CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL Versão para registro histórico Não passível de alteração COMISSÃO DE EDUCAÇÃO EVENTO: Audiência Pública REUNIÃO Nº: 1140/16 DATA: 04/10/2016 LOCAL: Plenário 10 INÍCIO: 09h52min TÉRMINO: 11h42min PÁGINAS: 37 das Comissões DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO CLAY BRITES - Doutorando em Neurologia pela UNICAMP e graduado em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina. LUCIANA BRITES - Diretora de Políticas de Educação Especial do MEC, pedagoga, psicopedagoga e psicomotricista. CASEMIRO JOSÉ MOTA - Professor do Instituto Federal Catarinense. VIVIANE GUIMARÃES - Especialista em Avaliação Psicopedagoga. AMANDA PASCHOAL - Universitária. SUMÁRIO Debate sobre Autismo: características, diagnóstico e intervenção. OBSERVAÇÕES Houve exibição de imagens. Grafia não confirmada: Elma Costa dos Santos. CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Fernandes) - Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Educação, atendendo ao Requerimento nº 197, de 2016, de autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá, aprovado em 15 de junho de 2016, para discutir o tema Autismo: características, diagnóstico e intervenção. Convido para comporem a Mesa: Clay Brites, doutorando em Neurologia pela UNICAMP, graduado em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina (palmas); Luciana Brites, pós-graduada em Educação Especial pelo Centro Universitário Filadélfia — UNIFIL, com graduação em Psicopedagogia pela UNIFIL (palmas); Casemiro José Mota, Professor do Instituto Federal Catarinense (palmas); Viviane Guimarães, especialista em Avaliação Psicopedagoga (palmas); e Amanda Paschoal, universitária. (Palmas.) Antes de passar a palavra aos convidados, informo que a reunião está sendo gravada para posterior transcrição. Por isso, solicito a todos os que forem usar da palavra que utilizem o microfone. Para melhor ordenamento dos trabalhos, adotamos os seguintes critérios: cada expositor terá o prazo de 15 minutos para sua exposição, não podendo ser aparteado; o debate será aberto ao final da última palestra, e as perguntas deverão restringir-se ao assunto da exposição, formuladas no prazo de 3 minutos, dispondo o palestrante de igual tempo para a resposta; serão permitidas a réplica e a tréplica pelo prazo de 3 minutos, para responder a cada interpelação; e os expositores terão o mesmo tempo de 3 minutos. Informo aos Parlamentares que a lista de inscrição para o debate encontra-se em nossa mesa de apoio e solicito aos Deputados interessados em interpelar os palestrantes que se inscrevam previamente. Peço desculpas, em nome do Deputado Arnaldo Faria de Sá, pois ele está presidindo outro evento: uma sessão solene em homenagem aos idosos. E registro a presença do Deputado Ságuas Moraes, do PT de Mato Grosso. Concedo a palavra, seguindo a ordem, ao Sr. Clay Brites. V.Sa. tem o prazo de 15 minutos. O SR. CLAY BRITES - Bom dia a todos! Sr. Presidente da Mesa, Sras. e Srs. Deputados, demais convidados, faço um agradecimento especial ao Movimento 1 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Autista pelo convite e também à Câmara dos Deputados pela possibilidade, pela abertura e pela oportunidade. Vou iniciar falando sobre o autismo, do ponto de vista de suas características, aspectos, diagnósticos e intervenção. (Segue-se exibição de imagens.) O Transtorno do Espectro Autista é um transtorno de desenvolvimento. É uma condição na qual o indivíduo, durante os primeiros anos de vida, pode, por motivos ainda desconhecidos, mas com enorme fator genético envolvido, vir a apresentar problemas severos no seu desenvolvimento do ponto de vista de interação social, de comunicação social e de comportamentos repetitivos e restritos. Devido ao fato de ser um transtorno que afeta a idade inicial da criança, apresenta consequências e leva a enormes restrições na capacidade de desenvolvimento pleno da criança, dos pontos de vista social, afetivo e acadêmico, e, a longo prazo, ao chegar à fase adulta, leva a problemas severos nos relacionamentos conjugais e na capacidade de trabalho, reduz, e muito, as oportunidades de emprego e de acessibilidade acadêmica e inclusive predispõe, de forma severa e alta, a problemas psiquiátricos secundários. Então, é um transtorno