espaço da distribuição, do consumo, da reprodução social que se busca criar uma nova sociabilidade, uma nova ética capaz de gerar valorização nos idosos; espaço do lazer como valor, como desenvolvimento da personalidade, como realizável na ordem do capital, com capacidade de alterar essas relações no mundo produtivo, de humanizá-lo. Todavia, a liberdade é aparente, ilusória, formal, ideológica e incapaz de alterar as condições de vida, a distribuição de riquezas, o controle opressivo do capital sobre o tempo de vida do trabalhador, incluindo o seu “tempo livre”, redefinido pelas formas modernas de estranhamento, como espaços de manipulação do consumo, englobando os bens e os 190 serviços de entretenimento, lazer, recreação, moda, cultura, que se definem não só como campo de giro rápido do capital, logo, como espaços de reprodução social deste, mas também como manipulação de comportamentos, atitudes, sentimentos, visões do mundo compatíveis com as determinações da produção e reprodução do capital. Embora a necessidade de tempo livre se converta, por princípio, em uma necessidade radical da classe trabalhadora, exatamente porque o sistema cria condições para sua efetivação, mas, ao mesmo tempo, é incapaz de reduzir o tempo de trabalho, sem ampliar formas extensivas de exploração, sem gerar desemprego em massa, exclusões do mundo produtivo de milhares de vidas, ou seja, é incapaz de distribuir a riqueza socialmente produzida e o tempo liberado para todos trabalharem menos e ocuparem-se com ricas necessidades. O lazer como campo de desenvolvimento humano é ilusório na ordem do capital. Enquanto não cessar o domínio das coisas sobre os homens, e a produção para fins de valorização do capital, as necessidades não poderão ser governadas pela “necessidade de desenvolvimento do indivíduo”69. O controle sobre o tempo livre do trabalhador, como extensão do controle do tempo de vida, remete à idade dos monopólios e se aprofunda na nova ordem mundial, como destaca Netto (1992, p.35): Na idade do império, a organização monopólica da vida social tende a preencher todos os interstícios da vida pública e privada; a subordinação ao movimento do capital deixa de ter como limites imediatos os territórios da produção: a tendência manipuladora e controladora que lhe é própria desdobram-se a campos que até então não ocupara, domina estrategicamente a circulação e o consumo e articula uma indução comportamental para penetrar a totalidade da existência dos agentes sociais particulares. Aqui, é o inteiro cotidiano dos indivíduos que tende a ser administrado, um difuso terrorismo psicossocial se destila pelos poros da vida (LEFEBVRE, 1968) e se instila em todas as manifestações anímicas e todas as instâncias que outrora o indivíduo podia reservar-se como áreas de autonomia (a constelação familiar, a organização doméstica, afruição estética, o erotismo, a criação dos imaginários, a gratuidade do ócio etc.) convertem-se em limbos programáveis como áreas de valorização potencial do capital monopolista. 69 Como destaca Heller (1986, p.85) “quando cessa o domínio das coisas sobre os homens, quando as relações inter-humanas não aparecerem como relações entre coisas, então toda a necessidade é governada pela ‘necessidade de desenvolvimento do indivíduo’, a necessidade de auto-realização da personalidade”. Pensar num tempo livre que libera, numa sociedade em que o trabalho abstrato aviltante domina, é sempre uma liberdade ilusória, típica do liberalismo da escolha individual, da livre escolha de atividades prazerosas. 191 Essa expansão, na nova fase de mundialização do capital, das modalidades de investimentos e de valorização próprios do capital, atinge as áreas antes não-mercantis das políticas sociais e segmentos sociais antes não considerados como consumidores ativos, os idosos, que, por possuírem renda proveniente de pensões e aposentadorias, passam a ser alvo do mercado, como consumidores manipulados. Logo, a preocupação com seu “tempo livre” não deriva apenas do crescimento numérico dos idosos ou por questões humanitárias, mas também de difusão dos novos comportamentos compatíveis com essas alterações. Como forma de extensão do controle do capital sobre o tempo de vida do trabalhador, estendem-se as propostas socializadoras e integradoras, a partir da ocupação do “tempo livre” dos idosos, que buscam adestrar os corpos envelhecidos, ativados pelos exercícios físicos, mantidos através da boa alimentação, incentivados por variadas formas de entretenimento e atividades recreativas, submetidos às receitas gerontológica, que, como destaca Haddad (1986), camuflam a tragédia do fim da vida que abate aos trabalhadores envelhecidos, apesar de não conseguirem mobilizá-los para estes programas. Todavia, são eficientes espaços de reforço da cultura privacionista no trato dessas mazelas, condição necessária à expansão do capital nessas áreas de bem-estar e na difusão de comportamentos ativos de consumidores. Se não é a satisfação de necessidades ricas, de auto-satisfação, que visa o sistema capitalista, a não ser utopicamente numa esfera apartada da produção, como é tratado pelos apologistas do “tempo de lazer”, essa pseudovalorização do idoso, sem alteração nas relações de produção que geram expropriação, só pode estar relacionada ao avanço do consumo e da mercantilização de áreas e setores ainda não mercantilizados, rompendo com todos os obstáculos, dentre eles os direitos sociais e comportamentos tradicionais do grupo etário, principalmente, daqueles idosos que possuem renda, saúde, disposição de viver novas experiências. Isto se explica porque a produção não gera apenas o objeto da necessidade, mas o sujeito das necessidades, articulada dialeticamente ao consumo70. 70 Marx (1978, p.109), trabalha essas relações dialéticas entre produção e consumo. Assim define: “[...] sem produção não há consumo, mas sem consumo tampouco há produção [...]. O consumo cria o impulso da produção; cria também o objeto que atua na produção como determinante da finalidade. Se é claro que a produção oferece o objeto do consumo em sua forma exterior, não é menos claro que o consumo põe idealmente o objeto da produção, como imagem interior, como necessidade, como impulso e como fim. Sem necessidade não há produção. Mas o consumo reproduz a necessidade” . 192 Obviamente que, se o lazer não pode ser igualado ao consumo, como destaca as críticas de Dumazedier (1999) às análises marxistas do lazer, com certeza, sua análise não pode prescindir das relações com o consumo e com as relações de produção. Conforme Marcuse (1987), o lazer na sociedade capitalista é uma alienação, uma ilusão de livre satisfação das necessidades do indivíduo, por quanto essas necessidades são criadas, manipuladas pelas forças econômicas da produção e do consumo de massa, conforme os interesses do capital. Os bens e serviços do lazer estão, pois, submetidos às mesmas leis do mercado que outros bens e serviços. Assim, a noção utópica e romântica de realização pessoal, de espaço de desenvolvimento da personalidade, fica comprometida, bem como a da livre escolha, a de atividades sem fins lucrativos e desinteressadas. O lazer não está livre da mácula expansionista e manipuladora do capital, do mundo produtivo. Aí estão situadas as iniciativas do patronato, como o SESC, e o lazer promovido pelas empresas a funcionários e comunidade, como estratégias de controle sobre um tempo que o trabalhador não deve explicações, mas que guiados por essas políticas, visam adestrar, disciplinar, domesticar e direcionar a ocupação do tempo livre seja para recomposição das forças, seja para criação dos laços de pertencimento à empresa, seja para gerar novos valores, visões de mundo, sentimentos e atitudes solidárias, participação voluntária, cooperação entre capital e trabalho, em nome do desenvolvimento pessoal, da qualidade de vida. Exatamente em função dessa relação entre lazer e consumo, respectivamente na França, e na Inglaterra (cf LENOIR (1979) e FEATHERSTONE (1998)), emergem, nas últimas décadas, imagens atuais da velhice como tempo de lazer, de realizações de sonhos de juventude, de criatividade, ou de uma suposta equação nova e positiva que enfatizou capacidade, saúde e atividades como legítimas para a velhice, que têm como base uma crescente influência das pensões privadas destinadas às classes médias e altas e os serviços que oferecem para atraí-los. Na cultura do consumo, a velhice é apresentada com imagens que a retratam como uma fase da vida na qual sua juventude, vitalidade e atratividade podem ser mantidas. Isso está em contraste com imagens mais tradicionais da velhice nas quais homens e mulheres são apresentados como pessoas resignadas, calmas e dignas que aceitam as traições: do corpo, a perda da atratividade física, mobilidade e atividades com estoicismo. (FEATHESTONE, 1998, p.62). 193 Como já destacado anteriormente, nesses programas não há uma valorização da pessoa idosa, por sua experiência de vida, pelo saber acumulado, pela contribuição com a riqueza social produzida, mas há um reforço à indução comportamental, de atitudes ativas, aquelas em que os idosos usam a máscara da juventude de espírito e negam a velhice. É, em nome desses novos valores, de uma nova sociabilidade, movida pelas necessidades de entretenimento, recreação, divertimento e desenvolvimento da personalidade, capaz de criar alternativas de estilo de vida, que se enfatizam as funções do lazer, base de onde emergem os objetivos buscados nesses programas. Para Dumazedier (2004), são quatro as funções básicas do lazer. Sua primeira função é a liberação e o prazer. Nesse sentido, “o lazer é reparador das deteriorações físicas e nervosas provocadas pelas tensões resultantes das obrigações cotidianas e, particularmente do trabalho” (p.34). A segunda função compreende divertimento, recreação e entretenimento. Trata-se de um fator de equilíbrio, em meio à disciplina e às coerções necessárias à vida social, um meio de evasão do cotidiano. A terceira função dá um novo aspecto ao lazer, constituindo no desenvolvimento da personalidade, que permite uma participação social maior e mais livre, a prática de uma cultura desinteressada do corpo, da sensibilidade e da razão, além da formação prática e técnica, oferecendo novas possibilidades de integração voluntária à vida de agrupamentos recreativos, culturais e sociais (idem). Todavia, essa função de desenvolvimento pode ainda, segundo esse autor, criar novas formas de aprendizagem voluntária e contribuir para o surgimento de condutas inovadoras e criadoras. São nessas dimensões que se colocam os programas para a “terceira idade”, apostando no indivíduo e na sua capacidade através do lazer e de novas formas de ocupação do tempo livre, de apreender a “arte de saber envelhecer” ou como não envelhecer, de adaptar-se a uma sociedade em mudança, gerando condutas e um estilo de vida ativo, saudável e produtivo capaz de se contrapor a uma experiência socialmente produzida pelas relações sociais capitalistas. A respeito dessa ênfase no indivíduo, Lima (1999) destaca que, embora haja, nos discursos teóricos dos técnicos do SESC, uma rejeição das abordagens que tomam o lazer como uma atitude, como as propostas norte-americanas, sob o argumento da psicologização exagerada, a dimensão subjetiva é retomada no plano da expressão da personalidade individual. 194 A discussão sobre o lazer sinaliza a passagem de um modelo baseado na socioterapia como justificativa para a implantação dos programas para a terceira idade, para um modelo que incorpora os efeitos subjetivos das práticas de lazer, e indicam uma passagem de um modelo mais sociológico de individualismo (que supõe o indivíduo dado pelo social) para um modelo mais individualista e subjetivo (que supõe na dimensão subjetiva maior autonomia para autodeterminação). É como se os programas deixassem de representar apenas uma mediação entre o indivíduo e a sociedade para promover a mediação do indivíduo e seu self. (LIMA, 1999, p.84). Esse é um dos efeitos peculiares dos programas de re-socialização e re-inserção: promoverem uma individualização do problema social, remetendo-o para o âmbito privado, da ação individual, através da co-responsabilização dos indivíduos pelos problemas que enfrentam. Em outras palavras, o alvo e a solução da problemática está no próprio indivíduo. Como destaca Guerra (2005), o mecanismo geral, historicamente utilizado no ‘tratamento’ da ‘questão social’, é o mesmo, apesar das reatualizações no modo de operar, já que as respostas mantêm-se no universo do conservantismo e do reformismo integrador, que promovem a fragmentação dos aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais e a abstração dos conteúdos político-revolucionários que as refrações da questão social portam, além da sua formalização em problemáticas particulares, atendidas também fragmentadamente pelas instituições públicas e privadas. Na afirmação dessa perspectiva, destaca Netto (1992), que, mesmo no marco do monopólio, a intervenção sobre os problemas sociais através de políticas públicas não destrói a possibilidade de enquadrar os grupos e os indivíduos por eles afetados, numa ótica de individualização que transfigura os problemas sociais em problemas pessoais (privados), embora não haja dúvida de que a perspectiva mais pertinente à natureza do Estado burguês, nessa fase, seja a da consideração ‘pública’ dos problemas sociais. Todavia, a intervenção social ressuscita o ideário liberal, na psicologização da vida social, transferindo a sua atenuação ou proposta de resolução para a modificação e/ou redefinição de características pessoais do indivíduo, quando, então, emergem, com rebatimentos prático-sociais de monta, as estratégias, retóricas e terapias de ajustamento. As transformações na atual ordem social do capital criam amplas possibilidades para a retomada do ideário liberal. Uma delas é redefinir os espaços “públicos” e “privados”, que tem permitido a legitimação das políticas sociais privadas, filantrópicas ou 195 não, num setor nebuloso denominado de “terceiro setor”. Uma outra é o reforço ao reformismo integrador, moral e intelectual do homem como mecanismo de integração ou inserção social, que tem o indivíduo como foco da ação socioeducativa e através da qual se prever sua inserção social pela modificação e adequação individual à sociedade em transformação. Em síntese, esse ideário representa a desconstrução da consideração “pública” dos problemas sociais e das suas formas de enfrentamento, pois caracterizam direitos, considerados empecilhos ao avanço do capital. Além do processo de individualização dos problemas e da sua solução ou atenuação, a ação social sobre os idosos através da ocupação do seu “tempo livre” com as atividades “ditas” saudáveis expressam a extensão do controle do tempo de vida dos trabalhadores, agora do seu “tempo livre” em que os sujeitos não devem explicação de sua vida, caindo por terra, a idéia de um tempo totalmente livre na sociedade do trabalho abstrato. A manipulação do “tempo livre”, mediante indução comportamental, planejamento externo da vida e das atividades consideradas legítimas para a idade, entre elas, o lazer, culpabiliza os idosos que não têm motivação e dinheiro para adotar esse novo estilo de vida ativo, participativo e produtivo, assim como os autoresponsabiliza pelo controle dos efeitos do envelhecimento e pelo seu bem-estar físico e emocional. Assim, além da crítica ao formato do programa e aos seus objetivos de socialização e integração social, tendo em vista o caráter reformador do homem, buscado em suas ações prioritárias, mantendo sem problematização as estruturas geradoras de desigualdades e dos preconceitos contra os idosos, essa crítica também se estende aos fundamentos teóricos dos programas, a sociologia do lazer e suas funções e potencialidades para o trabalho social. A principal delas é o limite da sua função de desenvolvimento da personalidade, enquanto perdurar o domínio das coisas sobre os homens, a manipulação do trabalho e expropriação do tempo de vida do trabalhador pelo capital, pois, como destaca Emiliano (2005), o lazer na sociedade capitalista é passatempo ou, na versão popular, mata-tempo, que reforça suas funções de compensação e evasão da vida, enviando a dimensão da liberdade para o “tempo livre”, que se restringe a uma liberdade de escolha, ela mesma limitada pelos condicionamentos da expansão do capital, pelos bens e serviços oferecidos, enquanto passatempo: 196 [...] supõe uma existência social na qual a experiência com o tempo seja negativa, seja desprazerosa e desagradável, experiência que, portanto, deve ser amenizada com a experiência com um tempo agradável. O lazer supõe que já não haja jogo com o tempo, isto é, uma relação qualitativa com o transcurso do tempo enquanto transcurso do processo de autoatividade e autoconstituição dos indivíduos (EMILIANO, 2005, p.1) . Outra dimensão dessa crítica refere-se à transformação do lazer em espaços de expansão e reprodução do capital através do consumo, da indústria cultural, do entretenimento, da moda, dentre outros. Como destaca Padilha (2000), a racionalidade econômica, mediante as inovações tecnológicas, pode gerar quantidades crescentes de tempo disponível, que necessitaram das lutas operárias para se estender aos trabalhadores. A razão econômica, porém, controla o sentido e o conteúdo desse tempo, através da manipulação do consumo de mercadorias bens e serviços, sob a ótica do capital. Como destaca Antunes (2002), o sistema metabólico do capital converte o ‘tempo livre’ em tempo de consumo para o capital, no qual o indivíduo é impelido a capacitar-se melhor para ‘competir’ no mercado de trabalho. Assim, a própria ausência de trabalho é atribuída a falta de empregabilidade dos indivíduos, ou ainda a exaurir-se num consumo coisificado, fetichizado, inteiramente desprovido de sentido, não apenas de mercadorias, mas também de serviços de entretenimento, de recreação, de divertimento. Trata-se, como descreve Lukács, de formas de estranhamento, que não mais se restringem à produção e se que realizam, também, fora do mundo produtivo, na esfera do consumo material e simbólico, no espaço reprodutivo fora do trabalho, através da manipulação do consumo, dos gostos, da cultura, etc. Embora os apologistas do lazer como tempo livre o coloque numa esfera separada da esfera produtiva, restrita ao trabalho profissional e não às determinações do modo de produção e reprodução sob a lógica do capital, e de outras obrigações, como espaço de desenvolvimento da personalidade, da liberdade de escolha, e como necessidade humana, desconsiderando seu processo histórico e a divisão social do trabalho, que divide as necessidades e as possibilidades de satisfazê-las, esse tempo também está maculado pela lógica do capital, logo, “a desfetichização da sociedade do consumo tem como corolário imprescindível a desfetichização no modo de produção das coisas” (ANTUNES, 2002, p.176). Dessa maneira, tempo de trabalho e tempo livre estão articulados. O domínio efetivo e autônomo da esfera do trabalho e da produção também encontra seu corolário na 197 esfera livre e autônoma da vida fora do trabalho, condição para que o tempo livre se torne efetivo e real, espaço de realizações de ricas necessidades, dentre elas, de desenvolvimento pessoal, de atividades de autorealização, não mais conduzido pelas regras impositivas do mercado. Como destaca Antunes (2002), a libertação do trabalho humano do fim externo, alienado, estranhado, é o fundamento ontológico para a condição de ‘ser livre e universal’ do homem, para a efetivação de um tempo verdadeiramente livre para todos. Uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social, dada pela omnilateralidade humana, somente poderá efetivar-se por meio da demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo de não-trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital cheia de sentido, autodeterminada para além da divisão hierárquica que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sob bases inteiramente novas, possa se desenvolver uma nova sociabilidade. Uma sociabilidade tecida por indivíduos (homens e mulheres) sociais e livremente associados, na qual ética, arte, filosofia, tempo verdadeiramente livre e ócio, em conformidade com as aspirações mais autênticas, suscitadas no interior da vida cotidiana, possibilitem as condições para a efetivação da identidade entre indivíduos e gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões. Em formas inteiramente novas de sociabilidade, em que liberdade e necessidade se realizem mutuamente. Se o trabalho torna-se dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do tempo livre, do ócio, que o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo (ANTUNES, 2002, p.177). Portanto, as novas sociabilidades capazes de gerar novas relações sociais não se dão na esfera da reprodução, mas da produção. Uma