UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS PRATICADOS POR NOTÁRIOS E REGISTRADORES KÁTIA COSTA DE ALMEIDA DECLARAÇÃO “DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”. ITAJAÍ (sc), de Novembro de 2010. ___________________________________________ Professor Orientador: MSc. Emerson de Morais Granado UNIVALI – Campus Itajaí-SC UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS PRATICADOS POR NOTÁRIOS E REGISTRADORES KÁTIA COSTA DE ALMEIDA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc Emerson de Morais Granado Itajaí, 22 de novembro de 2010 AGRADECIMENTO Agradeço inicialmente ao meu orientador, Prof. Ms. Emerson Granado, pela atenção e paciência dispensada; à minha família pela confiança e aos amigos pela luta e conseqüente vitória que conquistaremos juntos. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a meus queridos pais, Geraldino e Carmem, que sempre foram meus amigos e confidentes, pelo estímulo e carinho que sempre destinaram a seus filhos, bem como a minha irmã Patrícia e ao meu esposo, Alexandre, que sempre está presente, me auxiliando no que é preciso. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, 22 de novembro de 2010 Kátia Costa de Almeida Graduanda PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Kátia Costa de Almeida, sob o título Responsabilidade Civil do Estado por ato dos Notários e Registradores, foi submetida em 22 de novembro de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc Emerson de Morais Granado Orientador e Presidente da Banca e Esp. Eduardo Erivelton Campos Coordenador da Monografia, e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]). Itajaí, 22 de novembro de 2010 MSc Emerson de Morais Granado Orientador e Presidente da Banca Esp Eduardo Erivelton Campos Coordenação da Monografia ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Conduta “[...] a ação (ou omissão) humana [...] guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou prejuízo” 1. Culpa “É a violação, por negligência, imprudência ou imperícia, do dever de bem desempenhar as funções públicas” 2. Dano “É o prejuízo sofrido pela vítima, sendo este elemento objetivo do ato ilícito, ocasionado pela diminuição de um bem jurídico qualquer do lesado” 3. Dolo “Intenção livre e consciente de violar a lei para alcançar interesses ilegítimos” 4. Estado “É o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados em um território determinado e submetidos à autoridade de um poder público soberano, que lhes dá autoridade orgânica”5. 1 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: (abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil) / Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. São Paulo Saraiva, 2003, p. 31. 2 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais. Curitiba: Juruá, 1996, p. 163/164. 3 SAAD, Renan Miguel. O ato ilícito e a responsabilidade civil do estado. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1994, p. 67. Nexo de Causalidade Elo etiológico que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano, visto que somente poderá ser responsabilizado aquele cujo comportamento deu causa ao prejuízo. Notários São, no direito brasileiro, serventuários públicos, investidos de fé pública, que têm por função precípua lavrar atos contratos em livros de notas, conferindo-lhes autenticidade. 6 Registradores Também chamados de oficiais de registros públicos, são serventuários e funcionários públicos que têm por função registrar atos, contratos, para lhes conferir publicidade, autenticidade, segurança e validade destes. Responsabilidade Civil “É obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam” 7. Responsabilidade Civil Objetiva “(...) o sistema objetivo de responsabilidade é embasado na idéia de risco da atividade, respondendo o agente independentemente da existência de culpa” 8. Responsabilidade Civil Subjetiva 4 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais, p.167. 5 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 553. 6 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 117-118. 7 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 4v, p. 6. 8 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 2v, p.546. “É a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável” 9. Responsabilidade Contratual “Obrigação de indenizar ou de ressarcir os danos causados pela inexecução de cláusula contratual ou pela má execução da obrigação nela estipulada”10. Responsabilidade Extracontratual “Obrigação de reparar o dano, mesmo por fato de outrem, nos casos em que a própria lei especifica”11. 9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência. 6. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995, p.18/19. 10 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 1223. 11 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 1223. SUMÁRIO RESUMO ......................................................................................... XIII INTRODUÇÃO ................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 5 O ESTADO ......................................................................................... 5 1.1 A EVOLUÇÃO SOCIAL DO ESTADO ENQUANTO SOCIEDADE POLÍTICA 5 1.1.1 TEORIAS DO SURGIMENTO DO ESTADO ............................................................. 11 1.1.1.1 Teoria da origem familiar .................................................................................. 11 1.1.1.1.1 Teoria patriarcal ..................................................................................... 12 1.1.1.1.2 Teoria matriarcal .................................................................................... 12 1.1.1.2 Teoria da origem patrimonial............................................................................ 13 1.1.1.3 Teoria da força ................................................................................................... 14 1.1.2 O ESTADO ORIENTAL...................................................................................... 15 1.1.3 O ESTADO GREGO.......................................................................................... 15 1.1.4 O ESTADO ROMANO ....................................................................................... 17 1.1.5 O ESTADO MEDIEVAL ..................................................................................... 18 1.1.6 SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO ............................................................... 20 1.1.7 ESTADO CONTEMPORÂNEO ............................................................................. 22 CAPÍTULO 2 .................................................................................... 24 RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................................... 24 2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................... 24 2.2 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................ 25 2.2.1 DISTINÇÃO ENTRE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL ........ 25 2.2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA .............................................................. 27 2.2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA ............................................................... 29 2.2.3.1 Excludentes da Responsabilidade Civil .......................................................... 30 2.2.3.1.1 Estado de necessidade (art. 188, II e parágrafo único do Código Civil): 31 2.2.3.1.2 Legítima Defesa (art. 188, I, 1ª parte, do Código Civil) .......................... 32 2.2.3.1.3 Exercício regular de direito (art. 188, I, 2ª parte, do Código Civil): ......... 34 2.2.3.1.4 Estrito cumprimento do dever legal ........................................................ 34 2.2.3.1.5 Caso fortuito e força maior ..................................................................... 35 2.2.3.1.6 Culpa exclusiva da vítima....................................................................... 36 2.2.3.1.7 Fato de terceiro ...................................................................................... 37 2.2.3.1.8 Cláusula de não indenizar ...................................................................... 37 2.3 ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ..................... 38 2.3.1 CONDUTA....................................................................................................... 39 2.3.2 DANO ............................................................................................................ 41 2.3.3 NEXO DE CAUSALIDADE .................................................................................. 41 CAPÍTULO 3 .................................................................................... 44 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS PRATICADOS POR NOTÁRIOS E REGISTRADORES ................... 44 3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ................................................... 44 3.1.1 TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE .................................................................... 44 3.1.2 TEORIAS CIVILISTAS ........................................................................................ 45 3.1.3 TEORIAS PUBLICISTAS..................................................................................... 46 3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO ...... 48 3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS PRATICADOS POR NOTÁRIOS E REGISTRADORES ........................................................................ 50 3.3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ...................................................................... 50 3.3.2 DA NATUREZA JURÍDICA DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES ............................. 51 3.3.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES ....................... 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 65 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 69 RESUMO Esta monografia, realizada com base em pesquisa científica, apresenta e analisa, sob o prisma da interpretação doutrinária, bem como da legislação pátria, a possibilidade do Estado ser responsável civilmente por atos praticados pelos notários e registradores. Destaca-se que o estudo do tema é importante, entre outros motivos, pela sua atualidade e relevância, devido aos constantes debates e questionamentos doutrinários sobre o tema. O presente trabalho é composto por três capítulos, que se destacam pelos seguintes conteúdos: no primeiro capítulo, consta como resultado da pesquisa a realização de uma prévia abordagem acerca da organização do Estado, desde a sua origem em sociedade política até o Estado atual; no segundo capítulo, como produto final da investigação se obteve os aspectos gerais que fundamentam a responsabilidade civil, seu conceito, distinções e peculiaridades; e no terceiro capítulo o conteúdo versou sobre os aspectos da responsabilidade civil do Estado, em particular com relação aos atos praticados pelos notários e registradores. Do mesmo modo, analisou-se a responsabilidade civil direta dos notários e registradores e de seus prepostos. Com a pesquisa se verificou que, no caso vertente, se trata de responsabilidade objetiva do Estado, conforme os preceitos do art. 37, § 6º da mesma norma. Esta responsabilidade civil do Estado, embora haja divergências, é solidária, de modo que o terceiro lesado poderá ingressar com a ação de reparação de danos diretamente contra o Estado, contra o notário ou o oficial de registro, ou, ainda, contra o preposto, caso estes ajam com dolo ou culpa. Poderá, ainda, acioná-los conjuntamente. A responsabilidade dos notários e registradores é, todavia, subjetiva, sendo-lhes assegurado, ainda, o direito à ação de regresso contra os prepostos ou funcionários das serventias que, com dolo ou culpa, eventualmente causem danos a terceiros. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto de estudo a possibilidade do Estado ser responsável civilmente por atos praticados por notários e registradores. O estudo do tema se mostra de grande valia, por se tratar de matéria de relevante importância para convivência harmoniosa num grupo social que se sujeitam as regras impostas pelo Estado, além da sua atualidade e relevância, devido aos constantes debates e questionamentos doutrinários, mormente em relação à responsabilidade do Estado em razão dos atos praticados por notários e registradores. Deve-se ressaltar que o trabalho tem como objetivo institucional produzir monografia para fins de obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Como objetivos investigatórios, em termos gerais, analisar a responsabilidade civil do Estado por atos praticados pelos notários e registradores que venham a ocasionar danos a terceiros. O presente trabalho tem os seguintes objetivos específicos: a) pesquisar, sintetizar e descrever sobre a organização Estatal, desde a sua concepção até o modelo atual; b) investigar, resumir e comentar a respeito dos principais aspectos da responsabilidade civil; c) investigar, analisar e descrever acerca da responsabilidade civil do ente estatal e da possibilidade deste se responsabilizar pelos atos praticados pelos notários e registradores, no exercício de suas funções públicas, as quais são delegadas pelo Estado. Como desafio e fundamento dos referidos objetivos investigatórios, a autora deste trabalho enfrentou dois problemas e respectivas 2 hipóteses, abaixo destacadas, que serviram de ânimo para a efetivação da pesquisa relatada nesta Monografia. Primeiro problema: O Estado pode ser responsabilizado por atos praticados por notários e registradores? Hipótese: Em razão da qualidade de agentes públicos dos titulares das serventias, recai sobre o Estado a responsabilidade proveniente de danos causados a terceiros pelos serviços notariais e de registro. Segundo problema: A Responsabilidade do Estado Federado decorrente de atos praticados pelos notários e registradores é objetiva ou subjetiva? Hipótese: O art. 37, § 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 198812, prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público. Contudo, não especificou quais os entes responsáveis, nem tampouco exonerou qualquer deles. Destarte, sendo os notários e registradores agentes públicos, incide, em tese, o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, respondendo a Fazenda Pública, de forma solidária, pelos atos desses agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros. A presente Monografia está composta de três capítulos. No Capítulo 1 principia-se com a realização de uma prévia abordagem acerca da organização do Estado, desde a sua origem em sociedade política até o Estado atual. No Capítulo 2 irá se discorrer sobre a evolução histórica da responsabilidade civil, assim como sobre os aspectos gerais que a fundamentam. Serão abordados o seu conceito, suas classificações e, igualmente, os elementos 12 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, p. 52. 