Autismo 04/10/16 - Câmara dos Deputados

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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
Versão para registro histórico
Não passível de alteração
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO
EVENTO: Audiência Pública
REUNIÃO Nº: 1140/16
DATA: 04/10/2016
LOCAL: Plenário 10
INÍCIO: 09h52min
TÉRMINO: 11h42min
PÁGINAS: 37
das Comissões
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
CLAY BRITES - Doutorando em Neurologia pela UNICAMP e graduado em Medicina pela
Universidade Estadual de Londrina.
LUCIANA BRITES - Diretora de Políticas de Educação Especial do MEC, pedagoga,
psicopedagoga e psicomotricista.
CASEMIRO JOSÉ MOTA - Professor do Instituto Federal Catarinense.
VIVIANE GUIMARÃES - Especialista em Avaliação Psicopedagoga.
AMANDA PASCHOAL - Universitária.
SUMÁRIO
Debate sobre Autismo: características, diagnóstico e intervenção.
OBSERVAÇÕES
Houve exibição de imagens.
Grafia não confirmada: Elma Costa dos Santos.
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Comissão de Educação
Número: 1140/16
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Fernandes) - Declaro aberta a
presente reunião de audiência pública da Comissão de Educação, atendendo ao
Requerimento nº 197, de 2016, de autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá,
aprovado em 15 de junho de 2016, para discutir o tema Autismo: características,
diagnóstico e intervenção.
Convido para comporem a Mesa: Clay Brites, doutorando em Neurologia pela
UNICAMP, graduado em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina
(palmas); Luciana Brites, pós-graduada em Educação Especial pelo Centro
Universitário Filadélfia — UNIFIL, com graduação em Psicopedagogia pela UNIFIL
(palmas); Casemiro José Mota, Professor do Instituto Federal Catarinense (palmas);
Viviane Guimarães, especialista em Avaliação Psicopedagoga (palmas); e Amanda
Paschoal, universitária. (Palmas.)
Antes de passar a palavra aos convidados, informo que a reunião está sendo
gravada para posterior transcrição. Por isso, solicito a todos os que forem usar da
palavra que utilizem o microfone.
Para melhor ordenamento dos trabalhos, adotamos os seguintes critérios:
cada expositor terá o prazo de 15 minutos para sua exposição, não podendo ser
aparteado; o debate será aberto ao final da última palestra, e as perguntas deverão
restringir-se ao assunto da exposição, formuladas no prazo de 3 minutos, dispondo o
palestrante de igual tempo para a resposta; serão permitidas a réplica e a tréplica
pelo prazo de 3 minutos, para responder a cada interpelação; e os expositores terão
o mesmo tempo de 3 minutos.
Informo aos Parlamentares que a lista de inscrição para o debate encontra-se
em nossa mesa de apoio e solicito aos Deputados interessados em interpelar os
palestrantes que se inscrevam previamente.
Peço desculpas, em nome do Deputado Arnaldo Faria de Sá, pois ele está
presidindo outro evento: uma sessão solene em homenagem aos idosos. E registro
a presença do Deputado Ságuas Moraes, do PT de Mato Grosso.
Concedo a palavra, seguindo a ordem, ao Sr. Clay Brites. V.Sa. tem o prazo
de 15 minutos.
O SR. CLAY BRITES - Bom dia a todos! Sr. Presidente da Mesa, Sras. e Srs.
Deputados, demais convidados, faço um agradecimento especial ao Movimento
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Autista pelo convite e também à Câmara dos Deputados pela possibilidade, pela
abertura e pela oportunidade. Vou iniciar falando sobre o autismo, do ponto de vista
de suas características, aspectos, diagnósticos e intervenção.
(Segue-se exibição de imagens.)
O Transtorno do Espectro Autista é um transtorno de desenvolvimento. É uma
condição na qual o indivíduo, durante os primeiros anos de vida, pode, por motivos
ainda desconhecidos, mas com enorme fator genético envolvido, vir a apresentar
problemas severos no seu desenvolvimento do ponto de vista de interação social, de
comunicação social e de comportamentos repetitivos e restritos. Devido ao fato de
ser um transtorno que afeta a idade inicial da criança, apresenta consequências e
leva a enormes restrições na capacidade de desenvolvimento pleno da criança, dos
pontos de vista social, afetivo e acadêmico, e, a longo prazo, ao chegar à fase
adulta, leva a problemas severos nos relacionamentos conjugais e na capacidade de
trabalho, reduz, e muito, as oportunidades de emprego e de acessibilidade
acadêmica e inclusive predispõe, de forma severa e alta, a problemas psiquiátricos
secundários. Então, é um transtorno que começa na infância, na fase precoce da
infância. Sabemos que o autismo se inicia principalmente nos primeiros três anos de
vida — é maior a probabilidade de ele se iniciar nessa idade — e tem efeitos
permanentes durante todo o ciclo de vida: da adolescência à fase adulta.
Como já deve ter sido pontuado em alguns textos, o autismo é um transtorno
cuja prevalência e incidência estão em crescente aumento. Nos anos 70 e 80, a
cada 800 crianças nascidas, registrava-se um caso de autismo. Hoje, nós vemos
que esse índice chega a ser de 1 para 68, ou seja, a cada 68 crianças que nascem,
uma tem autismo. Existem inclusive algumas estatísticas americanas mais recentes
já mostrando que essa proporção está de 1 para 51. Então, a probabilidade é a de
que muitas pessoas estavam subnotificadas, eram crianças sindrômicas ou com
deficiência intelectual que ficavam com esse diagnóstico. E, com mais conhecimento
e maior disponibilidade de informações sobre o autismo, os profissionais de saúde e
de educação começaram a rever o diagnóstico de muitas crianças. Então, o
aumento desse número está mais relacionado a isso.
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Prematuridade, baixo peso ao nascer e uso de drogas na gestação também
aumentam o risco de uma criança apresentar autismo. Esses também têm sido
colocados como fatores de aumento da prevalência e da incidência.
Hoje, a cada 10 mil nascimentos, 20 a 30 crianças vão desenvolver autismo.
Há estatísticas mostrando que, a cada 10 mil crianças nascidas, 116 desenvolvem
autismo — a cada 10 mil nascimentos! Esse é, sem dúvida alguma, um índice
preocupante. E nós precisamos estar mais vigilantes e dar realmente espaço para o
diagnóstico e a intervenção precoce.
O índice de recorrência nas famílias é de 19%! Dentro da área médica, esse é
um índice considerado alto. Nos casos em que o primeiro filho é do sexo feminino e
apresenta autismo, esse índice de recorrência pode chegar a 30%. E as políticas de
hoje precisam levar em consideração também esses pontos.
As causas do autismo são genético-ambientais, mas predominantemente
genéticas. O índice de herança, de herdabilidade do autismo é de 90%. Então, é um
processo sobre o qual nós temos pouco controle, do ponto de vista de
desencadeamento do quadro, porque é um quadro de predomínio genético, até este
momento. As principais causas são pré e perinatais, ou seja, o início do processo
pode dar-se antes do nascimento. E, logo depois, fatores relacionados ao
nascimento aumentam o risco de o autismo desenvolver-se.
A heterogeneidade clínica é imensa! Nenhum autista é igual. Todos eles
apresentam três características principais: dificuldade de interação social, imensa
dificuldade de comunicação social e comportamentos repetitivos e restritos, fora as
alterações neuropsicomotoras e percepto-sensitivas. Mas isso varia de criança
autista para criança autista.
Os déficits cognitivos a isso relacionados, que levam a problemas de memória
de trabalho não verbal, de memória de trabalho verbal, de déficit de função
executiva, e a problemas relacionados à propriocepção e à sensibilidade global da
criança, que, por sua vez, levam a efeitos severos na escolarização, tanto do ponto
de vista de comportamento quanto no de aprendizagem, também são característicos
e variáveis de criança para criança.
Devido a toda essa questão, a Academia Americana de Pediatria recomenda,
há muitos anos — a primeira publicação foi em 1993, e a última, em 2015 —, o
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rastreamento ativo — ativo —, pelo sistema de saúde e de educação, dos sinais de
autismo entre 18 e 24 meses de vida, ou seja, entre 1 ano e meio e 2 anos de vida.
Rastreamento ativo significa: “Eu não vou esperar o autismo bater na minha porta. A
cada criança que avaliar, vou aplicar escalas específicas de triagem. E, caso a
criança apresente sinais, vou passar às escalas diagnósticas, para que o diagnóstico
seja feito o mais precocemente possível”.
A base de toda política deveria ser: diagnóstico e intervenção precoces. Por
que isso é importante? Nós aprendemos, durante toda a nossa vida, que é muito
menos custoso e sofrido prevenir do que remediar, não é mesmo? Quando vemos
que o diagnóstico precoce reduz os sintomas principais do transtorno, melhora o
nível intelectual da criança e sua capacidade adaptativa a longo prazo, melhora a
atenção social, reduz a agressividade, ajuda essa criança a se adaptar a ambientes
estruturados que exigem regra, rotina, etc., e aumenta a capacidade de linguagem e
de comunicação, percebemos, sem dúvida alguma, que não há intervenção mais
importante do que a intervenção precoce.
E o que é intervenção precoce? É iniciar todo o processo de remediação e de
intervenção antes dos 3 anos. Esse é o ideal. E é recomendável que se faça isso
antes dos 5 anos. Isso porque os estudos mostram que, se o diagnóstico for feito
depois dos 5 anos e as intervenções não forem realizadas até essa idade, muito
pouco se pode fazer para melhorar esses cinco itens. Depois, só se pode dar
suporte paralelo, e não um suporte que vá realmente reduzir os prejuízos a médio e
longo prazo.
Então, o primeiro passo para o diagnóstico precoce — não há dúvida alguma,
pois a experiência e as evidências o têm mostrado — é o conhecimento. Enquanto
as pessoas não souberem o que é autismo, de forma adequada, ampla, a partir de
uma divulgação séria e voltada às evidências científicas, nós não vamos atingir isso.
Hoje em dia, você pode perguntar a qualquer brasileiro como prevenir a
dengue. Por quê? Porque, pela divulgação e pela ação ativa do Estado, as políticas
públicas voltadas a esse processo fizeram com que todo mundo hoje saiba evitar a
dengue, cuidar-se e ir atrás de ajuda médica em caso de sinais e sintomas dessa
doença. O autismo entraria nesse mesmo contexto.