vida cheia de sentido no tempo livre, na velhice, pressupõe uma trajetória de vida dotada de dignidade e sentido. Apostar na capacidade do indivíduo, através de atividades desinteressadas, do convívio grupal, da participação voluntária para reverter problemas estruturais – uma desvalorização social que atinge toda a classe trabalhadora convertida em objeto, em força produtiva material, que reproduz vidas sem sentidos, sem valor – é uma individualização exacerbada da vida social, uma psicologização que torna a velhice um dado controlável, um estado de espírito, e não uma condição biopsicossocial e histórico-social, que pode ser retardada, negada, refeita conforme a vontade, o estilo de vida de cada um, do seu compromisso com a qualidade de vida, de se envolver em atividades saudáveis, em se sentir útil e valorizado, em recriar papéis e sentido de vida, logo, uma responsabilidade individual, constantemente acionada pelos programas. Esses programas são também espaços de controle da consciência social, forjando uma consciência a-classista, supraclassista, através do incentivo a novas formas de 198 associativismo, e de agrupamentos em torno do lazer. As organizações recreativas e educativas são consideradas as formas mais originais de sociabilidade desenvolvidas pelo lazer, como destaca Dumazedier (2004, p.49): Essas associações de lazer (esportivas, turísticas, musicais e intelectuais) [...] não se formam devido à divisão das classes sociais, mas apesar delas; não se relacionam com o futuro, mas com o presente; tendem a desviar uma parte do potencial social do campo da produção e também das tensões suscitadas pelas relações sociais, orientando-as na direção de um universo, semi-real, semi-imaginário, onde o homem poderá subtrair-se de suas relações com a humanidade e docemente entregar-se a si próprio. Um individualismo exacerbado é a lógica desse tempo livre, uma evasão da vida, uma rejeição do cotidiano é a lógica desse associativismo, incapaz de libertar a vida das amarras da alienação. Essa nova sociabilidade implica uma nova consciência individualista e hedonista e a infantilização dos sujeitos sociais. A ação pelo “tempo livre”, por sua ocupação com atividades e relações saudáveis, dissocia-se da luta contra a lógica do capital e a vigência do trabalho abstrato. Todavia, os programas para a ‘terceira idade” buscam, através do lazer, as atitudes ativas, capazes de proporcionar um envelhecimento ativo, participativo, autônomo. Assim, as atividades de lazer desses programas não apenas enfatizam sua dimensão compensatória do trabalho, de evasão do cotidiano, mas também gerar espaços de aprendizagem e de reflexão. Como destaca Dumazedier (2004), a atitude ativa implica, ao menos periodicamente, uma participação consciente e voluntária na vida social e cultural, opondose ao isolamento e ao recolhimento social, à ‘anomia’, que são tomados como a problemática que atinge a velhice, genericamente, para a qual o lazer e a educação permanente são apontados como o modo mais eficiente e barato de enfrentamento. Essa atitude, para esse autor, opõe-se à submissão às práticas rotineiras, às imagens estereotipadas e às idéias preconcebidas de determinado meio social. Portanto, são dessas potencialidades do lazer que derivam, pelo menos na aparência, as iniciativas de reconstrução de imagem dos idosos, da luta contra os preconceitos, de resignificar a velhice. É com ela que se visa contrapor a desvalorização social dos trabalhadores idosos. O tempo de lazer define-se também como um tempo de aprendizagem, mesmo que desinteressada, sem obrigatoriedade e mecanismos formais de aferição. 199 O tempo de lazer, enquanto um tempo de fruição, torna-se também um tempo de aprendizagem, aquisição e integração, diversos sentimentos, conhecimentos, modelos e valores da cultura, no conjunto das atividades nas quais o indivíduo está enquadrado. O lazer poderá vir a ser uma ruptura, num duplo sentido: a cessação de atividades impostas pelas obrigações profissionais, familiares e sociais, e, ao mesmo tempo, o reexame das rotinas, estereótipos e idéias já prontas que concorrem para a repetição e especialização das obrigações cotidianas (DUMAZEDIER, 2004, p.265). Investindo nessas potencialidades do lazer, os programas definem-se com objetivos para além da valorização e do convívio para idosos, como também de “promoverem uma revisão profunda do papel social e da imagem do idoso, ajudando a criar condições de libertá-lo do preconceito e da marginalização” (SESC, 2003, p.26), como se esses preconceitos independessem das condições materiais de produção. É a partir dessa potencialidade de aprendizagem, aquisição e integração, através das atividades de lazer, que se ampliaram as atividades dos Centros de Convivência: Os primeiros grupos de convivência de idosos do SESC-SP caracterizaram-se fundamentalmente pelas atividades sociais, esportivas e recreativas, com uma programação que oferecia aos idosos uma série de oportunidades descontraídas para a socialização: jogos de salão, gincanas, animações musicais dançantes, bailes, passeios, trazendo como benefício à sensação de bem-estar físico e emocional, decorrentes dessas atividades; depois se incluíram atividades de aprendizagem, de informação, visando atualizá-lo e capacitá-lo para uma melhor integração social à sociedade, incluindo-se atividades como cursos e seminários sobre temas relacionados ao envelhecimento, palestras de orientação e atualização sobre previdência social, assuntos jurídicos, saúde, dentre outros. Sessão de cinema e teatro, oficinas de criação e atividades de expressão artísticas como formação de corais ou conjuntos musicais e a realização de exposições de arte (SESC, 2003, p.46). Essas atividades, aparentemente de livre escolha, mas cujo acesso depende da capacidade de pagamento pela participação nas atividades, são partes de um planejamento externo de ocupação do “tempo livre” pelo patronato, pela iniciativa privada que induz comportamentos e atitudes compatíveis não apenas com a dimensão de consumidores ativos, mas também com as formas de enfrentamento do crescimento do número de idosos que conta com sua participação, da família, da comunidade e das organizações nãogovernamentais, induzindo-os a buscar seu bem-estar nos serviços oferecidos por essas organizações sociais e pelo mercado. 200 Como destaca Emiliano (2005, p.1), de uma forma geral, o lazer é o ‘tempo livre’ da sociedade do trabalho abstrato e está maculado pela lógica do capital, como toda a vida humana e as necessidades sociais. O lazer é extensão, no ‘tempo livre’, da alienação do trabalho, a extensão do mando/obediência, da passividade e da renúncia a autoatividade. A hierarquia, o constrangimento, a submissão da vida ao planejamento de outros – próprios do trabalho assalariado – permanecem e se realizam no lazer (Idem). A submissão da vida ao planejamento externo permanece no “tempo livre” do trabalhador, no seu envelhecimento, agora sujeito a disciplinamento e controle, induzido a adotar estilos e hábitos de vida ditos saudáveis, comportamentos ativos, que transformam os problemas que enfrentam em negligência pessoal, em falta de motivação. E mediante difusão de uma cultura autopreservacionista do corpo, da saúde, dos riscos, através de atividades físicas, recreativas e de entretenimento, esses programas autoresponsabilizam esses idosos pela solução dos mesmos. O idoso está sob controle. O velho espartilho tem que ser encostado e novas receitas e que se impõem. Afinal, segundo a ideologia da velhice é preciso que o idoso lute contra depressão que o ócio pode provocar; é preciso que se imponha no seio da família; urge que garanta a sociabilidade necessária para manter os laços sociais; é necessário que se sinta útil; é preciso que se reeduque para o novo papel que deverá desempenhar (HADDAD, 1986, p.119). Sem dúvida, o idoso é transformado em sujeito de sua própria proteção, autoresponsabilizado por sua qualidade de vida. Uma expressão da cultura privacionista se sobressai nesses processos: aquela que remete os problemas sociais para o âmbito da responsabilidade individual, descaracterizando-os da sua dimensão pública e coletiva, parte de um processo mais amplo de privatização que inclui não apenas a iniciativa privada lucrativa como promotora de bem-estar, como também a iniciativa não-lucrativa, e o próprio indivíduo. Como destaca Haddad (1986), essas propostas não são apenas um complexo disciplinar para talhar o corpo, as ações, comportamentos e sentimentos dos idosos, conforme as receitas gerontológicas, fundamentadas numa matriz teórica conservadora, mas também uma tentativa de converter a velhice em mercadoria intercambiável, como explicitado nesta tese. Por isso, os sujeitos mobilizados por esses programas não são os trabalhadores, em especial, os mais pobres, mas, sobretudo, mulheres de classe média e alta que podem pagar pelos serviços, abrindo um mercado de consumo para as 201 universidades particulares, turismo, atividades físicas, previdência social privada, plano de saúde, etc. É para esse público que a estratégia de privatização tem melhor efeito, pois individualiza a demanda, condição para seu oferecimento no âmbito privado. Para isso é necessário restringir a ação estatal aos mais pobres, seguindo, porém, a mesma ideologia do lazer como forma de convivência, participação e ocupação do tempo livre dos idosos, da difusão de atitudes ativas, participativas e solidárias, posto que é preciso reduzir a demanda do Estado, incentivar práticas de cuidados que dependem dos indivíduos e contar com as ações voluntárias. b) “Escolas Abertas da Terceira Idade” – a Educação Permanente centrada no indivíduo como resposta à “problemática” do envelhecimento. O SESC também foi pioneiro na introdução do programa Escola Aberta da Terceira Idade, no Brasil, no final da década de 1970, fundamentado na proposta de ação social baseada nos modelos71 europeus e norte-americanos de Universidade Aberta para a Terceira Idade. Esse programa é considerado o embrião dos programas de Universidade para Terceira Idade que se expandem, no Brasil, na década de 1990, para quase todas as universidades públicas e privadas, com módulos ou cursos de extensão específicos para idosos ou em vagas abertas nos cursos regulares para este segmento. Esses programas visam oferecer amplas oportunidades de reciclagem e atualização cultural, orientações para uma vida saudável e diversas atividades socioeducativas e culturais. Com o objetivo de tirar os idosos do isolamento, uma das preocupações de Pierre Vellas - fundador da primeira universidade da terceira idade do mundo -, além de propiciar-lhes saúde, energia e interesse pela vida, buscam modificar a imagem dos idosos perante a sociedade, como destaca Salgado (1982a, p.114-115): [...] embora variando no que diz respeito a tempo de duração, local de realização, metodologia empregada, maior ou menor volume de informação, pode-se dizer que há, em todas elas, um conteúdo programático básico comum, determinado pelos interesses e necessidades comuns às pessoas idosas em qualquer parte do mundo. Esta base comum é composta de informações sobre: - aspectos biopsicossociais do envelhecimento; - preparação para aposentadoria; 71 Conforme Nunes (2001), nos anos 1970, técnicos do SESC São Paulo, ao retornarem de intercâmbio na Universidade de Toulouse (França), onde conheceram a experiência da Primeira Université du Troisième Age (UTA) fundada em 1973 por Pierre Vellas na cidade de Toulouse, fundaram a primeira Escola Aberta para a Terceira Idade, direcionada para um público de idosos mais qualificados em termos educacionais. 202 - atualização cultural. Atividades físicas como: ginástica, yoga ou natação, atividades manuais como jardinagem, bricolagem, oficina de brinquedos ou de criatividade, e também atividades artísticas com grupos corais, conjuntos musicais, curso de artes plásticas, constituem a complementação dos programas de Escolas Abertas. Pela sua proposta metodológica, de um modo geral, as Escolas Abertas desenvolvem, ainda passeios, excursões, festas de confraternização, apresentação artísticas e musicais, que ilustram e completam o conteúdo programático. A Universidade para a Terceira Idade – UNITI, que tem a PUC-Campinas como a pioneira72, no oferecimento de cursos de extensão com uma proposta pedagógica unificada e inovadora de ensino, articulado com a extensão e a pesquisa, com módulos especificamente para idosos, é uma proposta de Educação Permanente, realizada através de cursos, oficinas, palestras e seminários sobre temas importantes para atualização e reciclagem dos idosos. Semelhante as demais propostas de Escola Aberta, porém, a UNITI também oferece oportunidades de participação em atividades sociais, físicas e culturais. Fundada na década de 1990, a “Universidade da Terceira Idade”, conforme as definições de Sá (1991, p.11), coordenadora do programa, “corresponde a um curso de extensão universitária e de atualização cultural. Trata-se de uma atividade de natureza acadêmica e sócio-política voltada para um segmento específico da população local e regional – pessoas de meia idade e da terceira idade”. Nota-se que a expressão terceira idade é utilizada como a grade de leitura do envelhecimento moderno, como o caso francês, influência direta nesse modelo de programa social. Entre os objetivos da Universidade da Terceira Idade, da PUC-Campinas, essa autora destaca: 1- permitir a pessoa adulta e/ou idosas o acesso à universidade para, na perspectiva da educação continuada, participarem de atividades educativas, sócio-culturais, organizativas e de ação comunitária; 2- estimular a reinserção social dos idosos, especialmente dos aposentados e donas de casas, de modo a valorizar sua contribuição efetiva na comunidade local (Idem: p.21). 72 Embora já existisse no interior das universidades, ainda na década de 1980, propostas de pesquisas e extensão relacionadas ao envelhecimento, como a existências dos núcleos de pesquisa como o NETI – Núcleo de Estudos de Terceira Idade, na Universidade Federal de Santa Catarina, e o Nieati – Núcleo Integrado de Estudos e Apoio à Terceira Idade, na Universidade de Santa Maria (RS), que instituiu o projeto Aluno Especial II, proposta pioneira, que oferece vagas para alunos idosos em algumas disciplinas nos cursos regulares da universidade. A PUC-Campinas foi a primeira, na década de 1990, a oferecer uma proposta pedagógica de curso específico para idosos, semelhante às experiências francesas de Universidade para a Terceira Idade. 203 Assim, a UNITI constitui, como os demais programas para a “terceira idade”, de propostas de re-socialização e de reintegração social dos idosos, através do lazer e da educação permanente, fundados numa dimensão psicossocial do trabalho social, que visa ajustar o indivíduo à ordem, cujo fundamento é a atualização do idoso, de modo a integrálo à sociedade em transformação, a recriar papéis, funções sociais, ocupações, ou seja, adaptar-lo às novas exigências do mundo contemporâneo. Atualmente, as atividades da Universidade da Terceira Idade, da PUC-Campinas, estão organizadas em quatro módulos: 1- Educação para a saúde, que envolve cursos de orientação postural, prevenção de quedas, saúde natural, nutrição, gerontopsicomotricidade, sexualidade, dentre outros; 2- Arte e Cultura, com os cursos de dança de salão, biodança, oficinas de teatro, pintura, cinema etc.; 3- Conhecimentos Gerais e Língua Estrangeiras, com cursos sobre história da arte, cursos de informática, cursos de línguas, xadrez, visitas a parques, jardins, dentre outras; 4- Conhecimentos específicos sobre Terceira Idade, envolvendo cursos de reflexão, memória, psicologia, etc. Esses programas visam mais que promover atualização cultural, posto que há uma clara perspectiva no sentido de redimensionar a vida de seus participantes, de modo a construir uma experiência de velhice diferente da socialmente produzida, na qual a referência à “terceira idade” e aos valores que a expressão difunde são significativos desses objetivos. Como destaca Debert (1999, p.147), “apesar da diversidade de propostas, da diferença em termos de recursos disponíveis e da diferença no interior do público mobilizado, a tônica geral é rever os estereótipos e os preconceitos por meio dos quais se supõe que a velhice seja tratada na nossa sociedade”. Em função dessa luta contra os preconceitos e estereótipos, há, então, uma supervalorização dessa etapa da vida, que “leva a uma celebração do envelhecimento como um momento em que a realização pessoal, a satisfação e o prazer encontram seu auge e são vividos de maneira mais produtiva e profícua” (Idem, p.143-144). Essa luta encontra suas armas na informação, aprendizagem permanente, na atualização cultural, no desenvolvimento de uma vida saudável, nos cuidados com a saúde, nas práticas de rejuvenescimento que dependem unicamente do indivíduo e da sua motivação para apreender e adaptar-se às situações novas. Como ressalva Haddad (1986), a educação permanente aparece como a varinha de condão para a conquista de uma velhice feliz, nas experiências tanto do SESC, quanto das 204 universidades para a terceira idade. Veja-se a publicação do SESC nos anos 1980, nos cadernos da terceira idade, criados para divulgar trabalhos dos técnicos da instituição e dos programas. Um dos objetivos da Educação Permanente é o desenvolvimento pessoal do indivíduo. Ela lhe abrirá novos horizontes, dando-lhe condições para experimentar maior liberdade – interior e exterior – e para sentir e expressar sua personalidade de forma mais autônoma e mais autêntica. A pessoa em condições de se relacionar consigo mesmo, que se aceita como amiga, apesar de suas falhas e imperfeições, é também uma pessoa capaz de aceitar e respeitar os demais e de se relacionar significativamente com os outros e com o mundo [...] A aprendizagem pode ser estimulada externamente; mas é um processo que se origina na pessoa: aprender é descobrir, é apropriar-se de algo, é assimilar novos valores, idéias e convicções pessoais (CUNHA, 1980, p.78). De uma maneira geral, as noções de educação permanente, como a destacada acima, entendem a aprendizagem como um processo que depende da pessoa, o que remete ao indivíduo a responsabilidade de construir para si uma velhice positiva, como já destacado por Haddad (1986), em seus estudos, e destacada aqui como uma expressão da cultura privacionista no enfrentamento do envelhecimento do trabalhador, que autoresponsabiliza os idosos pelos problemas que enfrentam e por sua atenuação ou solução. Esse entendimento das funções da ação social é um modo predominantemente conservador de leitura e do trato das refrações da questão social, constantemente reatualizada e fortalecida pelas disciplinas científicas que orientam essas ações. Por isso, é uma leitura que não questiona as estruturas da sociedade burguesa, geradoras de desigualdades e desvalorizações sociais. É bem verdade que esses programas são uma ruptura com a aprendizagem continuada voltada para o mercado, na busca de qualificação profissional para manter-se ou buscar novos postos, funções e melhores salários. Tais programas apresentam uma proposta pedagógica diferente das tradicionais com pré-requisitos, testes, avaliações e outras aferições de aprendizagem, tendo como critério apenas a idade, além de desenvolverem um processo de aprendizagem que não visa apenas à transmissão de informações, mas à construção do conhecimento. Todavia, esses programas centram-se no indivíduo e na sua capacidade de mudança, de adaptação, tomado também na sua condição de “cidadão” e não de classe social. Investe-se também numa reforma intelectual e moral do homem, através da ação educativa promovida e incentivada pelas classes dominantes. 