3 essenciais que a compõe. Mencionar-se-á, além disso, as excludentes da responsabilidade civil. No Capítulo 3 será tratada a responsabilidade civil do Estado propriamente dita. Far-se-á, primeiramente, um panorama histórico acerca desta modalidade de responsabilidade civil, mormente no ordenamento jurídico brasileiro. Posteriormente tratar-se-á da responsabilidade civil dos notários e registradores, assim como a responsabilidade civil do Estado pelos atos destes, praticados em prejuízo de terceiros. As categorias fundamentais para a monografia, bem como os seus conceitos operacionais, além daqueles apontados no rol de categorias, serão apresentados no decorrer da pesquisa. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a responsabilidade civil do Estado por atos praticados por notários e registradores. Quanto à Metodologia empregada, registrar-se-á que, na fase de investigação foi utilizado o método indutivo, na fase de tratamento de dados o método cartesiano, e, o relatório dos resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, acionar-se-ão as Técnicas do Referente13, da Categoria14, do Conceito Operacional15 e da Pesquisa Bibliográfica16, utilizando-se, sempre que possível, de fontes primárias. 13 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62. 14 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31. 15 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45. 4 Por derradeiro, a área de concentração está centralizada no posicionamento que reconhece a possibilidade de serem o Estado e os notários e registradores responsabilizados civilmente, de forma solidária, por atos e omissões que porventura ocasionem prejuízos a terceiros, quando do exercício da atividade notarial e de registro. A linha de pesquisa na investigação principiológica da Ciência Jurídica, quanto ao Direito Público, realizou-se na área temática do Direito Administrativo. 16 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239. CAPÍTULO 1 O ESTADO 1.1 A EVOLUÇÃO SOCIAL DO ESTADO ENQUANTO SOCIEDADE POLÍTICA Antes de se adentrar no tema Responsabilidade Civil do Estado, é necessária a realização de uma prévia análise acerca da evolução social do Estado, a qual resultou na formação da atual sociedade política. Vários são os posicionamentos existentes no que se refere às circunstâncias que fizeram com que os homens passassem a viver em sociedade. No entanto, na concepção de Menezes17, essa diversidade de teorias é de grande valia na medida em que trouxe à lume fundamentos e princípios necessários à compreensão dos complexos problemas estatais existentes. Uma primeira corrente, a qual tem como precursor o filósofo grego Aristóteles, parte do princípio que o homem é um ser social por natureza. Em sua obra A política, Aristóteles afirmava ser o homem um animal naturalmente político e acrescentava que “(...) só um indivíduo de natureza vil ou superior ao homem procuraria viver isolado dos outros homens sem que a isso fosse constrangido” 18. Outros filósofos também foram partidários desta corrente, dentre eles pode-se citar Cícero, filósofo romano que preconizava que “(...) a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o 17 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 3. 18 ARISTÓTELES. A política, Livro III, São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 9. 6 apoio comum”19; e Santo Tomás de Aquino, autor da Idade Média que, no mesmo norte, afirmava que “(...) o homem é, por natureza, animal social e político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que se evidencia pela natural necessidade”20. Desse modo, na concepção dos filósofos acima mencionados, a sociedade é proveniente de um fato natural, em que os homens, para a manutenção da sobrevivência, necessitam de mútua cooperação21. Em outro norte estão os adeptos da teoria racionalista, os quais afirmam que Estado teria surgido a partir da razão humana, ou seja, de um acordo de vontades pactuado entre os homens, são os chamados contratualistas. Maluf22 leciona que as teorias contratualistas, possuem como base de estudos as primitivas comunidades em seu estado natural. Entende que a partir de uma concepção metafísica do direito natural, essas teorias concluem que a sociedade civil (o Estado organizado) nasceu de um acordo utilitário e consciente entre os indivíduos. Este mesmo autor esclarece que o precursor da doutrina do direito natural e, via de conseqüência, do racionalismo da concepção de Estado, foi o holandês Hugo Grotius, que teria definido o Estado como sendo uma sociedade de homens livres que objetivam a regulamentação do direito e a consecução do bem-estar coletivo23. Vale destacar, ainda, as observações de Menezes24 em relação às concepções do filósofo alemão Emmanuel Kant. Para Kant, o homem reconhece, ainda que não tenha vivenciado qualquer experiência (razão pura), 19 CÍCERO, apud DALLARI, Elementos da teoria geral do estado. 20. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 10. 20 Santo Tomás de Aquino apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. p. 10. 21 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. p. 11. 22 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, 24. ed. rev. e atual. / pelo prof. Miguel Alfredo Maluf Neto. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 65. 23 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 65. 24 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. p. 81. 7 que é a causa necessária e livre de suas ações. Por outro lado, tem a consciência de que obedece a uma regra de conduta necessária, universal, inflexível, préexistente, ditada pela razão prática. A estas concepções deu o nome de imperativo categórico. Maluf, de igual modo, destaca a concepção deste filósofo acerca do surgimento do Estado: Conclui Kant que, ao saírem do estado de natureza para o de associação, submeteram-se os homens a uma limitação externa, livre e publicamente acordada, surgindo assim, a autoridade civil, o Estado25. De outro vértice, mostra-se necessária a análise da concepção da teoria do surgimento do Estado sob a ótica do filósofo inglês Thomas Hobbes. Para este filósofo, os homens, seres naturalmente maus, convivem em uma constante guerra. Todavia, diante da impossibilidade de conviverem nesta perene situação de conflito, acabam se organizando em sociedade com o escopo de conviverem em paz. Para Hobbes, esta organização em sociedade se opera através de um pacto social26. Hobbes, através de suas teorias absolutistas, preconizava que o Soberano, representado por um único homem ou assembléia de homens, seriam detentores de um poder absoluto, punitivo e coercitivo. Ressaltava ainda que, por serem detentores deste poder, estariam encarregados de promover a paz social. Já a sociedade, por seu turno, deveria renunciar os seus direitos, tudo em busca desta aludida paz social.27 25 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 66. 26 HOBBES DE MALMESBURY, Tomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiático e civil. Tradução João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: editor Victor Civita, 1983, p. 74. 27 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 67. 8 Em uma de suas obras, que intitulou como Leviatã, Hobbes, registrou informações acerca de sua concepção sobre as origens e definições do Estado. Tais registros foram postulados principalmente no título Do reino das trevas. Veja-se: [...] uma pessoa de cujos atos se constitui em autora de uma grande multidão, mediante pactos recíprocos de seus membros, com o fim de que essa pessoa possa empregar a força e os meios de todos, como julgar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comuns. O titular dessa pessoa se denomina SOBERANO e se diz que tem poder soberano e cada um dos que o rodeiam é SÚDITO seu. 28 Resta clarividente pelos aspectos acima destacados que Hobbes não só defendia que tanto o Estado como a sociedade possuíam suas bases em um contrato social, mas também demonstrava afeições ao absolutismo29. Ainda com bases contratualistas, porém, com ideais que iam de encontro às concepções absolutistas de Hobbes, o pensador inglês John Locke acreditava que a origem do Estado possuía raízes liberais. Nesse contexto, Locke preconizava que os homens não poderiam permitir que um poder arbitrário pudesse interferir em suas liberdades. Defendia, sim, a idéia de um pacto social, no entanto, este acordo não poderia ir de encontro às liberdades fundamentais dos indivíduos, como os direitos inerentes à personalidade humana, os quais são anteriores e superiores ao Estado30. Ademais, para Locke, o governo realizava uma verdadeira troca de serviços: de um lado, os súditos obedecem, mas são protegidos pelo 28 HOBBES DE MALMESBURY, Tomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiático e civil. p. 112. 29 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. p. 14. 30 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 69. 9 Estado; de outro, o governo dirige e resguarda a justiça; já o contrato, este é utilitário e seu objeto principal é o bem comum 31. Ressalta-se, ainda, que este filósofo impirista, além de repudiar as idéias absolutistas de Hobbes, apoiou os ideais que serviram de mola propulsora para a Revolução Inglesa de 1688. As considerações iniciais diziam respeito ao “Estado de Natureza”. Para Locke, este estado ocorre quando os homens vivem juntos, segundo suas razões, sem a interferência de um soberano. Senão veja-se: [...] é um estado de perfeita liberdade, sem ser, entretanto, um estado de licença, sendo regido por uma lei natural que obriga a cada um; e a razão, que se confunde com esta lei, ensina a todos os homens, se querem bem consultá-la, que, sendo todos iguais e independentes, nenhum deve criar obstáculo a outro em sua vida, sua santidade, sua liberdade e seus bens. Ao contrário, o estado de guerra é um estado de ódio e de destruição, daí promanando a diferença evidente entre os dois [...] quando os homens vivem juntos e conforme a razão, sem ter sobre a terra superior comum que tenha autoridade para julgá-los, se acham propriamente em estado de natureza 32. Todavia, Locke ainda ressalta que a renúncia à liberdade natural das pessoas ocorre na medida em que estas se unem em comunidade a fim de viverem em segurança, conforto e paz, desfrutando, assim, de uma maior proteção contra aqueles que dela não fazem parte33. Quanto à propriedade, Locke ponderava que esta possui raízes no direito natural, uma vez que o Estado não a cria, apenas a reconhece e a protege. Para o filósofo, a propriedade, em seu estágio primário de criação seria 31 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 69. 32 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução Anoar Alex e E. Jacy Monteiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 48. 33 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo, p. 71. 10 um bem comum. Todavia, através de esforços individuais, era possível adquirir propriedades privadas, cuja proteção era conferida pelo Estado 34. Ainda com ideais presentes na corrente contratualista, o filósofo Jean Jacques Rousseau ponderava que o homem, quando no Estado de Natureza, era provido de bondade, saúde e felicidade. No entanto, nesta fase, os alimentos, a mulher e o descanso eram os únicos bens por eles reconhecidos. Por outro lado temia a dor e a fome. Rousseau ainda afirmava que em razão do desenvolvimento das aperfeiçoamento, o capacidades homem passou de do aquiescência, estado primitivo resistência para o e de desenvolvimento, seja em relação à inteligência, a linguagem, dentre outras faculdades 35. Rousseau enunciava, ainda, que aqueles que se sobressaíram no aperfeiçoamento dessas características pessoais, passaram a ter o domínio em relação aos menos favorecidos, o que ocasionou a transição do estado de natureza para a sociedade civil. Esta transição igualmente fez surgir as primeiras desigualdades sociais, rivalidades entre grupos e os primeiros problemas relativos à propriedade. Por conta desses problemas que passaram a assolar a sociedade e como forma de resguardar as liberdades individuais, é que foi necessário a realização de um pacto social 36. Corroborando as afirmações retro, seguem as considerações de Jean Jaques Rousseau apud Dallari: [...] encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado, de qualquer força comum; e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, ficando, assim, tão livre como dantes [...] tal é o problema fundamental que o Contrato Social soluciona37. 34 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 69. 35 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 73. 36 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 73. 37 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 17. 11 Rousseau ainda defendia que, com essas associações, formava-se um corpo moral e coletivo, denominado Estado, o qual, pelo fato de executar decisões, é considerado soberano. Esta soberania, registre-se, é inalienável e indivisível 38. Diante das ponderações acima destacadas, tem-se que o Estado, para se constituir no modelo atual, passou por diversas transformações. A seguir, passa-se a discorrer sobre algumas teorias explicativas do surgimento do Estado. 1.1.1 Teorias do surgimento do Estado Apesar da existência de algumas digressões entre as diversas teorias que objetivam explicar o surgimento do Estado, mormente porque inexistem elementos exatos acerca do verdadeiro estilo de vida adotado pelas sociedades primitivas, opta-se pela divisão enunciada na obra de Maluf39, o qual destaca as seguintes teorias: - teorias da origem familiar; - teorias da origem patrimonial; e - teorias da força. Seguem, a seguir, os principais aspectos de cada uma delas. 1.1.1.1 Teoria da origem familiar Segundo esta teoria o Estado teria sua origem a partir da formação de agrupamentos familiares, os quais deram ensejo ao aparecimento de uma sociedade política40. A teoria familiar é, dentre as demais, considerada a mais antiga. Para esta teoria, a sociedade origina-se de um casal. No entanto, existem divergências a respeito de um ponto: este núcleo familiar seria chefiado por um 38 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 17. 39 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 53. 40 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado. p. 93. 12 patriarca ou uma matriarca? Em decorrência desta indagação, duas são as subcorrentes que derivam da teoria familiar. Uma delas é a teoria patriarcal (ou patriarcalística) e a outra, a teoria matriarcal (ou matriarcalística) 41. 1.1.1.1.1 Teoria patriarcal A teoria patriarcal, a qual se utiliza de fundamentos bíblicos para explicar a origem da sociedade e, via de conseqüência, do Estado, afirma que a chefia do grupo familiar era conferida ao patriarca, ou seja, ao ascendente varão e mais velho. Nesse sentido são as observações de Maluf: Os pregoeiros da teoria patriarcal encontram na organização do Estado os elementos básicos da família antiga: imunidade de poder, direito de primogenitura, inalienabilidade do domínio territorial etc. Seus argumentos, porém, se ajustam mais às monarquias, especialmente às antigas monarquias centralizadas, nas quais o monarca representa, efetivamente, a autoridade do pater famílias 42. Ocorre que esta teoria, embora possa explicar de forma razoável a origem das sociedades, é criticada por não possuir elementos suficientes para justificar a origem do Estado, justamente por ser este composto, via de regra, por unidades sociais, estas formadas por diversas famílias distintas. 