que começa na infância, na fase precoce da infância. Sabemos que o autismo se inicia principalmente nos primeiros três anos de vida — é maior a probabilidade de ele se iniciar nessa idade — e tem efeitos permanentes durante todo o ciclo de vida: da adolescência à fase adulta. Como já deve ter sido pontuado em alguns textos, o autismo é um transtorno cuja prevalência e incidência estão em crescente aumento. Nos anos 70 e 80, a cada 800 crianças nascidas, registrava-se um caso de autismo. Hoje, nós vemos que esse índice chega a ser de 1 para 68, ou seja, a cada 68 crianças que nascem, uma tem autismo. Existem inclusive algumas estatísticas americanas mais recentes já mostrando que essa proporção está de 1 para 51. Então, a probabilidade é a de que muitas pessoas estavam subnotificadas, eram crianças sindrômicas ou com deficiência intelectual que ficavam com esse diagnóstico. E, com mais conhecimento e maior disponibilidade de informações sobre o autismo, os profissionais de saúde e de educação começaram a rever o diagnóstico de muitas crianças. Então, o aumento desse número está mais relacionado a isso. 2 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Prematuridade, baixo peso ao nascer e uso de drogas na gestação também aumentam o risco de uma criança apresentar autismo. Esses também têm sido colocados como fatores de aumento da prevalência e da incidência. Hoje, a cada 10 mil nascimentos, 20 a 30 crianças vão desenvolver autismo. Há estatísticas mostrando que, a cada 10 mil crianças nascidas, 116 desenvolvem autismo — a cada 10 mil nascimentos! Esse é, sem dúvida alguma, um índice preocupante. E nós precisamos estar mais vigilantes e dar realmente espaço para o diagnóstico e a intervenção precoce. O índice de recorrência nas famílias é de 19%! Dentro da área médica, esse é um índice considerado alto. Nos casos em que o primeiro filho é do sexo feminino e apresenta autismo, esse índice de recorrência pode chegar a 30%. E as políticas de hoje precisam levar em consideração também esses pontos. As causas do autismo são genético-ambientais, mas predominantemente genéticas. O índice de herança, de herdabilidade do autismo é de 90%. Então, é um processo sobre o qual nós temos pouco controle, do ponto de vista de desencadeamento do quadro, porque é um quadro de predomínio genético, até este momento. As principais causas são pré e perinatais, ou seja, o início do processo pode dar-se antes do nascimento. E, logo depois, fatores relacionados ao nascimento aumentam o risco de o autismo desenvolver-se. A heterogeneidade clínica é imensa! Nenhum autista é igual. Todos eles apresentam três características principais: dificuldade de interação social, imensa dificuldade de comunicação social e comportamentos repetitivos e restritos, fora as alterações neuropsicomotoras e percepto-sensitivas. Mas isso varia de criança autista para criança autista. Os déficits cognitivos a isso relacionados, que levam a problemas de memória de trabalho não verbal, de memória de trabalho verbal, de déficit de função executiva, e a problemas relacionados à propriocepção e à sensibilidade global da criança, que, por sua vez, levam a efeitos severos na escolarização, tanto do ponto de vista de comportamento quanto no de aprendizagem, também são característicos e variáveis de criança para criança. Devido a toda essa questão, a Academia Americana de Pediatria recomenda, há muitos anos — a primeira publicação foi em 1993, e a última, em 2015 —, o 3 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 rastreamento ativo — ativo —, pelo sistema de saúde e de educação, dos sinais de autismo entre 18 e 24 meses de vida, ou seja, entre 1 ano e meio e 2 anos de vida. Rastreamento ativo significa: “Eu não vou esperar o autismo bater na minha porta. A cada criança que avaliar, vou aplicar escalas específicas de triagem. E, caso a criança apresente sinais, vou passar às escalas diagnósticas, para que o diagnóstico seja feito o mais precocemente possível”. A base de toda política deveria ser: diagnóstico e intervenção precoces. Por que isso é importante? Nós aprendemos, durante toda a nossa vida, que é muito menos custoso e sofrido prevenir do que remediar, não é mesmo? Quando vemos que o diagnóstico precoce reduz os sintomas principais do transtorno, melhora o nível