205 As funções de socialização e participação também são focalizadas nas experiências de educação permanente: O envelhecimento dos valores, das atitudes e dos comportamentos, conseqüência da não renovação adequada dos mesmos, provoca o retraimento da participação, a não solicitação a desempenhar papéis nas diversas atividades da comunidade. E, para a atualização permanente desses valores, atitudes e informações não existe outro meio que a Educação, concebida como um processo de socialização permanente através dos meios de comunicação, da participação nas atividades culturais, de lazer, na co-educação com outras idades e, até mesmo, na escola (PEREIRA, 1980, p.10). A ênfase no indivíduo, na capacidade de aprendizagem da “arte de saber envelhecer” ou de como não envelhecer, de mudar comportamentos, atitudes e sentimentos é reforçado pelas finalidades gerais desses programas, que, de acordo com Jordão Netto (2001, p.49), visam: - reordenamento da vida cotidiana do cidadão idoso; - regresso do cidadão idoso ao cotidiano, como indivíduo mais educado, capaz de lidar com as próprias emoções e com as situações de conflito; capaz de compreender o processo de envelhecimento sabendo ser velho com dignidade; capaz de enriquecer e ampliar a seu ‘ser social’, rompendo obstáculos a uma efetiva comunicação, ao relacionamento e à interação; capaz de engajar-se num trabalho criador ligado à arte, à ciência, à moral e à ação coletiva. Portanto, está claro que o problema é considerado do ponto de vista individual, psicológico, seja pelo envelhecimento dos valores, comportamentos e atitudes, seja pela incapacidade de lidar com os conflitos, com as transformações do envelhecimento e da sociedade. Logo, saber ser velho com dignidade depende da sua capacidade de aprendizagem, de inovação e de atualização. A problemática social do envelhecimento do trabalhador é encoberta, transmutada em um problema particular, do indivíduo, que isenta a sociedade burguesa na sua produção e reprodução. A educação permanente é a chave para uma velhice feliz, saudável, ativa capaz de reverter os problemas que afetam os idosos; de compensar uma vida inteira sem sentido e de oferecer os instrumentos contra os preconceitos pela mudança de atitude e de estilo de vida. “O saber passa a ter um sentido messiânico: através da ação conjunta dos ‘esclarecidos’, pretende anular a discriminação, a tragédia da velhice, contando com as trilhas da educação libertadora” (HADDAD, 1986, p.9). 206 O foco da “pedagogia da velhice” é o indivíduo, seu desenvolvimento pessoal, sua capacidade de reverter o quadro de desvalorização social e os preconceitos, como se lê a seguir: Em primeiro lugar, Educação Permanente não é educação de adultos; não é profissionalização intensiva; não é educação extra-escolar; não é reciclagem; não é ensino supletivo; não é busca de diplomas; não é educação de grupos marginalizados; não é educação popular, muito embora todas essas atividades mencionadas possam compor um programa de Educação Permanente. Eu citaria duas afirmações: uma delas, que foi proposta num seminário sobre Educação Permanente realizado em 1970, em Buenos Aires, diz que Educação Permanente é o aperfeiçoamento integral e sem solução de continuidade da pessoa humana, desde o nascimento até a morte. Uma outra, de Pierre Furter, diz que Educação Permanente é uma dialética da Educação, como um duplo processo de aprofundamento tanto da experiência pessoal quanto da vida social global, que se traduz pela vida ativa, efetiva e responsável de cada sujeito envolvido, qualquer que seja a etapa da existência [...] Vemos, portanto, a Educação Permanente como três etapas de um processo: a primeira, enquanto processo de desenvolvimento individual; a segunda, enquanto princípio de um sistema de educação global; e, finalmente, enquanto estratégia de desenvolvimento integral, tanto dos indivíduos quanto da sociedade. Logo, um conjunto de tarefas para o cumprimento dessas etapas, a fim de que aqueles objetivos voltados para o desenvolvimento individual e social possam ser atingidos. (WASHIGTON, 1980, p.15). Apesar dessa perspectiva focalizar objetivos gerais, como a educação global, todavia, centra-se no indivíduo, no seu desenvolvimento pessoal, no espaço escolar, como propulsor de crescimento pessoal e indicador de qualidade de vida. Como destaca Stano (2001), o principal indicador dessa qualidade de vida de velhos (as) está no compromisso assumido, em relação ao seu próprio viver. O espaço escolar, desta forma, pode ser criado, também, para representar: [...] em parte o desejo de pessoas que enfrentam problemas similares de assumirem a responsabilidade por seu corpo, mente e comportamento e ajudarem outras pessoas a fazerem o mesmo (FERGUSO, 1993 apud STANO, 2001, p.163). Quando essa autora remete a função escolar para a própria qualidade de vida, ela refere-se ao comprometimento individual com a vida, a saúde, o cuidado com as relações que se travam no seu dia-a-dia, portanto, a responsabilidade individual com a qualidade de vida é o efeito direto desses programas, desconsiderando as condições materiais de vida como condição primordial para sua efetivação prática. 207 A capacidade messiânica do conhecimento é ressaltada como se ele fosse suficiente para dar um novo sentido à vida, e redefinir projetos de vida. Assim, destaca Stano (2001, p.160): “o conhecimento construído num projeto educacional para a terceira idade, é um saber que extirpa o medo, torna emergente o desafio de um projeto de vida”. Essa perspectiva é mais que utópica, romântica, existencialista. Ela permanece alheia à exploração a que o indivíduo foi submetido durante toda a sua trajetória de vida, à reprodução das desigualdades sociais no envelhecimento, à expansão do capital para o “tempo livre”, centrando-se num reformismo humanista da ação educativa, como destaca Brandão (1984, p.65): [...] alheios à questão da reprodução da desigualdade no interior do sistema capitalista, e também ao papel que historicamente a educação cumpriu aí, projetos de educação permanente não somente utopizam a possibilidade de toda a vida social reorientar-se enquanto um trabalho educativo permanente humanizador, como também imaginava a possibilidade de universalização de um novo homem, de uma nova cultura e de um mundo novo através do poder humanizador de uma educação que envolvesse a todos, todo o tempo. Estamos de volta aos tempos de ouro do ‘otimismo pedagógico’ [...]. Esse “otimismo pedagógico”, em relação à pedagogia da velhice (como aprender a envelhecer), encerra a possibilidade de mudança na condição social do idoso, tomado na sua imediaticidade e generalidade que camufla os processos determinantes, através da educação centrada no indivíduo, na sua capacidade de gerar novos valores, comportamentos e atitudes. Esse otimismo tem como contraponto a individualização ou a psicologização no trato dos problemas sociais, um reformismo capaz de gerar tanto um “novo homem”, adaptado aos novos tempos, quanto uma cultura de valorização (ou pseudovalorização) das pessoas idosas, deixando imune o sistema, como se a desvalorização não dependesse do modo de produção e reprodução social, sob a lógica do capital. Esse tipo de trabalho social não é novo, já amplamente utilizado com populações ditas marginalizadas e pobres, apesar de o ser para a população idosa que se expande, nas últimas décadas, em todo o mundo, dada à sua funcionalidade ao “novo” trato da questão social na nova ordem mundial, sendo reatualizadas pelo retorno do ideário liberal do livre mercado também nas intervenções sociais. 208 O ideal de velhice saudável, produtiva, participativa e autônoma, difundido por esses programas, tem como contraponto um processo de autoresponsabilização do indivíduo pela atenuação de seus problemas, reforçado pelas pesquisas ditas “científicas”. As pesquisas gerontológicas, que difundem o “envelhecimento saudável” e a “arte de saber envelhecer”, reforçam essa responsabilidade individual: Além de fatores como genética e ambientais favoráveis, hábitos saudáveis são também determinantes (de um envelhecimento saudável) [...] O ‘investimento’ deve ser também pessoal. Diante dessas novas informações há muita gente disposta a reinventar o modo de vida em nome do presente e do futuro. [...] é importante não fumar, comer bem e se exercitar, mas fatores emocionais, boas relações familiares, acesso à informação, enfim, um bom ambiente também faz parte da equação (PRATES, 2004, p.19). Ou ainda na perspectiva de Lima (2001, p.19): É provado que as pessoas têm grande responsabilidade pela sua velhice, dependendo da maneira como estimulam e cuidam do seu cérebro, apesar de não estarem ainda atentos e alertas a tal situação por desconhecimento dessas novas informações. A ênfase dada pelos programas e pelos profissionais na cultura autopreservacionista resume a questão à equação “um envelhecimento saudável depende de você”. As condições materiais de vida que geram velhices desiguais, desvalorizadas, pobres, desamparadas, doentias, precoces, pelo caráter intensivo e extensivo da exploração do trabalho, não são destacadas. Aliás, os condicionamentos sociais, principalmente renda, saúde, trabalho, ainda necessário à sobrevivência de vários segmentos de trabalhadores idosos, não aparecem como obstáculo a essas propostas de “socialização libertadora”. Apesar de esses programas partirem de um perfil de idosos que reforça a necessidade das políticas sociais, como justificativa para a implantação desses programas, como, por exemplo, o da PUC de Campinas, semelhante ao perfil dos trabalhadores, já que não é para todos os idosos que velhice significa retirada do mundo produtivo, político, comunitário, familiar, artístico, recolhimento ao mundo privado, isolamento, situação que reflete as contradições estruturais profundas da sociedade industrial. Assim, esse programa apresenta um perfil de: [...] idoso discriminado, inativo, vivendo em condições precárias e em situação de perda: - perda do papel profissional que desempenhava antes da aposentadoria, perda do status, do prestígio e das relações funcionais decorrentes do trabalho, perda do “valor mercantil” no processo de reprodução da força de trabalho. Conseqüentemente, temos um idoso em 209 crise: - crise de identidade, que o leva na maioria das vezes, à retração, à volta de si mesmo, à síndrome de pós-aposentadoria caracterizada pelo isolamento, pela solidão, desinteresse pela vida, alcoolismo, divórcio, decrepitude, senilidade, morte social e física (SÁ, 1991, p.19). Esses programas não têm conseguido mobilizar esses idosos, antes, ao contrário, o perfil do público mobilizado está muito distante do idoso em condições de vida precárias, em crise, solitário, dentre outros atributos imediatos da problemática do envelhecimento dos trabalhadores. Com base nas sistematizações dos dois primeiros semestres do curso, na PUC de Campinas, detectou-se que 80% eram mulheres e 20% homens, sendo que 28% tinham entre 55 e 65 anos, maior concentração. Em relação à escolaridade, 23% tinha primário completo; 20% o segundo grau e 10% curso superior completo. Quase 50% dos alunos encontra-se na faixa salarial de menos de um salário mínimo (apenas 9%) a 5 salário mínimo. É também expressivo o número dos que recebem de 5 a 19 salários mínimos, que corresponde a 43%. Os aposentados totalizam 43%. O número de donas de casa é 42%, e apenas 10% do montante total continua a trabalhar. 70% dos homens são casados, contra 46% das mulheres, sendo viúvas 29%. Dessa totalidade 76% moram com a família e 24% sozinhos. Outros estudos em universidades públicas, como os realizados por Vera e Camargo Jr (1995), na UNATI-UERJ, confirmam esses dados. 80% têm menos de 65 anos e quase todos menos de 70 anos; mais de 80% são mulheres, sendo 44% delas viúvas; mais da metade dos alunos tem segundo grau ou curso superior, e 20% concluíram o primeiro grau; 50% moram em bairros próximos a UERJ, que têm renda média elevada em termos do município. Mesmos os programas mais populares, como os Centros de Convivência, anteriormente desenvolvidos pela hoje extinta Legião Brasileira de Assistência Social – LBA, conforme os estudos de Prata (1990), realizados em 1988, mostraram que a LBA, em São Paulo, contava com 31 unidades que mobilizavam cerca de 7.055 pessoas, que, na sua maioria, possuía renda entre três e cinco salários mínimos, deixando claro que esses grupos não têm penetração entre a população mais pobre que, em princípio, deveria ser seu público-alvo. Considerando as condições de vida dos idosos no Brasil, onde a maioria (69,4%) vive com renda de até dois salários mínimos, de dois a cinco salários é o que recebe 19,4%, 210 e 11,2% tem renda acima de cinco salários mínimos (cf PRADA, 2002). Conclui-se que esses programas não conseguem mobilizar os idosos de baixa renda, principalmente aqueles que vivem abaixo da linha de pobreza, na qual quase 50% ainda trabalham, mesmo que no mercado informal, de subsistência. Portanto, é nos grupos de classe média e alta, na sua maioria, com renda, saúde e disposição para refazer projetos de vida em torno do lazer, da educação, de novos valores, que se constitui o público desses programas, os consumidores das “receitas gerontológicas e geriátricas” de qualidade de vida na velhice, e da terapêutica que difundem, nos programas sociais, a “arte de aprender a ser velho”, que não apenas negam o envelhecimento, como subjetivam a velhice de modo a controlar seus efeitos, a vivê-la conforme um estilo de vida ativo, participativo, produtivo, como é difundido pelo discurso da “terceira idade” o qual superestima essa fase da vida, apagando determinantes estruturais e biológicos, bem como a própria problemática social do envelhecimento do trabalhador. Esses programas promovem e constituem parte de uma cultura privacionista no enfrentamento dessas refrações da questão social, tanto ao individualizar seu trato, quanto ao responsabilizar os indivíduos pelo seu estado de precariedade, traço característico e histórico dos mecanismos de intervenção social, reatualizado constantemente, e ao reportálo para as ações da sociedade civil, viabilizando seu retorno ao mundo privado. Nessa perspectiva, como estratégia geral de mercantilização e de filantropização dos serviços sociais, tais programas dirigem-se, no primeiro caso, aos grupos sociais de maior poder aquisitivo, anteriormente, beneficiados pelas parcas políticas públicas, mas que, agora, são alvo do mercado, como espaço de reprodução do capital; no segundo caso, devem funcionar mediante parceria de organizações não-estatais com a atenção estatal focalizada nos mais pobres, campo legítimo de atuação do Estado, para o ideário liberal. A superestimação dessa fase da vida e a construção de imagens positivas do envelhecimento não têm como referência, como destaca Debert (1999, p.155), “a idéia dos velhos como detentores de sabedoria e experiência. É, antes, a disponibilidade para o aprendizado e para novas experiências que dá uma identidade aos estudantes e uma particularidade ao envelhecimento de cada um”. Disso decorre que não há uma tolerância maior com o corpo envelhecido, antes, ao contrário, é preciso discipliná-lo, adestrá-lo, submetê-lo a dietas, controlar os efeitos do envelhecimento. 211 Debert (1999) apontava que, em nome do resgate da dignidade do idoso, de reduzir os problemas de solidão, quebrar os preconceitos que os indivíduos tendem a internalizar, os programas são espaços coletivos de negação73 da velhice, através da transformação das etapas mais avançadas da vida em momentos adequados à conquista do prazer, da realização pessoal, da liberdade, do aprendizado de novos conhecimentos e à aquisição de novas experiências. Logo, não há uma problemática do envelhecimento, nem necessidade de políticas públicas para seu enfrentamento, exceto as de combate à pobreza. Além de espaços de negação do envelhecimento, as iniciativas de programas para idosos são propostas de reordenamento do “tempo livre” dos idosos, submetidos a planejamento externo, dos outros, extensão da alienação e do controle opressivo do capital sobre o tempo de vida dos trabalhadores, que difundem comportamentos, valores, visões de mundo compatíveis com as mudanças na produção e na reprodução social, sob a lógica do capital, principalmente, nas suas necessidades de reprodução ampliada. De uma maneira geral, esses programas são contraditórios, assim como as imagens da velhice que difundem, principalmente aquelas associadas à velhice produtiva e ativa, pois, se por um lado, estimulam a auto-estima e a capacidade das pessoas idosas, por outro lado, criam uma certa responsabilidade e obrigação de idosos buscar sua sobrevivência e bem-estar independente dos recursos públicos. Por isso, essas iniciativas se constituem em uma estratégia mais eficiente de enfrentamento dos problemas sociais do envelhecimento, pois não apenas legitima como também cria espaços para a iniciativa privada, difunde uma cultural individualista na busca de atenuação ou solução desses problemas no mercado, na família, na comunidade, nas organizações não-governamentais, descaracterizando-os como direitos, amenizam, assim, os conflitos gerados pelo crescimento das demandas, em função do crescimento do número de idosos, e a redução das ações estatais nos espaços de reprodução do trabalhador. Além do envelhecimento ativo autoresponsabilizar o indivíduo por seu estado, ele diminui as demandas por serviços públicos, reduzindo doenças físicas e mentais, asilamento, internamento, etc., nessa perspectiva destaca Lima (1999, p.175): A tendência a transferir a responsabilidade de atender à velhice para entidades e programas de caráter sociocultural não-estatal e enfatizar uma 73 Como destaca Debert (1999, p.159), “o interesse dos programas para seus participantes está na possibilidade que oferecem de se vivenciar, em grupo, essa experiência de recodificação do envelhecimento. Nelas não há espaço para qualquer tipo de emoção que possa ser identificada com a velhice; não há lugar para sentimentos – quer de superioridade, quer de inferioridade – que possam ser identificados com a expressão do avanço da idade”. 212 política de profilaxia dos efeitos não desejados do envelhecimento, ou exatamente aqueles que demandam mais atenção por parte das políticas públicas [...]. As políticas tendem a redistribuir a responsabilidade também para os idosos, elegendo ações, cuja participação é decisão do próprio indivíduo. Esta tendência pode (tanto) ser lida de dois modos: primeiro, como avanço em direção a propostas mais efetivas, que visam evitar que problemas ocorram, ao invés de cuidar deles, o que realmente é mais custoso e complexo. Segundo, como uma forma de legitimar a ‘negligência’ do Estado em relação aos idosos, que não dispõem de condições autônomas de vida, responsabilizando-os por sua própria condição. Na verdade, essas duas condições são partes de uma só: investir na velhice ativa é enfatizar programas de baixo-custo, sociocultural e educativos a serem desenvolvidos por organizações não-governamentais e governamentais, diminuindo, assim, a demanda do Estado por serviços de alta complexidade e, ao mesmo tempo, por difundirem uma cultura autopreservacionista, promovem a responsabilidade individual na solução dos problemas legitimando a negligência do Estado, a divisão de responsabilidades no trato das refrações da questão social, a individualização de todas as demandas que são repassadas para o mercado. Assim, se, por um lado, historicamente a política social foi resposta às necessidades imediatas dos trabalhadores, por outro lado, foi instrumento utilizado para fragmentar a classe trabalhadora, “anular” sua voz, mascarar os conflitos de classe e silenciá-los, usada como mecanismos de inserção controlada, regulada, rebaixada a mínimos sociais garantidos pelo Estado. Todavia, tal política social foi também, um espaço conquistado na estrutura do Estado, pela classe trabalhadora, para sua reprodução social, através de políticas públicas, com recursos públicos, para problemas gerados pela ordem do capital, que descaracterizou as noções de problemas individuais, pessoais, de caráter. Na atual correlação de forças, a ofensiva do capital tenta desconstruir essas conquistas, apresentando o caminho que considera legítimo de promoção do bem-estar, aquele que conta com a participação das organizações privadas, que deslegitima o campo dos direitos e políticas universais, remetendo-as para o âmbito da ajuda solidária, “cidadã”, de empresas e organizações. Nesses espaços, as refrações da questão social são tratadas a partir de uma ação moralizadora, sob a denominação de trabalho social educativo, cujo efeito mais preeminente é a despolitização da questão social, sua fragmentação em situação-problemas, também atendidas de modo fragmentado, desarticuladas de seu fundamento comum, das lutas de classes. Uma forma de trato individualizada, cujo efeitos 213 são a autoresponsabilizando os indivíduos pela solução de seus problemas, a culpabilização desses por seu estado de precariedade. Os programas sociais para idosos, socioculturais ou de educação permanente, de iniciativa pública ou privada, constituem espaços contraditórios, que, sob a intenção explícita de gerarem espaços de sociabilidade, convívio, participação e ocupação do tempo livre dos idosos, difundem mecanismos de controle sobre o tempo de vida do trabalhador, estendendo-o para além do tempo de trabalho, para incluir o tempo da aposentadoria, do envelhecimento; redefinindo como tempo de lazer, de prazer, o seu tempo livre, um tempo de consumo de bens e serviços (materiais e simbólicos) para os quais necessitaram de uma revolução cultural que a cultura “pós-moderna” se encarregou de efetivar, capaz de difundir novos comportamentos, atitudes, sentimentos, formas de pensar e viver essa etapa da vida e de criar uma nova consciência social a-classista, fundada em valores de solidariedade, cooperação, em associativismos de base individualista e hedonista do lazer e da qualidade de vida. Os programas de re-socialização e integração, além de segregacionistas, são elitistas, embora adotados como modelo de política social dirigida aos idosos das classes populares, à medida que sua problemática social é generalizada e suas necessidades, homogeneizadas. Esses programas são também difusores de uma cultura autopreservacionista do corpo, da saúde, do controle dos efeitos do envelhecimento, que, embora tenham melhor efeito nos grupos de classe média, que são os participantes em massa desses programas, porque podem pagar por eles e adotar o estilo de vida projetado. Tais programas também se dirigem às classes populares, e, de maneira geral, também autoresponsabilizam seus idosos, assim como as suas famílias e a comunidade pela solução desses problemas. Esses programas, ao serem difundidos pela iniciativa privada, são mais que estratégias românticas e utópicas de um capitalismo humanizado, de uma educação libertadora, de um lazer que visa o desenvolvimento da personalidade; são estratégias que engendram associativismos e consciência social a-classistas, de solidariedade entre capital e trabalho, de trabalhos voluntários, comunitários, que legitimam “novas” formas de trato das refrações da questão social, no campo da ajuda, e não do Estado e dos direitos, mantendo, num âmbito inquestionável, o fundamento das desigualdades sociais, a sociedade do trabalho abstrato, aviltante, alienado, e assalariado. 