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Então, conhecer os primeiros sinais na infância é muito importante. Isso
deveria ser uma regra em qualquer atendimento pediátrico, em qualquer
atendimento precoce na atenção primária, nos postos de saúde, nos CMEIs —
Centros Municipais de Educação Infantil e nas creches em geral. Isso deveria ser
regra! Para podermos definir o que é desenvolvimento anormal, primeiro temos que
entender o que é desenvolvimento normal. Logo, a equiparação das equipes para
realmente obter esse conhecimento é fundamental. É preciso saber o que é o
desenvolvimento normal de uma criança dos pontos de vista sociopessoal, de
linguagem, motor, adaptativo e emocional, para se definir o que é um
desenvolvimento anormal. Se não se conhece o normal, fica difícil definir o anormal.
E também é preciso saber previamente os fatores de risco. Qual criança tem
mais risco de ter autismo? O primeiro fator é a história familiar de autismo. O
segundo é a história familiar de síndromes genéticas, de deficiência intelectual, de
transtornos de humor, especialmente o transtorno bipolar, de depressão materna e
de esquizofrenia. Outros fatores de risco importantes são o nascimento prematuro,
antes de 35 semanas de vida, e o peso ao nascer abaixo de 2 quilos e meio. Além
disso, as idades materna e paterna acima dos 40 anos. Então, ter filhos após os 40
anos de idade também aumenta o risco. Esses fatores de riscos são muito
importantes, até para se fazer um trabalho de orientação e prevenção.
Nós, como brasileiros que queremos fazer política pública de alto nível,
precisamos nos basear em experiências e evidências já consagradas e muito bem
consolidadas nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, no Canadá e em
países da Europa já existem políticas, protocolos e guidelines muito bem definidos
do que fazer e do que não fazer, do que identificar e de como conduzir
precocemente.
Só para dar um exemplo aos senhores, temos aqui o CDC (Centers for
Disease Control and Prevention) — Centros de Controle e Prevenção de Doenças
dos Estados Unidos, que tem um protocolo próprio não só de identificação, mas
também e principalmente de definição de tratamentos, com evidência científica e
com segurança.
Temos aqui um protocolo da Academia Americana de Pediatria, mostrando a
importância da intervenção antes dos 3 anos, as recomendações de como aplicar
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pesquisas e, ao mesmo tempo, fazer um trabalho de identificação precoce. Há outro
protocolo, também da Academia Americana de Pediatria, sobre como fazer um
screening precoce, direcionando os métodos que têm evidência científica, os que
são mais válidos e os que são menos válidos, aqueles que deveriam ser aplicados
precocemente e aqueles que podem ser aplicados a posteriori. Vou mostrar um
exemplo interessante a vocês. O Estado da Virgínia tem um guideline de 78 páginas
orientando sobre como educar crianças com Transtorno do Espectro Autista. Vejam
como isso é interessante.
Uma ação marcante prevista nesses protocolos, algo que, no Brasil, ainda
existe muito pouco: a integração entre a saúde e a educação. Não há como conduzir
o tratamento do autismo sem a integração entre as áreas de saúde e educação,
juntamente com a assistência social e, logicamente, com a estruturação de
ambientes adequados na escola e em locais de atendimento à saúde para fazer a
intervenção.
Vamos ver os primeiros sinais do autismo nos primeiros 3 anos. Quando
devemos suspeitar que uma criança, antes dos 3 anos, está desenvolvendo
autismo? Primeiro, pelo pobre contato visual, que não quer dizer contato visual
ausente. Na realidade, um contato visual por menos de 2 segundos já é indicativo de
que algo não vai bem. Não quer dizer autismo sozinho. Depois, ausência de
balbucio. O bebê, com 1 ou 2 meses, já começa a imitar os adultos que se lhe
apresentam, já começa a fazer sons repetitivos tentando imitá-los. Mas o bebê
autista não balbucia. O bebê com autismo tem indiferença ao colo, ele prefere ficar
no berço, é um bebê quieto demais. Ele não chama a atenção, ele não chora
querendo a atenção do adulto. Geralmente, é um bebê extremamente pacato.
O bebê autista tem gestos sociais pobres. Do oitavo ao 11º mês, a criança já
começa a dar tchau, a mandar beijo, a dar piscadinha, a fazer gracinha, pede colo,
quer chamar a atenção. E essa criança, por algum motivo, não faz isso. Ela não
desenvolve os gestos sociais. Além disso, seu ato de brincar é muito pobre, é uma
criança que não sabe usar o brinquedo contextualmente. Assim, ela pega o
brinquedo, por exemplo, um carrinho, e, em vez de brincar com o carrinho
contextualizando-o numa brincadeira que envolva situações de carrinho, ela brinca
com partes dele, ou quebra o carrinho, desarticula-o e fica brincando só com a roda,
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ou fica brincando só com partes. E ele tem dificuldade de brincar de forma
compartilhada com outra criança. Dessa forma, ela não consegue deixar outra
criança intervir e também não faz interferências positivas no processo do brincar.
Assim, não há a construção de um brincar compartilhado. É uma criança que acaba
ignorando o processo. Quando outra criança chega, ela sai de perto, ou não
consegue brincar adequadamente, ou agride, ou bate ou empurra a outra criança
sistematicamente e tende a ter a sua forma própria de brincar, uma forma muito
diferente do que se espera de uma criança.
A autoagressividade pode acontecer, como automutilar-se, arrancar cabelo,
arrancar unha, cortar-se, bater-se e agredir outra criança. Ela também não brinca de
faz de conta; tem dificuldade de brincar de faz de conta e de esconde-esconde.
E, por último, podemos constatar a presença de rituais, de manias, de
estereotipias. A mãe diz que o nenê, desde muito cedo, tinha mania de ficar
balançando o braço sem motivo, ficava dando grito sozinho, ficava olhando para
determinados detalhes da casa — ele ficava ali por minutos, horas, olhando uma
coisa só —, tinha tendência a gostar de coisas que se movimentam, colocava em fila
todo brinquedo que pegava, ou compartimentalizava todos, colocando os brinquedos
de uma cor só de um lado e os de outra cor de outro lado, sem que houvesse uma
integração lúdica com o brinquedo.
Uma das coisas mais interessantes são os estudos clínicos. Veja o que se
tem observado. Quanto menor a criança, mais evidentes os relatos, quando os pais
se lembram mais do problema, porque isso lhes chama mais a atenção. Quanto
mais velha a criança, mais os pais esquecem aquilo que não progrediu ou aquilo que
progrediu. Assim, o diagnóstico fica cada vez mais difícil se esperamos muito,
porque os pais esquecem, ou, em determinado momento da infância da criança,
separam-se, e essa criança fica sem uma referência para dar relatos ao médico e à
equipe clínica. Então, o diagnóstico precisa ser mais ativo, precisa ser voltado de
uma forma automática, porque não podemos ficar dependendo da boa vontade ou
da observação fortuita dos pais quanto a alguma coisa alterada ou não. Muitas
vezes, os pais não sabem dizer o que é alterado ou não, principalmente se for filho
único. Se há outro filho, os pais fazem a comparação.
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A presença de complicações perinatais, problemas sensoriais, deficiência
intelectual e doenças médicas podem adiantar a suspeita de TEA — Transtorno do
Espectro Autista, e a ordem de nascimento são relevantes. Como falei
anteriormente, no primeiro filho é mais difícil identificar o autismo. No segundo e no
terceiro filho, fica mais fácil, porque há o elemento de comparação: eu o comparo
com o irmão.
Em relação ao perfil social, quanto mais humilde a família, mais difícil o
diagnóstico, por conta das questões de informação e dos fatores culturais. Já o sexo
da criança não faz muita diferença nesse ponto, mas pode levar a algum tipo de
influência, apesar de percebermos que é mais difícil os pais acharem que o menino
tem autismo, porque o menino tem comportamento mais agressivo, de moleque.
Muitos pais dizem: “Eu não imaginava isso. Achei que menino era assim mesmo”. E
não é. Uma observação bem de perto vai mostrar que não é bem assim.
Sinais que fazem o pai e a mãe irem ao médico. Eles pensam: “Não está
normal. Eu preciso procurar um médico”. Inicialmente, o pai acha que é só aquele
problema, mas, quando vai pesquisar, vê que é autismo. Por exemplo, procuram-me
no consultório porque a criança não dorme: “Doutor, eu não aguento mais. Ele não
dorme”. Aí eu vou examinar a criança e vejo que a criança é autista. Não se tratava
só do sono. “Doutor, ele não fala direito, ele não sabe conversar. Eu converso com
ele, e ele me ignora.” Então, há problemas de comunicação e de fala, e, quando os
pais procuram o médico, descobrem que se trata de autismo. Quando há problemas
alimentares: “Doutor, ele não toma leite. Se eu colocar leite na boca dele, ele
vomita”; “Doutor, a comida dele tem que ser pastosa, porque, se for um pouco
sólida, ele sente náusea e não aceita”; “Doutor, ele tem mania de comer só coisa
vermelha”. Então, manias alimentares, peculiaridades alimentares ou intolerâncias
alimentares devem levantar suspeitas também.
E há o atraso motor e atraso no brincar. A mãe diz ao médico: “Doutor, é
estranho. Ele não brinca direito! Ele pega o brinquedo e, em vez de brincar, ele quer
brincar com a caixa do brinquedo, em vez de brincar com o conteúdo”. Ele prefere a
caixa, prefere a tampa, prefere a panela, em vez de brincar com a boneca, ou com o
brinquedo. Então, algumas peculiaridades no ato de brincar também chamam a
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atenção dos pais e, ao levarem a criança para exame, constatamos que se trata de
autismo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Fernandes) - Peço que conclua, por
gentileza.
O SR. CLAY BRITES - Vou concluir, então. É uma pena, porque eu tinha
várias informações para lhes passar.
Para terminar, para eu sair deixando informações importantes, pergunto:
“Como podemos criar mecanismos mais eficazes de identificação do autismo?”
Primeiro, o olhar do profissional de saúde e de educação precisa mudar. Não pode
ser um olhar passivo, voltado apenas para a sua área. Todas as áreas médicas, de
saúde, e não médicas, de profissionais da área de educação, precisam ter o olhar
voltado para a vigilância ativa, rastrear a família e fazer investigação também de
comorbidades, porque existem autistas hiperativos, autistas obsessivo-compulsivos,
autistas esquizofrênicos, com transtornos de aprendizagem, com deficiência
intelectual. Assim, é importante estabelecer as escalas de triagem utilizadas no
mundo todo e as escalas de confirmação diagnóstica.