intelectual da criança e sua capacidade adaptativa a longo prazo, melhora a atenção social, reduz a agressividade, ajuda essa criança a se adaptar a ambientes estruturados que exigem regra, rotina, etc., e aumenta a capacidade de linguagem e de comunicação, percebemos, sem dúvida alguma, que não há intervenção mais importante do que a intervenção precoce. E o que é intervenção precoce? É iniciar todo o processo de remediação e de intervenção antes dos 3 anos. Esse é o ideal. E é recomendável que se faça isso antes dos 5 anos. Isso porque os estudos mostram que, se o diagnóstico for feito depois dos 5 anos e as intervenções não forem realizadas até essa idade, muito pouco se pode fazer para melhorar esses cinco itens. Depois, só se pode dar suporte paralelo, e não um suporte que vá realmente reduzir os prejuízos a médio e longo prazo. Então, o primeiro passo para o diagnóstico precoce — não há dúvida alguma, pois a experiência e as evidências o têm mostrado — é o conhecimento. Enquanto as pessoas não souberem o que é autismo, de forma adequada, ampla, a partir de uma divulgação séria e voltada às evidências científicas, nós não vamos atingir isso. Hoje em dia, você pode perguntar a qualquer brasileiro como prevenir a dengue. Por quê? Porque, pela divulgação e pela ação ativa do Estado, as políticas públicas voltadas a esse processo fizeram com que todo mundo hoje saiba evitar a dengue, cuidar-se e ir atrás de ajuda médica em caso de sinais e sintomas dessa doença. O autismo entraria nesse mesmo contexto. 4 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Então, conhecer os primeiros sinais na infância é muito importante. Isso deveria ser uma regra em qualquer atendimento pediátrico, em qualquer atendimento precoce na atenção primária, nos postos de saúde, nos CMEIs — Centros Municipais de Educação Infantil e nas creches em geral. Isso deveria ser regra! Para podermos definir o que é desenvolvimento anormal, primeiro temos que entender o que é desenvolvimento normal. Logo, a equiparação das equipes para realmente obter esse conhecimento é fundamental. É preciso saber o que é o desenvolvimento normal de uma criança dos pontos de vista sociopessoal, de linguagem, motor, adaptativo e emocional, para se definir o que é um desenvolvimento anormal. Se não se conhece o normal, fica difícil definir o anormal. E também é preciso saber previamente os fatores de risco. Qual criança tem mais risco de ter autismo? O primeiro fator é a história familiar de autismo. O segundo é a história familiar de síndromes genéticas, de deficiência intelectual, de transtornos de humor, especialmente o transtorno bipolar, de depressão materna e de esquizofrenia. Outros fatores de risco importantes são o nascimento prematuro, antes de 35 semanas de vida, e o peso ao nascer abaixo de 2 quilos e meio. Além disso, as idades materna e paterna acima dos 40 anos. Então, ter filhos após os 40 anos de idade também aumenta o risco. Esses fatores de riscos são muito importantes, até para se fazer um trabalho de orientação e prevenção. Nós, como brasileiros que queremos fazer política pública de alto nível, precisamos nos basear em experiências e evidências já consagradas e muito bem consolidadas nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, no Canadá e em países da Europa já existem políticas, protocolos e guidelines muito bem definidos do que fazer e do que não fazer, do que identificar e de como conduzir precocemente. Só para dar um exemplo aos senhores, temos aqui o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) — Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, que tem um protocolo próprio não só de identificação, mas também e principalmente de definição de tratamentos, com evidência científica e com segurança. Temos aqui um protocolo da Academia Americana de Pediatria, mostrando a importância da intervenção antes dos 3 anos, as recomendações de como aplicar 5 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 pesquisas e, ao mesmo tempo, fazer um trabalho de identificação precoce. Há outro protocolo, também da Academia Americana de Pediatria, sobre como fazer um screening precoce, direcionando os métodos que têm evidência científica, os que são mais válidos e os que são menos válidos, aqueles que deveriam ser aplicados precocemente e