214 Esses programas representam um movimento contraditório, são expressões do reconhecimento da “problemática do envelhecimento”, que justifica sua criação – apesar de focalizarem somente os efeitos e nunca a causalidade e as suas determinantes -, mas, ao mesmo tempo, negam-na, transladando-a para o âmbito privado, não apenas como objeto de filantropia, benemerência, de ação de ONGs, mas também como autoresponsabilização dos indivíduos pelas formas de enfrentamento. Esse processo representa uma “privatização” da questão social, e, no caso específico, deste estudo, do envelhecimento, expressa na responsabilidade individual com a qualidade de vida, com o envelhecimento saudável, participativo, autônomo e produtivo, desconsiderando as desiguais condições de vida, a divisão das necessidades pela divisão social do trabalho, reproduzidas no envelhecimento do trabalhador. Os programas para a “terceira idade”, de iniciativas filantrópicas, pela difusão e influência que desempenharam junto a instituições públicas e privadas, no trabalho social com idosos não-institucionalizados, e por expressarem, com suas iniciativas, a efetivação de uma nova modalidade de prestação de serviços sociais pela iniciativa privada, mas dita com finalidade “pública”, são embriões de um novo formato de política social, que ganha ampla legitimidade e incentivos nas últimas décadas, no contexto de Reforma do Estado brasileiro, a partir de 1990, com a regulamentação e disciplinamento de repasse de recursos públicos e responsabilidades para grupos diversificados da sociedade, como as tradicionais instituições filantrópicas, as modernas fundações empresariais, as ONGs, dentre outras, criando um substantivo marco legal e uma nova cultura de fazer política social. No Brasil, além da tradição da forma de modalidade de prestação de serviços, a qual envolve o setor privado (mercantil ou não-mercantil), com nuances diferenciadas em cada política social dada às possibilidades de individualizar, ou não, as demandas, ou revertê-las em ajuda solidária, alia-se às medidas institucionais, legais, estatais, que institucionalizam essa participação da sociedade civil, ganhando novas dimensões nas várias fases da política, e novos discursos e modos de operar. O elemento clássico dessa retomada da sociedade civil como instância de proteção social, o trabalho voluntário, fundado nos pilares da solidariedade direta e indiferenciada, está presente na cultura brasileira há quase 500 anos, realizadas ou pelas ações da Igreja Católica, ou pelas instituições leigas. No governo militar, passou-se a destinar verbas proporcionalmente maiores para financiar organizações privadas na execução da política, 215 como construção de escolas, hospitais, etc. Todavia, a nova versão dessas interações e complementaridades entre sistema público e privado de proteção social, seja o mercantil ou as modalidades não-mercantis do chamado ideologicamente de “terceiro setor”, teve um grande impulso nas últimas décadas, reatualizadas pelo ideário liberal, como ortodoxia econômica e da vida social. É na década de 1990 que não apenas proliferam essas iniciativas da sociedade civil, mas também penetram no aparelho de Estado, ganhando legitimidade e legalidade, como a criação do programa “Comunidade Solidária”, cujo objetivo era desenvolver um novo modelo de voluntariado, baseado na parceria Estado/Sociedade, para enfrentar a pobreza. Na mesma década, foram ainda publicadas as leis: Lei nº. 9.608, conhecida como lei do voluntariado, e a Lei nº 9.790, qualificando as organizações da sociedade civil de direito público e disciplinando um termo de parceria. Outro momento decisivo na institucionalização de uma nova cultura de fazer política social foi instituído pela Reforma Administrativa do Estado Brasileiro, elaborada e aprovada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de adotar uma administração gerencial contrária à administração burocrática, que, dentre as medidas para efetivá-la, se destacam aquelas em que o interesse público não pode ser confundido com o interesse do próprio Estado, como ocorre com a administração burocrática e centralizadora tomada como uma ampliação da esfera pública que se expande para a sociedade civil, cujas ações são de interesse público. Isso tem significado, na verdade, a volta dos serviços sociais para a dimensão privada, lucrativa ou não-mercantil, um ataque aos direitos sociais, garantidos pelos fundos públicos e executados pela burocracia estatal, e um reforço a refilantropização da questão social. Essas mudanças legais e institucionais públicas vão redesenhar a política social, dando-lhe duas características centrais: a descentralização e a racionalização dos serviços públicos, que têm significado redução de gastos públicos federais e de desresponsabilização do governo central com o repasse de responsabilidades para as coletividades locais; e a “publicização”, que pretende significar “transformação dos serviços não-exclusivos de Estado em propriedade pública não-estatal e sua declaração como organização social” (BRESSER PEREIRA, 1998, p.246). As ações na qual se insere a sociedade civil, mediante suas organizações, nas tarefas de serviços públicos, concebidas pelos reformistas como a via de modernização do desempenho das ações públicas, no intuito de diminuir as demandas do Estado, têm 216 significado um retrocesso, o retorno para as formas de enfrentamento da questão social, através de ações benemerentes, filantrópicas, ou das formas mais modernas de empresa cidadã, organizações não-governamentais, dentre outras. A nova face da proteção social privada não-mercantil assume dimensões ideológicas de espaço público, de organizações progressistas, de representantes do interesse geral e mascara a restrição da ação do Estado na reprodução do conjunto da classe trabalhadora. Constituindo parte desse processo que institui um novo desenho de política social, as iniciativas da sociedade civil de proteção social aos idosos, analisadas nesta seção, introduzem uma nova dimensão de cuidados institucionais, difundem novos valores associados ao envelhecimento moderno, através da expressão “terceira idade”, e aos comportamentos considerados legítimos, dentre outras inovações, e reforçam a ação direta da sociedade civil na proteção social. Essas iniciativas penetram no aparelho de Estado como modelo de proteção e como modalidade de prestação de serviços sociais, sendo legalizados, institucionalizados pela ação pública estatal, mediante legislação que institui a PNI e o Estatuto do Idoso, compondo um desenho de política social que é corolário das formas atuais de enfrentamento da questão social, reatualizando a cultura privacionista nesse enfrentamento, que se expressa no individualismo das modalidades de intervenção social, como também na sua assunção para a sociedade civil nas diversas modalidades de participação que essas leis instituem. 4.2 A Política Nacional do Idoso: a legitimação de um “novo” desenho de política social. A Política Nacional do Idoso (PNI) passou não apenas a regular as diversas iniciativas privadas e públicas de ações de proteção ao idoso, criando princípios e diretrizes para uniformizá-las, mas também a legalizar formalmente e incentivar essas instituições privadas como executoras da política, instituindo um “novo” e, ao mesmo tempo, um “velho” metier de fazer política social no Brasil, marcados por continuísmos históricos nas formas de proteção social, que as lutas por democratização e a Constituição Federal de 1988 não foram capazes de romper e de mudar, sob a retórica da participação da sociedade civil nas decisões, gestão, execução e fiscalização das políticas, expressas nos princípios de descentralização e participação social. 217 Na conformação desse “novo” padrão de respostas às refrações da questão social, destaca-se a setorialização das políticas sociais e a focalização, como são exemplares as políticas de renda mínima e a política para idosos, cujo critério de “inserção” não é mais o trabalho, mas as chamadas populações “excluídas”. A setorialização da política é parte das lutas sociais por proteção social para grupos não cobertos em algumas necessidades, mas das históricas estratégias de classe na pulverização da questão social em situações-problema específicos (bem como na individualização do seu trato) e de mascaramento da relação capital/trabalho no seu fundamento comum, ou no seu agravamento e agudização. Essas estratégias se reatualizam, em decorrência da alteração na correlação de forças, em função da ofensiva econômica e política-ideológica do capital. Nessa perspectiva, a setorialização da política e a delimitação dos grupos de destino da proteção social por critérios etários, gênero, raça, renda, dentre outros, são, ao mesmo tempo, ampliação dos grupos cobertos, como também de critérios que mascaram a origem de classe, as desigualdades na construção dos problemas sociais. A PNI toma o idoso como grupo etário, homogêneo, e mascara não apenas a desigualdades sociais, mas também a tragédia do envelhecimento para os trabalhadores. Embora a política deva ser universal, a centralidade das atenções deve ser para os trabalhadores, dada a vulnerabilidade social dessa classe, principalmente quando envelhece, devendo, a partir daí, universalizar-se para atingir os diversos grupos e frações dessa classe e outros grupos intermediários, já que não é para todos que o envelhecimento significa um problema social. Além dessa homogeneização, a PNI consolida as modalidades de prestação de serviços sociais que envolvem as instituições privadas, nas várias áreas de proteção social, legitimando um modelo que emerge da sociedade civil, as formas alternativas de participação social, convívio, ocupação dos idosos, em especial, aquelas alternativas dirigidas aos idosos não-institucionalizados, chamados de “terceira idade”, para os quais se atribui as novas necessidades sociais de lazer, educação, cultura, além das tradicionais de assistência, previdência e saúde. A PNI é uma legislação moderna que reforça a característica brasileira de legislações complexas, ricas de proteção social, entretanto, com nítido caráter formal, legalista que não se expressa em ações efetivas de proteção. Essa Lei se enquadra como 218 nenhuma outra, nas novas diretrizes (internacionais) da política social, aquela que não prioriza o Estado como garantidor desses direitos, mas como normatizador, regulador, cofinanciador, dividindo as responsabilidades da proteção social com a sociedade civil, através de ações desenvolvidas por ONGs, comunidade, família ou entes municipais. A resultante dessa configuração são programas pontuais, com metas restritas, comparado ao crescimento do número de idosos, embora típicos da forma de execução via sociedade civil. Os programas de maior cobertura, capazes de retirar os idoso da indigência, são, sem dúvidas, aqueles que contam com recursos federais na sua integralidade, numa lógica de universalização, apesar de ela não se efetivar nem entre os mais pobres dentre os pobres. Resultante do processo de mobilização das organizações em prol dos idosos - de onde nasceram as propostas de trabalho social com idosos, e os programas sociais de inspiração norte-americana e francesa - e das iniciativas do Estado, a PNI tem, no seu primeiro artigo, a definição de seus objetivos: “assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”(BRASIL, 2000, p.05), como defendido pelo movimento internacionalista da Gerontologia. Apesar de garantir formalmente direitos sociais, os princípios e diretrizes da Lei distribuem as responsabilidades na garantia desses direitos. Todavia, cabe ao Estado, por gerir fundos públicos, colocando-se como esfera pública por excelência, garantir tais direitos prioritariamente, pois repassar responsabilidades para a sociedade civil é uma negação do direito e tem significado o retorno do mercado na provisão do bem-estar ou da filantropia moderna para os pobres, e um reforço ao âmbito da ajuda voluntária, da solidariedade, nas ações sociais, que, em si, não podem garantir direitos, pois não se movem por princípios de universalidade, considerando-se seu âmbito restrito de ação (e de financiamento), sendo geralmente respostas pontuais, locais e precárias. A Lei reafirma os princípios instituídos pela Constituição Federal de 1988, da descentralização e da participação popular, todavia, redefine a direção e o sentido dessa participação social. Conforme Nogueira (1997), a Constituição Federal desempenhou importante papel na legitimação do princípio da descentralização, instituindo um novo tipo de arranjo federativo com transferência de decisões, funções e recursos do Executivo Federal para os estados e municípios, como também a ‘descentralização participativa’ para a gestão da 219 nova área da seguridade social (saúde, previdência e assistência social). “Com isso, a descentralização que se vinha afirmando desde a final dos anos 1990, adquiriu características particulares: não se trata mais de uma descentralização meramente técnica, fiscal ou administrativa, mas, de uma descentralização que também se quer de natureza política, já que se pretende colada à participação da sociedade, no sentido de maior controle das ações e decisões governamentais” (p. 8). As Leis posteriores reafirmam essa definição de participação, de parceria e de colaboracionismo, principalmente, aquelas que alteram esse modelo, a participação da sociedade civil na execução da política, como instâncias de proteção social, com ou sem recursos do Estado. A descentralização que se tenta hoje implementar, como aquela materializada na PNI e no Estatuto do Idoso, busca transferir encargos e, ao mesmo tempo, coresponsabilizar a sociedade civil na gestão social de políticas sociais, redefinindo as estratégias de controle social, em colaboracionismo, em novas formas de legitimação do Estado e das ações e iniciativas de proteção social da sociedade civil. A descentralização como divisão de responsabilidades sociais no trato da “problemática social” do envelhecimento com a sociedade civil é constante na letra da Lei que institui a PNI e instrumentos para implementá-la. Nessa perspectiva, o primeiro princípio que orienta a lei define: “I - a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos de cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida”; o segundo também expressa essa responsabilidade social, logo da sociedade para com os idosos: “II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos” (BRASIL, 2000, p.6-7). Assim, torna-se visível a participação da sociedade civil como espaço de efetivação de serviços e proteção social ao idoso, em especial, a modalidade não-mercantil, como a família74, que se ancora no processo que Bermúdez (2001 apud MIOTO; LIMA, 2005, p.6), denomina de ‘neofamiliarismo’, que é definido pela autora como sendo: 74 A família desde a antiguidade era considerada pelos gregos como espaço por excelência do privado, por restringir-se à vida econômica, à necessidade, à sobrevivência, por isso não era assunto político. Nas sociedades capitalistas a família perde as funções de produção e reprodução social, mas continua como espaço da intimidade, do privado, enquanto a economia, o intercâmbio de mercadorias, o trabalho social se tornam cada vez mais “públicos”, no sentido de visibilidade pública, de objeto de regulação, expressão de 220 [...] tendência ideológica atual de transformar a unidade familiar, em solução para a racionalidade do modelo global, reprivatizando atividades tornadas públicas no passado, e trazendo a unidade doméstica – privada por definição – de volta a sociedade em geral. O papel dos apoios informais (das redes familiares e comunitárias) é reconhecido e incentivado cada vez mais no âmbito das políticas públicas, numa conjuntura de avanço da ideologia neoliberal, de redução das atividades do Estado na reprodução social do trabalho, instaurando um novo desenho nas políticas sociais, não apenas nas agendas públicas nacionais, mas também na internacional, e defendida pelas agências multilaterais diversas, como o único caminho possível, nessa conjuntura adversa. Entretanto, a valorização das redes de solidariedade familiares e comunitárias é pura retórica, à medida que tem significado deixar a família à sua própria sorte, obrigandoa a buscar os serviços no mercado ou perecer na pobreza, para os incapazes de pagar pelos serviços. Como destaca Mioto e Lima (2005), parece ser cada vez mais distante a possibilidade de ter na família essa fonte de recursos disponíveis para responder as dificuldades sociais vividas por grande parte da população, principalmente, das famílias empobrecidas, agravadas com o desemprego, com a precarização do trabalho, dentre outras. Todavia, a valorização dessas redes faz parte da retórica neoliberal, do retorno ao âmbito privado da satisfação de necessidades reprodutivas da força de trabalho, de modo a reduzir a demanda do Estado, os custos tributários, e a gerar espaços de reprodução do capital nesses espaços, até então não-mercantilizados, como saúde, educação, previdência, dentre outros, restringindo a ação do Estado aos mais pobres, a políticas compensatórias da pobreza. As diretrizes da PNI priorizam o atendimento do idoso na própria família, que, se, por um lado, são mecanismos de desinternação, desasilamento dos idosos, por outro lado, responsabilizam as famílias com a proteção e cuidados com os seus idosos, além das chamadas organizações sociais não-governamentais, e restringem a atuação do Estado a casos extremos de pobreza e abandono, sem investimentos de porte na política asilar ou de formas alternativas de assistência: Assim, define-se nas diretrizes: “III - priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento ‘interesse geral”, isto porque segundo Habermas (1984), a atividade econômica privada precisava orientar-se por um intercâmbio mercantil mais amplo, induzido e controlado publicamente. 