Eu vou falar rapidamente do autismo em adultos. De cada mil adultos, quase
10 têm autismo. No caso desses indivíduos, o quadro é menos estudado. Estuda-se
mais o autismo em criança. Mas vejam o que acontece se não identificarmos e não
cuidarmos dos adultos autistas: eles têm índice de escolaridade menor, menor
renda, são menos favorecidos no trabalho, têm maior risco de desenvolver
depressão e transtorno bipolar, o risco de suicídio aumenta em três ou quatro vezes.
E sempre suspeitamos quando esse adulto tem um filho com autismo. É automático:
se chegou ao consultório e tem autismo, já olho para os pais e observo se algum
deles tem as características. História crônica de dificuldade de socialização e
comportamento estranho geralmente é difícil diagnosticar, porque os pais desses
adultos já não estão mais aqui, ou não vivem com eles. Então, quem vai relatar
como foi a infância? É importante ver o desenvolvimento do adulto. E, para o adulto,
também há entrevistas em escalas estruturadas, que precisam ser divulgadas e
colocadas para os profissionais de saúde e educação. E como avaliar? Há várias
formas de avaliar.
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Ao longo da vida, o que acontece com esse adulto? Isso é importante deixar
claro. Há piora da capacidade de reciprocidade social; ele tem mais dificuldade com
a comunicação não verbal. Então, adultos com autismo têm dificuldade de perceber
se você está bravo, se você está alegre, se o ambiente da sala está hostil, se não
está, porque eles não conseguem fazer a tradução adequada de toda essa
comunicação sem uso da fala, que depende só de gestos. E eles costumam sofrer
preconceito, são pessoas que sofrem isolamento no trabalho, por exemplo, e sofrem
isolamento na família.
E este é o ponto a que eu queria chegar, para poder fechar a palestra, em
respeito ao Presidente, que já solicitou a palavra. Aliás, são dois pontos importantes.
Por que o diagnóstico tem que ser precoce? Porque, quando adulto, acontece o
seguinte: eu melhoro a capacidade do indivíduo de procurar trabalho e conseguir
emprego, eu melhoro seu nível de atividade social e melhoro seu nível de autonomia
se, desde a infância, eu tiver melhorado o seu nível de inteligência com intervenções
e o seu nível de linguagem, se lhe forem apresentados recursos educativos
adequados, se a severidade dos sintomas autísticos for menor com o passar do
tempo, com controle medicamentoso e psicoterapias específicas, e se os serviços
favorecidos pela comunidade forem mais adequados e colocados à sua disposição.
Lá na infância e na fase da adolescência, eu melhoro o prognóstico do adulto.
Por fim, se eu não fizer nada, esse adulto vai viver em um ambiente de maior
solidão, vai sofrer mais bullying na escola e nos ambientes, vai ter dificuldade maior
de lidar com a morte de entes queridos e maior dificuldade de comunicação. Essa
comunicação persiste, porque ninguém fez nada, e há a presença de deficiência
intelectual. Isso tudo leva ao aumento do risco de esse indivíduo desenvolver
quadros depressivos e esquizofrenia e também aumenta o risco de suicídio. Então, é
importante dar atenção a tudo isso.
Eu ia comentar algumas coisas da lei, mas termino por aqui. E estou à
disposição, depois, para as perguntas.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Fernandes) - Agradeço ao Dr. Clay
Brites e peço desculpas, porque lhe demos o prazo de 15 minutos, mas fomos até
os 25 minutos! (Risos.)
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Eu queria convidar o Deputado Arnaldo Faria de Sá, autor do requerimento e
Presidente da Comissão. Vou lhe dar mais 5 minutos na plateia, depois, V.Exa.
assume os trabalhos.
Registro a presença do Deputado Geraldo Resende e da Dra. Patrícia Neves
Raposo, que é Diretora de Políticas de Educação Especial do MEC.
Com a palavra a Dra. Luciana Brites, por favor.
A SRA. LUCIANA BRITES - Primeiro, quero agradecer ao Presidente da
Mesa, aos Deputados e Deputadas, a todos os presentes, ao pessoal do Movimento
Orgulho Autista Brasil, esta oportunidade. Começo falando um pouco sobre a
inclusão e os aspectos educacionais no autismo. Como disse o Clay, existe uma
questão muito importante quando falamos dos aspectos de inclusão.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nós participamos de um grupo de estudos na UNICAMP — Universidade
Estadual de Campinas, que é o DISAPRE — Laboratório de Pesquisa em
Dificuldades, Distúrbios de Aprendizagem e Transtornos da Atenção — o Clay está
participando de modo mais premente disso —, e uma coisa ficou superevidente.
Fizeram um estudo para ver a idade que as crianças chegam ao ambulatório para
fazer o diagnóstico. Às crianças de aproximadamente 7 ou 8 anos é dado mais ou
menos o diagnóstico de autismo. Então, vocês podem ver como isso é grave,
porque, em uma criança com 7, 8 anos, fica muito mais difícil qualquer nível de
intervenção. E aí eu pergunto para vocês: é mais fácil incluirmos uma criança que foi
diagnosticada, ou da qual foi levantada alguma suspeita, com 1 ano ou 2 anos ou
com 7, 8 anos? Então, não dá para falarmos em processo de inclusão se não
falarmos em política pública de detecção precoce e intervenção dessas crianças. É
muito mais tranquilo e é muito mais saudável o processo de inclusão dessa criança
quando pensamos em detecção precoce. E quem é professor de sala de aula sabe
muito bem do que eu estou falando.
Então, vou começar agora a falar da questão das políticas e da abordagem
escolar, em sala de aula, principalmente de um processo de inclusão. Vocês viram
que o autismo é um espectro. Quando falamos em espectro, temos desde autistas
graves até autistas em graus mais leves. Então, quando dizemos a palavra
“autismo”, às vezes imaginamos aquela criança ou aquele sujeito que se morde, que
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se bate, enfim. Mas eu também tenho autistas em graus leves e que muitas vezes
são subnotificados. Por isso, é muito importante, dentro de um processo de inclusão
— e aqui estamos usando a Magyar, que é uma referência importante neste
processo —, sempre vermos a necessidade do aluno, os elementos físicos,
estruturais, instrucionais e curriculares.
Quando observamos essa necessidade do aluno, esteja ele com TEA —
Transtorno do Espectro Autista ou não, questão que estamos abordando, falamos
dos elementos físicos, de como a escola está fisicamente preparada para receber
esse aluno. Por quê? Porque eu posso ter aluno com TEA que possui
hipersensibilidade a som e, às vezes, a sala de aula fica bem do lado da quadra de
esporte, ou do lado da cozinha, e ele tem hipersensibilidade a cheiro, etc. Então
temos que estar vendo todas essas especificidades.
Aspectos estruturais: como vou organizar toda essa equipe? A escola tem
que estar preparada para receber esse aluno, como a pessoa que serve a merenda,
a secretária da escola, e não só a professora. A escola toda tem que abraçar esse
conhecimento. O conhecimento tem que ser levado a todas as pessoas. Nós
brincamos ao dizer que é o conhecimento que gera a transformação, é o
conhecimento que efetivamente vai fazer com que se acabem os preconceitos. Às
vezes, a professora ou a pessoa que está lá na limpeza diz: “Ah, mas aquele menino
é mal-educado, olha como ele está gritando!” Mas ela não sabe efetivamente o que
tem aquela criança.
Então, falamos da questão da inclusão do autista não só pelo lado da escola,
mas também por todos os aspectos escolares. E todas as pessoas precisam saber
disso. Não raramente vemos na Internet pessoas dizendo: “Esse menino é maleducado!” E, quando vamos verificar, vemos que é uma crise por que aquela criança
está passando, e a sociedade precisa ser sensibilizada quanto a isso.
Questões instrucionais: como eu vou organizar esse passo a passo para
esses professores? Como eu vou treinar toda essa minha equipe? Há também as
questões curriculares: quais adaptações curriculares eu vou fazer para cada caso de
aluno que tenha o TEA?
Como disse antes, dentro do suporte escolar, temos características de
estudantes com TEA. Então, eu preciso saber como é essa criança, se ela tem
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deficiência intelectual, se não tem deficiência intelectual. Vocês estão vendo como é
importante falar da abordagem multidisciplinar? O professor não vai conseguir um
bom processo de inclusão se ele não for respaldado por uma equipe multidisciplinar.
Quando falamos de equipe multidisciplinar, falamos do médico, do psicólogo, do
fonoaudiólogo. Todos têm que estar integrados dentro desse processo de inclusão.
A inclusão não é feita só na escola. A inclusão é um processo, porque demanda
conhecimentos que, muitas vezes, o professor não tem. Existem muitas questões,
como: “Ah, o professor, às vezes, não quer incluir”. Mas o professor também precisa
passar por um processo de capacitação bem importante em relação a isso.
Perfil da equipe de instrução: como essa equipe, que está capacitando esses
professores e essas pessoas, está passando essas informações?
Qualidade e quantidade de recursos no contexto social, curricular e
institucional. Há recursos para isso? Como estão esses materiais? Eles estão
adaptados para essa criança, para esse aluno com autismo?
Alta variabilidade comportamental, desenvolvimental, acadêmica e intelectual.
Há autistas que não vão conseguir ter um perfil acadêmico, não vão conseguir se
alfabetizar; e há autistas que já chegam à escola lendo. Vocês conseguem entender
que, às vezes, alguns autistas têm hiperlexia? Ou seja, eles aprendem a ler com 3
anos, 4 anos, e todos eles vão para a mesma escola. E como fazemos isso? Não
temos uma receita.
Temos uma pessoa, devemos desenvolver um currículo para essa pessoa, e
ela tem que ser monitorada. Para isso, repito, uma andorinha sozinha não faz verão,
o professor sozinho em sala de aula não dá conta. Ele precisa da ajuda dos pais e
precisa estar aberto para isso. Eu acho que, na verdade, esse grande processo de
inclusão nos faz rever as nossas práticas. Eu fui professora de ensino regular e
professora de educação especial, em escola especial, tenho as duas práticas.
Então, consigo isso muito bem.
Essencial para tomada de decisões na escola. Por exemplo, tenho uma
criança com um comportamento diferente da outra em relação ao autismo e tudo o
mais.