aqueles que podem ser aplicados a posteriori. Vou mostrar um exemplo interessante a vocês. O Estado da Virgínia tem um guideline de 78 páginas orientando sobre como educar crianças com Transtorno do Espectro Autista. Vejam como isso é interessante. Uma ação marcante prevista nesses protocolos, algo que, no Brasil, ainda existe muito pouco: a integração entre a saúde e a educação. Não há como conduzir o tratamento do autismo sem a integração entre as áreas de saúde e educação, juntamente com a assistência social e, logicamente, com a estruturação de ambientes adequados na escola e em locais de atendimento à saúde para fazer a intervenção. Vamos ver os primeiros sinais do autismo nos primeiros 3 anos. Quando devemos suspeitar que uma criança, antes dos 3 anos, está desenvolvendo autismo? Primeiro, pelo pobre contato visual, que não quer dizer contato visual ausente. Na realidade, um contato visual por menos de 2 segundos já é indicativo de que algo não vai bem. Não quer dizer autismo sozinho. Depois, ausência de balbucio. O bebê, com 1 ou 2 meses, já começa a imitar os adultos que se lhe apresentam, já começa a fazer sons repetitivos tentando imitá-los. Mas o bebê autista não balbucia. O bebê com autismo tem indiferença ao colo, ele prefere ficar no berço, é um bebê quieto demais. Ele não chama a atenção, ele não chora querendo a atenção do adulto. Geralmente, é um bebê extremamente pacato. O bebê autista tem gestos sociais pobres. Do oitavo ao 11º mês, a criança já começa a dar tchau, a mandar beijo, a dar piscadinha, a fazer gracinha, pede colo, quer chamar a atenção. E essa criança, por algum motivo, não faz isso. Ela não desenvolve os gestos sociais. Além disso, seu ato de brincar é muito pobre, é uma criança que não sabe usar o brinquedo contextualmente. Assim, ela pega o brinquedo, por exemplo, um carrinho, e, em vez de brincar com o carrinho contextualizando-o numa brincadeira que envolva situações de carrinho, ela brinca com partes dele, ou quebra o carrinho, desarticula-o e fica brincando só com a roda, 6 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 ou fica brincando só com partes. E ele tem dificuldade de brincar de forma compartilhada com outra criança. Dessa forma, ela não consegue deixar outra criança intervir e também não faz interferências positivas no processo do brincar. Assim, não há a construção de um brincar compartilhado. É uma criança que acaba ignorando o processo. Quando outra criança chega, ela sai de perto, ou não consegue brincar adequadamente, ou agride, ou bate ou empurra a outra criança sistematicamente e tende a ter a sua forma própria de brincar, uma forma muito diferente do que se espera de uma criança. A autoagressividade pode acontecer, como automutilar-se, arrancar cabelo, arrancar unha, cortar-se, bater-se e agredir outra criança. Ela também não brinca de faz de conta; tem dificuldade de brincar de faz de conta e de esconde-esconde. E, por último, podemos constatar a presença de rituais, de manias, de estereotipias. A mãe diz que o nenê, desde muito cedo, tinha mania de ficar balançando o braço sem motivo, ficava dando grito sozinho, ficava olhando para determinados detalhes da casa — ele ficava ali por minutos, horas, olhando uma coisa só —, tinha tendência a gostar de coisas que se movimentam, colocava em fila todo brinquedo que pegava, ou compartimentalizava todos, colocando os brinquedos de uma cor só de um lado e os de outra cor de outro lado, sem que houvesse uma integração lúdica com o brinquedo. Uma das coisas mais interessantes são os estudos clínicos. Veja o que se tem observado. Quanto menor a criança, mais evidentes os relatos, quando os pais se lembram mais do problema, porque isso lhes chama mais a atenção. Quanto mais velha a criança, mais os pais esquecem aquilo que não progrediu ou aquilo que progrediu. Assim, o diagnóstico fica cada vez mais difícil se esperamos muito, porque os pais esquecem, ou, em determinado momento da infância da criança, separam-se, e essa criança fica sem uma referência para dar relatos ao médico e à equipe clínica. Então, o diagnóstico precisa ser mais ativo, precisa ser voltado de uma forma automática, porque não podemos ficar dependendo da boa vontade ou da observação fortuita dos pais quanto a alguma coisa alterada ou não. Muitas vezes, os pais não sabem dizer o que é alterado ou não, principalmente se for filho único. Se há outro filho, os pais fazem a comparação. 