221 asilar, à exceção dos idosos que não possuem condições que garantam sua própria sobrevivência”, ou ainda, “VIII - a priorização do atendimento do idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviços, é somente quando desabrigados e sem família” (BRASIL, 2000, p.7-8). Embora essa seja a única obrigação do Estado, a política asilar para os desabrigados e abandonados, sua execução, também não lhe é exclusiva, o que tem deixado as instituições asilares sem alterações de fundo, por não serem prioritárias, antes, ao contrário, tornam-se mais precárias, com os recursos limitados e discriminados para algumas despesas, devendo ser mantidas pelo município ou por organizações nãogovernamentais, necessitando essas instituições asilares para funcionar ainda que minimamente, de doações privadas e do trabalho de voluntários. Nesse contexto, é vedado que doentes que necessitam de assistência médica ou de enfermagem permanente mantenham-se em instituições asilares, de caráter social, carga que recai sobre a família, quando esta mais necessita da intervenção do Estado. A prioridade das ações sociais para idosos recai nos não-institucionalizados, naqueles denominados de “terceira idade”, a quem se enquadra a experiência de velhice participativa, autônoma, independente, ativa, produtiva. Vale ressaltar que os movimentos sociais lutaram pelo desenclausuramentos dos idosos, contra o confinamento social proporcionado pelas históricas práticas de assistência social, que representam perda da “cidadania”, segregação, afastamento dos laços familiares, e por formas alternativas de atendimento aos idosos. Todavia, a redução dos gastos sociais e o retorno da reprodução social para o âmbito privado têm significado repasse das responsabilidades públicas às famílias, à sociedade civil, que, no Brasil, tem sido pioneira nas propostas de convívio alternativo aos idosos. Destaca-se ainda nas diretrizes (V) a legitimação da Gerontologia e Geriatria nesse campo de ação, através da capacitação e reciclagem dos profissionais que trabalham com idosos e na prestação de serviços, que legitima a “terapêutica gerontológica” do “lazer e educação” no trabalho social com idosos não-institucionalizados como estratégia de integração, socialização e inserção do idoso na sociedade, estratégica essa que visa combater a marginalização social dos idosos, os preconceitos e estereótipos negativos atribuídos a eles, através da educação centrada no indivíduo, mantendo as estruturas geradoras de desigualdades sociais intactas. Essa estratégia educativa se estende também à sociedade e não apenas aos idosos, através do “estabelecimento de mecanismos que 222 favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento” (BRASIL, 2000, p.7). Dentre as definições das ações governamentais, como aquelas referentes à área de promoção e assistência social, está a de atender as necessidades básicas do indivíduo, mediante a participação das famílias, da sociedade e de entidades governamentais e nãogovernamentais. O princípio básico definidor das ações é sempre a divisão de responsabilidades, das “parcerias”, do retorno à família como espaço de proteção social, e não como sujeito da proteção, que faz parte das estratégias de retomada das redes de solidariedade primárias, tendo como central a família, inclusive, nos tratamentos de saúde, com a figura do cuidador e com as ações do chamado “terceiro setor”, compatíveis com a desresponsabilização do Estado pelas refrações da questão social. É, no espaço da assistência social, que mais claramente se apresenta as propostas de parcerias com as organizações não-governamentais, parte do metier ou modus operandi da assistência social no Brasil, aprofundada na era neoliberal. É nessas ações da assistência social, mas não exclusivamente nesta área, que se materializa a diretriz (I) de “viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações” (idem, p.7), como a de estimular essas ações, o que não significa executá-las prioritariamente, mas em parceria com a sociedade civil; a criação de incentivos e de alternativas de atendimento ao idoso, que aparecem como prioritárias na ação junto ao idoso, através de programas para idosos não-institucionalizados, como os centros de convivência, centros diurnos, casaslares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimento domiciliar e outros, que buscam complementar a política de assistência monetária, com acesso a bens e serviços de promoção social, no combate à pobreza. Constam na lei, também, dispositivos que regem a prioridade do atendimento do idoso no Sistema Único de Saúde, com a realização de programas de saúde e medidas profiláticas específicas; a elaboração de normas padronizadas para o atendimento geriátrico, instituindo-se a Geriatria como especialidade clínica, dentre outras. No Decreto nº 1.948, que regulamenta a lei, reafirmam-se essas ações e a criação de serviços alternativos de saúde para o idoso como hospitais-dia, serviços domiciliares e outras alternativas de atenção para o idoso. 223 Vê-se, assim, a introdução, na área da saúde, da questão do cuidador informal. Duarte (1997 apud MOREIRA, 1998, p.10) faz distinção entre o cuidador formal, que seria “o elemento contratado pelos idosos e/ou por sua família para exercer (...) ações cuidativas”, estabelecendo-se nesses casos, um vínculo empregatício, e o cuidador informal que seria o: [...] elemento da família do idoso ou a ela relacionado, sem necessária formação específica que passa a ser o responsável pelo desenvolvimento das ações cuidativas relativas às demandas de cuidados emanados pelo geronte. Estas atividades são, geralmente, exercidas de forma descontínua, com substituições deficitárias e com pouca ou predominantemente nenhuma remuneração. Afirma-se também, nessa área, a retomada da família como espaço de cuidados informais, suporte da proteção social, espaço que demanda serviços informais, trabalhos temporários, não regulamentados. Na área de educação, destacam-se, dentre suas ações, a de apoiar e não de criar posto que as iniciativas têm partido das próprias universidades (públicas e privadas), e não do ministério da educação; um trabalho voluntário de professores, para além da sua carga horária formal de trabalho – universidades aberta para a terceira idade, como meio de universalizar às diferentes formas de saber, além de criar modalidades de ensino à distância, adequado às condições do idoso; adequação dos currículos e material didáticos aos programas destinados aos idosos; desenvolvimento de programas educativos nos meios de comunicação, sobre o processo de envelhecimento, dentro da lógica de educar a sociedade para evitar a discriminação do idoso, definida como problemática central do envelhecimento. Para garantir condições de inserção dos idosos, a lei propõe a criação de mecanismos que impeçam a discriminação e possibilitem a participação do idoso no mercado de trabalho, contra as evidências da expulsão do idoso do mercado de trabalho em idade cada vez mais precoce; estabelece que os programas de assistência ao idoso devem elaborar critérios que garantam o acesso do idoso à moradia popular, além de desenvolver condições habitacionais adaptadas às condições de acesso e locomoção, que podem ser limitadas pela idade, e diminuir barreiras arquitetônicas e urbanas. Dentre as ações na área de cultura, esporte e lazer, destacam-se aquelas voltadas para o incentivo e a criação de programas de lazer, esporte e atividades físicas que proporcionem a melhoria da qualidade de vida do idoso e o estímulo a sua participação na 224 comunidade através da ocupação do seu tempo livre com as chamadas relações e atividades ditas saudáveis nos quais as estratégias de controle do tempo de vida dos idosos são acionadas, incentivando os movimentos de idosos a desenvolverem atividades culturais que têm direcionado suas lutas para execução desses serviços que deveriam ser públicos. As novas interações e complementaridades entre o sistema de proteção social “público” e o “privado” não eliminam a intervenção do Estado, porém a redefine, mantendo a função de normatizador, de um regulador externo, restringindo a sua participação direta aos casos de pobreza, instituindo mecanismos de seletividade e focalização na ação social pública, legitimando, ao repassar recursos públicos e tendo como princípio orientador da política a divisão de responsabilidades, as ações privadas (lucrativas ou não-mercantis) da sociedade civil; um processo de “privatização”, entendido num sentido mais amplo, que inclui: Movimentos que vão desde a diminuição do investimento e gasto estatal, passando pela eliminação (ou redução) do papel produtivo e/ou redistribuitivo do Estado, podendo envolver até mesmo restrição em suas atividades reguladoras e de gestão (DRAIBE, 1990, p.43) Dessa forma, incluindo o reforço do não-público, do não-estatal, do setor privado nãolucrativo, na execução da política, aos mecanismos que combinam o financiamento público da produção e/ou consumo com operações de distribuição e serviços que envolvem o mercado. Na definição das competências do poder público, em especial na definição do papel da União, destaca-se o fato de a coordenação geral participar da formulação, do acompanhamento e da avaliação da PNI; promover as articulações intraministeriais necessárias à implementação da lei; elaborar proposta orçamentária. No parágrafo único, porém, a PNI diz que cada ministério deverá prever e elaborar propostas orçamentárias para financiamento de programas nacionais compatíveis com a PNI, fragmentando e limitando aquela coordenação e os instrumentos de controle social. A definição orçamentária para a proteção social ao idoso dá uma noção clara da distribuição de responsabilidades e de recursos públicos dentre os entes municipais, estaduais e entidades sociais, que compõem o quadro efetivo da noção de descentralização que se vem implementando no desenho da política social. 225 Conforme Salvador (2006), no Orçamento da União de 2005, existem dois programas que contém ações (atividade, projeto ou operação especial) destinadas à população idosa do Brasil. No programa ‘atenção à saúde de populações estratégicas e em situação especiais de agravos’, está prevista a ação de ‘atenção à saúde do idoso’, de abrangência nacional, com uma dotação orçamentária de R$ 3 milhões, equivalente a apenas 3,6% do total de recursos desse programa. Desse montante, R$ 800 mil deve ser repassado para ser aplicado pelos Estados e pelo Distrito Federal, destinando-se a maior parte para os municípios, no valor de 1,4 milhões de reais, 600 mil reais para entidades privadas e apenas 100 mil para a União. Todo o recurso está alocado no Fundo Nacional de Saúde. O segundo e mais importante programa, “Proteção Social ao Idoso”, está sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Esse programa é de apoio técnico e financeiro a serviços de prestação social básica e especial, a programas e projetos executados por Estados, municípios, Distrito Federal e entidades sociais, destinados ao atendimento da pessoa idosa vulnerabilizada pela pobreza. Dentre esses serviços, destacam-se aqueles definidos pela LOAS e PNI, como Centros e Grupos de Convivência, cujo modelo foi instituído pelo setor filantrópico privado; instituições de longa permanência sob a denominação diversas (abrigo, lar, asilo, casa de repouso, clínicas geriátricas, dentre outras); Centro-Dia; atendimento domiciliar e formas de residências participativas para idosos não-institucionalizados, como casa-lar, e república, envolvendo também as ações de assistência monetária como o BPC e RMV. Esse programa tem volume de recursos no montante de R$ 3,6 bilhões, alocados na Secretaria dos Direitos Humanos e no Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), sendo que a dotação orçamentária da primeira totaliza R$ 519 mil e se refere à ação: apoio a serviços integrados de prevenção à violência e maus-tratos contra idosos. Os recursos devem ser aplicados pelos Estados, pelo Distrito Federal, pelos municípios e por entidades privadas. Desses recursos, cerca de 82% (R& 2,9 bilhões) refere-se ao pagamento de Benefícios de Prestação Continuada à Pessoa Idosa (BPC). Assim, se na letra da lei instituem-se mecanismos alternativos de convívio, participação, ocupação, de residências participativas, em termos de recursos, eles são escassos, exigindo-se critérios de 226 seletividade cada vez mais rígidos, o co-financiamento com os parceiros da proteção social e a auto-sustentabilidade dessas ações. A título de exemplo, as propostas de Centros de Convivência para Idosos não apenas afirmam a rede de parceria com instituições públicas e privadas, definidas pelas normas operacionais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome, mas também determina que sua gestão busque a auto-sustentação, isto é: “[...] deverão ser estimuladas gestão, visando à auto-sustentação dos Centros de Convivência. [...] O projeto deverá ser iniciado com uma coparticipação entre governo e sociedade. [...] A manutenção das atividades se dará com recursos dos Fundos Nacional, Estadual e Municipal e, quando possível, outras fontes aprovadas pelos respectivos conselhos de Assistência e/ou de Saúde”. (NORMAS OPERACIONAIS, p.34). Portanto, há uma redução do papel do governo federal nesses serviços de cuidados institucionais com idosos, não apenas administrativo, com pessoal qualificado, instituições de cunho nacional, que passam a contar com os escassos recursos institucionais dos municípios, dos estados e da sociedade civil, que considerando a precariedade de muitos municípios brasileiros, em termos de contra-partida de recursos e de aparato institucional adequado, aliado ao baixo poder organizativo e estrutural da sociedade civil para funcionar como parceira, inviabilizam a efetivação de uma rede qualificada de proteção social ao idoso. Embora o setor privado (não-mercantil) receba recursos das três instâncias administrativas de governo, as parcerias definem-se também pelo co-financiamento, com outras fontes de doações civis, trabalho voluntário que para muitos analistas é avaliado como geradores de mecanismos mais eficientes, porque reduzem custos, mas que, na verdade, têm precarizado esses serviços, colocando-os em situação de instabilidade e de incapacidade de atender demandas, sendo eficientes mecanismos de redução de metas, grupo-alvos, além de serem ações marcadas pelo localismo e pela trivialidade do atendimento. Todavia, a descentralização na sua dimensão participativa, portanto, política, não se direciona apenas para a participação da sociedade civil na execução das políticas. Os poderes públicos, porém, têm que conviver com as conquistas dos movimentos pela democratização do Estado e da sociedade que exige a participação das diversas organizações da sociedade civil nos espaços de deliberações das diretrizes de políticas, logo, nas decisões, no planejamento, no controle e supervisão de planos, programas e 227 projetos que materializam a política, constituindo a dimensão moderna, as mudanças (numa dialética de continuidades e mudanças) nas formas de enfrentar a questão social. As diretrizes da PNI reafirmam as inovações já previstas na Constituição Federal de 1988, como a descentralização político-administrativa e financeira, que, conforme detectado na letra da Lei, não se restringe a transferências de responsabilidades sociais somente para estados e municípios, mas também da esfera estatal para a esfera privada, para a sociedade civil, e reafirma outra modalidade de participação dessa esfera, bem como dos próprios idosos, através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação da política dirigida aos idosos. Em tese, um avanço que gera espaços de participação e de “controle social” da gestão pública das políticas e que cria mecanismos para que as demandas cheguem aos formuladores da política, o que não é, por si só, garantia de atendimento dessas necessidades, considerando-se a demanda reprimida, os parcos recursos federais e a inviabilidade de muitos municípios de co-financiar os programas. As demandas por gestão democrática das políticas nasceram dos movimentos populares, no interior da sociedade civil, no contexto de luta pela redemocratização do Estado e da sociedade, e penetram no aparelho de Estado formalmente instituído na Constituição Federal de 1988 e referendado pelas políticas setoriais posteriores, dentre elas, a PNI e Estatuto do Idoso, e denominados como Conselhos de Direitos ou Conselhos gestores – órgão colegiado, constituídos nas instâncias federal, estadual e municipal, por representação paritária da sociedade civil e sociedade política, com funções deliberativas sobre a política social. Todavia, a institucionalização, no âmbito de cada política específica, ocorre num contexto adverso à implementação dessas demandas, com o avanço do neoliberalismo, em contexto de reestruturação produtiva e político-ideológica do capital, isto é, de recomposição das bases de hegemonia e de controle sobre o trabalho, a qual visa obter a adesão e o consentimento do trabalhador à nova ordem, construindo uma nova cultura de consenso, fundada na solidariedade indiferenciada entre as classes, no cooperativismo, nas parcerias no enfrentamento das crises e da agudização da questão social, que redefine o sentido da participação social. Como destaca Abreu (1999), as medidas persuasivas do capital, para atingir esse fim, em que o aparato estatal constitui uma das principais mediações, são fundados na 228 retórica de que a “nova relação capital/trabalho, consubstancia-se na superação dos antagonismos entre classes, e no estabelecimento da colaboração entre elas, na qual a parceria e as soluções negociadas constituem a base dessa ‘nova’ relação” (p.64). É nessa perspectiva que se reatualiza a intervenção do setor privado (mercantil e não-mercantil) na questão social, como analisado nas experiências de trabalho social com idosos da filantropia empresarial, e que se dá os redirecionamentos das práticas de democracia direta, no sentido de tornar os sujeitos que ocupam esses espaços parceiros, colaboradores, e legitimadores das decisões governamentais. Todavia, os conselhos são espaços contraditórios, vinculam-se às iniciativas da classe trabalhadora, referente à democratização e universalização das políticas públicas, como possibilidade de constituírem-se espaços de expressão política dessa classe, na luta pela garantia de meios à própria reprodução social, e, aos objetivos neoliberais de descentralização e partilha do poder integrados às estratégias de desregulamentação do papel do Estado na economia e na sociedade, podendo, nesse caso, desenvolverem-se como mecanismos privilegiados de manifestação dos interesses dominantes, e do exercício do controle social pelo capital (cf ABREU, 1999, p.64 e 68). Essa dimensão contraditória, como destaca Silva (2004), significa que o seu caráter democratizador ou colaboracionista não está dado a priori, mas, sim, depende da correlação de forças que se estabelecem na sociedade civil e na sociedade política e entre as classes sociais. Os limites impostos a essas instâncias pelo poder executivo, o seu real poder e autonomia em relação à esfera governamental, e a efetivação das atribuições legais, dentre elas, de decisão e de controle social, dão a dimensão clara do sentido e da direção da noção de participação social que o poder visa instituir. Em relação a PNI, esses limites começam com a legislação, considerando-se que o poder executivo vetou os artigos (11 ao 18) que criavam e definiam papéis e atribuições do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso. Assim, a constituição dessa instância efetivou-se apenas em 2003, realizando-se no primeiro semestre daquele ano a primeira reunião do Conselho Nacional. Em abril de 2004, já existiam 19 conselhos estaduais de direitos do idoso, sendo que muitos surgiram antes da instância nacional e vem crescendo o número de conselhos municipais, embora ainda pouco representativo, se relacionado à quantidade de municípios no Brasil. 