1.1.1.1.2 Teoria matriarcal Para a corrente matriarcal, também corolária da teoria familiar, o surgimento do Estado se deu a partir de uma organização familiar. Porém, de acordo com esta corrente, a matriarca é quem exercia a autoridade sobre esta organização, sendo este o fator preponderante que a diferencia da teoria patriarcal da origem do Estado. 41 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 54. 42 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 54. 13 Tecendo considerações sobre a teoria matriarcal, explana Maluf: A primeira organização familiar teria sido baseada na autoridade da mãe. De uma primitiva convivência em estado de completa promiscuidade, teria surgido a família matrilínea, naturalmente, por razões de natureza fisiológica – mater semper certa. Assim, como era geralmente incerta a paternidade, teria sido a mãe a dirigente e autoridade suprema das primitivas famílias, de maneira que o clã matronímico, sendo a mais antiga forma de organização familiar, seria o fundamento da sociedade civil 43. Dentre as duas correntes acima mencionadas, as quais têm em comum o argumento de que foi através de organizações familiares é que o Estado passou a existir, observa-se que a teoria patriarcal se destacou em relação à teoria matriarcal, exercendo, assim, uma maior influência dentre as diversas fases da evolução dos povos. 1.1.1.2 Teoria da origem patrimonial A teoria da origem patrimonial baseia-se, essencialmente, na filosofia de Platão, segundo a qual o Estado é resultado da união das profissões econômicas. Em sua obra A República, Platão reconhece que a propriedade, em especial a posse da terra, originou a necessidade de uma organização estatal, de um poder público.44 Para os adeptos desta corrente, o direito de propriedade é um direito natural, que antecede ao Estado.45 Ainda hoje, o sistema socialista utiliza-se de preceitos oriundos desta teoria da origem patrimonial do Estado, porquanto aduz que os fenômenos sociais são decorrentes de fatores econômicos.46 43 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 55. 44 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 55. 45 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 55. 46 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 56. 14 1.1.1.3 Teoria da força A teoria da força teve como principal precursor Engels, o qual, em sua obra “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, ponderou que o Estado teve sua origem de forma violenta, ou seja, os grupos sociais mais fortes tinham o domínio sobre os grupos mais fracos. É o que se pode depreender do trecho abaixo reproduzido: Faltava apenas uma coisa: uma instituição que não só assegurasse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas da constituição gentílica; que não só consagrasse a propriedade privada, tão pouco estimada, e fizesse dessa consagração santificadora o objetivo mais elevado da comunidade humana, mas também imprimisse o elo geral do reconhecimento da sociedade às novas formas de aquisição da propriedade, que se desenvolviam uma sobre as outras – a acumulação, portanto, cada vez mais acelerada das riquezas: uma instituição que, em uma palavra, não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade de classes, mas também o direito de a classe possuidora explorar a não possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado47. Portanto, o surgimento do Estado ocorreu com a existência de dominantes (grupo de maior força) e dominados (grupo formado por aqueles considerados mais fracos), estes submetidos àqueles.48. É possível depreender destes breves apontamentos que as teorias acima destacadas, quais sejam, as da origem familiar, da origem patrimonial e da força, baseiam-se, essencialmente, em fatores históricosociológicos, o que as diferenciam das teorias que procuram justificar a origem do Estado através de fatores racionais. 47 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado, Rio de Janeiro: Vitória, 1960, p. 102 e 160. 48 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 54 15 1.1.2 O Estado Oriental As mais antigas civilizações do Oriente e do Mediterrâneo compõem o Estado Oriental, dentre as quais se podem citar os povos chineses, indús, persas, assírios, hebreus, egípcios etc49. O Estado oriental formou-se a partir da união de povos, os quais possuíam fortes influências religiosas. O modelo de Estado adotado foi o de uma autocracia ou monarquia despótica. O pensamento religioso confundia-se com o político. O mesmo ocorria em relação aos valores morais e as demais ciências50. Nesse sentido, é o escólio de Menezes: De forma artificial, pela fortuna de armas de um conquistador, que anexava territórios e escravizava populações vencidas, o chamado Estado Oriental ainda é um embrião como tal, mas delineado em sua fisionomia política, que prevalece absoluta diferenciação de castas, da qual emerge, pelo predomínio da classe sarcedotal, uma verdadeira teocracia, que se traduz com a presença da autoridade divina no governo dos homens.51 Sobre a cultura oriental, é importante frisar que, não obstante a ausência de uma organização administrativa, o Estado Oriental em muito contribuiu para a formação de uma concepção política acerca de império. 1.1.3 O Estado Grego No Estado Grego, composto por vários Estados Helênicos, a coletividade fixava-se nas chamadas cidades-Estado (Polis). Não se tratava, portanto, de um modelo de Estado unificado. As principais cidades-Estado ou Polis foram Atenas e Esparta52. 49 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 106. 50 GETTEL, Raymond G. História de las ideas políticas, México: Nacional, 1951, p.61. 51 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 106. 52 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 63. 16 As bases políticas do Estado Grego formavam-se nas Polis. É inclusive da palavra Polis que deriva a palavra política. Registre-se que cada Polis era independente uma das outras e possuíam suas próprias instituições, sejam as religiosas ou as sociais. Algumas Polis poderiam pactuar alianças temporárias entre si e muitas delas tinham o desejo de expandir suas limítrofes. Diferentemente do Estado Oriental e apesar de possuírem forte ligação com a religião, o Estado Grego não conferia às suas autoridades caráter de divindade.53 A democracia era uma das principais características das cidades-Estado, conforme se depreende do escólio de Dallari: No Estado Grego o indivíduo tem uma posição peculiar. Há uma elite, que compõem a classe política, com intensa participação nas decisões do Estado, a respeito dos assuntos de caráter público. Entretanto, nas relações de caráter privado a autonomia da vontade individual é bastante restrita. Assim, pois, mesmo quando o governo era tido como democrático, isso significava que uma faixa restrita da população – os cidadãos – é que participava das decisões políticas, o que também influi para a manutenção das características de cidade-estado, pois a ampliação excessiva tornaria inviável a manutenção do controle por um pequeno número54. Na obra intitulada como A política, de Aristóteles, constam alguns apontamentos acerca das possíveis soluções para os problemas sociais existentes nas cidades-Estado. Estas soluções eram baseadas na aplicação de princípios democráticos, ou seja, da implementação de uma justiça social. Além disso, aqueles que deliberassem sobre as diversas questões relacionadas às cidades-Estado não deveriam ser apenas a maioria. Necessitava-se ainda serem detentores de qualidades morais e cívicas da comunidade nacional. Deste posicionamento surgiram as expressões qualitativa e quantitativa, que até hoje embasam os ideais democráticos.55. 53 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 110. 54 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 64. 55 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 100. 17 1.1.4 O Estado Romano Apesar de possuir raízes na organização familiar, várias foram as formas de governo experimentadas pelo Estado Romano, dentre as quais se pode mencionar a realeza, a república e o império. No Estado Romano, os grupos familiares deram origem às cidades-Estado, as quais eram denominadas civitas, e estas formaram as chamadas gens. Registre-se que o Império Romano expandiu seu domínio para uma expressiva parte do mundo.56. As gens eram, portanto, formadas por diversas famílias e existiam três classes sociais: uma delas composta pelos patrícios, os quais eram privilegiados por pertencerem a uma raça nobre, eis que descendiam de um pater e eram livres de nascimento; a outra, formada pelos clientes, serviçais dos grupos familiares, os quais eram proibidos de se tornarem proprietários; e, por fim, existiam os plebeus, que apesar de não descenderem de nenhuma família nobre, foram aos poucos conquistando seus direitos na sociedade.57 No Estado Romano, os magistrados eram os governantes supremos. Todavia, a exemplo do Estado Grego, parte da população detinha, ainda que pequena, certa participação no governo.58 No entanto, foi através da forma de Império que Roma conseguiu realizar a integração política e jurídica dos povos que foram conquistados ao longo do tempo, o que propiciou a unidade e ascensão da Cidade de Roma.59 Esta superioridade do Estado Romano sofreu, todavia, alguns abalos oriundos da concessão do Edito de Milão (313 a.C), por parte do Imperador Constantino, que conferiu a liberdade religiosa no Império Romano, assim com o Edito de Caracala em 212 a.C., conferido pelo Imperador Caracala, o qual permitiu a naturalização a todos os povos do Império. Além desses fatores, 56 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 101. 57 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 112/115. 58 MENEZES, Anderson de. Teoria geral do estado, p. 112/115. 59 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 65. 18 a influência do cristianismo igualmente contribuiu para mitigar o domínio exercido pelo Império Romano60. 1.1.5 O Estado Medieval São características principais do Estado Medieval: o cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo, ressaltando que os três fatores estiveram presentes concomitantemente durante o período medieval 61. A respeito do cristianismo, destaca-se que se almejava um Império uno da Cristandade. Todos deveriam ser cristãos, e, aqueles que não aderissem à religião cristã, eram tidos como desgarrados. Porém, esses ideais foram obstados pela ocorrência de uma série de acontecimentos. São eles: [...] em primeiro lugar, uma infinita multiplicidade de centros do poder, como os reinos, os senhorios, as comunas, as organizações religiosas, as corporações de ofícios, todos ciosos de sua autoridade e sua independência, jamais se submetendo, de fato, à autoridade do Imperador; em segundo lugar, o próprio Imperador recusando submeter-se à autoridade da Igreja, havendo imperadores que pretenderam influir em assuntos eclesiásticos, bem como inúmeros papas que pretenderam o comando, não só dos assuntos de ordem espiritual, mas também todos os assuntos de ordem temporal.62 No que se refere às invasões bárbaras, na maioria das vezes composta por povos germânicos, registre-se que estas provocaram a queda do Império Romano. Estas invasões, caracterizadas pelo uso de meios extremamente violentos – por isso, inclusive, a denominação de invasões bárbaras – contribuíram para a extinção da então noção de Estado. No entanto, se de um lado utilizaram da força como meio para atingir os fins almejados, 60 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 65. 61 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 66. 62 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 67. 19 também contribuíram para o surgimento de um modelo de vida muito mais compatível com a dignidade humana63. Em relação às considerações retro, Maluf explana: Embora a princípio as hordas invasoras empregassem uma violência extremada, espoliando e massacrando as populações vencidas, inclusive no período de transição quando procuravam situar-se como exército de ocupação, é inegável que implantaram no ocidente o primado da lei e da razão, contribuindo assim para a nova configuração do Estado Medieval. 64 Outro fator a ser destacado refere-se ao feudalismo. O sistema feudal surgiu justamente após a desestruturação do então modelo de Estado ocasionada pelas invasões bárbaras. Isto porque, surgiu a necessidade de retomar à ordem social. Desse modo, os reis bárbaros, após realizarem o domínio de determinado território, dividia-os em zonas territoriais, pois não conseguiam manter uma unidade territorial com um comando único e central, e delegavam esse comando aos chefes guerreiros, os quais, em troca, deveriam prestar ajuda militar, pagar tributos e manter a fidelidade ao rei. Esta delegação, no entanto, acabou por gerar a fragmentação do poder.65 Aqueles que passavam a exercer o domínio de determinado feudo era denominado senhor feudal. Os senhores tinham, na verdade, atribuições de chefe de Estado, uma vez que decretavam e arrecadavam tributos, administravam a justiça, expediam regulamentos, assim como poderiam promover a guerra66. Mas assim como as estruturas anteriores, o sistema feudal restou superado, principalmente em razão do excessivo número de feudos, das revoltas praticadas pelos escravos, do desenvolvimento da indústria e do comércio, assim como através da propagação de idéias racionalistas. Assim, com 63 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 107. 64 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 107/108. 65 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 109. 66 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 109. 20 o fim do sistema feudal, passa a surgir uma estrutura estatal baseada no direito público. 67 Verifica-se, pois, que o cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo, de forma conjugada, provocaram uma série de conflitos relacionados às questões políticas, econômicas e sociais, as quais foram, em parte, solucionadas com o surgimento do Estado Moderno, cuja autoridade deveria primar pela promoção da ordem social. 1.1.6 Surgimento do Estado Moderno Como acima mencionado, muitos foram os conflitos existentes na sociedade medieval, provocadas pelo cristianismo, as invasões bárbaras e pela crise no sistema feudal. Daí a necessidade de uma unidade Estatal, com soberania e territórios próprios68. Nasce então o Estado Absoluto – a que faz alusão as obras de Maquiavel, Bodin e Hobbes, bem como de Filmer – o qual antecedeu ao Estado Moderno.69 Nicolau Maquiavel foi o precursor do absolutismo. Em sua obra intitulada O Príncipe desconsiderou valores morais e princípios éticos para apregoar uma forma de governo em que o oportunismo, o cinismo, a mentira e a crueldade eram permitidos ao monarca, o qual deveria fazer crer que suas condutas justificavam os meios, pois se tratavam de motivos nobres e virtuosos70. Relevantes, também, são os apontamentos Bodin, os quais foram destacados na obra de Maluf: A Monarquia absoluta assentava-se sobre o fundamento teórico do direito divino dos reis, com evidentes resquícios das 67 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 109. 