Auxilia na sequenciação de estratégias ao longo do tempo. Eu sei que ele tem
uma deficiência intelectual, mas ele consegue aprender a ler, então vamos tentar
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trabalhar a leitura e a escrita. Vamos ver o tempo que ele demora para fazer isso.
Conseguimos fazer isso, dentro desse perfil, dentro dessas estratégias? “Não
conseguimos.” Vamos reavaliar. Quando conhecemos bem a característica daquele
aluno, fazemos um plano organizado e bem sistematizado, monitoramos melhor
isso.
Como é feita a aprendizagem desse aluno?
Descrição das características de aprendizagem. Como ele aprende? Nós
sabemos que o aluno, principalmente o autista, tem a questão visual mais
proeminente.
Há o perfil e o ritmo do progresso do aluno e a avaliação de resoluções
específicas de problemas de aprendizagem e de determinados comportamentos.
Então, eu vou ver o quê? Como está o desenvolvimento dessa aprendizagem? Está
lenta, não está? Eu posso exigir mais, eu posso exigir menos? Como a família vai
estar inteirada e vai estar dentro desse processo? Isso é muito importante, e sempre
dizemos que é um tripé: são os profissionais, a escola e a família. Se não tivermos
isso muito bem estruturado e muito bem organizado, a situação fica muito
complicada.
Como vamos fazer a avaliação?
Características dos sintomas. Como vamos trabalhar os sintomas autísticos, a
socialização e os compartilhamentos, a linguagem e a comunicação? Eu tenho que
trabalhar dentro da escola com todos esses prejuízos que as pessoas que têm TEA
apresentam.
As características associadas ao transtorno: a participação na sala e a
sociabilidade. Eu avalio esta criança da mesma forma que avalio as outras? Não.
Por quê? Porque, como ela tem peculiaridades, tem características diferentes, eu
preciso que essa avaliação seja feita de uma forma sistematizada e particular. Eu
tenho que ver como é a participação, a cognição, os aspectos acadêmicos. Há ainda
a questão do contexto instrucional, que é a qualidade do contexto da escola. Enfim,
são várias coisas que preciso estar vendo dentro do processo de avaliação dessa
criança no contexto escolar. Ela é uma criança inclusa? É óbvio, não vamos fazer
um processo de avaliação igual ao que realizamos com as outras crianças.
Precisamos sempre do quê? Fazer adaptações. Algumas crianças são mais
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tranquilas. Lembram-se daquela questão do desenvolvimento do espectro? Então,
cada criança é uma criança.
Eu vou avaliar os sintomas autísticos, as habilidades de linguagem, a
comunicação social, o nível intelectual. Enfim, tudo isso tem que estar presente
quando eu receber essa criança na escola.
Como são os sintomas? Eles são graves ou não são? Quais as habilidades
cognitivas? Como é a linguagem? Essa criança desenvolveu a linguagem ou não?
“Ele briga, ele agride.” Vemos isso muitas vezes, mas por quê? Porque, muitas
vezes, eles não conseguem se comunicar. Então, imaginem vocês quererem falar
alguma coisa e não conseguirem, não conseguirem expressar o que estão sentindo.
Acho que isso é uma coisa muito importante para podermos ver e avaliar todas
essas questões.
O aluno entrou. Como é sua habilidade pessoal e social? Ele sabe usar o
banheiro? Gente, há criança autista que chega à escola regular e não sabe usar o
banheiro, porque foi feito o diagnóstico tardiamente. E o que vai ser? Há pessoal na
escola para ensinar isso? Vocês estão vendo a questão da escola, as realidades das
escolas hoje? Elas estão bem comprometidas, porque falta esse conhecimento, falta
pessoal e falta essa questão da estrutura.
Agora, neste momento, quando estamos falando sobre isso, com certeza
deve haver alguma professora em uma escola passando por esse tipo de situação.
Não estamos falando de daqui a 10 anos, mas de agora. Por isso, é muito urgente
pararmos para pensar em todas essas situações.
Eu tenho de ver quais são as dificuldades específicas que ele tem na
aprendizagem, quais são os transtornos de comportamento associados, porque, no
autismo, há comorbidades. Há autistas que têm TOC, há autistas que têm
ansiedade, há autistas que praticam automutilação.
O professor, quando receber esse aluno, tem de saber isso. As nossas
escolas têm isso hoje? Então, é algo muito importante para pensarmos.
Dentro desse comportamento, dessa conduta, eu preciso ver o quê? Eu tenho
de ver quais os comportamentos inadequados que são excessivos, como
estereotipias, monólogos, interesse e hiperatividade; e quais os comportamentos
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deficitários, o que eles não têm. No autismo, há comportamentos em excesso e
comportamentos em déficit.
Há ainda o descontrole de estímulos. Às vezes, ele está querendo brincar
com alguma coisa específica, porque o autismo tem isso. Ele quer brincar de Ben
10, ele quer fazer aquela estereotipia, ele quer fazer aquele ritual, e naquele
momento está na hora de fazer a cópia, naquele momento está na hora de fazer o
ditado, naquele momento ele está no contexto escolar. Então, eu tenho de saber
adequar todas essas questões.
Avaliação do contexto escolar. É preciso saber como será aplicado esse
método, como está a qualidade de interação professor-aluno, que engloba
oportunidade de participação e ritmo da aula. Toda essa questão do contexto
escolar tem de ser vista e avaliada com todos esses itens, para vermos como se
pode trabalhar. Por exemplo, o uso de escalas de qualidade. Nós precisamos
desenvolver escalas que avaliem o progresso do aluno no dia a dia, e não o
progresso em 6 meses. Eu tenho de ter um tempo para isso, porque é preciso pegar
todo o tempo perdido, principalmente em idade escolar, e trabalhar muito em cima
disso. Muitas vezes, não temos o uso desse tipo de escalas e a avaliação de
qualidade. Ainda falta isso dentro do nosso contexto escolar.
Temos sempre de avaliar os resultados, definir as condutas, implementar
novos recursos, monitorar o progresso e rever as estratégias. Não é um processo
em que se diz: “Eu vou fazer isso, e vai dar certo”. Não! Às vezes eu tenho alguma
intencionalidade, algum processo, vou avaliar o resultado, mas não deu certo. Então,
tenho de rever a minha estratégia, redefinir as condutas. Estou dizendo para vocês
que não é uma coisa estática: “Nossa, eu vou fazer assim até o final do ano! Nossa,
descobri a fórmula mágica”. Fórmula mágica não existe. Existem pessoas que têm
necessidade e que precisam ser supridas.
Quais os cuidados na sala de aula? Suporte visual, que são as imagens
diretas e claras de rotina; modificações de ambiente. Se eu sei que o sinal irrita
aquele menino, por que eu vou bater o sinal na escola? Já ouviram o sinal de
escola? Até nós nos irritamos. Não é verdade? Se o irrita, para que eu vou fazer
isso? Às vezes, quando falamos em inclusão e temos essa percepção, mudar um
sinal, colocar uma música, tudo isso é importante. Não precisamos de grandes
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coisas. É óbvio que grandes coisas são válidas também, mas, às vezes, cuidados
são significativos.
Outro cuidado na sala de aula são os sistemas de reforçamento. O que
estimula aquela criança e o que não a estimula; o que causa agressividade e o que
não causa. Para isso, o papel do psicólogo é fundamental dentro da escola. O
suporte de comunicação e meios de múltiplas abordagens. Enfim, eu preciso de
várias coisas para trabalhar na sala de aula.
Equipe de avaliação e apoio. Aqui estamos falando de um sonho, que, se
Deus quiser, realizaremos. Precisamos de um psicólogo escolar, de um pedagogo
especial, de um fonoaudiólogo, de terapeuta ocupacional, de educador físico e de
psicopedagogo. Enfim, precisamos de uma equipe para ajudar no processo de
inclusão dessas crianças.
Quero agradecer a todos vocês. Aqui está o nosso site e o meu e-mail.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Fernandes) - Obrigado, Dra. Luciana.
Registro a presença do Sr. Oswaldo Freire da Fonseca Júnior, autor do livro
O Desafiante Mundo do Autista; de Elma Costa dos Santos, do Serviço
Especializado de Apoio à Aprendizagem; de Deusina Lopes da Costa, da Secretaria
Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário;
de Ely Pinto Rabelo, da Escola Classe 62 de Ceilândia; e do Deputado Flavinho, do
PSB, de São Paulo.
Convido o Sr. Casemiro José Mota a fazer uso da palavra.
O SR. CASEMIRO JOSÉ MOTA - Se vocês não se incomodarem, vou falar
sentado, porque quem fala em pé discursa e demora mais. (Risos.)
Eu vou falar sob a dimensão de um professor que está na sala de aula, dentro
de uma escola de alta performance, trabalhando com 40 adolescentes em cada sala.
Entre esses 40 adolescentes, aparecem as diferenças. Então, como é viver com
essas diferenças e a que proposta se chegou a partir dessa convivência?
Inicialmente, lidou-se com essa diferença como todas as escolas lidam:
empurrando o menino para que passe logo e saia da escola para deixar de ser um
problema dela; ou tentando um atendimento dentro de um modelo bastante
questionável, o atendimento em separado do indivíduo, como se a escola fosse um
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lugar para corrigir. Era como se a criança fosse prego, a escola fosse uma bigorna e
o professor fosse um martelinho: pegamos algo que está torto, vamos batendo até
ele ficar bem retinho e o devolvemos à sociedade.
O que a escola onde eu estou fez foi romper com essa ideia, porque isso faz
parte de um chamado modelo de eficiência, e esse modelo de eficiência é que gera
a ideia de deficiência como preconceito. Então, quando eu chamo alguém de
eficiente, inegavelmente já chamei todos os outros de deficientes.
A escola que visa construir eficiência não é um lugar para alguém que possua
diferença. Embora falemos, as nossas escolas incluem mais por comiseração do
que propriamente por domínio de um conhecimento que possa construir novos
conhecimentos a partir desses indivíduos. Então, nós precisamos cuidar,
principalmente, quando fazemos a ideia de incluir os indivíduos dentro de um
modelo que considera o emprego como a solução para qualquer problema.