7 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 A presença de complicações perinatais, problemas sensoriais, deficiência intelectual e doenças médicas podem adiantar a suspeita de TEA — Transtorno do Espectro Autista, e a ordem de nascimento são relevantes. Como falei anteriormente, no primeiro filho é mais difícil identificar o autismo. No segundo e no terceiro filho, fica mais fácil, porque há o elemento de comparação: eu o comparo com o irmão. Em relação ao perfil social, quanto mais humilde a família, mais difícil o diagnóstico, por conta das questões de informação e dos fatores culturais. Já o sexo da criança não faz muita diferença nesse ponto, mas pode levar a algum tipo de influência, apesar de percebermos que é mais difícil os pais acharem que o menino tem autismo, porque o menino tem comportamento mais agressivo, de moleque. Muitos pais dizem: “Eu não imaginava isso. Achei que menino era assim mesmo”. E não é. Uma observação bem de perto vai mostrar que não é bem assim. Sinais que fazem o pai e a mãe irem ao médico. Eles pensam: “Não está normal. Eu preciso procurar um médico”. Inicialmente, o pai acha que é só aquele problema, mas, quando vai pesquisar, vê que é autismo. Por exemplo, procuram-me no consultório porque a criança não dorme: “Doutor, eu não aguento mais. Ele não dorme”. Aí eu vou examinar a criança e vejo que a criança é autista. Não se tratava só do sono. “Doutor, ele não fala direito, ele não sabe conversar. Eu converso com ele, e ele me ignora.” Então, há problemas de comunicação e de fala, e, quando os pais procuram o médico, descobrem que se trata de autismo. Quando há problemas alimentares: “Doutor, ele não toma leite. Se eu colocar leite na boca dele, ele vomita”; “Doutor, a comida dele tem que ser pastosa, porque, se for um pouco sólida, ele sente náusea e não aceita”; “Doutor, ele tem mania de comer só coisa vermelha”. Então, manias alimentares, peculiaridades alimentares ou intolerâncias alimentares devem levantar suspeitas também. E há o atraso motor e atraso no brincar. A mãe diz ao médico: “Doutor, é estranho. Ele não brinca direito! Ele pega o brinquedo e, em vez de brincar, ele quer brincar com a caixa do brinquedo, em vez de brincar com o conteúdo”. Ele prefere a caixa, prefere a tampa, prefere a panela, em vez de brincar com a boneca, ou com o brinquedo. Então, algumas peculiaridades no ato de brincar também chamam a 8 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 atenção dos pais e, ao levarem a criança para exame, constatamos que se trata de autismo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Fernandes) - Peço que conclua, por gentileza. O SR. CLAY BRITES - Vou concluir, então. É uma pena, porque eu tinha várias informações para lhes passar. Para terminar, para eu sair deixando informações importantes, pergunto: “Como podemos criar mecanismos mais eficazes de identificação do autismo?” Primeiro, o olhar do profissional de saúde e de educação precisa mudar. Não pode ser um olhar passivo, voltado apenas para a sua área. Todas as áreas médicas, de saúde, e não médicas, de profissionais da área de educação, precisam ter o olhar voltado para a vigilância ativa, rastrear a família e fazer investigação também de comorbidades, porque existem autistas hiperativos, autistas obsessivo-compulsivos, autistas esquizofrênicos, com transtornos de aprendizagem, com deficiência intelectual. Assim, é importante estabelecer as escalas de triagem utilizadas no mundo todo e as escalas de confirmação diagnóstica. Eu vou falar rapidamente do autismo em adultos. De cada mil adultos, quase 10 têm autismo. No caso desses indivíduos, o quadro é menos estudado. Estuda-se mais o autismo em criança. Mas vejam o que acontece se não identificarmos e não cuidarmos dos adultos autistas: eles têm índice de escolaridade menor, menor renda, são menos favorecidos no trabalho, têm maior risco de desenvolver depressão e transtorno bipolar, o risco de suicídio aumenta em três ou quatro vezes. E sempre suspeitamos quando esse adulto tem um filho com autismo. É automático: se chegou ao consultório e tem autismo, já olho para os pais e observo se algum deles tem as características. História crônica de dificuldade de socialização e comportamento estranho geralmente é difícil diagnosticar, porque os pais desses adultos já não estão mais aqui, ou não vivem com eles. Então, quem vai relatar como foi a infância? É importante ver o desenvolvimento do adulto. E, para o adulto, também há entrevistas em escalas estruturadas, que precisam ser divulgadas e colocadas para os profissionais de saúde e educação. E como avaliar? Há várias formas de avaliar. 