68 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado, p. 69. 69 GRILLO, Vera de Araújo. A separação dos poderes no Brasil: legislativo versus executivo, Blumenau-Itajaí: Editora Edifurb e Editora Univali, 2000, p. 16. 70 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 116. 21 concepções monárquicas assírias e hebraicas. A autoridade do soberano era considerada como de natureza divina e proveniente diretamente de Deus. O Poder de imperium era exercido exclusivamente pelo Rei, cuja pessoa era sagrada e desligada de qualquer liame de sujeição pessoal: “sua soberania é perpétua, originária e responsável em face de qualquer outro poder terreno, ainda que espiritual – doutrinara Bodin. 71 Porém, o sofrimento dos povos, decorrente da opressão da monarquia absoluta, aliado aos ideais liberais e racionalistas de John Locke, foram a mola propulsora para que tanto as populações escravizadas como a burguesia passassem a almejar a liberdade72. Este descontentamento, principalmente da classe burguesa, formada, em sua maioria, por comerciantes ricos e estudados, foi o estopim das primeiras Revoluções Burguesas, das quais resultou o surgimento do Estado Moderno. Sobre a Revolução Francesa em particular, destaca-se o escólio de Bonavides: Antes da revolução tudo se explicava pelo binômio absolutismofeudalismo, fruto de contradição já superada. Depois da Revolução, advém outro binômio, com a seguinte versão doutrinária: democracia-burguesia ou democracia-liberalismo. [...] o equilíbrio se rompe com a pugna ideológica, que reprimiu e desacreditou o antigo princípio liberal, fazendo que a idéia democrática (igualdade) viesse a preponderar, de modo já inequívoco, como acontece em nossos dias, com a chamada democracia de massas, democracia igualitária, ou [...] democracia governante, que se distingue da democracia governada, do liberalismo73. Como visto, dois são os posicionamentos acerca do surgimento do Estado Moderno: a primeira delas fundamenta-se no desejo de unificação do Estado decorrente da crise no sistema feudal. Já a segunda alude 71 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 119. 72 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado, p. 121. 73 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed. São Paulo: Malheiros. 1966, p. 54/55. 22 que foram as revoluções burguesas, em reação ao absolutismo, que ensejaram o seu surgimento do Estado Moderno. 1.1.7 Estado Contemporâneo Também conhecido como Estado Social, o Estado Contemporâneo tem suas raízes nos princípios de justiça, igualdade e de liberdade, em reação ao implacável individualismo das teses subjetivistas anteriormente existentes. 74 Segundo Pasold, o Estado Contemporâneo teria dois marcos principais: a Constituição Mexicana, promulgada em 1917, e a Constituição de Weimar, cuja promulgação se deu em 1919. 75 Bonavides destaca algumas das principais características do Estado Contemporâneo, a saber: [...] o Estado avulta menos e a Sociedade mais; onde a liberdade e a igualdade já não se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências do poder e do cidadão convergem, por inteiro, para transladar ao campo da concretização de direitos, princípios e valores que fazem o Homem se acercar da possibilidade de ser efetivamente livre, igualitário e fraterno. A esse Estado pertence também a revolução constitucional do segundo Estado de Direito, onde os direitos fundamentais conservam sempre o seu primado. Sua observância faz a legitimidade de todo o ordenamento jurídico.76 Tem-se, por conseguinte, que a principal característica do Estado Social, e que a diferencia dos demais modelos estatais, é a priorização do interesse coletivo em face do interesse individual. 74 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p.11. 75 PASOLD, Luiz César. Função social do estado contemporâneo, Florianópolis: Estudantil, 1988, p. 43. 76 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p.33. 23 Uma vez realizados estes apontamentos sobre o surgimento e evolução do Estado, passa-se a discorrer, no segundo capítulo, sobre os principais aspectos do instituto da Responsabilidade Civil. CAPÍTULO 2 RESPONSABILIDADE CIVIL 2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL Conforme ensinamento de Santos77, a responsabilidade civil, por um lado, está relacionada à noção de que se é responsável pelos fatos decorrentes das condutas realizadas, ou seja, é necessário conduzir a vida sem ocasionar prejuízos a terceiros, pois, do contrário, fica-se sujeito à reparação do dano. E, de outra parte, significa que as pessoas não podem ser injustamente invadidas em suas esferas de interesses, por força de conduta alheia, pois, caso isso ocorra, surge o direito à indenização na proporção do dano efetivamente sofrido. Sobre o conceito do instituto em voga, válidas são as explanações de Gagliano: A palavra “responsabilidade” tem sua origem no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir com as conseqüências jurídicas de sua atividade, contendo, ainda, a raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos contratos verbais. 78 E, ainda, do conceito de Venosa se extrai: A responsabilidade civil é sempre uma obrigação de reparar danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos 77 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Teoria geral da responsabilidade civil. In VASSILIEFF GABURRI, Fernando; BERALDO, Leonardo de Faria; SANTOS, Romualdo Baptista dos; VASSILIEFF, Sílvia; ARAÚJO; Vaneska Donato de. In: ARAÚJO, Vaneska Donato de (coord.). São Paulo: RT, 2008, p. 27, v.5. 78 GAGLIANO, Pablo Stolze [Et Al]. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 2. 25 causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam estes difusos, sejam coletivos estrictu senso.79 Vê-se, portanto, que a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obrigam uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em face de ato que ela mesma praticou, por pessoa a quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou por simples imposição legal. 2.2 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL Várias são as espécies que compõem o instituto da responsabilidade civil. Esclarece Gagliano que, quanto ao fato gerador, a responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual80; já no tocante ao seu fundamento, pode ser classificada em responsabilidade objetiva ou subjetiva.81 Passa-se, então, à análise de cada uma das espécies mencionadas. 2.2.1 Distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual A responsabilidade contratual, como sugere o próprio nome, é decorrente do inadimplemento de uma obrigação pactuada em um contrato, o qual é, pois, o seu fundamento jurídico. Desse modo, a infração a um dever jurídico nele constante somente pode ser cometida por uma das partes contratantes. Surge da violação de um dever de agir (ou adimplir). Possui previsão legal nos artigos 389 e seguintes e 395 e seguintes do Código Civil. Nesse sentido são as ponderações de Gagliano: Com efeito, para caracterizar a responsabilidade contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais 79 VENOSA, Silvio da salvo. Responsabilidade Civil. p. 12. 80 Na presente pesquisa será dado maio enfoque a responsabilidade extracontratual, conforme adiante se verá. 81 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 18. 26 prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém. 82 Rodrigues ainda acrescenta que em se tratando de responsabilidade contratual, “antes de a obrigação de indenizar emergir, existe, entre o inadimplemento e seu co-contratante, um vínculo jurídico derivado da convenção” 83 . Importante frisar é que a responsabilidade contratual é definida de acordo com a obrigação assumida no contrato. Em se tratando de obrigação de resultado, a culpa é presumida, ou, em alguns casos, a responsabilidade é objetiva. Nas hipóteses de obrigação de meio, a responsabilidade é subjetiva.84 A responsabilidade extracontratual, também conhecida como responsabilidade aquiliana, possui seu fundamento jurídico em uma obrigação de indenizar que decorre de lei. Ao contrário da responsabilidade contratual, lastreiase na transgressão de um dever de não agir (ou de não ofender outrem). Assim, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar. 85 A espécie está prevista nos artigos 186 a 188 e 927 e seguintes do Código Civil. 82 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 19/21. 83 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 9. 84 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 198. 85 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 10. 27 Gagliano destaca que das condutas perpetradas advém o prejuízo, o qual deverá ser restituído ao “statu quo ante”, ou, na impossibilidade de assim proceder, ser indenizado86. Regra geral, a responsabilidade extracontratual é subjetiva, no entanto, poderá ser objetiva quando houver previsão legal ou se a natureza da atividade implicar em risco para os direitos de outrem87. 2.2.2 Responsabilidade Civil Subjetiva A responsabilidade subjetiva se lastreia na teoria da culpa. A culpa tem, portanto, papel fundamental dentro da responsabilidade civil, juntamente com o dano e do nexo causal. Na hipótese, a possibilidade de reparação de um dano está condicionada à preexistência de culpa na conduta do agente causador do dano. Nesse viés são as considerações de Gonçalves: Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura com dolo ou culpa88. Rodrigues 89 esclarece que “(...) a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito”. 86 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 23. 87 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 17. 88 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência, p.18/19. 89 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p.11. 28 O elemento culpa, deve ser compreendido em seu sentido lato, o que significa dizer que o agente causador do dano poderá cometê-lo tanto por ato voluntário (doloso) como por ato culposo “stricto sensu”. Na concepção de Rizzardo, tem-se que: Pela teoria da responsabilidade subjetiva, só é imputável, a título de culpa, aquele que praticou o fato culposo possível de ser evitado. Não há responsabilidade quando o agente não pretendeu e nem podia prever, tendo agido com a necessária cautela. Não se pode, de maneira alguma, ir além do ato ilícito para firmar responsabilidade subjetiva, contrariamente ao que alguns pretendem, com superficialidade, a ponto de ver em tudo o que acontece a obrigação de indenizar, sustentando que, verificado o dano, nasce tal obrigação, sem indagar da culpa do lesado, e impondo, como único pressuposto, o nexo causal entre o fato e o dano.90 Esta hipótese de culpa pode ser verificada quando o agente atua com negligência (omissão com falta de cautela), imprudência (ação descomedida, com ausência de cuidado) ou imperícia (negligência técnica ou profissional).91 Ainda, sobre o ônus da comprovação da culpa, destaca Gagliano: Por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu. Todavia, há situações em que o ordenamento jurídico atribui a responsabilidade civil a alguém por dano que não foi causado diretamente por ele, mas sim por um terceiro com quem mantém algum tipo de relação jurídica. Nesses casos, trata-se de uma responsabilidade civil indireta, em que o elemento culpa não 90 RIZZARDO. Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei n. 10.406 de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 29. 91 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 144/145. 29 é desprezado, mas sim presumido, em função do dever geral de vigilância a que está obrigado o réu. 92 Realizadas essas breves considerações acerca da responsabilidade civil subjetiva, prossegue-se com a análise da responsabilidade civil objetiva. 2.2.3 Responsabilidade Civil Objetiva A responsabilidade objetiva fundamenta-se na teoria do risco, não havendo a necessidade de comprovação da culpa. Exige-se, sim, a comprovação do nexo de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e a conduta do réu93. A teoria do risco leva em conta a natureza da atividade exercida pelo agente causador do dano. Desse modo, se o agente, em razão da atividade por ele exercida, criar risco de dano a terceiros, deverá ser responsabilizado objetivamente. A responsabilização se justifica em razão dos lucros e vantagens dessa atividade, que se denomina “risco-proveito”, ou porque a atividade, por si só, expôs um terceiro em risco. Essa última hipótese se denomina “risco-criado”. Sobre a temática, elucida Gonçalves: Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi ônus); ora mais genericamente 92 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 15. 93 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.546. 30 como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo94. As atividades consideradas pelo legislador como de risco estão descritas no art. 927 do Código Civil. Segue a redação do citado dispositivo legal: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Verifica-se, portanto, que as atividades de risco ocorrem em duas hipóteses: quando houver previsão legal e no caso da própria natureza da atividade ocasionar, por si só, risco para os direitos de terceiros. Posteriormente às considerações acima trazidas, dá-se continuidade ao assunto com a exposição das excludentes da responsabilidade civil. 2.2.3.1 Excludentes da Responsabilidade Civil As excludentes da responsabilidade civil consubstanciam em um fato específico capaz de romper o nexo causal entre a conduta e o dano, o qual isenta o agente causador do dano de sua reparação.95 São causas que excluem a responsabilidade civil: - o estado de necessidade; - a legítima defesa; - o exercício regular do direito; - o estrito cumprimento do dever legal; 94 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência, p.18. 95 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 112. 31 - o caso fortuito e força maior; - a culpa exclusiva da vítima; - o fato de terceiro; e - a cláusula de não indenizar. Em seguida, passa-se à análise individualizada de cada uma das hipóteses excludentes da responsabilidade civil. 2.2.3.1.1 Estado de necessidade (art. 188, II e parágrafo único do Código Civil): A figura do estado de necessidade está delineada no art. 188, II e parágrafo único96, art. 92997 e art. 93098, caput, do Código Civil. Trata-se de atos lesivos, mas que não acarretam o dever de indenizar, porque a própria norma jurídica lhe subtrai a qualificação de ilícito. Da redação dos mencionados dispositivos legais é possível se inferir que o estado de necessidade consiste, portanto, na ofensa do direito alheio para eliminar perigo iminente, quando as circunstâncias a tornarem absolutamente necessárias e quando não exceder os limites do indispensável para a remoção do perigo. Além disso, em não sendo a vítima a causadora da situação de perigo, deve ser indenizada. No entanto, poderá o agente que atuou em estado de necessidade intentar ação regressiva em face daquele que recai a culpa do evento danoso. 