Eu preparo esse indivíduo para estar empregado, e, pronto, terminou o meu
problema, o problema sumiu, porque, a partir do momento em que ele está no
mercado de trabalho, esse indivíduo deixa de ter problemas. Isso tem de ser
questionado, porque esse é um paradigma que criou diversos problemas. Na Grécia
antiga, o paradigma da eficiência matava os que nasciam com alguma diferença. Na
Alemanha, no princípio da Segunda Guerra Mundial, os que não conseguiam
produzir foram queimados, e ninguém notou até chover cabelo em uma cidade. É o
modelo da eficiência! O modelo da eficiência é preparado para incluir única e
exclusivamente a exceção. O modelo da eficiência não admite incluir a regra.
A ideia que se tem dentro do modelo da eficiência é enquadrar, adaptar. O
que significa? Pegar a diferença e torná-la o mais semelhante possível àquilo que eu
considero eficiência.
Portanto, romper com esse modelo é o primeiro passo dentro da construção
de uma escola realmente inclusiva e realmente preparada para discutir aquilo que
nós não conhecemos, porque todo o domínio que nós temos da diferença tem
origem, única e exclusivamente, na proposta médica. Não temos outras formas. Nós
identificamos qualquer diferença pela visão da Medicina, e, nem sempre, a Medicina
está em sala de aula. Às vezes, a Medicina não está lá. Ela não tem esse domínio e
nem é obrigada a ter.
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Romper com esse modelo parte da seguinte ideia: ninguém nasce para dar
errado. Um Down tem o direito de sonhar em ser piloto de avião. Um autista tem o
direito de tentar dirigir. Se ele vai conseguir, é outra questão, mas isso faz parte
daquilo que nós consideramos humanidade. Então, nós precisamos mudar a forma
de ver as coisas. Precisamos reconhecer os aspectos humanos presentes no
indivíduo que possui a diferença. Nós não podemos reconhecê-lo pela sua diferença
e tampouco valorizá-lo por isso.
Ninguém quer ser reconhecido como cego, porque isso ele já é. Ele precisa
ser aceito como humano, porque é isso que às vezes lhe falta. Ninguém quer ser
reconhecido como surdo, nem ter direito especial por isso. Ele quer ser reconhecido
como um humano e ter o seu espaço de humanidade respeitado.
A nossa educação, a nossa escola, com o tempo, se tornou um instrumento
de mercado. Ela não é um instrumento de construção social e de humanização. Ela
é um instrumento de mercado! Constantemente, nós nos referimos à escola como
um ambiente para produzir o trabalhador, para criar a vaga do emprego. Nós não
pensamos no humano; não pensamos que não existe o melhor engenheiro se não
existir o melhor humano; não existe o melhor médico se não existe o melhor
humano. Nós não temos mais esse conceito! Nós estamos dentro do conceito que a
sociedade nos exige, que é o conceito de eficiência.
Estamos propondo incluí-lo em um modelo meritocrático, nós estamos
propondo incluí-lo em um modelo de altíssima eficiência, que trabalha a partir de
comparativos e estimula a competição. Eu e Amanda não podemos competir, porque
as nossas diferenças são enormes, na minha visão e na visão dela. Só não são
enormes na visão de quem olha de fora da nossa situação, porque não admite que a
Amanda goste de ser Amanda, e que o Casemiro goste de ser Casemiro. Eu não
quero ser igual a ela e não quero que Amanda seja igual a mim, porque ela é melhor
como Amanda, assim como eu sou melhor como Casemiro.
A primeira pergunta da ideia do diploma social que ninguém mais faz na
escola é a seguinte: quem é o humano que está diante de mim? Qual é a sua origem
como humano? Que trajetória trouxe o humano diante de mim até mim? Que
caminhos esse indivíduo trilhou até aqui? Sabem por quê? O humano não é coisa, o
humano é espaço. O resto é Biologia. O humano é só o espaço.
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A troca de paradigma está no seguinte: a escola tem que mudar o paradigma
de possibilidade de cura e de trabalho para o paradigma de humanização. Por quê?
Já disse a teoria: “Os humanos são configurações de existência”. A possibilidade de
humanos está se diversificando. O humano não é um ser único, baseado num ideal
de perfeição e de normalidade, construída no início do século XX. O humano é
múltiplo.
Eu não sou mais um. Eu sou muitos. Existe o Casemiro aqui, existe o
Casemiro na sala de aula, existe outro Casemiro em casa. Existe um Casemiro que
faz churrasco, e outro que canta. São múltiplos! Eu não sou um e nem tenho
obrigação de ser, porque eu preciso ser incluído em diferentes lugares, em
diferentes momentos.
Qual é o projeto do diploma social? Ele é um projeto de respeito ao direito de
ser autêntico, de eu ser como sou, de querer aprender o que eu quiser, quando eu
quiser e da forma que eu escolher, inclusive o direito de não aprender nada. Por
quê? Sou eu!
O segundo ponto do nosso projeto foi o direito de pertencer a um grupo. O
trabalho foi feito com um menino que ingressou numa escola de alta performance e
que não tinha nenhuma característica, que não fosse física, de identidade com os
outros meninos. Só tinha a mesma idade, o mesmo tamanho e o mesmo jeito
adolescente de ser.
Como foi esse processo dele? A escola levou 1 ano e meio para saber que
ele existia. É ridículo para uma escola de alta performance! Mas levou 1 ano e meio.
E esse menino viveu como? Ele sofreu bullying até gostar das pessoas que faziam
bullying, porque aquilo para ele passou a ser uma demonstração de amor. Para
mim, era uma agressão; para ele, era a forma que encontrou de ser aceito. Mas ele
era autêntico e disse: “Não, deixem que eles brinquem, porque eu gosto quando eles
me assustam. Eu me escondo, e eles riem”. Ele era autêntico!
Na segunda etapa, eles acharam que o menino valia a pena e começaram a
fazer todos os temas dele. Havia as meninas que cuidavam de Matemática, as
meninas que cuidavam de linguagem, os meninos que cuidavam de programação,
porque ele iria ser um técnico em informática. Cuidavam dele e o ocultaram dos
nossos olhos, porque ele era deles.
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Aí eu estou vendo o autêntico e estou vendo o outro ponto do projeto: o direito
de pertencer a um grupo, sendo autêntico, não precisando fingir ser normal, como
propôs Freud.
O processo caminhou, então, para a descoberta do que esse menino, depois
de 11 anos dentro da escola, sabia. Nós não sabíamos o que ele sabia: qual era a
Matemática dele, qual era o Português dele, qual era a Química dele, qual era a
Física dele. Depois de 11 anos numa escola, é impossível o indivíduo não saber
nada e ser aprovado porque é deficiente, o que não tem eficiência.
Quando foi feito isso, criou-se um diagnóstico e descobriu-se que, embora ele
não fosse igual ao que nós chamamos de eficiente, ele tinha uma gama de
conhecimentos que era única. E nós fizemos, como escola, o quê? Reconhecemos
isso. Nós não conseguimos lhe dar um diploma que dissesse que ele tinha concluído
o Ensino Médio como técnico em informática. Mas nós conseguimos lhe dar um
certificado em que estava escrito tudo o que ele sabia e pedimos que apresentasse
esse certificado com tudo o que ele sabia nas universidades.
Ele fez isso e foi aceito no curso de design, porque tinha altíssimo
conhecimento de discriminação de cores, uma inteligência visual diferente de todos
os outros e uma audição diferente de todos os outros. Na escola da alta eficiência,
isso não tem valor, porque a arte não tem valor. Mas ele se descobriu dessa forma,
e a família o descobriu.
Nesse sentido, o que é o diploma social? O diploma social é a escola olhar
para um indivíduo a partir de um contexto de humanização e não de eficiência. O
que é o diploma social? É usar a lei que permite o reconhecimento. É usar a lei que
permite o indivíduo ser admitido pelo que ele tem condição de saber; que admite que
o conhecimento de Química não vai salvar o mundo por causa daquele indivíduo;
que admite que Matemática não é essencial, pode ser dominante, mas não para
todos. Ela não é essência do saber, porque a lógica do menino que nós diplomamos
socialmente era diferente da minha. Ele organizava o mundo de outra forma. E isso
eu, como escola, não admitia, porque ele tinha que organizar o mundo dele em
aulas de 90 minutos, com 40 colegas adolescentes. Eu achava isso! Ele não tinha o
direito de conversar comigo sobre as dúvidas, porque ele tinha que fazer perguntas.
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Então, é necessário perguntar como é, quando falamos em inclusão, e o que
estamos falando, quando nos referimos à inclusão educacional. A escola é um
espaço que propicia a formação da humanidade, não da eficiência. Os indivíduos
vão à escola para se tornarem mais humanos. Caso se aumente o nível de eficiência
da escola, diminui-se a humanidade e cria-se o seguidor de protocolo. O seguidor de
protocolo é o indivíduo que está sendo preparado para ser substituído por um robô
daqui a 10 anos, porque o robô consegue seguir protocolo.
A base teórica do estudo que foi feito está assentada na sociologia de
Bourdieu, nas teorias de aprendizagem de Ausubel, nas teorias de formação da
mente de um indivíduo chamado Vygotsky, na base filosófica de um sujeito chamado
Habermas e na estrutura psicológica de um indivíduo chamado Jung, para não se
achar que se pode trabalhar com as diferenças sem ter um grande aparato teórico
na base.
Não se pode discutir, porque eu acredito que as pessoas com necessidades
específicas não precisam mais de opiniões; precisam, na verdade, é de soluções
eficientes.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Parabéns, Casemiro!
Eu queria convidar para usar da palavra a pessoa que nos pediu esta
audiência, Viviane Guimarães. Ela terá a oportunidade de falar. Sem dúvida
nenhuma, é uma audiência que está sendo altamente produtiva. Nós acabamos
aprendendo todo dia muita coisa e hoje, coisas maravilhosas.
Com a palavra Viviane Guimarães.
A SRA. VIVIANE GUIMARÃES - Eu estava com uma apresentação pronta,
mas não vou colocá-la, não. Depois de falarem o Dr. Clay, a Dra. Luciana e o Prof.
Casemiro, eu iria ficar repetitiva. Então, resolvi mudar um pouquinho o que estava
pensando em falar. Depois da visão da parte da educação e da parte da Medicina,
eu queria falar um pouquinho da parte da família.
Também é um viés superimportante, como Luciana disse, ter a família junto
de todos esses profissionais, ter a família junto dos profissionais da Medicina, ter a
família junto dos profissionais da escola, para propiciar realmente esse lado mais
humano, que o Prof. Casemiro pediu às nossas escolas.