9 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Ao longo da vida, o que acontece com esse adulto? Isso é importante deixar claro. Há piora da capacidade de reciprocidade social; ele tem mais dificuldade com a comunicação não verbal. Então, adultos com autismo têm dificuldade de perceber se você está bravo, se você está alegre, se o ambiente da sala está hostil, se não está, porque eles não conseguem fazer a tradução adequada de toda essa comunicação sem uso da fala, que depende só de gestos. E eles costumam sofrer preconceito, são pessoas que sofrem isolamento no trabalho, por exemplo, e sofrem isolamento na família. E este é o ponto a que eu queria chegar, para poder fechar a palestra, em respeito ao Presidente, que já solicitou a palavra. Aliás, são dois pontos importantes. Por que o diagnóstico tem que ser precoce? Porque, quando adulto, acontece o seguinte: eu melhoro a capacidade do indivíduo de procurar trabalho e conseguir emprego, eu melhoro seu nível de atividade social e melhoro seu nível de autonomia se, desde a infância, eu tiver melhorado o seu nível de inteligência com intervenções e o seu nível de linguagem, se lhe forem apresentados recursos educativos adequados, se a severidade dos sintomas autísticos for menor com o passar do tempo, com controle medicamentoso e psicoterapias específicas, e se os serviços favorecidos pela comunidade forem mais adequados e colocados à sua disposição. Lá na infância e na fase da adolescência, eu melhoro o prognóstico do adulto. Por fim, se eu não fizer nada, esse adulto vai viver em um ambiente de maior solidão, vai sofrer mais bullying na escola e nos ambientes, vai ter dificuldade maior de lidar com a morte de entes queridos e maior dificuldade de comunicação. Essa comunicação persiste, porque ninguém fez nada, e há a presença de deficiência intelectual. Isso tudo leva ao aumento do risco de esse indivíduo desenvolver quadros depressivos e esquizofrenia e também aumenta o risco de suicídio. Então, é importante dar atenção a tudo isso. Eu ia comentar algumas coisas da lei, mas termino por aqui. E estou à disposição, depois, para as perguntas. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Fernandes) - Agradeço ao Dr. Clay Brites e peço desculpas, porque lhe demos o prazo de 15 minutos, mas fomos até os 25 minutos! (Risos.) 10 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Eu queria convidar o Deputado Arnaldo Faria de Sá, autor do requerimento e Presidente da Comissão. Vou lhe dar mais 5 minutos na plateia, depois, V.Exa. assume os trabalhos. Registro a presença do Deputado Geraldo Resende e da Dra. Patrícia Neves Raposo, que é Diretora de Políticas de Educação Especial do MEC. Com a palavra a Dra. Luciana Brites, por favor. A SRA. LUCIANA BRITES - Primeiro, quero agradecer ao Presidente da Mesa, aos Deputados e Deputadas, a todos os presentes, ao pessoal do Movimento Orgulho Autista Brasil, esta oportunidade. Começo falando um pouco sobre a inclusão e os aspectos educacionais no autismo. Como disse o Clay, existe uma questão muito importante quando falamos dos aspectos de inclusão. (Segue-se exibição de imagens.) Nós participamos de um grupo de estudos na UNICAMP — Universidade Estadual de Campinas, que é o DISAPRE — Laboratório de Pesquisa em Dificuldades, Distúrbios de Aprendizagem e Transtornos da Atenção — o Clay está participando de modo mais premente disso —, e uma coisa ficou superevidente. Fizeram um estudo para ver a idade que as crianças chegam ao ambulatório para fazer o diagnóstico. Às crianças de aproximadamente 7 ou 8 anos é dado mais ou menos o diagnóstico de autismo. Então, vocês podem ver como isso é grave, porque, em uma criança com 7, 8 anos, fica muito mais difícil qualquer nível de intervenção. E aí eu pergunto para vocês: é mais fácil incluirmos uma criança que foi