96 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: (...) II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. 97 Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. 98 Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. 32 Destaca-se que para a caracterização da excludente da responsabilidade civil em comento, o agente deverá agir nos estritos limites de sua necessidade. Havendo excessos, recairá a responsabilidade pelo dano99: Não se opera a excludente da responsabilidade civil do estado de necessidade, porém, na hipótese do agente ter provocado ou facilitado dano próprio. 100 2.2.3.1.2 Legítima Defesa (art. 188, I, 1ª parte, do Código Civil101) Stoco pontifica que na legítima defesa, em face de uma agressão injusta, dirigida contra a própria pessoa ou a terceiro, ou mesmo contra seu patrimônio, o indivíduo adota medida defensiva através da qual irá repelir o agressor. 102 Lisboa, ao tratar do tema, classificou as diversas hipóteses em que a excludente da responsabilidade civil da legítima defesa pode se operar. Veja-se: [...] legítima defesa própria é a repulsa a mal injusto, grave e atual ou iminente à pessoa da vítima ou aos seus bens. [...] a legítima defesa pressupõe, assim, a existência de uma agressão ilícita, pelo agente, e a vontade de defesa, por parte do ofendido. [...] Mal injusto é a agressão física ou moral sem causa jurídica. [...] Mal grave é aquele que acarreta prejuízo à vítima, com relevância jurídica. [...] Mal iminente é aquele que está prestes a ocorrer. [...] Mal atual é aquele que está se verificando, em dada situação. [...] A repulsa deve ser: proporcional e imediata. [...] Somente se poderá considerar proporcional a repulsa à agressão, quando se manifestar por meios moderados e suficientes para obstar a conduta delituosa. [...] Por outro lado, a desproporcionalidade da 99 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 113. 100 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.600. 101 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; (grifou-se) 102 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 201. 33 repulsa importa em excesso de legítima defesa, pelo qual a vítima deverá responder [...].103 Os pressupostos da legítima defesa, esta como causa excludente da responsabilidade civil, são destacados por Stoco: a) A iniciativa da agressão por parte de outrem, sem que do agente tenha praticado qualquer agressão; b) que a ameaça de dano seja atual ou iminente; c) que a reação seja proporcional à agressão104. Exige-se para a caracterização da legítima defesa a observância de certos limites, de sorte que o excesso na legítima defesa já possui caráter antijurídico e dá azo a reparação. 105 A exemplo da excludente do estado de necessidade, caberá indenização ao terceiro inocente eventualmente atingido. No entanto, terá o agente direito à ação regressiva contra o verdadeiro agressor, nos moldes dos artigos 929 e 930 do Código Civil. 106 De outro vértice, inconcebível é o reconhecimento da legítima defesa do agente contra a legítima defesa da vítima, em razão da existência de um princípio de direito, segundo o qual ninguém pode se defender legitimamente contra aquele que age em legítima defesa”. É forçoso destacar, ademais, que a legítima defesa putativa não exime o agente de indenizar, apesar de excluir a culpabilidade do ato e conservar a antijuridicidade deste. Na legítima defesa putativa (erro de fato) o ato 103 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.598/599. 104 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 201/202. 105 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 115. 106 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 115. 34 é ilícito, porém não culpável para esfera criminal. Já na esfera cível, havendo culpa, a obrigação de indenizar permanece.107 2.2.3.1.3 Exercício regular de direito (art. 188, I, 2ª parte, do Código Civil108): Na inteligência do artigo supra mencionado, não haverá ato ilícito quando o dano é causado no exercício regular de um direito. Ocorre que “o indivíduo, no exercício de seu direito, deve conter-se no âmbito da razoabilidade. Se o excede, embora o esteja exercendo, causa um mal desnecessário e injusto e equipara o seu comportamento ao ilícito. Assim, ao invés de estar abrigado por uma excludente de responsabilidade, incidirá no dever de indenizar”.109 2.2.3.1.4 Estrito cumprimento do dever legal A excludente da responsabilidade civil em análise, embora não esteja apontada de forma explícita no art. 188 do Código Civil110, está abarcada por aquela referente ao exercício regular de um direito. 111 Stoco explana que “quem age limitando-se a cumprir um dever que lhe é imposto por lei penal ou extrapenal e procede sem abusos no cumprimento desse dever não ingressa no campo da ilicitude”. 112 107 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 116. 108 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; (grifou-se) 109 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 189. 110 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. 111 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 712. 112 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 189. 35 O dever legal, como sugere a própria denominação, deve decorrer de uma regra de direito positivo, o que não se confunde com as normas sociais, morais e religiosas.113 Acerca dos limites impostos à caracterização da excludente do estrito cumprimento do dever legal, destaca Stoco: No cumprimento do dever legal o agente não pode exceder o limite racionalmente indispensável à sua realização, quer nos modos como nos meios empregados. A ação só será ajustada ao direito quando for observado o “arbítrio adequado ao dever” Lisboa também destaca que se o agente ultrapassar os limites determinados pelo ordenamento jurídico, no cumprimento do dever legal, responderá pelo excesso ou abuso de poder ou de autoridade. 114 2.2.3.1.5 Caso fortuito e força maior De acordo com a lição de Fonseca, a noção de caso fortuito ou de força maior pressupõe dois elementos: o primeiro deles é o elemento interno, de caráter objetivo, isto é, a inevitabilidade do evento, e outro, externo, ou subjetivo, significando a ausência de culpa. Portanto, o conceito é misto, no sentido de que não há acontecimentos que, em princípio, sejam sempre considerados casos fortuitos. Na realidade, tudo depende das condições de fato em que se verifique o evento. 115 Válidas, igualmente, são as ponderações de Gaglianosobre a temática: [...] a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua 113 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 189. 114 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p. 601. 115 DA FONSECA, Arnoldo Medeiros. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 147. 36 imprevisibilidade, segundo os parâmetros do Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência então desconhecida do evento atinge a impossibilitando o cumprimento de uma atropelamento, um roubo). 116 homem médio. repentina e até parte incauta, obrigação (um Não obstante a busca para se estabelecer critérios para a diferenciação teórica entre o caso fortuito e a força maior, preferível o posicionamento de que na prática os dois termos correspondem a um só efeito, conforme marcha o Código Civil.117 2.2.3.1.6 Culpa exclusiva da vítima No caso de haver conduta culposa da vítima na ocorrência do evento danoso, haverá uma quebra do nexo de causalidade e, portanto, eximir-se-á o agente do dever de indenizar. Se, ao revés, a culpa da vítima for concorrente à culpa do agente, ou seja, se a vítima concorrer com ato seu na construção dos elementos do dano, a indenização a ela devida será mitigada proporcionalmente à participação de cada um. É o que se pode extrair do escólio de Rodrigues: O evento danoso pode derivar de culpa exclusiva ou concorrente da vítima; no primeiro caso desaparece a relação de causa e efeito entre o ato do agente causador do dano e o prejuízo experimentado pela vítima; no segundo, sua responsabilidade se atenua, pois o evento danoso deflui tanto de sua culpa, quanto da culpa da vítima. 118 Portanto, imprescindível é a análise da atitude da vítima, com o fito de se apurar se tal conduta teve o efeito de suprimir a responsabilidade do fato pessoal do agente, afastando a culpabilidade deste. 116 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 123. 117 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 181. 118 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 165. 37 2.2.3.1.7 Fato de terceiro Esta excludente apresenta-se como questão tormentosa na doutrina e jurisprudência pátrias. No entanto, conforme pondera Stoco, no plano da responsabilidade civil predomina o entendimento de que responde pelo dano o causador ou responsável imediato pelo evento lesivo, de sorte que a culpa de terceiro não exime o autor direto do dever jurídico de se responsabilizar. 119 Venosa define terceiro como sendo “alguém que ocasiona o dano com sua conduta, isentando a responsabilidade do agente indigitado pela vítima”. 120 A atuação de terceiro na realização do dano pode ocorrer de forma total, caso em que o dano será atribuído exclusivamente ao terceiro, ou parcial, na hipótese em que o terceiro for apenas co-partícipe ou elemento concorrente no desfecho prejudicial. Todavia, apenas no primeiro caso é que se pode caracterizar a responsabilidade do terceiro, pois eliminado estará o vínculo de causalidade entre o dano e a conduta do indigitado autor do dano. 121 2.2.3.1.8 Cláusula de não indenizar Esta excludente somente é aplicável na espécie de responsabilidade civil contratual, uma vez que se exige prévia convenção entre as partes no sentido de eximirem o dever de indenizar nas hipóteses de inadimplemento da obrigação . 122 Gagliano alerta que a excludente em voga somente deve ser admitida quando houver paridade entre os contratantes, de modo que devem ser repelidas nos casos em que houver violação a superiores preceitos de ordem pública, como, por exemplo, renúncia, por parte do consumidor, 119 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 191. 120 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil, p.56. 121 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 191. 122 da GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 131. 38 responsabilidade do fornecedor 123 (vedado pelo art. 25, caput, do Código de 124 Defesa do Consumidor ). 2.3 ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil no ordenamento jurídico pátrio lastreia-se fundamentalmente nas disposições do art. 186 do Código Civil, o qual possui a seguinte redação: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Infere-se do dispositivo retro mencionado que a responsabilidade civil compõe-se de cinco elementos essenciais, a saber: o agente; a vítima; a conduta humana; o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade. A culpa, necessária à caracterização da responsabilidade civil subjetiva, não se afigura, pois, como elemento indispensável do instituto da responsabilidade civil, consoante os ensinamentos de Gagliano: A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade [...].125 Autor é o responsável pelo dano, independentemente de ser ele o causador direto do delito e vítima é quem sofre o dano. 126 123 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p.133. 124 Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. 125 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 29. 126 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.199. 39 Os demais elementos, por serem mais complexos, merecerão maior atenção e serão analisados a seguir, em tópicos específicos. 2.3.1 Conduta A conduta a ser considerada no presente tópico é a humana, porquanto somente o ser humano poderá ter pra si dever de indenizar, excepcionada a hipótese em que age na qualidade de representante da pessoa jurídica, ocasião em que esta também será obrigada a indenizar. A conduta humana poderá ser positiva ou negativa. Como conduta positiva, pode-se entender como a prática de um comportamento ativo, ou seja, o agente age. Já a conduta negativa se perfaz em um ato omissivo, isto é, o não fazer é o que provoca o dano a um terceiro. Ocorre que, independentemente se a conduta for positiva ou negativa, para que possa acarretar o dever de indenizar, deverão ser voluntárias. 127 A voluntariedade do ato não se confunde, todavia, com a ação realizada com o intuito de ocasionar o dano, eis que assim procedendo, o agente estará cometendo uma conduta dolosa. Sobre o tema, preconiza Pereira apud Stoco: [...] cumpre, todavia, assinalar que se não insere, no contexto de “voluntariedade” o propósito ou a consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a consciência de causar o prejuízo. Este é um elemento definidor do dolo. A voluntariedade pressuposta na culpa é a da ação em si mesma. Quando o agente precede voluntariamente, e sua conduta voluntária implica ofensa ao direito alheio, advém o que se classifica como procedimento culposo. 128 127 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 31. 128 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 131. 40 Além da voluntariedade do ato, discute-se a necessidade deste ser ilícito para dar ensejo à responsabilidade civil. Para uma primeira corrente, a ilicitude do ato se mostra imprescindível na medida em que o ato voluntário gera o dever de indenizar quando transgredir um dever legal.129 Já os adeptos ao posicionamento de que a ilicitude ou antijuridicidade do ato voluntário é de todo prescindível, esteiam seus argumentos no fato de que por força de norma legal e apenas de forma excepcional, poderá haver a obrigação de reparar um dano ocasionado à vítima.130 O Código Civil brasileiro ainda contempla a responsabilidade civil indireta por ato de terceiro (art. 932131) ou por fato do animal (art. 936132) ou da coisa (art. 937133 e 938134). No caso da responsabilidade por fato do animal ou da coisa, embora a existência da premissa de que somente a conduta humana poderá ensejar a responsabilidade civil é inegável que a responsabilidade recairá sobre os proprietários do animal ou coisa. 129 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade Civil, p. 22. 130 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 31. 131 Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. 132 Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. 133 Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. 134 Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. 41 2.3.2 Dano O dano se consubstancia na ocorrência de um prejuízo que acarreta a diminuição do patrimônio do lesado e sem o qual não há que se falar em responsabilidade civil. 