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Realmente, precisamos olhar para essa família, porque ela também é parte
integrante. Quando não está bem estrutura, essa família não consegue receber esse
diagnóstico da forma correta, e a criança também vai ser muito prejudicada.
Eu ouvi uma palestra em que se lembrou de que, quando estamos no avião, a
aeromoça diz: “Olha, se cair a máscara, você a coloca primeiro em si mesmo e,
depois, a coloca no outro”. Como mãe, eu sempre fiquei pensando qual é a mãe que
vai primeiro colocar a máscara em si e, depois, no seu filho; ela vai primeiro colocar
nele. O palestrante, que agora não recordo quem era, disse: “Sabem por que a
gente precisa fazer isso? Porque a gente precisa estar bem para poder cuidar de
outra pessoa”.
Muitas vezes, quando recebemos um diagnóstico, não só de autismo, mas
também de qualquer outro transtorno, nós nos abalamos, porque, quando temos
esse diagnóstico, imaginamos: “Poxa, será que meu filho vai ser tudo aquilo que eu
imagino?” Vai! E ele vai muito além de toda a expectativa que tenhamos.
Então, é importante nos cuidarmos também. Nós nos preocupamos muito em
levar o nosso filho ao psicólogo, para uma boa escola, ao fonólogo, e nos
esquecemos de nós. Precisamos também cuidar de nós. Precisamos ter esse apoio.
Essa estrutura vai poder fazer com que cuidemos melhor dos nossos filhos. E
precisamos estudar, porque, como estava escrito, o diagnóstico é apenas o
princípio. E o diagnóstico não é uma sentença. Ele só vai dizer quais caminhos
precisamos trilhar.
Muitas vezes não se vai trilhar aquele caminho que se esperava. Ele não vai
ter a eficiência, como o Prof. Casemiro disse. Ele não vai ser tão rápido como se
queria, mas ele vai ter o tempo dele. Ele vai ter o crescimento dele. Ele vai poder ser
incluído.
É isso que nós, como família, precisamos buscar na escola. Precisamos
buscar isso no mercado de trabalho e mostrar que eficiência não é tudo. Ele precisa
ser tratado realmente como um ser humano, como uma pessoa que vai progredir e
vai poder contribuir com a sociedade. É isto que nós temos que mostrar: que eles
não dependem além deles mesmos para poder evoluir. E não podemos compará-lo
com outro ser humano, porque o autista, como qualquer outra pessoa, tem as suas
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características. Eles têm a sua forma de aprender, têm a sua forma de lidar com
isso. E precisamos respeitar. Esse é o princípio de tudo.
Agradecemos muito ao Presidente por nos ter oportunizado isto, porque são
nestes momentos, são em audiências como estas que, realmente, precisamos
refletir. E é um momento de aprendizagem, porque quando aprendemos,
conseguimos transformar.
O que pretendemos é plantar em vocês essa sementinha, essa busca de
novos conhecimentos, essa busca de procurar oportunidades para que haja,
realmente, a inclusão desses nossos jovens. Procuramos muito tratar o autismo
como se fosse só em criança. E, infelizmente, os nossos autistas só existem quando
estão dentro do nosso sistema educacional. Depois que saem do nosso sistema
educacional, eles se perdem. Não se sabe o que acontece com eles.
Quando eles não estão inseridos de forma adequada na sociedade, ou até
mesmo no mercado de trabalho, que vai poder lhe dar a oportunidade de pagar os
impostos, porque ele é uma pessoa capaz, quando não se oportuniza esse tipo de
sociedade, ele vai entrar em depressão, como disse o Dr. Clay. Ele vai ficar trancado
dentro de casa, ele vai sofrer bullying, ele não vai conseguir contribuir da forma
como pode. Eu não posso cobrar de um autista, como de qualquer outra pessoa,
que ele dê o que não pode.
Por isso, o diagnóstico precoce é importante, para que consigamos,
realmente, mostrar a ele quais são as potencialidades que ele tem, e não ficar
parado nesse diagnóstico. Se eu sei que ele tem um problema com a linguagem,
com a comunicação, então vamos trabalhar isso nas escolas, vamos trabalhar isso
nos consultórios, assim como um problema de estereotipia, os stimmings, de que
Amanda tanto falou no Facebook. Graças a Deus, eu estou falando antes de
Amanda, porque, vocês vão ver, ela é fantástica! Vejam as coisas que ela nos diz no
Facebook. Procurem Amanda Paschoal no Facebook. É superinteressante ela
colocar esse lado do autismo.
Nós não podemos fazer, por exemplo, que ele não tenha estereotipia, não
tenha o stimming, porque, às vezes, ele precisa disso para se organizar. Não
podemos tentar colocar o autista dentro da caixinha de conhecimentos que achamos
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que ele tem, das possibilidades que achamos que ele pode ter, porque ele vai muito
além daquilo que estamos esperando.
O fato de eu ter um filho autista me fez ver o mundo de outra forma; fez-me
conseguir procurar oportunidades e melhorar como pessoa. Assim, como eu vou
poder propiciar isso para os meus filhos? E o que eu quero é que todo o mundo saia
daqui pensando nisso. Como eu posso melhorar não só a vida desse autista, mas
como eu posso melhorar como ser humano? Às vezes, estamos numa situação em
que verificamos aquele autista, verificamos aquela criança numa sala de aula ou em
local público, e ela tem algum problema, ela tem alguma crise, e julgamos essa
criança.
Portanto, vamos começar a olhar de forma diferente. Vamos começar a olhar
esse autista, essa pessoa com deficiência, não procurando a eficiência que eu acho
que ele tem que ter. Não! Nós vamos lhe apresentar as qualidades que ele tem. Em
vez de ficar vendo os defeitos, vamos ver o que ele tem de bom, com o que ele pode
contribuir, e em que eu vou poder ajudá-lo para que, realmente, ele possa estar
inserido na sociedade e ser mais respeitado.
Eu gostaria de agradecer muito a vocês por estarem aqui conosco.
Era isso.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Agora eu vou
conceder a palavra a Amanda Paschoal, universitária de Artes Plásticas da
Universidade de Brasília. Ela está no sexto semestre e vai ter oportunidade de fazer
um grande depoimento a todos nós.
Com a palavra Amanda Paschoal.
A SRA. AMANDA PASCHOAL - Meu nome é Amanda. Eu estou fazendo
Licenciatura em Artes Plásticas e pretendo seguir carreira na área de educação
especial, educação inclusiva. Meu currículo ainda não tem nenhuma aula em escola
oficial, mas eu tenho 25 anos de experiência em ser autista. (Risos.)
Eu tive o diagnóstico com 7anos, 8 anos, mas eu já era autista antes disso,
porém não sabia.
Eu vou sempre bater em uma tecla toda vez que for falar sobre modelo social
de deficiência versus modelo médico — as pessoas precisam saber disso;
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precisamos informar isso em todos os lugares —, que é como a sociedade define
deficiência. O que foi definido como deficiência? Acho que o Casemiro falou um
pouco por cima sobre isso, mas eu vou dar os temas para vocês poderem pesquisar
no Google. (Risos.)
Segundo o modelo médico, a deficiência é uma doença. Tem-se que curar o
paciente, tem-se que normalizar a doença, tem-se que padronizá-la, tem-se que
fazê-la ficar o máximo possível de acordo com a sociedade; o deficiente é que tem
que mudar, a deficiência é um problema que diz respeito somente a ele.
No modelo social, que surgiu lá pelo começo dos anos 1960, junto com vários
outros movimentos de direitos de minorias, de negros, de feminismo, etc.,
diversidades humanas existem. O que causa deficiência é a discriminação e as
barreiras sociais que são impostas e esse indivíduo por causa da diferença do
corpo.
Realmente, é bater nessa tecla: o autista é deficiente, o surdo também. Mas
deficiência não é um diagnóstico do corpo da pessoa, deficiência é um diagnóstico
da sociedade, que atesta não estar pronta para receber esse indivíduo com essa
diferença.
Um dos pontos principais desse modelo social e também do modelo baseado
em direitos, que surgiram ao mesmo tempo é de que o deficiente tem que ter seus
direitos garantidos. O lema é: Nada sobre nós sem nós.
Que eu saiba, eu sou a única autista nesta Mesa (riso). E já vi muitas
audiências assim, outros eventos, sem a presença de nenhum autista na Mesa,
nenhum autista falando sobre ele mesmo. “Ah, o que eu acho disso? Qual a minha
opinião sobre isso? Como eu sinto isso como pessoa?”
Ao longo da história, vimos que a maioria das intervenções foram baseadas
no ponto de vista do neurotípico observando o autista: “Ah, eu acho que estereotipia
é uma coisa ruim. Vamos remover”. “Eu acho que o autista precisa fazer contato
visual para ele entender o que eu estou falando. Vamos forçar isso.” Quando, na
verdade, quando você escuta o que os autistas têm a dizer, você percebe que é
completamente diferente.
Cito um exemplo do contato visual. Inclusive, eu fui ensinada assim: “Você
deve olhar nos olhos de uma pessoa quando for falar com ela”. Eu já estava
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começando a achar que eu tinha algum problema de audição, porque eu não
entendia o que as pessoas falavam. Quando eu olhava nos olhos das pessoas, eu
escutava a voz, mas não entendia as palavras. Depois, eu fui percebendo que isso é
muito comum em outros autistas também. Quando a gente olha nos olhos, a audição
some. Inclusive, eu até trouxe um estudo aqui, mas eu estou correndo contra o
tempo, porque quero mostrar um vídeo no final da minha exposição.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Não se preocupe com
o tempo, não. Fique à vontade.
A SRA. AMANDA PASCHOAL - Tá. (Risos.)
O estudo envolveu autistas, neurotípicos e os portadores de síndrome de
Williams. Basicamente, portadores de síndrome de Williams são meio que opostos
aos autistas. Eles são muito sociáveis, não têm muito filtro, vão fazendo amizade
com qualquer um, não sei o quê. E eles gostam muito de contato visual. Para o
teste, uma pessoa diferente formulava questões de matemática para os três grupos
responderem mentalmente. A premissa era: “Ah, achamos que uma parte dos
neurotípicos vai evitar contato visual, outra parte vai olhar. Os autistas vão ter
dificuldade de olhar, quando for para olhar; os que têm síndrome de Williams vão ter
dificuldade de desviar o olhar”. Depois, eles perceberam que, numericamente, todos
os três tinham o mesmo tempo de fazer contato visual e de evitar o contato visual.