229 No artigo 53, o Estatuto do Idoso dá nova redação ao artigo 7º da Lei 8.842 (PNI), assinalando que: compete aos Conselhos de que trata o art. 6º dessa lei a supervisão, o acompanhamento, a fiscalização e a avaliação da política nacional do idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-administrativas (BRASIL, 2003, p.25-26). Como destaca Faleiros (2006), faltou estabelecer, nessa lei, o caráter deliberativo desses conselhos, na formulação de diretrizes e normas, de modo que elas possam ter força de obrigatoriedade, apesar de que, mesmo com essa função formalizada em lei, as várias instâncias do poder público inviabilizam ou desrespeitam as deliberações tomadas por esses órgãos. O caráter deliberativo do Conselho Nacional foi corrigido pelo Decreto n. 5.109, de 17 de junho de 2004, publicado no Diário Oficial da União, edição n. 116 de 18/06/2004, que dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Direitos do Idoso, e dá outras providências. De um modo geral, compete a esse conselho: - a supervisão da política nacional do idoso manifesta em críticas e correções de rumos como em elaboração de propostas para sua reformulação e execução; - o acompanhamento da política nacional do idoso, ou seja, a verificação de dados, orçamento, propostas, diretrizes; - a fiscalização da política nacional do idoso: verificação da execução e a abertura de processos junto a órgãos competentes para ajustar a execução e para punição dos responsáveis; - a avaliação da política nacional do idoso: a contratação ou realização de estudos, pesquisas, consultorias, debates e elaborar parâmetros e efetividade, impacto, resultados e processos. Todavia, o limite no poder de decisão desses conselhos não se restringe à definição na lei, mas a uma série de mecanismos práticos que inviabilizam que estas instâncias decidam sobre quais necessidades sociais atender, financiar. A exemplo, a falta de um orçamento único para a execução da PNI constitui um dos obstáculos à efetivação dessa atribuição. Além disso, o orçamento destinado a cobrir determinados programas tem seus recursos depositados nos Fundo Nacional de Saúde e de Assistência Social, logo, em áreas específicas. As demais áreas de proteção social ao idoso são desenvolvidas com recursos 230 de cada ministério que envolve essas ações, nem sempre as tendo como prioridade nos gastos sociais. Considerando os limites impostos pelo caráter incipiente desses conselhos, que se reflete nos processos de discussão coletiva nos fóruns de debates com a sociedade civil e política, cujas primeiras Conferências Estaduais dos Direitos da Pessoa Idosa se realizaram apenas agora, no ano de 2006, como preparação para a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, a ser realizada em Brasília, no mês de maio de 2006, que tem como objetivo geral “definir estratégias para a implantação da Rede de Proteção Social e de Direitos da Pessoa Idosa (RENADI)”, e os objetivos específicos de divulgar as ações dos Conselhos dos Direitos do Idoso; estimular a criação dos conselhos municipais e fortalecer os já existentes; constituir espaços de apresentação e articulação de proposições para a construção da rede de proteção social e de defesa dos direitos do idoso, esclarecendo o seu caráter, os princípios, a estrutura e a estratégia de sua implementação; identificar os desafios para esta implementação; e deliberar sobre as estratégias de seguimento e de monitoramento das deliberações desse fórum, dentre outros objetivos. A rede é definida “como sendo organização da atuação pública (Estado e da Sociedade) através da implementação de um conjunto articulado, orgânico e descentralizado de instrumentos, mecanismos, órgãos e ações para realizar todos os direitos fundamentais da pessoa idosa do país” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS DIREITOS DA PESSOA IDOSA, 2006, p.15). Tal definição exprime bem a noção do público-não-estatal, articulado ao Estado na garantia dos direitos e sua função de responsabilidade direta na proteção social, expressão do cooperativismo no enfrentamento dessas refrações da questão social. A defesa dessa “nova institucionalidade pública (estatal e não-estatal) e a promoção de uma nova subjetividade expressa numa nova cultura de direitos da pessoa idosa” (Idem) expressa o caráter da RENADI, e destaca-se como o traço comum entre os discurso progressistas e conservadores, formando um consenso em torno do modo de fazer política social, e de transmutá-la para o âmbito da ajuda solidária de todos. Essa ampliação do público para o âmbito da sociedade civil faz parte das estratégias de auto-implicação do “público” e do “privado”, nas formas de respostas à questão social que mascaram a dimensão privada, classista e a pluralidade de interesses no interior da 231 sociedade civil, e as ambigüidades e contradições da chamada esfera “pública”75 como interesses gerais, e espaço da vontade coletiva. Dias (1996, p.138) nos adverte para o fato de que um “dos erros recorrentes na análise da sociedade civil é pensá-la como articulação de instituições indiferenciadas, como expressão de interesses universais, não contraditórios, sem caráter classista”, portanto, dissociada da sua base, da produção, como uma instância meramente superestrutural. Embora se concorde com que os setores populares e representantes dos interesses das classes dominadas, no interior da sociedade civil, devam ocupar os espaços institucionalizados, como estratégia para criar regras pactuadas e universais que possam romper com o que Oliveira (1999) denomina de modelo de regulação truncada, do caso a caso, que favorece apenas os interesses particulares, com o uso dos fundos públicos destinando-se, preferencialmente, para a acumulação do capital, em detrimento dos interesses e necessidades da reprodução da força de trabalho; também se reconhece os limites e os desequilíbrios dessas estratégias. Nessa perspectiva, os conselhos apresentam possibilidades e limites, principalmente no contexto de reformas neoliberais. Suas deliberações buscam criar tanto instrumentos e estratégias de implementação da legislação existente, como a construção de Planos de Direitos da Pessoa Idosa em cada esfera administrativa quanto novos órgãos públicos, no âmbito do executivo, legislativo e judiciário, de modo a viabilizar a rede de proteção ao idoso. Todavia, essas deliberações esbarram na vontade do poder público, - em especial, do executivo, nas diversas instâncias administrativas -, de democratizar, ou não, as decisões, de respeitar, ou não, as deliberações. No geral, não há interesse, por parte do poder governamental, em implantar esses órgãos deliberativos e em proporcionar meios para o seu funcionamento, a não ser quando eles são necessários para receber recursos federais para os programas municipais e estaduais ou quando são usados como instrumento 75 A noção de uma “esfera pública” autônoma, entre o Estado e mercado, que expressa à dimensão social, composta de organizações da sociedade civil indiferenciadas, e portadoras de interesses universais não contraditórios, expressão do interesse geral, logo, público, é desmacarada pelas análises gramscianas. Primeiro, pela inter-relação orgânica entre sociedade política e sociedade civil, na composição do Estado. Segundo pela interpenetração dessas esferas no mundo contemporâneo, impossibilitando fronteiras rígidas entre si, além de ser o lugar do conflito político-ideológico, palco da luta de classes, de interesses antagônicos. 232 de ampliação e legitimação de ações políticas de governo, buscando revertê-los em instrumento de controle da participação, no interior da esfera estatal. Os principais obstáculos, porém, principalmente os relacionados ao Conselho Nacional do Idoso, e os congêneres nas outras esferas governamentais, estão relacionados à decisão e à distribuição dos recursos. Além, daqueles relacionados ao controle e monitoramento das deliberações tomadas. As práticas desse conselho são recentes e ainda não há uma avaliação das decisões tomadas, nem da política nacional, restringindo-se ao plano das proposições, limitadas, considerando a inexistência de fóruns de discussões, que só recentemente foram implementados. Em síntese, os problemas verificados, que limitam as ações dos conselhos de direitos do idoso, são semelhantes a outros conselhos, com o agravante da inexistência de mecanismos consolidados de discussão, dada à precocidade deste na realidade brasileira. Dentre esses problemas se destacam: o limitado poder de decisão quanto aos recursos orçamentários constitucionalmente assegurados; o desconhecimento do volume e dos critérios de distribuição dos recursos para o próprio setor e para os demais da área social; a preservação do aparato ‘burocrático-cartorial’ na legislação e no funcionamento institucional; a efetividade das decisões dos conselhos sendo subordinada à hierarquia burocrática dos órgãos públicos aos quais estão vinculados; e a permeabilidade a ingerências político particularistas, exercidos através de técnicos e burocratas do Estado (RAICHELES, 1998; SOARES, 2002; CORREIA, 2000). Considerando-se conforme Mészáros (2002, p.368), que “o objetivo de tomada de decisão, e a correspondente autoridade não-escrita (ou não formalizada) do capital enquanto um modo de controle real precede a autoridade estritamente delegada (isto é, os imperativos objetivos do próprio capital estritamente delegado e apenas contigentemente codificado) dos próprios capitalistas”, o que se dirá da autoridade estritamente delegada (formalmente) dos setores populares e da capacidade de controle dessas instâncias, perante esse controle estrutural do capital, inerente à estruturação da ordem social. Assim, não se pode perder de vista os limites do alcance da luta pela democracia, dentro dos aparelhos do Estado capitalista. “Seria ilusório supor que as classes e frações venham a ocupar posições semelhantes ou de equilíbrio no seu interior” (TOLEDO, 1994, p.39). “Considerando que o processo de socialização da política enfrenta dificuldades de 233 garantir que as classes dominantes aceitem dividir o seu poder” (idem, p.196), mesmo quando revertem em estratégias de dominação e controle social. Os limites dessas experiências de co-gestão são expressões dos limites das teses que propõem a controlabilidade do capital pelas mediações políticas, da existência de espaços “públicos” autônomos e paralelos ao livre desenvolvimento da lógica do capital, como se fosse possível autonomizar as experiências institucionais das leis gerais da autoreprodução do capital. Plano de Ação Governamental integrado para o Desenvolvimento da Política Nacional do Idoso. Os instrumentos legais e institucionais criados para efetivar a PNI, como o Plano de Ação Governamental Integrado para o Desenvolvimento da PNI e a regulamentação da Lei através do Decreto Lei n.1948, reafirmam as tendências da divisão de responsabilidades no trato dessas refrações da questão social, através das novas modalidades de prestação de serviços sociais que envolvem a sociedade civil na execução da política. Da elaboração do PAG-PNI, participaram os representantes dos Ministérios da Previdência e Assistência Social, da Cultura, da Educação e Deporto, da Justiça, da Saúde e do Trabalho, os representantes da Secretaria de Políticas Urbanas, os técnicos das Universidades Federais de Brasília, Goiás e Santa Catarina, a Assessoria Especial da Terceira Idade/GDF, as Associações Profissionais – ANG e SBGG, o Sesc-SP, a Associação Cearense Pró-Idoso (ACEPI) e o Conselho Estadual do Idoso do Rio Grande do Sul. Esse plano detalha a ação de cada órgão do governo envolvido, quanto a seus objetivos, estratégias para viabilizá-los e a integração como os demais órgãos. Destacaremos, neste estudo, apenas aqueles referentes às ações da assistência e promoção social, nas quais se concentram - mas não exclusivamente - os chamados “programas para a terceira idade”, as alternativas de programas não-asilares, nos quais os idosos realizam atividades por um turno e retornam aos lares; programas para os idosos nãoinstitucionalizados, para os quais se volta a construção de uma nova imagem de idoso participativo, autônomo e independente. Um novo paradigma da velhice, em que essa fase da vida se define como a melhor, livre dos condicionamentos do trabalho, das responsabilidades familiares, um tempo do “fazer prazer”, do lazer, em oposição, ao “fazer 234 produtivo”, como definido pelos “experts” da velhice, é difundido por essas ações, as quais conforme destaca esta pesquisa, são eficientes mecanismos de controle do tempo de vida dos idosos, através do planejamento externo de seus comportamentos, atitudes e sentimentos, do controle de sua consciência social, das suas formas de associativismo e de consumo de bens e serviços, considerados legítimos para essa etapa da vida. Esse paradigma da velhice (que mascara tanto as estratégias de controle do tempo de vida através do planejamento do tempo livre dos idosos, quanto a própria problemática do envelhecimento dos trabalhadores) fundamenta e consolida os programas de centros de convivência, ou grupos de convivência, escolas abertas à terceira idade, dentre outras modalidades, como alternativa de programas sociais dirigidos aos idosos e de políticas sociais, prioritárias nas ações privadas e públicas, embora esses programas não esgotem o significado do plano e da própria política nacional do idoso. O PAG-PNI, seguindo as ações da lei, restringe o asilamento a casos estritos de abandono e pobreza, ficando evidente o compromisso com uma política que reduza ao mínimo este tipo de intervenção, privilegiando ações preventivas, não-asilares, apresentando, assim, os centros de convivência e outros programas para idosos nãoinstitucionais como modelo de intervenção, com baixos custos, melhores resultados sociais e que podem ser facilmente executados pela sociedade civil. Esses programas apostam no indivíduo, na sua capacidade de romper os preconceitos e buscar qualidade de vida com a mudança de hábitos, com adoção de atividades que os mantenham autônomo, ativa, participativa, logo, difundem uma cultura autopreservacionista que responsabiliza os indivíduos idosos pelo controle dos efeitos do envelhecimento e dos problemas que enfrentam. A idéia de combater a “marginalização” do idoso é definida como a problemática central dos idosos, para os quais os centros de convivência respondem melhor ao problema (a meta era atingir 280 mil idosos em centros de convivência espalhados pelo país), reeducando os idosos, e a própria sociedade, de tal sorte que o Ministério da Cultura, visando contribuir para a valorização de uma imagem positiva da pessoa idosa, sobretudo, através dos meios de comunicação de massa e de material didático, propõe-se divulgá-la visando romper com os preconceitos. Assim, a questão se reduz a um problema de educação, centrado nos indivíduos, mantendo intactas e sem críticas as estruturas e 235 condições que geram desigualdades sociais, inclusive, reproduzidas e ampliadas no envelhecimento do trabalhador. A PNI, entretanto, só teve sua regulamentação em 03 de julho de 1996, através do Decreto Lei n. 1.948, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que define as competências dos ministérios envolvidos na execução da lei, conforme já previsto na PNI e no PAG-PNI. Em relação ao Ministério da Previdência e Assistência Social, hoje, a assistência social está na pasta do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que tem as atribuições de coordenação das ações referentes à lei e de “fomentar junto aos Estados, Distrito Federal, Municípios e organizações não-governamentais a prestação de assistência social ao idoso nas modalidades asilar e não asilar” (VIII), firmando definitivamente a parceria Estado/Sociedade Civil. Destacam-se como alternativas não-asilares de atendimento: I – Centros de Convivência: local destinado à permanência diurna do idoso, onde são desenvolvidas atividades físicas, laborativas, recreativas, culturais, associativas e de educação para a cidadania; II – Centro de Cuidados Diurnos: Hospital-Dia e Centro-Dia local destinado à permanência diurna do idoso dependente ou que possua deficiência temporária e necessite de assistência médica ou de assistência multi-profissional; III – Casa-Lar: residência, em sistema participativo, cedida por instituições públicas ou privadas, destinada a idosos detentores de renda insuficiente para sua manutenção e sem família; IV – Oficina Abrigada de Trabalho: local destinado ao desenvolvimento, pelo idoso, de atividades produtivas, proporcionando-lhe oportunidade de elevar sua renda, sendo regida por normas específicas; V – Atendimento domiciliar: é o serviço prestado ao idoso que vive só e seja dependente, a fim de suprir as suas necessidades da vida diária. Esse serviço é prestado em seu próprio lar, por profissionais da área de saúde ou pessoas da própria comunidade; VI – outras formas de atendimento: iniciativas surgidas na própria comunidade, que visem à promoção e à integração da pessoa idosa na família e na sociedade (BRASIL, 2000, p.19-20). Há uma clara orientação para as formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que evitem a assistência asilar. Essa tendência à redução da assistência asilar, redução de internações hospitalares, inclusive, psiquiátricas, ou de atendimentos especiais (portadores de deficiência), não apenas faz parte de uma estratégia de “inclusão social”, de integração à sociedade dessas populações, já que pouco se garante a essas instâncias condições de promoverem essa integração, mas também de redução de custos 236 das polícias sociais, e de retorno à família, à sociedade, de problemas antes de responsabilidades do Estado, parte da lógica de redução das demandas do Estado. Também as ações de saúde, em que os projetos de envelhecimento ativo e saudável são incentivados por agências internacionais, não visam apenas melhorar a saúde, o estado físico e psicológico dos idosos, mas atribuir-lhes responsabilidades pelo seu estado, subjetivando a noção de velhice e de “qualidade de vida”, que depende do indivíduo, da sua motivação para mudar hábitos de vida, dentre eles, alimentação saudável, práticas de exercícios físicos, atividades intelectuais e socializadoras. É daí que a expressão “viver bem e melhor depende de você” sintetiza essas iniciativas de caráter público ou privado. A velhice pobre, doentia e dependente, virou uma condição de negligência pessoal, ou familiar, de motivação pessoal para aprender. Logo, a problemática do envelhecimento e sua superação recai sobre o próprio idoso. Nessa perspectiva, a lei que regulamenta a PNI acrescenta nas ações de saúde: VIII – desenvolver e apoiar programas de prevenção, educação e promoção da saúde do idoso de forma a: a) estimular a permanência do idoso na comunidade, junto à família, desempenhando papel social ativo, como autonomia e independência que lhe for própria; b) estimular o auto-cuidado e o cuidado informal; c) envolver a população nas ações de promoção da saúde do idoso; d) estimular a formação de grupos de auto-ajuda, de grupos de convivência, em integração com outras instituições que atuam no campo social; e) produzir material educativo sobre a saúde do idoso (BRASIL, 2000, p.24-25); O padrão de resposta à questão social, de responsabilidade do Estado, se altera em função de outro, que divide responsabilidades, aposta nas formas de enfrentamentos locais, de auto-ajuda, de ajuda mútua, atividades desenvolvidas por voluntários, familiares ou implementadas em organizações não-governamentais, que terminam por auto- responsabilizar os sujeitos portadores de carências e problemas de saúde, e transmutam direitos em ajuda solidária. Nesse modelo, o Estado normatiza, cria legislação, estabelece diretrizes gerais que orientam as ações de proteção social, entretanto, não garante sua efetivação. Assim, mesmos as atividades estabelecidas como de responsabilidade governamentais, dependem 237 da ação das comunidades locais, das auto-ajudas, da família, das organizações privadas (lucrativas ou não) para serem implementadas. Essas inovações, mais que uma racionalização dos serviços, uma questão técnica ou gerencial que visa diminuir custos e maximizar resultados, explicitam uma clara dimensão política e ideológica que inviabiliza e deslegitima as políticas sociais universais, nãocontratualistas e constitutivas de direitos de “cidadania” (mesmo que constituindo uma relação individual e formal de direitos), remetendo para o âmbito privado às respostas às refrações da questão social, generalizando o modelo liberal de intervenção do Estado, com políticas compensatórias, quando suas fontes “naturais”, tais como a família, a comunidade e os serviços privados, não suprem as necessidades. 4.3 Estatuto do Idoso: entre o “público” e o “privado” na definição das responsabilidades sociais com o envelhecimento. Outro importante instrumento de garantia de direitos foi conquistado pelos idosos e seus movimentos sociais: o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003), que cria os mecanismos necessários à regulamentação dos direitos assegurados às pessoas com mais idade. Trata-se de um mecanismo formal, legal, que visa garantir direitos elementares da existência, da integridade da vida e do corpo, da dignidade, independentemente da condição de “homem econômico”, do “valor de uso” ou do que tenha para trocar no mercado. A Lei aponta uma tendência de transformar os idosos em “sujeitos de direitos”, ao lado de outras leis que regulam os direitos de minorias, dos “invisíveis” para o capital, dos “não-rentáveis”, garantindo-lhes direitos civis, políticos e sociais. Nessa Lei o idoso ingressa na condição humana, ampliando a concepção de direitos humanos “iluministaburguesa”, entretanto, sem ruptura de fundo, mas expandindo-os também para os “nãorentáveis”. Nessa perspectiva, destaca-se o artigo 2º: O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (BRASIL, 2003: p.3). 