diagnosticada, ou da qual foi levantada alguma suspeita, com 1 ano ou 2 anos ou com 7, 8 anos? Então, não dá para falarmos em processo de inclusão se não falarmos em política pública de detecção precoce e intervenção dessas crianças. É muito mais tranquilo e é muito mais saudável o processo de inclusão dessa criança quando pensamos em detecção precoce. E quem é professor de sala de aula sabe muito bem do que eu estou falando. Então, vou começar agora a falar da questão das políticas e da abordagem escolar, em sala de aula, principalmente de um processo de inclusão. Vocês viram que o autismo é um espectro. Quando falamos em espectro, temos desde autistas graves até autistas em graus mais leves. Então, quando dizemos a palavra “autismo”, às vezes imaginamos aquela criança ou aquele sujeito que se morde, que 11 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 se bate, enfim. Mas eu também tenho autistas em graus leves e que muitas vezes são subnotificados. Por isso, é muito importante, dentro de um processo de inclusão — e aqui estamos usando a Magyar, que é uma referência importante neste processo —, sempre vermos a necessidade do aluno, os elementos físicos, estruturais, instrucionais e curriculares. Quando observamos essa necessidade do aluno, esteja ele com TEA — Transtorno do Espectro Autista ou não, questão que estamos abordando, falamos dos elementos físicos, de como a escola está fisicamente preparada para receber esse aluno. Por quê? Porque eu posso ter aluno com TEA que possui hipersensibilidade a som e, às vezes, a sala de aula fica bem do lado da quadra de esporte, ou do lado da cozinha, e ele tem hipersensibilidade a cheiro, etc. Então temos que estar vendo todas essas especificidades. Aspectos estruturais: como vou organizar toda essa equipe? A escola tem que estar preparada para receber esse aluno, como a pessoa que serve a merenda, a secretária da escola, e não só a professora. A escola toda tem que abraçar esse conhecimento. O conhecimento tem que ser levado a todas as pessoas. Nós brincamos ao dizer que é o conhecimento que gera a transformação, é o conhecimento que efetivamente vai fazer com que se acabem os preconceitos. Às vezes, a professora ou a pessoa que está lá na limpeza diz: “Ah, mas aquele menino é mal-educado, olha como ele está gritando!” Mas ela não sabe efetivamente o que tem aquela criança. Então, falamos da questão da inclusão do autista não só pelo lado da escola, mas também por todos os aspectos escolares. E todas as pessoas precisam saber disso. Não raramente vemos na Internet pessoas dizendo: “Esse menino é maleducado!” E, quando vamos verificar, vemos que é uma crise por que aquela criança está passando, e a sociedade precisa ser sensibilizada quanto a isso. Questões instrucionais: como eu vou organizar esse passo a passo para esses professores? Como eu vou treinar toda essa minha equipe? Há também as questões curriculares: quais adaptações curriculares eu vou fazer para cada caso de aluno que tenha o TEA? Como disse antes, dentro do suporte escolar, temos características de estudantes com TEA. Então, eu preciso saber como é essa criança, se ela tem 12 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 deficiência intelectual, se não tem deficiência intelectual. Vocês estão vendo como é importante falar da abordagem multidisciplinar? O professor não vai conseguir um bom processo de inclusão se ele não for respaldado por uma equipe multidisciplinar. Quando falamos de equipe multidisciplinar, falamos do médico, do psicólogo, do fonoaudiólogo. Todos têm que estar integrados dentro desse processo de inclusão. A inclusão não é feita só na escola. A inclusão é um processo, porque demanda conhecimentos que, muitas vezes, o professor não tem. Existem muitas questões, como: “Ah, o professor, às vezes, não quer incluir”. Mas o professor também precisa passar por um processo de capacitação bem importante em relação a isso. Perfil da equipe de instrução: como essa equipe, que está capacitando esses professores e essas pessoas, está passando essas informações? Qualidade e quantidade de recursos no contexto social, curricular e institucional. Há recursos para isso? Como estão esses materiais? Eles estão adaptados para essa criança, para esse aluno com autismo? Alta variabilidade comportamental, desenvolvimental, acadêmica