Só que a diferença é que os neurotípicos e os portadores da síndrome de Williams
observavam as pessoas nos olhos quando a professora estava passando, dando
instrução sobre o problema, e desviavam o olhar quando estavam pensando; e os
autistas desviavam o olhar, quando estavam escutando a professora falar, e
observavam quando estavam resolvendo mentalmente o problema. Ou seja, o
oposto.
Depois, os mesmos pesquisadores resolveram fazer outro estudo: “Não,
agora, vamos obrigar todo mundo a olhar nos olhos o tempo todo, todos os três
grupos”. E todos os três grupos tiveram resultados inferiores, acertaram menos
questões ao serem obrigados a olhar. Ou seja, forçar o contato visual piora para
todo mundo. (Risos.)
É interessante ver, do ponto de vista de um modelo social, como realmente
ele diz que as diferenças são baseadas no modelo médico. Ah, é de minoria, porque
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os neurotípicos são maioria: “O autista faz diferente, então ele é que está errado”.
Os neurotípicos têm uma comunicação superenigmática. Qualquer coisa que falem
tem um segundo sentido. Os autistas são superdiretos no que eles querem falar. Aí
quem tem problema de comunicação é o autista! (Risos.) Então, realmente os
autistas em geral têm problema de socialização com neurotípicos.
E é uma coisa em que eu fico pensando, porque os autistas, quando vão
conversar com outros autistas, é uma coisa tão natural! Houve um outro desabafo,
no Movimento Orgulho Autista Brasil. A Rita, o Vítor e eu fomos, e outros autistas
estavam lá. Começamos a conversar entre nós. Conversamos sobre os nossos
interesses especiais. Ficamos falando sobre Minecraft, sobre jogos. Isso vem
naturalmente. Os autistas conversam muito bem entre si.
E aí vêm assim: “Precisamos fazer o autista se socializar”. Aí o autista vai
para a terapia, cada um para a sua salinha, um não conversa com o outro. Acho que
as pessoas têm na cabeça que basta socializar os autistas com neurotípicos.
Ninguém pensa que, se botar os autistas junto com eles mesmos, pode vir uma
coisa muito mais natural e mais fácil.
Então, temos que pensar muito bem sobre as inter-relações que vamos botar,
se não vamos ensinar coisas inúteis, ou até mesmo prejudiciais: forçar contato
visual, forçar parar com a estereotipia.
Temos que ter um espaço também na escola, na universidade, para que as
estereotipias em sala de aula ajudem a concentração. Normalmente as pessoas
acham que o stim — eu gosto muito mais dessa palavra que “estereotipia”, que já
tem um estereótipo em cima dela — é desconcentração: “Ele está aqui mordendo,
não está se concentrando”. Não é isso, não. É o contrário, o stim ajuda a
concentração. Nós precisamos de um estímulo sensorial, que vai variar de autista
para autista, para que consiga se concentrar.
Se continuarmos botando esse modelo — “Ah, o autista tem que se
padronizar junto com os outros. Ele tem que ficar quietinho na cadeira, exatamente
como as outras pessoas” —, isso vai prejudicar ainda mais o funcionamento dele.
Eu gostaria de dar um exemplo aqui com um vídeo. É uma autista que fez
experiência para demonstrar como o autista fica sem os stims. Eu perguntei a ela se
podia traduzir e divulgar o vídeo. Ela disse: “Eu quero mesmo que todo mundo veja
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o vídeo”. Eu fiz a legenda. E aí vocês vão ter uma noção do quão prejudicial isso
pode ser.
(Exibição de vídeo.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Depois da brilhante
fala da Amanda e do vídeo que emocionou todos nós, vamos abrir a palavra para os
Deputados que integram esta Comissão, Pedro Fernandes, Ságuas Moraes e Izalci.
Com a palavra o Deputado Pedro Fernandes.
O SR. DEPUTADO PEDRO FERNANDES - Sr. Presidente, quero
parabenizar V.Exa. pela realização desta audiência pública e pedir permissão a
todos da Mesa para levar esse vídeo para todas as escolas do meu Estado.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - (Riso.)
Posso autorizar, Amanda? (Pausa.)
A Amanda autorizou.
O SR. DEPUTADO PEDRO FERNANDES - Vou encaminhar a palestra para
todos os diretores das escolas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Parabéns!
A SRA. MARIA ELISA FONSECA - Sr. Presidente, eu também peço
permissão a V.Exa. para levar esse vídeo para todas as APAEs do País, as quais eu
represento aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Está autorizada.
Com a palavra o Deputado Ságuas Moraes.
O SR. DEPUTADO SÁGUAS MORAES - Eu só quero parabenizar os
palestrantes e o Deputado Arnaldo Faria de Sá por ter convocado esta audiência.
Eu sou médico pediatra, e nós convivemos com várias realidades no
desenvolvimento das crianças. É importante nós ouvirmos aqui um neurologista, um
psicopedagogo. O Casemiro foi fantástico, a Amanda, mais ainda, porque ela vive a
realidade do autista.
A vida é assim. Eu creio que cada um tem o seu tempo, cada um tem a sua
inserção social e nós precisamos, sim, tratar da construção social do ser humano.
Não dá para ficarmos estabelecendo regras e limites.
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Vivemos numa sociedade com regras e limites e, obviamente, nós temos que
fazer a construção social de cada ser humano. E eu acho que esta palestra mostrou
muito isso. Ela foi fantástica!
Estou muito feliz por participar desta audiência pública, porque a nossa vida
aqui não é fácil. Nós discutimos sobre vários temas. Eu tinha que participar de três
audiências agora, mas escolhi esta, por entender que era a mais importante.
Parabéns a todos os senhores e ao Presidente da Comissão por terem
colocado este tema em debate.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Parabéns a todos nós,
pois foi a Comissão que aprovou a realização desta audiência pública.
Eu queria que a moça da APAE se identificasse para constar da gravação.
A SRA. MARIA ELISA GRANCHI FONSECA - O meu nome é Maria Elisa
Fonseca.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Você é de onde?
A SRA. MARIA ELISA GRANCHI FONSECA - Eu sou de São Paulo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Da APAE de São
Paulo?
A SRA. MARIA ELISA GRANCHI FONSECA - Não, eu moro em
Pirassununga, mas represento as APAEs do País. Há 25 anos que estou no
movimento do autismo.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Com a palavra o
Deputado Izalci.
O SR. DEPUTADO IZALCI - Deputado Arnaldo Faria de Sá, só quero
parabenizar todos também. A cada dia, nós aprendemos. Cheguei já na metade da
audiência, não pude acompanhar tudo, mas ao acompanhar o final dos trabalhos já
deu para perceber o quanto aprendemos todos os dias.
Se alguém aqui de Brasília já não tiver pedido, quero pedir que esse vídeo
seja divulgado também nas escolas aqui do Distrito Federal.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Está autorizado.
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Alguém que está participando da audiência quer usar da palavra, fazer
alguma pergunta?
Peço apenas que se identifiquem, para que fique registrado o nome nas notas
taquigráficas.
A SRA. DEUSINA LOPES DA CRUZ - Meu nome é Deusina Lopes da Cruz.
Tenho um filho autista de 34 anos e uma história bem intensa na área do autismo.
Hoje, trabalho no Ministério do Desenvolvimento Social, coordenamos a área de
assistência social da pessoa com deficiência.
Quero mais que parabenizar, quero elogiar. Às vezes, nós conseguimos fazer
algumas audiências, mas não encontramos muito eixo para elaboração do produto
final. Acabamos de encontrar aqui, e a palestra da Amanda foi fundamental para
isso.
Inclusive, observando a fala dela, eu gostaria de fazer uma colocação para o
médico: nós precisamos muito da opinião médica sobre o tema que referencie as
nossas lutas e tudo o mais.
Uma expressão citada pela Amanda aproxima muito a questão do autismo da
questão da psicose: o autista esquizofrênico ou algo assim. Eu queria lhe pedir,
encarecidamente, que defendesse essa visão. Sei que essa não é uma visão de
todos os médicos. A psicose infantil, o trânsito da psicose pode ter um caminho; o
autismo outro.
Eu tenho um filho com autismo e outro com transtorno afetivo bipolar,
esquizofrenia, que já é mestre, doutor. Para mim fica muito clara a diferença. Há
uma hipótese conceitual de que a mente, para fazer a psicose, precisa ter uma
estrutura. Ela faz algumas rupturas e faz a psicose. Já a mente autista tem um
padrão diferenciado, uma questão cognitiva, uma conformação que não precisa
migrar para a psicose. Alguns comportamentos mais acerbados, de agressividade,
que nós chamamos de surto, são reações diante das frustrações.
No vídeo, a Amanda explicou como o autista se perde interiormente e a
resposta é agredir alguém, morder alguém. Então, isso parece muito com psicose.
Na verdade, nos dois casos, nós usamos a mesma medicação de apoio, o
antipsicótico, que é risperidona, o estabilizador de humor e as vitaminas. Embora
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usemos a mesma medicação para tentar apoiar os dois quadros, são pessoas de
estrutura mental e de atuação social extremamente distinta.
Como é um grande drama saber se isso é loucura, se diz respeito à saúde
mental, à escola pública e tal, gostaria muito que o senhor trabalhasse um pouco
mais a organização desse conteúdo, principalmente para as famílias.
O sistema educacional é rico na sua proposta educacional. Não é necessário
levar a clínica para dentro da escola, porque senão há um desespero em tentar
compreender o aluno com autismo dentro da sala de aula. E ao falar dessa
dificuldade, entramos com a medicina na sala de aula. Aí, o restante da fala se dá
absolutamente para dizer: “não, nós queremos um espaço educacional com as suas
capacidades, porque há uma contribuição nesse escopo, e não é medicina, nem
terapia”.
Gostaria que trabalhássemos um pouco mais esse assunto. Há muitos
saberes expostos, e podemos fazer um diálogo melhor sobre todas as visões.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Qual é o seu nome?
(Pausa.)
Pode falar, Vinícius.
O SR. VINÍCIUS MARIANO - Sr. Presidente, Deputado Arnaldo Faria de Sá,
agradeço a oportunidade.