238 Todavia, a Lei traz ambigüidades, decorrentes do modo dominante ou de uma “nova cultura” de compreensão dos direitos sociais, e das políticas sociais que visam garanti-los, como aquela que divide responsabilidades sociais no trato das refrações da questão social, com a família, comunidade, sociedade e Estado, e que legitima e incentiva as ações de organizações não-governamentais na execução da política social. Essa “tradição” de fazer política social, em inteira consonância com as propostas de redução do Estado, dos gastos públicos, se contrapõe às tendências “universalistas” da política; promove pulverizações das ações, superposição de programas, projetos setorializados, fragmentados e limitados à resolução de problemas específicos, locais, movidos por sentimentos humanitários de solidariedade e voluntariado, que dificultam a identificação do problema de um ponto de vista global e estrutural, e de responsabilidade pública. Assim, reafirma as diretrizes da PNI no seu art. 3º: É obrigação da família, comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003: p.3). Essa prioridade definida na Lei compreende: atendimento preferencial e individualizado, junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviço à população; preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações; prioridade do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não possuem de condições de manutenção da própria sobrevivência. Todavia, apesar da legitimação que a Lei promove, das ações do chamado “terceiro setor”, das tendências ao neofamiliarismo e do retorno das relações comunitárias no trato das refrações da questão social, em conformidade com a PNI e com as históricas estratégias de respostas a problemática do envelhecimento no Brasil, o Estatuto do Idoso avança sobre a PNI, não só na garantia dos instrumentos de fiscalização, de controle social sobre as ações das organizações governamentais e não governamentais, mas também na tendência de definir as responsabilidades do governo, suas obrigações, para além de textos e verbos imprecisos, como incentivar, estimular, apoiar. Em relação aos direitos 239 fundamentais como o direito à vida, define o art. 9º: “É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade” (BRASIL, 2003, p.6). A Lei garante direitos civis, tais como direito à liberdade, que inclui a faculdade de ir e vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários; liberdade de opinião e expressão, crença e culto religioso; práticas de esportes e diversão; participação na vida política, na vida familiar e comunitária. Essa representa uma tendência em afirmar os direitos civis em necessidades humanas, e não apenas em necessidades para o capital se expandir e explorar a força de trabalho. Em relação aos direitos sociais que garantem a reprodução social desses sujeitos, a sua proteção, a Lei os inclui formalmente como obrigação do Estado, inserindo o direito à vida como um direito social. Assim, afirma: “O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente” (idem: p.6). Todavia, a garantia desses direitos é ambígua, reafirma-os como responsabilidade do Estado e nega-os ao remeter a execução da política para a sociedade civil, campo da ajuda social e da lógica do mercado. Dentre esses direitos sociais, está o direito à saúde, fundamentalmente de responsabilidade do Estado, através do Sistema Único de Saúde – SUS. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo de ações e serviços, para a prevenção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos (BRASIL, 2003: p.8). A Lei define ainda o fornecimento aos idosos, gratuitamente, de medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órtese e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. Ainda o artigo 3º veda a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados por idade. No capítulo da Educação, Cultura, Esporte e lazer, essa Lei estabelece como direito do idoso o acesso à educação, cultura, esporte e lazer, diversão, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade (art. 20, p.11). Define o artigo 21º que o poder público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologia e material didático aos programas educacionais a ele destinados, 240 criando condições dessa participação nas atividades culturais e de lazer, com descontos de pelo menos, 50% nos ingressos dos eventos. Na garantia dos direitos civis, ela inclui também no art. 39 a gratuidade dos transportes coletivos urbanos e semi-urbanos aos maiores de 65 anos, e a reserva nos transportes interurbanos de duas vagas gratuitas para idosos com renda de até dois salários mínimos, o que tem provocado batalhas judiciais, dado que o governo atribui aos empresários essa ação benevolente, sem subsídios, inviabilizando esse direito, no transporte interurbano, mas, compatível com a lógica de distribuição de responsabilidades na garantia dos direitos. Em relação à profissionalização e ao trabalho, a Lei inova: ao invés de apostar na empregabilidade das pessoas de mais idade, ela reforça os mecanismos que impedem a discriminação no mercado de trabalho pela idade, inclusive, prevendo penalidades aos discriminadores, apesar de não poder impedir a demissão, rebaixamento de função e salário, que são formas camufladas de discriminação. Também no capítulo da assistência social, essa Lei também inova em relação a PNI, que não faz referência à assistência pública monetária aos idosos, fundamental para o acesso à renda, mesmo mínima. O Estatuto reafirma o benefício monetário de um salário mínimo aos idosos, mas reafirma os critérios focalistas e a seletividade, através do critério da necessidade extrema e não do direito ao descanso e à dignidade na velhice dos trabalhadores, ou seja, apenas aos que não possuam meios de prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, nos termos da LOAS. Todavia, apesar de buscar firmar as responsabilidades do Estado com as ações de atenção ao idoso, em diferentes áreas de proteção social, no título referente à política de atendimento aos idosos, a lei legitima a ação das chamadas organizações nãogovernamentais ou “terceiro setor” na execução da política, inclusive, do repasse de verbas públicas para esse setor, que é “público” e “privado” ao mesmo tempo ou conforme a conveniência, pode ser “público” ou “privado”. Sobre as modalidades de atendimento assim estabelece a Lei: “a política de atendimento ao idoso far-se-á por meio do conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios” (BRASIL, 2003, p.21). Tais modalidades que envolvem um mix público/privado, na prestação de serviços sociais, são compatível com as noções de descentralização administrativa que se estendem não apenas ao setor público, mas 241 também à participação das organizações não-governamentais, da família, e da comunidade, na execução da política. A participação da sociedade civil na política, ou das organizações nãogovernamentais, é ambígua: de um lado, a Lei define como competência dessas organizações, a participação ativa e crítica na formulação da política, de fiscalização e de exigências de qualidade na execução dessas políticas; a denúncia de atos que violem as leis formuladas e implementadas, como as omissões, transgressões e qualquer violação dos direitos dos idosos, através do assento nos Conselhos de Direitos, de outro lado, legitima a divisão de responsabilidades nas ações de proteção social, com a participação dessas na execução das políticas, assumindo funções do Estado na proteção social, que legitimam as relações de parcerias, de articulações na busca apoio técnico e financeiro para consolidação dessa participação. Tal situação que tem secundarizado seu papel crítico, de cobrança, de reivindicação e lutas em prol dos idosos, de fiscalização, de observância do cumprimento de planos municipais. Essas ações compõem uma nova gestão do Estado, a gerencial, que se legitima pelo repasse de responsabilidades estatais para o chamado “terceiro setor”, para tornar o Estado mais ágil, menor e desburocratizado, compatível com as exigências do ajuste estrutural a nova ordem, logo, com os ditames do neoliberalismo, legitimado por todas as leis específicas de direitos de crianças e adolescentes, idosos, deficientes, dentre outras, sob a roupagem da democratização da gestão pública. Embora a lei garanta os direitos, sua efetivação está difusa num campo nebuloso do “público não-estatal”, ou seja, são repassados para o âmbito privado (lucrativo ou filantrópico), das iniciativas da sociedade civil, que não se regem por princípios de redistributivismo, universalismos, pelos limites de sua ação, mas pela ajuda solidária, no caso do setor não-mercantil, ou pela concorrência, eficiência, por uma lógica empresarial que invade áreas, anteriormente, não mercantilizadas, para o setor mercantil lucrativo. Todavia, ambos buscam não apenas novos espaços de atuação, como também uma fatia dos orçamentos públicos. Na verdade, “é a res-pública que está sendo privatizada, porque está sendo posta nas mãos do particular para ser administrada, pretensamente, no interesse público, sob regras predominantes do Direito Privado” (PIETRO, 1984, p.4 apud SILVA, 2003, p.87). Essa condição das organizações não-governamentais, segundo Silva (2003, p.98): 242 Adapta-se aos princípios neoliberais, uma vez que responde às necessidades de flexibilização da gestão estatal, colocando-se em um espaço virtual/híbrido que não é nem público e nem privado, dificultando a identificação da responsabilidade institucional e facilitando a apropriação dos recursos públicos. De acordo com a conveniência, podem assumir a face pública ou a face privada. Para receber recursos estatais, assume a face pública, mas para submeter-se à fiscalização das entidades dos movimentos populares e sindicais e definir normas de atendimento e de relações trabalhistas, assume a face privada recorrendo ao direito da inviolabilidade da propriedade privada [...]. Na verdade, o público não estatal expressa uma nova gestão privada dos recursos públicos, adaptada às necessidades atuais de dominação de classe. Assim sendo a atuação do Estado vai se redefinindo como prioritariamente normatizadora, como um regulador externo, mas cuja administração, execução, monitoramento, e fiscalização são realizadas por um misto de organizações sociais, fóruns deliberativos, e organizações governamentais. Nessa redefinição que o capital promove das funções do Estado, a responsabilidade pelo enfrentamento da questão social é de todos: uma desconstrução do seu enfrentamento público, estatal, e da garantia de direitos “universais”. Isso porque, medidas geridas por organizações sociais da sociedade civil são, por natureza, limitadas, particularizadas, locais, triviais e não correm riscos políticos de serem confundidas com medidas que criam direitos, por se regerem pela ajuda solidária, trabalho voluntário e por serem incapazes de universalizar atendimentos. O Estatuto do Idoso, como expressão da função normativa e reguladora do Estado institui mecanismos que instrumentaliza as ações de fiscalização e de controle social do trabalho das organizações governamentais e não-governamentais, com normas de exigências no atendimento ao idoso, de instalações físicas, e das ações prioritárias, dos princípios e diretrizes a serem observados na execução de programas sociais para idosos. Dentre essas, a obrigatoriedade das entidades governamentais e não-governamentais de inscreverem seus programas, junto ao órgão competente da Vigilância Sanitária e Conselhos (estaduais ou municipais) de Direitos da Pessoa Idosa. Dentre os princípios definidos na Lei destacam-se: a preservação dos vínculos familiares; atendimento personalizado e em pequenos grupos; participação do idoso nas atividades comunitárias, de caráter interno ou externo; observância dos direitos e garantias dos idosos; preservação da identidade do idoso e oferecimento de ambiente de respeito e dignidade. 243 A Lei define ainda as obrigações das entidades de atendimento ao idoso, de modo a padronizar o atendimento conforme estas determinações, e garantir condições dignas de atendimento. A Lei avança também ao definir mecanismos de penalidades para as entidades que não a cumprirem, com advertências, multas, suspensão de repasse de verbas, interdição ou suspensão de programas e proibição de atendimento a idosos, a bem do interesse público. Na perspectiva de definir o papel de instituições públicas, a Lei prevê e define as funções do Ministério Público, dentre elas, a de instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias, inquérito policial; zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais asseguradas ao idoso, promovendo medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; inspecionar entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata essa Lei, adotando de pronto as medidas necessárias à remoção de irregularidades verificadas; requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços de saúde, educacionais e de assistência social públicos, para o desempenho de suas atribuições; dentre outras. A Lei estabelece ainda os mecanismos judiciais e os crimes sujeitos a penalidades, inclusive, a quem discriminar a pessoa idosa; abandoná-la em hospitais, casas de saúde ou entidades de longa permanência; não prover suas necessidades básicas, quando obrigadas por lei ou mandado; expô-la a perigos de integridade e de saúde, física ou psíquica, submetendo-a a condições desumanas ou degradantes ou privando-a de atendimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado; incluindo penalidades àqueles que se apropriarem ou desviarem bens, proventos, pensões ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade; reter o cartão magnético de conta relativa a benefícios, proventos ou pensões do idoso, bem como qualquer outro documento com o objetivo de assegurar recebimentos ou ressarcimento de dívida; coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração. É claro, nessa Lei, o papel do Estado, legislador de leis e diretrizes, mas não o dever de garantir os direitos sociais, políticos e civis, antes, ao contrário, estes são de responsabilidade de todos e de cada um, da boa vontade dos cidadãos de bem, das empresas cidadãs, de organizações com e sem fins lucrativos, desde que observe a lei. 244 A própria Lei estabelece o Ministério Público, a Vigilância Sanitárias, e os Conselhos, como órgãos competentes na fiscalização das entidades de atendimento ao idoso; cabendo aos Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa a supervisão, o acompanhamento, a fiscalização da política nacional do idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-administrativas. Nessa perspectiva, a política setorial e instrumentos de garantia de direitos como o Estatuto do Idoso, constituem uma “nova” cultura de fazer política social, aquela que divide responsabilidades sociais no trato das refrações da questão social, impregnando, inclusive, os discursos de setores populares progressistas de parte da sociedade civil, os movimentos sociais, parcela da esquerda, intelectuais, dentre outros. Essas tendências reatualizam a cultura privacionista no enfrentamento da “problemática social” do envelhecimento e as “novas” simbioses entre proteção social “pública” e “privada”, as auto-implicações entre essas esferas, expressas na participação da sociedade civil, na sua responsabilização como espaço de proteção social, parceira do Estado ou com iniciativas autônomas. Nessa perspectiva, o modelo liberal de proteção social é legitimado, sob nova roupagem, já que o Estado não pode se desvencilhar da proteção social, embora a faça, distribuindo responsabilidades com a sociedade civil (com ou sem recursos públicos), uma co-responsabilização pelo atendimento das refrações da questão social, reorganizando suas funções, diminuindo-as quanto à garantia de direitos e abrindo amplos espaços de atuação da iniciativa privada. Essa perspectiva da proteção social tem significado, sem dúvida, um retorno ao âmbito privado da reprodução social dos trabalhadores e sua família. No Brasil, essa perspectiva tem sido um reforço ao modelo histórico de proteção social, principalmente, na assistência social, de parceria com entidades beneficentes, filantrópicas, religiosas, ou nas versões modernas, mas, tendo em comum a difusão de valores de solidariedade interclasse, trabalho voluntário, auto-ajuda e ajuda mútua comunitária e familiar, inviabilizando, desse modo, os preceitos constitucionais de universalização, de definição dos deveres do Estado com a proteção social. Todavia, essa atualização do ideário liberal (sob nova forma) não se restringe à execução da política, ao seu desenho institucional, mas está presente também nas propostas de intervenção social ou no trabalho social desenvolvido com os idosos inerentes às atividades dos programas, à sua filosofia e princípios que os regem. Esses programas são 245 ativos na auto-responsabilização dos indivíduos pela sua situação de precariedade, são expressão da simbiose entre o “público” e o “privado”, mesmo quando são respostas estatais, enviam para o privado, para o individual, as soluções da problemática, reatualizando-se as propostas de reforma moral, educativa, do indivíduo e da sociedade, cuja terapêutica gerontológica constitui a ideologia e a proposta de pedagogia da velhice. Assim, reatualiza-se um formato histórico de trato da questão social, aquele fundado no universo do conservadorismo e do reformismo integrador, em que o cuidado com as manifestações da questão social é expressamente desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social. Assim, as ações públicas e privadas promovem não apenas uma despolitização da questão social, pulverizada em situaçõesproblema sem relação em comum entre elas, mas também atribuem unilateralmente aos indivíduos a responsabilidade por suas dificuldades, por se centrarem num trabalho social cujo alvo das mudanças, da integração, da socialização é o indivíduo. Esse pensamento conservador perpassa as várias disciplinas e é a fonte que alimenta o discurso gerontológico, a “terapêutica gerontológica” do lazer e da educação permanente, como formas de enfrentamento da problemática do envelhecimento, fundamentos dos programas para a “terceira idade”, cuja existência é anterior à Política Nacional do Idoso. Eles emergem da iniciativa privada e se difundem como modelo de política social para idosos não-institucionalizados, nas organizações públicas e privadas, propagando não apenas um modelo de trabalho social com idosos, mas também gerando consensos em torno do diagnóstico daquela problemática, princípios e fundamentos que regem as ações consideradas prioritárias, as atividades desenvolvidas e os objetivos a serem alcançados. Embora esses programas não esgotem as novidades da PNI, é o que esta traz de inovação, as chamadas formas alternativas de convívio, participação e ocupação do idoso, de onde nascem os princípios de autonomia, participação e independência dos idosos, e o paradigma da velhice saudável, ativa e produtiva. As iniciativas da sociedade civil de proteção social ao idoso, sob o ideário da responsabilidade empresarial, e a sua proliferação na década de 1990, através de outras organizações sociais, instituem uma nova modalidade de serviços sociais, baseada no mix público/privado. Assim, penetram no aparelho de Estado que as regulam, normatizam, legalizam, através de diretrizes e princípios que regem a política setorial; adotam como modelo de fazer política social incentivando, financiando ou apenas responsabilizando a 246 sociedade civil, sob a retórica de ampliar sua participação social. Todavia, por essa sociedade civil não se constituir um conjunto indiferenciado de organizações, seu poder de decisão é limitado e redirecionado ao cooperativismo, o que tem redefinido a noção de participação social dessas organizações nas diversas etapas da construção e implementação da política pública, já que, para o capital e o Estado, a partilha de poder é apenas uma estratégia de desregulamentação dos direitos sociais, de cooperativismo, de solidarismo entre as classes no enfrentamento da questão social, mascarando os antagonismos de classes e os interesses de grupos. Todavia, tanto a sociedade civil quanto a burocracia estatal, “a rigor, não encerram em si campos fechados de expressão de interesses de uma determinada classe social, [...] antes, são instâncias da vida social cuja constituição é atravessada pela luta de classes” (ABREU, 1999, p.70), e dependem da correlação de forças. A conquista de espaços constitutivos de hegemonia para a classe trabalhadora requer a manutenção das lutas e desses espaços contraditórios como mecanismos de socialização da política; a defesa da política pública como mecanismo de acesso ao fundo público; a democratização das relações sociais, necessitando, entretanto, de inscrever essas lutas no horizonte societário da classe trabalhadora, fortalecendo a solidariedade intraclasse e desvelando o discurso do cooperativismo na produção e reprodução social. 247 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sobre o envelhecimento do trabalhador, como problemática social, e sobre as formas de enfrentamento pelo Estado e pela sociedade brasileira, a partir dos anos de 1990, no contexto de reestruturação das políticas sociais e de reformas do Estado brasileiro, podem-se depreender e delinear, a partir desse processo investigativo exposto nos capítulos anteriores, algumas considerações finais. O envelhecimento do trabalhador constitui-se como problemática social na ordem do capital, em virtude da vulnerabilidade social em massa dos trabalhadores, em especial, quando perdem o valor de uso para o capital pela idade. Esses por não disporem dos meios de produção, de rendas advindas da propriedade, dos meios de socialização da riqueza socialmente produzida, capaz de garantir uma velhice digna, e de uma família com meios e recursos disponíveis para responder às dificuldades sociais vividas por grande parte desses trabalhadores, principalmente, em famílias empobrecidas, situação agravada com o desemprego estrutural, com a precarização do trabalho, dentre outras vicissitudes sociais, que impedem os familiares de prover cuidados e a subsistência do grupo, nessas circunstâncias esses idosos são então, submetidos à pobreza, à dependência dos recursos públicos e privados, ao abandono, às doenças, etc. Portanto, as condições materiais de produção e reprodução social sob a lógica do capital, da produção para valorização do capital e não de satisfação de necessidades humano-sociais, são geradoras de desigualdades sociais, pobreza, desemprego, população excedente, as “vidas sem valor”, as desvalorizações e degradações sociais. Essas desigualdades sociais são reproduzidas e ampliadas no envelhecimento do trabalhador, que tem suas necessidades sociais rebaixadas, submetidas a mínimos sociais para sua sobrevivência e de sua família. Esses determinantes materiais somam-se aos subjetivos, culturais, como a predominância do valor econômico dos indivíduos, que promove desvalorização social (os destituídos de renda) principalmente, quando retirados do mundo produtivo, quando perdem a rentabilidade para o capital, perdendo a qualidade de homem (econômico), parâmetro para a definição dos direitos humanos e de “cidadania”76. 