135 O dano pode, todavia, ser decorrente de ato lícito, nas hipóteses expressamente previstas; de ato ilícito, ou inadimplemento contratual independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva. 136 Ainda, o dano poderá se revestir de caráter patrimonial ou extrapatrimonial. No dano patrimonial, o lesado deixa de ganhar ou perder bens em virtude do evento danoso. Na hipótese de dano extrapatrimonial a lesão se dá não ao patrimônio da vítima, mas sim a algum direito da personalidade. É imperioso destacar, igualmente, que o dever de indenizar irá se operar somente nos casos em que o dano se mostrar certo (que se funda em um acontecimento determinado), atual (que decorre de um ato delituoso) e subsistente (aquele cuja necessidade de reparação ainda persiste). 137 2.3.3 Nexo de Causalidade A constatação de que uma conduta humana (positiva ou negativa) foi, de fato, a ensejadora de um dano específico se dará através da análise do nexo de causalidade.138 Três são as correntes principais que procuram melhor definir o que vem a ser o elemento do nexo de causalidade. São elas: a teoria da equivalência de condições; a teoria da causalidade adequada; e a teoria da 135 SAAD, Renan Miguel. O ato ilícito e a responsabilidade civil do estado. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1994, p. 67. 136 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 129. 137 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil, p.207/208. 138 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 96. 42 causalidade direta ou imediata (interrupção do nexo causal). A seguir, passa-se à análise de cada uma delas. 2.3.3.1 Teoria da equivalência de condições: Segundo esta teoria, para se determinar se uma condição constitui “causa” do evento ou resultado, deve-se eliminar hipoteticamente essa condição. Se, ainda assim, o resultado persistir, não será a causa. Do contrário, se o resultado não se verificar, esta condição é, de fato, a causa que poderia fazer eclodir o evento. Assim, se várias são as condições concorrerem para o mesmo resultado, todas teriam o mesmo valor ou relevância, de modo a se equivalerem. 139 No entanto, conforme leciona Stoco, a teoria em epígrafe não se sustenta, na medida em que poderá ser considerado causador do resultado quem quer que se tenha inserido no liame causal, permitindo-se uma regressão quase infinita. 140 2.3.3.2 Teoria da causalidade adequada: Ao contrário do que estabelece a teoria da equivalência de condições, na teoria da causalidade adequada, será causa do evento danoso o antecedente abstratamente apto à determinação do resultado, de acordo com um juízo razoável de probabilidade.141 Contudo, por se conferir a um julgador à análise discricionária do caso concreto, é que esta teoria se mostra temerária, sendo, assim, pouco aceita para a verificação do nexo de causalidade. 142 2.3.3.2 Teoria da causalidade direta ou imediata: 139 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 146. 140 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 146. 141 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 99/100. 142 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p.100. 43 Para esta corrente, a causa de um evento danoso é um antecedente fático que o determina por uma conseqüência sua, direta e imediata.143 O ordenamento jurídico brasileiro adotou, de forma expressa, esta teoria, a qual se encontra contemplada no art. 403 do Código Civil, consoante se denota da redação que aqui se reproduz: Art. 403. Ainda que da inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. No entanto, é importante ressalvar que, embora a teoria adotada pelo Código Civil seja mesmo a da causalidade direta ou imediata, a jurisprudência, por vezes, já optou pela teoria da causalidade adequada. Realizadas as considerações sobre o instituto da responsabilidade civil, no capítulo seguinte se analisará os aspectos específicos da responsabilidade civil do Estado, notadamente em face dos atos praticados pelos notários e registradores quando em suas serventias. 143 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil, p. 101. 44 CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS PRATICADOS POR NOTÁRIOS E REGISTRADORES 3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO Várias são as teorias que sustentam a responsabilidade civil, as quais foram sofrendo transformações até que atingissem o atual modelo, consignado no texto constitucional brasileiro. A seguir, passe-se à análise das referidas teorias. 3.1.1 Teoria da irresponsabilidade Originalmente, vigorava o princípio da irresponsabilidade do Estado, apoiado na idéia de que o Estado, sendo soberano, exercia total autoridade sobre os súditos e não possuía o dever de indenizá-los. Sobre esta teoria, seguem as considerações de Júnior: Houve longo período na história da humanidade em que o Estado jamais pagou os danos que seus agentes causavam ao cidadão. Nem se cogitava, aliás, do tema, já que predominava a teoria do direito divino, pela qual o soberano está acima de quaisquer erros (the King can do no wrong). A infalibilidade do chefe transmitia-se aos seus funcionários”144. Esta teoria, que floresceu no passado, tornou-se obsoleta e foi mitigada pela admissão da responsabilidade do funcionário quando o ato lesivo 144 JÚNIOR, José Cretella. O Estado e a obrigação de indenizar. 2 ed. Rio de Janeio: Forense, 2002, p. 57. 45 pudesse ser diretamente relacionado com um comportamento pessoal seu145. Surgem, então, as teorias civilistas, as quais serão a seguir abordadas. 3.1.2 Teorias civilistas Os princípios de Direito Civil iniciaram o processo de mitigação da teoria da irresponsabilidade estatal. Estes princípios, que se apoiavam na idéia de culpa, faziam distinção entre os atos de império (atos praticados pelo Estado em sua posição de supremacia-prerrogativas, privilégios, autoridade, vez que o cidadão comum jamais poderia exercer essas atividades), dos quais não se exigia a reparação civil por tarde do Estado, e os atos de gestão (praticados pela administração em pé de igualdade com o cidadão comum). Apenas em relação a estes últimos é que se admitia a responsabilização do Estado por atos dos funcionários que porventura agissem com culpa. 146 Ocorre que as teorias civilistas sofreram críticas, notadamente em relação a dois pontos: a impossibilidade de se dividir a personalidade do Estado e a extrema dificuldade de enquadrar como atos de gestão todos aqueles praticados pelo Estado na administração do patrimônio público e na prestação de seus serviços.147 Insta salientar, todavia, que, embora as teorias civilistas tenham sido superadas pelo atual modelo adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, ainda existem correntes admitindo a responsabilidade do Estado somente quando demonstrada a culpa. É a chamada teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva, que, como já dito, se trata de corrente não predominante148. 145 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 994. 146 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 549. 147 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 550. 148 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 550. 46 3.1.3 Teorias publicistas Seguindo-se a evolução das teorias reativas à responsabilidade civil do Estado, têm-se as teorias publicistas, as quais possuem seus pilares nos princípios de Direito Público. Estas teorias se desdobram em teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa e a teoria do risco, esta última se subdividindo, ainda, em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral 149. Veja-se: a) Teoria da culpa administrativa: Também conhecida como teoria da culpa do serviço, representou o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu. Conforme explana Stoco150, “por ela não se indaga da culpa do agente administrativo, mas apenas a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro”. O mesmo autor ainda esclarece que esta teoria requer uma culpa especial da Administração, denominada “culpa administrativa”, e também a existência de um terceiro prejudicado que comprove o fato material e a inexistência, mau funcionamento, ou retardamento do serviço, para que possa obter a indenização151. b)Teoria do risco: Consoante já mencionado, a teoria do risco se subdivide em teoria do risco integral e teoria do risco administrativo. Pela teoria do risco integral entende-se que a Administração deve reparar todo e qualquer dano, não se admitindo a argüição de qualquer excludente de ilicitude. Acerca do tema, colhe-se da lição de Stoco: 149 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 551. 150 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 994. 151 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 994/995. 47 Modalidade extremada da teoria do risco administrativo, que conduz ao abuso e à inequidade social, posto que, segundo essa teoria, a Administração obrigar-se-ia a reparar todo e qualquer dano, não admitindo a interposição de qualquer causa excludente da responsabilidade, como o caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima [...] Mas como exceção e em hipóteses pontuais expressamente previstas em lei, pode-se identificar a adoção da teoria do risco integral na responsabilidade por danos nucleares e por danos causados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, conta aeronaves de matrícula brasileira, operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público [...]152. A teoria do risco integral, com exceção das hipóteses mencionadas por Stoco, não foi aceita no ordenamento jurídico brasileiro. De outro vértice, na teoria do risco administrativo, surge a obrigação de indenizar com a ocorrência de uma lesão, não se exigindo qualquer falta de serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta, portanto, o dano, sem a concorrência do lesado. Esta teoria baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados, assim como na possibilidade da Administração Pública ocasionar danos a estes. Nesse contexto, destaca-se o ensinamento de Júnior sobre o risco da atividade exercida pelo Estado: Diante da potencialidade de se gerar danos, a coletividade, que não pode dispensar estes serviços, assume o risco de arcar com os prejuízos deles advindos. Daí o seu dever de indenizar, através do patrimônio público, os danos decorrentes da atividade desempenhada para o benefício de todos. [...] A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano derivado 152 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 995. 48 do só fato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração quando do exercício de atividade perigosa153. Não obstante a desnecessidade de comprovação da culpa do agente público, poderá o Poder Público demonstrar a culpa da vítima, oportunizando a culpa concorrente. É o que depreende dos ensinamentos de Meirelles: Embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o riso administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deve indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa apenas e tão-somente que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização154. Adiante se verá que o ordenamento jurídico brasileiro orientou-se pela doutrina do Direito Público e adotou a teoria da responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo. 3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO Apesar do instituto da responsabilidade civil ter passado por um processo evolutivo, em nenhuma das constituições brasileiras foi adotada a teoria da irresponsabilidade155. Houve previsão da responsabilidade civil, exclusivamente do empregado público pelos abusos e omissões praticados no exercício das suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis os seus subordinados, 153 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do estado por atos judiciais. Curitiba: Juruá, 1996, p. 59. 154 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 612. 155 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 552. 49 como na Constituição do Império156; a responsabilidade do funcionário em decorrência de abuso ou omissão praticados no exercício de suas funções, porém, com previsão da responsabilidade solidária do Estado em leis específicas, como nas Constituições de 1824 e 1891157; na vigência da Constituição de 1891, foi proclamado o Código Civil de 1916, no qual se vislumbrou a teoria civilista da responsabilidade subjetiva158; nas Constituições de 1934 e 1937, previa-se a indenização de quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos159; na Constituição de 1946, restou consagrada a responsabilidade objetiva do Estado, eis que esta não fazia qualquer condicionamento à culpa160; Na Constituição de 1967, repetiu-se os preceitos relativos à responsabilidade objetiva trazidos pela Constituição que a antecedeu, acrescentando a possibilidade de ação regressiva do Estado contra o agente, em caso de culpa ou dolo. 161 Por fim, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou, em seu art. 37 § 6º, a responsabilidade objetiva do Estado. Vejase: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: [omissis] § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado 156 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade Civil do Estado por atos dos agentes dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo I, p. 83. 157 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 552. 158 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 552. 159 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil : lei nº 10.406 de 10.01.2002, p. 357. 160 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil : lei nº 10.406 de 10.01.2002, p. 357. 161 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 553. 50 o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Na hipótese, o dispositivo constitucional claramente se valeu da teoria publicista do risco administrativo para determinar que o Estado será responsável pelos eventuais danos ocasionados por seus agentes aos administrados, assegurado o direito de regresso contra o agente público que provocar dano por dolo ou culpa. Também no Código Civil de 2002, a responsabilidade civil do Estado está tratada no art. 43, cuja redação é a que segue: Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por ato de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Em seguida, adentrar-se-á no tema específico deste trabalho monográfico, qual seja, a responsabilidade civil do Estado por atos praticados por notários e registradores. 3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS PRATICADOS POR NOTÁRIOS E REGISTRADORES Para que se proceda ao estudo acerca da Responsabilidade Civil do Estado é necessário, primeiramente, a análise da responsabilidade civil das Pessoas Jurídicas de Direito Privado, prestadoras de Serviço Público, para só então iniciar a análise da condição específica dos notários e registradores adotada pelas leis vigentes no ordenamento jurídico pátrio. 