Sou do Movimento Orgulho Autista Brasil. Quero pedir que esta audiência da
Comissão de Educação e os conceitos aqui abordados, o diploma social, sejam
encaminhados pela Comissão ao Ministério da Educação e à Secretaria de
Diversidades, porque agora está se pensando no modelo educacional. Infelizmente,
quando da formatação da política não se pensou no autista, e o que se entende
sobre autismo mudou muito. Além de não se ter pensado, agora que se começa a
pensar, têm que se pensar direito. É a minha opinião.
A Amanda Paschoal trouxe uma concepção que tem ajudado muito todo o
Movimento Orgulho Autista Brasil. E o diploma social é um caminho, além do que a
Viviane acabou não dizendo, que é o Método das Boquinhas, um método de
alfabetização. Todas essas deficiências têm um método de ensino da linguagem.
Para deficiência visual, braile; para deficiência auditiva, libras. Para o autismo não
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há nenhum método alternativo de alfabetização. Então, o Método das Boquinhas
pode ser adotado.
Peço que os conceitos aqui abordados sejam encaminhados ao Ministério da
Educação e também à Secretaria de Direitos Humanos, porque, se se discute agora
o novo modelo de deficiência, tem que se pensar o autismo dentro desse novo
modelo, para pensar as características do autismo até no momento de se fazer
censos.
O segundo ponto é alertar que o autista adulto, tanto o não verbal, quanto o
portador da síndrome de Asperger, ou o mais leve, que tem a capacidade verbal,
todos estão completamente excluídos do sistema, cada um sofrendo os males dessa
exclusão justamente por nenhuma concepção humana. Isso independe de
capacidade prévia da condição humana.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - O senhor é autista?
O SR. VINÍCIUS MARIANO - Eu não sou autista. Sou pai de autista e
representante do Movimento Orgulho Autista Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Pai de autista. O.K.
Quero registrar a presença de representantes do Ministério da Educação e
Cultura: Patrícia Neves Raposo, Diretora de Políticas de Educação Especial; Ricardo
Pires, Chefe da Assessoria Parlamentar; Gutemberg Carneiro e Juscelino, também
assessores da Assessoria Parlamentar do MEC. Portanto, o MEC está presente e
certamente está autorizado a ter acesso a todos esses vídeos e depoimentos.
A senhora, por favor, identifique-se para fazer sua explanação.
A SRA. RITA LOUZEIRO - Bom dia.
Sou Rita Louzeiro, também faço parte do Movimento Orgulho Autista Brasil.
Tenho traços de autismo. Participei com a Amanda do 1º Encontro Brasileiro
de Pessoas Autistas — EBA, em Fortaleza.
Estou muito feliz que a Amanda esteja fazendo parte da Mesa. Essa é uma
briga que travamos para que os autistas tenham voz nesses espaços.
Gostei muito da fala do Sr. Vinícius, trazendo o problema dos autistas não
falantes.
Quero só complementar que o tema da nossa Mesa no EBA foi Mulheres
Autistas e Questão de Gênero.
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O diagnóstico de mulheres adultas autistas é inexistente no Distrito Federal.
As mulheres de Brasília que precisam dele têm que ir a São Paulo para fazer, e é
caro. Temos uma organização de diagnóstico nesse sentido que acaba excluindo as
mulheres, principalmente as mulheres negras periféricas que não têm acesso a esse
tipo de diagnóstico, que é caro.
Eu não sei se dá para fazer perguntas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Pode fazer.
A SRA. RITA LOUZEIRO - Eu queria perguntar sobre a questão do
diagnóstico de mulheres adultas. Como eles veem isso? Como isso está na área
deles?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Com a palavra o Dr.
Clay.
O SR. CLAY BRITES - Como eu estou em contato constante com a
NeuroSaber pelo trabalho que eu tenho feito de 1 ano e meio para cá com a Luciana
na área de transtornos de desenvolvimento, nós recebemos muitas mensagens de
pessoas que se sentem a abertura que damos para descreverem sua vida, seus
problemas, seus sintomas.
Ontem mesmo, eu recebi um e-mail de uma mulher de 34 anos que descobriu
ter autismo. Foi uma descoberta tardia. Ela descreveu todo o sofrimento que ela teve
até o momento do diagnóstico. O sofrimento, é lógico, continua existindo em alguns
aspectos, mas, a partir do diagnóstico, ao ter sido feito, realizado — e pelo discurso
dela eu percebi que ela tinha características, porque ela colocou totalmente os
sinais, os sintomas claros —, ela passou a saber o que fazer, ela passou realmente
a ter um direcionamento.
Vocês acabaram de ver o vídeo trazido pela Amanda. Eu o achei maravilhoso,
só que há um detalhe com o qual nós temos que tomar cuidado, fazendo uma
ressalva na discussão de todas essas situações: o sofrimento do indivíduo. Por mais
que ela falasse ali “Ah, eu quero fazer da minha forma. Deixe-me balançar a mão do
jeito que eu quero”, existe um sofrimento. Muitas dessas pessoas não sabem expor
esse sofrimento, colocá-lo para fora. Elas não sabem. Elas têm caminhos diferentes,
os quais muitas vezes nós não conhecemos. Muito do que a Medicina sabe hoje
sobre o autismo, há 30 anos não sabia.
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Quero até aproveitar a ponte da questão da esquizofrenia com o autismo. As
primeiras descrições do autismo, feitas por Bleuler, foram com base em pacientes
esquizofrênicos. Havia quatro tipos de esquizofrenia. Bleuler descreveu o grau mais
intenso como autismo. Os três graus anteriores eram tipos diferenciados de
esquizofrenia.
Então, os dois transtornos andam muito juntos, por fatores biológicos,
questões biológicas distintas, mas com algumas intersecções. Saber identificar as
duas condições é importante para minimizar o sofrimento e melhorar a qualidade de
vida do indivíduo. Não importa em que contexto. O que importa é reduzir o
sofrimento.
Eu ouvi algumas observações em relação à abordagem médica. A abordagem
social é necessária, a abordagem fonoaudiológica é necessária, a abordagem
familiar é necessária e a abordagem médica também, para reduzir o sofrimento e
melhorar o potencial desse indivíduo a fim de que ele tenha uma vida o mais
próximo possível de uma vida prazerosa.
A SRA. RITA LOUZEIRO - Muito obrigada pela resposta.
Eu queria só complementar a minha fala. Eu também sou irmã de um autista
adulto, clássico, não falante, totalmente excluído do sistema de saúde e de
educação. Eu queria só reforçar a questão de que esses autistas, principalmente de
periferia, precisam ter acesso a tecnologias assistidas.
Há no mundo metodologias, abordagens que possibilitam que autistas não
falantes possam aprender a ler e escrever, por exemplo. E essa é uma forma de
eles se expressarem.
A Dra. Luciana falou sobre a questão de alguns autistas que não conseguem
se comunicar e ficam agressivos. Então, acho que focar nisso nas políticas públicas,
principalmente nas áreas periféricas, porque tudo o que chega, em termos de
autismo, chega para elite aqui, é um ponto importante para diminuir esse sofrimento,
de que o doutor acabou de falar, de maneira respeitosa e que empodere o autista e
não o defina ou o rotule ainda mais.
Era só isso. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Concedo a palavra à
Patrícia Neves Raposo, Diretora de Políticas de Educação Especial. (Palmas.)
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A SRA. PATRÍCIA NEVES RAPOSO - Bom dia a todos. Eu quero primeiro
agradecer muito pela oportunidade de participar deste momento de discussões
riquíssimas.
Estou aqui com algumas pessoas da minha equipe e quero dizer a vocês que
temos trabalhado no Ministério da Educação para atualizar a política de educação
especial. São muitas questões. Nós sabemos que, em relação ao espectro do
autismo, várias ações são necessárias, importantes.
Temos também discutido, iniciando todo este trabalho, a própria questão da
terminologia — Transtorno do Espectro Autista —, também em alinhamento com a
Convenção da ONU sobre direitos de pessoas com deficiência.
Sabemos como é importante retirar, substituir o termo “transtorno global do
desenvolvimento” — termo ainda utilizado na legislação brasileira, inclusive na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação — não apenas pelo nome, mas para
contextualizar a importância dessa integração necessária da saúde com a educação,
compreendendo as competências específicas.
Essa integração é importante. O diagnóstico que se faz precocemente vai
criar, certamente, muitas oportunidades às crianças de melhor desenvolvimento e
aprendizagem no fluxo escolar. É o que desejamos.
Esperamos contar com o apoio de toda essa equipe de pessoas que
participam efetivamente desse movimento. Vou dizer “movimento orgulhoso”, porque
são muitos, não apenas o Orgulho Autista, mas há vários movimentos que nos
orgulham pela luta em favor das pessoas com autismo. Aqui destaco a educação,
que está trabalhando, sim, nesse sentido.
Sou da Diretoria de Políticas de Educação Especial do Ministério da
Educação e quero me colocar à disposição de todos.
Lembro que queremos trabalhar tanto com a área da saúde quanto com
outras áreas importantes como fonoaudiologia, terapia ocupacional, que não são
área da educação, mas são importantíssimas e que devem trabalhar, de forma muito
integrada, justamente pelo que falou o Prof. Casemiro.
Nós estamos falando do humano e, quando falamos do humano, temos que
pensar de forma global, inteira. Somos pessoas, sujeitos vivenciando as diferentes
experiências da vida de forma diversa. O que nos caracteriza é a singularidade. Esta
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singularidade é a unidade fundamental da diversidade. É isso o que precisamos
considerar em qualquer área: da Medicina, da Educação ou de qualquer área das
Ciências Sociais.
Eu agradeço muito, mais uma vez, pela oportunidade e parabenizo a todos
que participaram hoje deste momento.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Eu agradeço a
manifestação da Sra. Patrícia Raposo, Diretora de Políticas de Educação Especial.
Sua participação é extremamente importante. Essa interação com todos nós será
aprofundada.
Eu queria agradecer a presença de todos os que vieram participar: os nossos
palestrantes Dr. Clay Brites, Dra. Luciana Brites, Prof. Casemiro Mota.
Peço um cumprimento especial com uma salva de palmas à Amanda
Paschoal (palmas), nossa autista.
Queria também fazer um agradecimento especial à Viviane Guimarães, que
foi a responsável pela convocação desta audiência pública.
Eu queria que nós encerrássemos esta sessão
Eu peço que nós encerremos esta sessão muito propositivamente, dando
uma salva de palmas muito forte para todo autista e para todo pai de autista.
Parabéns. (Palmas.)
Está encerrada a reunião.
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