76 Como destaca Kurz (2003), os direitos humanos e de cidadania se definem na sociedade capitalista pelo caráter de igualdade formal entre os sujeitos econômicos, para dar liberdade aos sujeitos do mercado, garantir a propriedade privada e a segurança policial das transações. Assim, o “homem, neste sentido, não é mais do 248 Envelhecer para o trabalhador na ordem e no tempo do capital é ter seu tempo de vida subordinado ao tempo de trabalho, mesmo depois de aposentado, para os trabalhadores velhos de baixa renda no capitalismo periférico brasileiro, ou ter seu tempo livre submetido às exigências de reprodução social do capital e de controle social que se estende ao envelhecimento, submetendo o idoso, ao planejamento externo de comportamentos, atitudes, sentimentos, consciência e mecanismos organizativos. Mas, sob a mascara da valorização social dos velhos, o que corresponde a uma pseudovalorização, posto que não foi superada a produção para fins de valorização do capital, antes, atingiu novos patamares, expandindo-se a setores e segmentos antes não mercantilizáveis ou consumidores. As práticas temporais, regidas pelo capital, promovem uma exacerbação das experiências negativas com o tempo, como transcurso de anos, dias, horas, um tempo linear, abstrato, tempo da medida do valor, enfim, o tempo da produção de mercadorias e de consumo, que exige cadências cada vez mais rápidas de informações, técnicas, tecnologias, tornando obsoletos e sem valor de uso imenso contingentes populacionais, dentre eles, os trabalhadores velhos, constituindo-se condição de desvalorização aos destituídos de renda ou submetidos a mínimos sociais para a subsistência, e de pseudovalorizações para os detentores de renda, alvo da “socialização libertadora”, ou da “pedagogia da velhice”, expressa na arte de saber envelhecer com qualidade de vida, das inúmeras iniciativas e propostas de trabalho social com idosos nas últimas décadas. A essas determinações gerais, acrescentam-se outras particulares às condições de emergência e expansão da ordem capitalista na sociedade brasileira, tais como aquelas relacionadas à enorme concentração de renda, marcada pelas disparidades entre rendimentos do capital e do trabalho, superexploração do trabalho, imensas massas excedentes (quase a metade da população economicamente ativa) sobrevivendo num mercado marginal e informal da economia, formas modernas de subsunção do trabalho ao capital e outras expressões próprias da dinâmica conflitiva e contraditória da relação entre classes antagônicas na periferia do sistema capitalista. que o ser produtor de mercadorias e ganhador de dinheiro, os ‘direitos’ elementares da sua existência, até a ‘integridade’ de sua vida e do seu corpo, só podem ser possuídos na medida em que tenha alguma coisa, ou, no mínimo, ele próprio [...] para vender, ou seja, tenha, por seu lado, capacidade de pagamento”. Perdendo a condição de economicamente utilizável e a funcionalidade, os trabalhadores velhos não são, em princípio, sujeitos de direitos. Sua luta é uma afirmação da condição de homem no sentido pleno do tempo, de humano. 249 Essas determinações da problemática social do envelhecimento dos trabalhadores continuam se reproduzindo em escala ampliada pelas novas formas de exploração e pelas precariedades no trabalho e pelo desmonte da proteção social historicamente, construída em resposta a essas mazelas sociais, que amenizaram, nos países capitalistas europeus, essa vulnerabilidade, mediante políticas de seguridade social, também adotadas na periferia do sistema, como no Brasil, reduzindo os níveis de indigência social para frações da classe trabalhadora, mas incapazes de romper com o ciclo da pobreza decorrente da apropriação privada da riqueza. A configuração da problemática social do envelhecimento do trabalhador, mesmo com a existência dessas políticas, pelo resgate de suas condições de vida, a partir de indicadores sociais como: renda, trabalho, educação, situação familiar, condições de saúde, aponta um perfil diferente se tomado o grupo etário como um todo homogêneo e definido apenas pelo critério da idade. Abstraindo-se apenas as condições socioeconômicas dos “possivelmente” pertencentes às classes subalternas, esse perfil se altera, constituindo duas classes de idosos. Uma delas dos trabalhadores idosos, que mesmo aposentados (87,0% entre os idosos do sexo masculino, e 78,0% entre idosas mulheres são cobertos pela aposentadoria e assistência social), ainda estão com suas famílias, ou as famílias nucleares com filhos, ou as famílias extensas, em estado de pobreza (18,3% e 23,2% respectivamente), somadas às que estão em estado de indigência (9,3% e 12,6% respectivamente), encontramos graus de desigualdades extremas que se reproduzem na velhice dos trabalhadores que tiveram piores condições de vida e trabalho ao longo do ciclo da vida. Outra característica típica da realidade brasileira é a permanência dos idosos no sistema produtivo, quase 50% dentre os idosos e um terço entre as idosas, ainda trabalha, em piores situações de trabalho, sem carteira profissional, quando inseridos no mercado formal. Geralmente, porém, esses idosos situam-se no setor informal ou de subsistência, em trabalhos por conta própria, autônomos, em atividades agropecuárias e comércio, realidade comum aos mais pobres. Essas fontes de renda, ainda que mínimas, permitem aos idosos manterem e chefiarem suas famílias. Assim, nem o envelhecimento marginalizado pela restrições nos papéis sociais (produtivos e familiares), que geram depressão, solidão, isolamentos, exclusões das relações sociais, tão propagados por uma parte da gerontologia, nem o seu inverso, do envelhecimento como a melhor fase da vida, idade do prazer, do 250 lazer, de realizações, caracterizam o envelhecimento dessa fração da classe trabalhadora, interditando com isso, análises generalizantes e a-classistas. O sistema de proteção social, montado para responder à vulnerabilidade em massa da classe trabalhadora, como a da idade – marcada pela perda da capacidade laboral para o trabalho formal e pelas incapacidades físicas e mentais, causadas não apenas pelo avanço da idade, mas também pelas condições de vida e de trabalho ao longo do ciclo da vida –, baseado no princípio da solidariedade social administrada pelo Estado, coloca-se como destacam Abreu e Lopes (2003, p.3) “como superação dos constrangimentos presentes das redes assistencialistas consubstanciadas na caridade religiosa e na filantropia e como conquista do direito ao serviço público garantido pelo Estado”. Esses sistemas de proteção públicos são para o capital, mecanismos de quebra da solidariedade entre os trabalhadores, transmutando-a para uma solidariedade entre capital e trabalho, mascarando o antagonismo, as desigualdades sociais, a distribuição desigual da riqueza e o domínio do capital sobre a produção. Esses sistemas públicos mantiveram relações com graus diferenciados de interações e complementaridades, como os sistemas privados (mercantil ou não-mercantil), mas se mantiveram como hegemônicos, além de manterem formas de intervenção social que representam continuidades com o trato liberal, como a individualização, psicologização dos problemas sociais. Nos países periféricos, como o Brasil, a montagem do sistema público é também contraditória e marcada pela reprodução das desigualdades sociais nas formas de inclusão, além das interações com o sistema privado (mercantil ou não-mercantil) ser uma constante. Mesmo expandindo o sistema público, a partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil o faz numa lógica de assistencialização, de mínimos sociais, nas políticas de acesso à renda; de precarização de serviços, mesmos os formalmente universais, como a saúde pública, considerando que sua implementação se dá numa conjuntura adversa às conquistas constitucionais, como a crise da solidariedade social administrada pelo Estado. A crise do Estado e o esgotamento do padrão de proteção social, que tem no Estado o seu organizador, são determinadas pela reestruturação do capital e das novas exigências de regulação que imprimem. As medidas de políticas públicas de cunho social, por gerarem direitos, são consideradas empecilhos para a nova etapa expansiva do capital e 251 passam a ser alvo de desmonte, em menor ou maior proporção, considerando a tradição dos sistemas públicos ou a resistências ao desmonte. Os ataques não são apenas ao sistema público de proteção social, mas, de uma forma geral, à noção de público estatal, uma nova forma de privatização do Estado (pela sua restrição ao atendimento das demandas dos trabalhadores), dissimulada pelas novas estratégias do capital, na recomposição das bases de hegemonia, consubstanciadas nas novas formas de solidariedade e de cooperativismo entre as classes sociais, como os discursos de retorno da solidariedade para a sociedade, para as redes familiares, comunitárias, organizações não-governamentais, como mecanismo de descentralização da proteção social, para torná-la mais próxima dos indivíduos, com o auxílio de ideais de auto-ajuda, ajuda mútua, ajuda solidária da sociedade civil. Nessa perspectiva, a redefinição das fronteiras entre “público” e “privado”, ou de novas interpenetrações entre essas esferas é essencial a esse projeto de classe, expresso nas noções de expansão do público, para além da dimensão do Estado, para incluir as ações das organizações da sociedade civil, sob o argumento de revitalizá-la, de acioná-la como mecanismo de controle social, de ampliar a chamada “esfera pública” - como espaço virtual entre Estado e mercado e como espaço autônomo, independentemente dos interesses de classes, gerando uma nova institucionalidade de público não-estatal -, ocultando o reforço à cultura privacionista e a restrição do papel do Estado no enfrentamento da questão social. As formas de respostas contemporâneas à problemática do envelhecimento, indelevelmente, têm a marca desse novo metier de fazer política social (uma velha marca da política social brasileira), redirecionando o desenho instituído com a Constituição Federal de 1988, cujas tendências apontam: 9 Novas formas de respostas emergem da iniciativa privada, sob a forma de filantropia empresarial, expressão da sociedade civil como espaço de proteção social (com recursos públicos ou não); 9 As novas formas de filantropia buscam, como já fazia sob o ideário liberal, criar suas próprias formas de enfrentamento da questão social, como campo de ajuda solidária, de trabalho voluntário, de responsabilidade empresarial com o bemestar da comunidade, mascarando as contradições e os interesses antagônicos; 252 9 A filantropia reatualiza a ação social como campo da reforma moral e intelectual do homem, no qual o trabalho social só poderia se centrar na dimensão educativa e sociocultural, no caso do envelhecimento, convertido em terapias de valorização social, de integração materializados em ações que buscam a ocupação do tempo livre, em alteração de papéis sociais e do sentido de utilidade, com a atualização cultural, reciclagem de informações, ou seja, centram-se exclusivamente na capacidade individual de adaptação, de integração e socialização que atribui uma responsabilidade individual aos idosos pelos seus problemas e na sua atenuação; 9 Esse trabalho social com idosos são poderosos mecanismos de controle social sobre o tempo de vida dos trabalhadores, incluindo seu tempo livre, no seu envelhecer, quando não devem mais explicação ao capital, um controle não apenas da pobreza, mas também das formas de associativismo e de consciência social desses velhos trabalhadores, direcionadas ao hedonismo, ao lazer, ao cooperativismo, trabalho voluntário, e outras questões dissociadas das relações de trabalho e exploração. 9 “Verifica-se, então, a reatualização da filantropia como a reafirmação de sua função histórica, isto é, de controle sobre ‘pobres’ e ‘necessitados’, e de reprodução da sujeição das massas trabalhadoras à dominação de classe” (ABREU; LOPES, 2003: p.4). Uma estratégia que visa despolitizar a questão social e desmontar as conquistas históricas do trabalho, da sua reprodução social com os recursos públicos, sem prejuízos para a reprodução do capital, antes ao contrário, constituise estratégia de privatização desses recursos, mercantilizando serviços ou filantropizando aqueles destinados aos mais pobres, todos utilizando recurso do Estado e dos trabalhadores. 9 A ação estatal, mediante legislação social e política setorial nacional, legalizam as novas modalidades de prestação de serviços sociais envolvendo o mix público/privado, como parte do modo de fazer política social, materializando a noção de descentralização não apenas na sua dimensão administrativa entre entes governamentais, mas principalmente da esfera pública para a esfera privada, e outras formas de participação da sociedade civil nos processos decisórios, de planejamento e fiscalização da política social; 253 9 A legislação considerada moderna institui modalidades de proteção social aos idosos que ampliam, formalmente, o atendimento de suas necessidades sociais, como de educação, lazer, cultura, trabalho, dentre outras. Todavia, sua garantia, como direitos sociais, é camuflada pelo campo nebuloso do público não-estatal (que só pode ser campo de ajuda, esporádica, eventual, inconstante, local), e pela divisão de responsabilidades com a sociedade civil; 9 Apesar de instituir os mecanismos de gestão democrática, O Estado limita seu poder de ação, posto que são partes das estratégias do capital e que têm no Estado o mediador desses processos de hegemonia, que busca “apropriar-se perversamente do discurso, dos métodos e das formas utilizadas pelas classes trabalhadoras para construírem a sua cultura de resistência e oposição” (MOTA, 2000: p.220), sob a face de modernização da gestão, institucionalizando e moldando, assim, esses espaços como de parceria, de colaboracionismo, parte da cultura do solidarismo entre classes no enfrentamento da questão social; 9 Apesar de serem parte das tentativas de firmar responsabilidades do Estado com a “problemática social” do envelhecimento, as Leis instituem, ao mesmo tempo, as divisões de responsabilidades, legitimando socialmente as iniciativas privadas como modalidades de prestação de serviços sociais, intermediando a relação Estado/cidadãos, utilizando recursos públicos para manter suas burocracias e as ações sociais, mas sob a forma de ajuda solidária. Assim, os programas para idosos da filantropia, a política setorial nacional e o Estatuto do Idoso compõem um desenho de política social para idosos, que é refratário (parte constituinte e constituída) das tendências de uma “nova” cultura de fazer política social, aquela que divide responsabilidades sociais no trato das refrações da questão social com a sociedade civil, não através de financiamento via impostos progressivos, no qual aumenta a tributação do contribuinte à medida que cresce sua renda (realidade que não se aplica ao Brasil, que retira a maior parte de sua receita de tributos indiretos e cumulativos que incidem sobre o consumo), mas através da sua ação direta das organizações da sociedade civil, como espaço de proteção social, de execução da política social (com ou sem recursos públicos). Essa tendência de redução da demanda do Estado restringe a sua ação à normatização, ao estabelecimento de diretrizes e princípios, de regras e normas que 254 uniformizam as ações dispersas, os mecanismos de fiscalização, etc, uma regulação externa, sem a responsabilidade pela proteção social, exceto para os mais pobres entre os pobres, condição para a mercantilização e filantropização de serviços sociais, enfim, ocorre uma restrição dos espaços de reprodução do conjunto dos trabalhadores e de efetivação de direitos sociais e, ao mesmo tempo e pelas mesmas mediações, legitimam as terapias de ajustamento e integração social que transfiguram problemas sociais em problemas individuais, cujo trato se dirige para modificar ou redefinir características pessoais do indivíduo, acionar motivações à mudança. Essas iniciativas, para além da cobertura de novas necessidades dos idosos, de responsabilidade social com os “excluídos”, com a comunidade, são também geradoras de novas necessidades de consumo, de comportamentos, atitudes, sentimentos considerados legítimos para essa faixa etária, além de ser poderosos instrumentos de controle do “tempo livre” dos idosos, principalmente os que têm potencial para o consumo e tempo liberado do trabalho (e com renda), igualado a tempo de lazer, de realização, ao mesmo tempo em que mascaram a problemática do envelhecimento dos trabalhadores, em especial os que necessitam ainda do trabalho para sobreviverem dignamente, para os quais se estende o tempo de trabalho a todo o seu tempo de vida., Uma nova sensibilidade capaz de valorizar o ser humano, inclusive o ser social que envelhece, como destaca Antunes (2001), só é verdadeiramente possível por meio da demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo de não-trabalho, impostos pela ordem do capital, com o fim da divisão hierárquica que subordina o trabalho ao capital, logo, em bases inteiramente novas e fundadoras de uma nova sociabilidade capaz de gerar atividade vital cheia de sentido, autodeterminada. A valorização do trabalhador, em especial dos envelhecidos, requer uma transformação radical impossível obter esses resultados através de algumas reformas, ou de políticas sociais, deixando sem alterações o sistema capitalista. Essas políticas são resultantes dos equilíbrios instáveis entre forças sociais, expressam lutas sociais, contradições, administração de conflitos dentro da ordem, que tem se revertido, para além do atendimento de necessidades sociais transformadas em demandas, em instrumentos de tutelas, de controle social do tempo de vida, da consciência, organização e outras manifestações das classes subalternas, de controle da pobreza, de segmentações da classe trabalhadora e de quebra da solidariedade intraclasse. 255 Um novo sentido ao tempo de vida do trabalhador, do nascer ao envelhecer, será sempre limitado, terá dimensões de pseudovalorização, enquanto prevalecer à produção de riquezas para a expansão do capital e para satisfazer suas necessidades reprodutivas, e não a produção para a satisfação de necessidades do desenvolvimento humano. Nessa perspectiva, a ampliação do tempo de vida, ou do “tempo livre” nunca significará enriquecimento do gênero humano, na ordem do capital, mas sempre gerará pseudovalorização de uns e a completa desvalorização de outros. Isto porque, há muito o “tempo livre” serve de stock de mercadorias, de bens e serviços necessários a reprodução do capital. A libertação do tempo de vida do trabalhador do jugo do capital se dará através de um projeto revolucionário em direção a uma sociedade sem classes, ao comunismo que “suprime tudo o que existe independentemente dos indivíduos” (DEBORD, 2005, p.111). Somente na sociedade dos produtores associados, se obtém uma diminuição do tempo de trabalho, com a conseguinte possibilidade para o trabalhador de satisfazer necessidades mais elevadas, em qualquer momento do seu tempo de vida, posto que modifica toda a estrutura de necessidades, com o fim da divisão social do trabalho, inclusive o trabalho se converte em atividade, e a riqueza do gênero e do indivíduo coincidem. 256 BIBLIOGRAFIA ABREU, M. M. A relação entre Estado e a sociedade civil – a questão dos Conselhos de Direitos e a participação do Serviço Social. Serviço Social & Movimento Social, São LuísMA: EDUFMA, v.1, n.1, p. 61-76, 1999. ____________ Solidariedade e participação no contexto da atual reestruturação capitalista: aspectos conceituais e questões pertinentes à classe trabalhadora. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 2., 2005. Anais... Maranhão: UFMA, 2005. 1 CD-ROM. _________; LOPES, J. B. 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