3.3.1 Da Responsabilidade Civil das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. A Carta Magna de 1988 inovou ao prever no § 6º, do art. 37 (conforme redação já reproduzida), que as pessoas jurídicas de direito privado 51 são objetivamente responsáveis, desde que estejam prestando um serviço público que, a priori, caberia ao Estado prestar. Como já visto anteriormente, quando da análise das previsões da responsabilidade civil do Estado nas Constituições brasileiras pretéritas, a responsabilidade objetiva só alcançava as pessoas jurídicas de direito público: entidades públicas e autarquias. Cahali162, sobre a temática, elucida que não é a forma de constituição da pessoa jurídica – se de natureza pública ou privada – que define a responsabilidade objetiva. O que se deve relevar é a natureza do serviço por ela prestado. Na hipótese de prestação de serviço de natureza pública, em que competiria ao Estado a sua prestação, mas este a delega a um particular, através de concessão ou permissão, para que o realize, a pessoa que o presta será objetivamente responsável pelos atos de seus agentes. Salienta-se que, nos casos de delegação de função de natureza pública, também as pessoas físicas estão sujeitas à incidência da responsabilidade objetiva. Esta é a hipótese dos notários e dos registradores, como a seguir se discorrerá. 3.3.2 Da Natureza Jurídica dos Notários e Registradores Muito se discute acerca da natureza jurídica dos notários e registradores e do vínculo que os liga ao Estado, notadamente em razão da complexidade da matéria, bem como ante a existência de certa imprecisão do legislador. A rigor do disposto no art. 236 da CRFB/88, a atividade exercida pelos notários e registradores é concedida pelo Poder Público através de delegação. É o que se depreende da redação do citado dispositivo legal: 162 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 115 52 Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. Diante da norma constitucional em branco foi necessário que o legislador ordinário regulamentasse a atividade notarial e de registro e assim o fez através da Lei n. 8.935/94. Ocorre que, embora predomine o entendimento de que os notários e registradores são agentes públicos, existe, todavia, uma corrente minoritária, mas que cuja posição deve ser mencionada. Os defensores da tese de que os notários e registradores não são agentes públicos afirmam que o intuito do constituinte de 1988, ao dispor que os serviços notariais seriam exercidos em caráter privado, foi o de privatizar a prestação destes serviços. A expressão caráter privado conduziria os notários e registradores da seara do direito público para a do direito privado. Assim, os notários e registradores, profissionais do direito, dotados de fé pública e sujeitos ao regime Geral da Previdência Social, deixariam de integrar a estrutura do Estado, para serem colaboradores do Poder Público, atuando em recinto 53 particular e contratando seus empregados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho163. Sustentam, ainda, os adeptos desta corrente que, muito embora a atividade por eles exercida tenha caráter eminentemente público, não é somente o funcionário público que presta serviços desta natureza. Há no direito brasileiro inúmeros exemplos de serviços públicos que não são exercidos por servidores, como é o caso dos leiloeiros, tradutores, intérpretes e dos permissionários e concessionários. Por esta razão é que o Estado lhes concede a Delegação, para que eles, enquanto particulares, possam exercer uma função típica dos entes de direito público. Fossem os notários e registradores funcionários, não haveria necessidade de se outorgar a delegação164. Por outro lado, os adeptos da corrente que defende a idéia de que os titulares de serventias extrajudiciais são agentes públicos, argumentam que todos aqueles que servem ao Poder Público, na qualidade de sujeitos expressivos de suas ações, são, enquanto as exercitam, agentes públicos165. Gize-se, ainda, que os tabeliães e oficiais de registro, são agentes estatais ocupantes de cargos públicos, criados por lei, em número certo, com denominação própria e remunerados à custa de receita pública emolumentos fixados por lei. Reforçando este entendimento, a Lei n. 8.935/94 determina, em seu artigo 25, a proibição de acumulação do exercício da atividade notarial com a ocupação de qualquer cargo público. Segue a redação do mencionado dispositivo legal: Art. 25. O exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão. 163 BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil o Estado decorrente de atos notariais e de registro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 205. 164 BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil o Estado decorrente de atos notariais e de registro, p. 205. 54 Há que se registrar, outrossim, que o art. 14, inciso I, da Lei 166 n. 8935/94 condicionou o ingresso na atividade notarial e de registro à habilitação em concurso público de provas e títulos. Na concepção de Stoco, o dispositivo contido na lei ordinária reafirmou o preceito constitucional, de modo a espancar qualquer dúvida quanto à condição de servidor público dos serventuários dos cartórios extrajudiciais (mas não os empregados das serventias extrajudiciais, que são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho). 167 Na mesma alheta, manifesta-se Santos: São órgãos do foro extrajudicial os tabeliães e oficiais de registro públicos: a) Os tabeliães, cujas origens remontam aos tabeliones ou tabularie, dos romanos, função que exerciam com caráter privado, até que os imperadores Arcádio e Honório a oficializaram, são, no direito brasileiro, de herança portuguesa e canônica, serventuários públicos, investidos de fé pública, que têm por função precípua lavrar atos contratos em livros de notas, conferindo-lhes autenticidade. Chamam-se também notários, denominação de origem canônica, usada por franceses e italianos. No campo dos servidores públicos, formam o grupo dos serventuários, para se distinguirem dos funcionários públicos. Uns e outros são investidos em cargos criados por lei, mas, enquanto estes percebem vencimentos dos cofres públicos, aqueles podem, conforme a lei local que os reger, quando não percebam vencimentos, como os funcionários públicos em geral, auferir pagamento, pelos serviços que prestam, por meio de custas e emolumentos. Aos tabeliães incumbe, principalmente: lavrar escrituras nos livros de notas; aprovar, por instrumento, 165 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Regime constitucional dos servidores da administração direta e indireta. São Paulo: RT, 1990, p. 6. 166 Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos: I - habilitação em concurso público de provas e títulos; 167 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 1035. 55 testamentos cerrados; lavrar procurações; registrar os documentos que lhes forem apresentados com as escrituras que tiverem de lavrar; reconhecer letra, assinatura e firma; autenticar declarações de vontade, permitidas em direito; usa do sinal público. b) São oficiais de registros públicos serventuários e funcionários públicos que têm por função registrar atos, contratos, para autenticidade, segurança e validade dos mesmos. Função primordial dos registros públicos é a publicidade que atribuem aos atos e contratos que lhes são levados. 168 Esta segunda corrente foi brindada com inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal169 e do Superior Tribunal de Justiça170 declarando a condição de agentes públicos aos notários e registradores. 3.3.3 Da responsabilidade civil dos Notários e Registradores Conforme se depreende do art. 236, § 1°, da Constituição Federal (redação já reproduzida), o legislador constituinte originário conferiu ao legislador ordinário a regulamentação das atividades notarias e de registro, inclusive no que se refere à responsabilidade civil dos notários e registradores. Com a edição da Lei Federal n. 8.935/94 (Lei dos Notários e Registradores), regulamentou-se a responsabilidade civil, conforme se infere do artigo 22 e seguintes. Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos. 168 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 117-118. 169 Nesse sentido, RE 8.500, RDA 19/142, Castro Nunes; MS 5.422, Luiz Galotti; Rp 1.489, DJ, Octávio Galotti. 170 Esse entendimento foi esposado pela 2ª Turma do STJ, no julgamento do RMS 7112, Rel, Helio Mosimann, RDA 186/198. 56 A temática, todavia, enfrenta uma séria de digressões doutrinárias e jurisprudências, dando azo ao surgimento de diferentes correntes que procuram explicar a responsabilidade civil dos notários e registradores por atos lesivos a terceiros, assim como a possibilidade ou não do Estado ser também responsabilizado por estes atos. A seguir, analisar-se-á cada um desses posicionamentos. Menciona-se, em princípio, o seguimento que defende a responsabilidade civil objetiva dos notários e registradores. Para os adeptos desta corrente, o já mencionado art. 22 da Lei n. 8.935/94 aplicou aos notários a registradores a Teoria do Risco da Atividade, impondo-lhes o dever objetivo de indenizar os danos causados, por si ou seus prepostos, a terceiros. Argumentam, ainda, que a natureza da atividade impõe ao notário e ao registrador uma obrigação de resultado, de natureza contratual, ainda que se trate de serviço público 171. Nessa esteira, os notários e registradores responderiam objetivamente pelos danos que, por si ou seus prepostos, causarem a terceiros. O dano ou prejuízo causado dependeria, evidentemente, de prova e deveria manter o nexo causal para com o ato praticado, independentemente de que o tenha sido por dolo (vontade de praticar o ilícito danoso), ou culpa (violação do dever jurídico de atuação diligente, prudente e hábil, como peculiar ao exercício da atividade). A incidência para a ocorrência do dano dispensaria, portanto, a prova do ato doloso ou culposo e se resumiria à subjetividade de sua efetiva ocorrência em relação ao serviço prestado pelo notário ou oficial de registro ou mesmo aquele praticado por algum de seus prepostos, empregados contratados, substitutos, escreventes ou auxiliares. Sintetizando o exposto, segue a lição de Cahali: 171 DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade Civil. 7 ed. São Paulo: Saraiva, p. 210. 57 Na linha do princípio inovador inserto no art. 37, § 6º, da Constituição e da nova legislação ordinária ajustadas aos seus enunciados, a responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro define-se como sendo igualmente objetiva, a prescindir de qualquer perquirição a respeito do elemento subjetivo do dolo ou culpa sua ou de seus prepostos. 172 A questão foi posteriormente alterada com a superveniência da Lei de Protestos (Lei Federal n. 9.492/97), a qual explicitou, em seu art. 38, que a responsabilidade civil dos Tabeliães de Protestos depende de comprovação de culpa ou dolo. É o que se infere da redação do citado dispositivo legal: Art. 38. Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. Surge, assim, a corrente segundo a qual, a responsabilidade dos notários e registradores é subjetiva. Nesse sentido, são as considerações de Stoco: Maior clareza não se há de exigir para admitir – reafirme-se – que se consagrou o princípio da responsabilidade aquiliana dos notários e registradores, fundada na culpa. 173 Nesta hipótese, se manteve, todavia, a responsabilidade dos notários e registradores perante terceiros, pelos atos dos seus prepostos, ressalvada a ação regressiva face ao causador do dano. 174 Se de um lado parece ter o legislador contemplado expressamente a responsabilidade subjetiva para os notários e registradores, questão mais árdua refere-se ao dever de indenizar do Estado em relação aos atos por eles praticados e que venham a ocasionar danos a terceiros, a qual, frisa-se, é o tema do presente trabalho monográfico. 172 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado, p. 348. 173 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p.1040. 58 Por oportuno, convém a realização de prévia abordagem acerca da posição doutrinária que, embora minoritária, defende a não responsabilização direta do ente estatal pelos danos advindos da atividade notarial e de registro. Segundo esta corrente, por ser a assunção de riscos a essência da delegação e por exercer os notários e registradores suas atividades, por sua própria conta e risco, não deve o Estado responder diretamente por eventuais danos ocasionados a terceiros. Noutras palavras, a natureza privatista da prestação dos serviços notariais e de registro seria excludente da incidência da responsabilidade civil primária (ou direta) da Administração. Partidário desta corrente, anota Benício: A responsabilidade do Estado não pode ser direta, quando o dano for causado por titulares de serventias não oficializadas, uma vez que estes agentes desempenham sua atividade sob o regime de delegação. É dizer: para efeito de configuração da responsabilidade civil de notários e registradores, entendemos que estes não se assemelham aos agentes públicos e, assim sendo, a responsabilidade do Estado, pelos atos danosos de cartorários não-oficializados, só terá lugar na hipótese de insolvência do titular da serventia extrajudicial175. Os argumentos expedidos pelo autor para negar a responsabilidade civil do Estado pelos atos dos notários e registradores são, em síntese, os seguintes: A um, se o Estado pretendesse responder diretamente pelos danos causados por notários e registradores (tal como responde por atos de servidores públicos), a opção teria sido manter 174 175 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p.1040. BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro, p. 239. 59 oficializadas as serventias extrajudiciais; a dois, a delegação implica, necessariamente, conferir responsabilidade ao delegado; a três, notários e registradores possuem autonomia administrativa e financeira; a quatro, tais agente percebem emolumentos suficientes e compatíveis com a responsabilidade por si assumidas; a cinco, a contratação de prepostos (substitutos e auxiliares) dá-se por contrato direto de trabalho, com remuneração ficada pelo titular do cartório, sem a ingerência imediata do Estado, pelo que não é razoável que este responda pelos prejuízos causados por atos de prepostos do tabelião ou registrador; a seis, a CF, no § 6º do art. 37, determina que a responsabilidade de pessoas delegadas prestadoras de serviços públicos é direta e exclusiva por seus prepostos, sendo que o dever de ressarcir por parte do Estado é eventual e subsidiária, ocorrendo apenas na hipótese de insolvência da pessoa 176 delegada. É forçoso registrar, ademais, que, para os adeptos desta corrente, apensar de preponderar a responsabilidade subjetiva dos notários e registradores pelos danos ocasionados a terceiros, admite-se a responsabilização subsidiária do ente estatal somente em casos excepcionais, ou seja, quando se estiver diante da insolvência do notário ou registrador. Na hipótese presente, esta corrente doutrinária faz a distinção, no que tange à responsabilidade civil da Administração por atos de seus delegatários, entre a responsabilidade primária e responsabilidade subsidiária. A responsabilidade primária se dá quando o ato danoso é atribuído diretamente à pessoa física ou pessoa jurídica a que pertence o agente causador do dano, ou seja, quando o agente está diretamente vinculado à pessoa que se imputa responsável pela reparação do dano causado. De outra banda, fala-se em responsabilidade subsidiária (ou secundária) quando o agente causador do dano 176 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro, p. 242-243. 60 estiver incorporado a ente integrante da administração indireta, e somente poderá ser invocada na hipótese de incapacidade econômica por parte do imputado. 177 Em suma, de acordo com este posicionamento, assumiria o notário ou registrador a posição de responsável direto pelos danos causados no exercício da atividade, legando-se à Administração apenas a condição de responsável subsidiário. De outro vértice, predomina a corrente que, registre-se, acompanha a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a qual perfilha o entendimento de que, não obstante o caráter privado do exercício dos serviços, para efeitos de responsabilidade do Estado, notários e registradores permanecem com o estatus de servidores públicos, mesmo que executores de atividades delegadas pelo Estado. Por isso, o Estado pode ser chamado a responder diretamente pelos atos dos titulares (e os prepostos) de serventias extrajudiciais não oficializadas. Preconiza Cahali que os notários e registradores estão naturalmente investidos de uma função pública, e por força da subordinação funcional direta, os atos por eles praticados a dano de particulares engendram a responsabilidade civil do Estado. 178 Na mesma alheta, é o posicionamento de Pereira: A Constituição Federal de 1988 considerou os serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. A lei regulará as respectivas atividades e disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos serventuários, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário (art. 236). Assim havendo estabelecido, não afastou a responsabilidade do Estado 177 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. São Paulo: Forense, vol. 2, p. 443. 178 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado, p. 334. 61 pelas faltas e abusos que cometam os servidores, uma vez que as atividades são exercidas por delegação do Poder Público.179 No caso em tela, a principal diferença sustentada por esta corrente em relação àquela abordada anteriormente repousa na idéia de que a responsabilidade civil do Estado não é apenas subsidiária – o que poderia ensejar um menor amparo jurídico ao terceiro lesado – mas sim solidária, podendo o Estado ser direta e objetivamente demandado, independentemente comprovação da culpa por parte do notário ou registrador. de Esta é a posição compartilhada por Stoco, veja-se: No que diz respeito à responsabilidade civil do Estado por atos dos titulares das serventias ou de seus prepostos, nada se altera: o Poder Público responderá objetivamente pelos atos por eles praticados que venham causar danos a terceiros [...] mas não exclui a responsabilidade solidária do serventuário, se tiver agido com dolo ou culpa. Esse por sua vez, terá direito de regresso contra o empregado do cartório que tenha sido o causador direto do dano. 180 No mesmo norte, segue a lição de Filho: Embora haja regras especiais no Código Civil, além da contida na atual Lei de registros Públicos, sobre a responsabilidade dos serventuários, existe o princípio constitucional de responsabilidade solidária do Estado pelos atos de funcionários dos três poderes, contra os quais caberá ação regressiva, nos casos de dolo ou culpa. [...] Se o exercício da delegação em caráter privado não descaracteriza os notários e registradores como servidores públicos, ipso facto, o Estado continua solidariamente responsável 179 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense,1992, p. 167-172 180 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 1039-1040. 62 pelos seus atos, contra os quais caberá ação regressiva nos casos de culpa ou dolo. 181 Não diverge desta posição A dupla condição de agente público e de atuante em caráter privado suscita a persistência da responsabilidade do “Estado” pelos danos causados, como decorrência do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição. (...). Para saber quem vai responder pelo prejuízo, na interpretação literal do art. 22, é irrelevante determinar qual o causador do resultado prejudicial (o titular, o escrevente que responde pelo serviço, os escreventes substitutos, os auxiliares). A vítima pode assestar a pretensão reparadora diretamente contra o titular, pois para tanto a autoriza o uso do verbo ‘responder’. (...) Como ficou dito na abertura do Capítulo e à vista do que determina o art. 37 § 6º, da Constituição e da interpretação dada pelo Plano do Supremo Tribunal quanto à natureza da relação entre o delegado notarial ou registrário e o Estado, este responde, nos termos da responsabilidade objetiva, tendo direito regressivo contra o titular do serviço em caso de dolo ou culpa. Assestado o pedido diretamente contra o oficial, incumbe ao autor comprovar-lhe a culpa.182 Insta frisar que o Supremo Tribunal Federal, em repetidos julgados, vem considerando, para efeito de configuração da responsabilidade civil, que notários e registradores são agentes públicos e, por isso, ao interpretar a Constituição vigente, em seu art. 37, § 6º, entende que o Estado responde, direta e objetivamente, pelos danos causados a terceiros por tais agentes, cabendo ação de regresso por parte da pessoa jurídica de direito público interno, no caso de comprovada a culpa, ou dolo, dos titulares de serviços notariais e de registro (ou de seus prepostos). 181 FILHO, Nicolau Balbino. Registro de imóveis – doutrina – prática jurisprudencial. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 26 e 29. 182 63 Esta é a orientação colhida do arresto que a baixo se reproduz: Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (CF, art. 37, § 6º). 183 Com efeito, numerosos são os precedentes jurisprudenciais no sentido de que os notários e registradores respondem por culpa, sem afastar a responsabilidade objetiva do Estado. 184 Há de se destacar, ademais, que a responsabilidade definida pelas correntes acima apontadas somente têm aplicabilidade caso sejam preenchidos os seguintes requisitos: exercício da atividade em caráter privado, por delegação do poder público, mediante aprovação em concurso público, ou por exercício da atividade em decorrência de direito adquirido na constância do regime constitucional anterior. Importa dizer que, nas situações de vacância, mormente por prazo superior ao prazo constitucional de 6 meses, nas quais os interinos se configuram como verdadeiros prepostos do Estado, a responsabilidade deverá ser imputada diretamente à Administração. Da mesma forma ocorrerá nas hipóteses de intervenção nas serventias, tal como previsto no art. 36 da Lei n. 8.935/94. Isso porque, nessas situações, aqueles que respondem pela delegação o fazem em caráter provisório e temporário, por nomeação administrativa de caráter precário, atendendo aos interesses diretos do Estado185. Diante das vertentes apresentadas ao longo deste trabalho, pode-se concluir, portanto, que a corrente predominante no panorama jurídico 183 Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 209.354 da 2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio DJU de 26.02.1999. 184 Nesse sentido: RE 229.974/PR, rel. Min. Néri da Silveira, decisão monocrática exarada em 28.08.2001; RE 212.724 MG, rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 30.03.1999 185 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil, p. 394. 64 atual visa conferir ao terceiro lesado uma maior segurança jurídica, permitindo que este ajuíze ação de reparação civil das seguintes formas: a) diretamente em face do Estado, com base na responsabilidade objetiva consagrada no § 6º do art. 37 da Constituição de 1988, bastando a comprovação do dano e o nexo de causalidade entre o evento danoso e o serviço prestado, cabendo ao Estado o direito de regresso contra o agente causador do dano (titular do cartório e/ou preposto), nos casos de dolo ou culpa deste; b) diretamente em face do titular da serventia não oficializada, desde que a vítima prove a ocorrência de culpa ou dolo na prestação do serviço notarial ou de registro (responsabilidade subjetiva), cabendo ao titular o direito de regresso contra o preposto causador do prejuízo; c) diretamente em face do preposto (funcionário da serventia extrajudicial), mediante a comprovação de culpa ou dolo deste. d) poderá, ainda, ingressar com ação de reparação de danos em face do Estado, do notário ou do registrador, ou mesmo do preposto, conjuntamente, hipótese de ocorrência de litisconsórcio passivo. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho monográfico teve como objeto de estudo a possibilidade do Estado ser responsável civilmente por praticados por notários e registradores. Neste viés, o percurso desenvolvido na pesquisa pôde mostrar alguns aspectos relativos à responsabilidade civil do Estado por atos notariais e de registro que porventura acarretem danos a terceiros. Para tanto, o trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, realizou-se uma prévia abordagem sobre a evolução social do Estado, mormente em sua concepção de sociedade política. Foram destacadas as teorias explicativas da origem do Estado, quais sejam, a naturalista, defendida por Aristóteles, na qual a sociedade é resultante da necessidade de cooperação entre os homens para a manutenção da sobrevivência, assim como a teoria racionalista, a qual defende que o surgimento do Estado se deu em razão de um acordo de vontades pactuado entre os homens, isto é, de um contrato social. Os partidários desta corrente são os chamados contratualistas, dentre os quais foram citados Emmanuel Kant, Thomas Hobbes, John Locke, Jean Jaques Rousseau, entre outros. As teorias da origem familiar, patrimonial e da força também foram destacadas. De forma breve e esquemática, realizou-se, igualmente, algumas considerações sobre os Estados Oriental, Grego, Romano, Medieval, Moderno e Contemporâneo. O segundo capítulo destinou-se à abordagem dos aspectos gerais da responsabilidade civil. Verificou-se que o instituto em comento está dividido, em sentindo amplo, em responsabilidade extracontratual, pautada em uma obrigação legal; e contratual, decorrente do inadimplemento de uma obrigação convencionada entre as partes contratantes. Neste contexto, destacouse, outrossim, as espécies subjetiva, na qual a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar; e objetiva, a qual, inclusive, foi o objeto de apreciação da presente pesquisa, em especial o 66 art. 37, § 6° da CRFB/88, e está fundada na teoria do risco, ou seja, a análise da existência do elemento culpa é de todo prescindível, bastando a comprovação do nexo de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e a conduta do agente. Foram destacadas, igualmente, as hipóteses excludentes da responsabilidade civil. No terceiro capítulo abordou-se, especificamente, a responsabilidade civil do Estado por ato praticados pelos notários e registradores. Primeiramente, se mencionou as teorias explicativas da responsabilidade civil do Estado, dentre as quais se destacaram as teorias civilistas, baseadas na responsabilidade subjetiva, e as teorias publicistas, cujas raízes se encontram na responsabilidade objetiva, ou seja, está fundamentada na teoria do risco. Viu-se que o ordenamento jurídico pátrio adotou, em seu art. 37, § 6º, da CRFB/88, a teoria publicista do risco administrativo. Ademais, verificou-se que os notários e os oficiais de registro respondem civilmente e de forma subjetiva pelos atos por eles praticados ou por seus prepostos que venham a ocasionar danos a terceiros. Ressaltou-se, todavia, que, nos casos em que os atos danosos forem praticados pelos prepostos ou funcionários das serventias, terá o notário ou registrador o direito de regresso em face daquele que agiu com dolo ou culpa. No tocante á possibilidade do Estado ser civilmente responsabilizado por atos notariais e de registro, destacou-se a existência de corrente minoritária segundo a qual somente os notários e registradores responderão diretamente pelos danos ocasionados a terceiros. O Estado, na hipótese, somente responderia de forma subsidiária, ou seja, diante da insolvência do notário ou do registrador. Não obstante os argumentos expedidos por esta corrente foi enfatizada o posicionamento predominante no atual panorama jurídico, segundo o qual, não obstante a existência de regras especiais no Código Civil, além da contida na atual Lei de Registros Públicos, sobre a responsabilidade dos serventuários, existe o princípio constitucional de responsabilidade solidária do Estado pelos atos de seus agentes. Nesse viés, se o exercício da delegação em caráter privado não descaracteriza os notários e registradores como agentes públicos, o Estado continua solidariamente responsável pelos seus atos, contra os quais caberá ação regressiva nos casos de culpa ou dolo. 67 A pesquisa objetivou responder os problemas abaixo e verificar a confirmação ou não das hipóteses elencadas. Primeiro problema: O Estado pode se responsabilizar por atos praticados por notários e registradores? Hipótese: Em razão da qualidade de agentes públicos dos titulares das serventias, recai sobre o Estado a responsabilidade proveniente de danos causados a terceiros pelos serviços delegados notariais e de registro. Análise da hipótese: A hipótese restou confirmada, por suas próprias razões. Segundo problema: A Responsabilidade do Estado Federado decorrente de atos praticados pelos notários e registradores é objetiva ou subjetiva? Hipótese: O art. 37, § 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988186, prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público. Contudo, não especificou quais os entes responsáveis, nem tampouco exonerou qualquer deles. Destarte, sendo os notários e registradores agentes públicos, incide, em tese, o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, respondendo a Fazenda Pública, de forma solidária, pelos atos desses agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros. Análise da hipótese: Esta hipótese restou, igualmente, confirmada, nos termos das razões acima exposadas. 186 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, p. 52. 68 Com efeito, esta Monografia venceu o seu propósito investigatório, eis que analisou cientificamente as hipóteses previstas para os problemas acima mencionados. Contudo, na seqüência do estudo deste tema, ficou confirmada a necessidade de mais pesquisa, análise, sugestões e debates científicos que visem assegurar o direito ao ressarcimento, realizado pelo Estado, dos prejuízos causados às partes, decorrentes da atividade notarial e de registro para que proporcione àqueles que se utilizem destes serviços uma maior segurança jurídica. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade Civil do Estado por atos dos agentes dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo I. ARISTÓTELES. A política, Livro III, São Paulo: Nova Cultural, 1999. Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei n. 10.406 de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2007. BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil o Estado decorrente de atos notariais e de registro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed. São Paulo: Malheiros. 1966. BRASIL, Código Civil. 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