e intelectual. Há autistas que não vão conseguir ter um perfil acadêmico, não vão conseguir se alfabetizar; e há autistas que já chegam à escola lendo. Vocês conseguem entender que, às vezes, alguns autistas têm hiperlexia? Ou seja, eles aprendem a ler com 3 anos, 4 anos, e todos eles vão para a mesma escola. E como fazemos isso? Não temos uma receita. Temos uma pessoa, devemos desenvolver um currículo para essa pessoa, e ela tem que ser monitorada. Para isso, repito, uma andorinha sozinha não faz verão, o professor sozinho em sala de aula não dá conta. Ele precisa da ajuda dos pais e precisa estar aberto para isso. Eu acho que, na verdade, esse grande processo de inclusão nos faz rever as nossas práticas. Eu fui professora de ensino regular e professora de educação especial, em escola especial, tenho as duas práticas. Então, consigo isso muito bem. Essencial para tomada de decisões na escola. Por exemplo, tenho uma criança com um comportamento diferente da outra em relação ao autismo e tudo o mais. Auxilia na sequenciação de estratégias ao longo do tempo. Eu sei que ele tem uma deficiência intelectual, mas ele consegue aprender a ler, então vamos tentar 13 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 trabalhar a leitura e a escrita. Vamos ver o tempo que ele demora para fazer isso. Conseguimos fazer isso, dentro desse perfil, dentro dessas estratégias? “Não conseguimos.” Vamos reavaliar. Quando conhecemos bem a característica daquele aluno, fazemos um plano organizado e bem sistematizado, monitoramos melhor isso. Como é feita a aprendizagem desse aluno? Descrição das características de aprendizagem. Como ele aprende? Nós sabemos que o aluno, principalmente o autista, tem a questão visual mais proeminente. Há o perfil e o ritmo do progresso do aluno e a avaliação de resoluções específicas de problemas de aprendizagem e de determinados comportamentos. Então, eu vou ver o quê? Como está o desenvolvimento dessa aprendizagem? Está lenta, não está? Eu posso exigir mais, eu posso exigir menos? Como a família vai estar inteirada e vai estar dentro desse processo? Isso é muito importante, e sempre dizemos que é um tripé: são os profissionais, a escola e a família. Se não tivermos isso muito bem estruturado e muito bem organizado, a situação fica muito complicada. Como vamos fazer a avaliação? Características dos sintomas. Como vamos trabalhar os sintomas autísticos, a socialização e os compartilhamentos, a linguagem e a comunicação? Eu tenho que trabalhar dentro da escola com todos esses prejuízos que as pessoas que têm TEA apresentam. As características associadas ao transtorno: a participação na sala e a sociabilidade. Eu avalio esta criança da mesma forma que avalio as outras? Não. Por quê? Porque, como ela tem peculiaridades, tem características diferentes, eu preciso que essa avaliação seja feita de uma forma sistematizada e particular. Eu tenho que ver como é a participação, a cognição, os aspectos acadêmicos. Há ainda a questão do contexto instrucional, que é a qualidade do contexto da escola. Enfim, são várias coisas que preciso estar vendo dentro do processo de avaliação dessa criança no contexto escolar. Ela é uma criança inclusa? É óbvio, não vamos fazer um processo de avaliação igual ao que realizamos com as outras crianças. Precisamos sempre do quê? Fazer adaptações. Algumas crianças são mais 14 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 tranquilas. Lembram-se daquela questão do desenvolvimento do espectro? Então, cada criança é uma criança. Eu vou avaliar os sintomas autísticos, as habilidades de linguagem, a comunicação social, o nível intelectual. Enfim, tudo isso tem que estar presente quando eu receber essa criança na escola. Como são os sintomas? Eles são graves ou não são? Quais as habilidades cognitivas? Como é a linguagem? Essa criança desenvolveu a linguagem ou não? “Ele briga, ele agride.” Vemos isso muitas vezes, mas por quê? Porque, muitas vezes, eles não conseguem se comunicar. Então, imaginem vocês quererem falar alguma coisa e não conseguirem, não conseguirem expressar o que estão sentindo. Acho que isso é uma coisa muito importante para podermos ver e avaliar todas essas questões. O aluno entrou. Como é sua habilidade pessoal e social? Ele sabe usar o banheiro? Gente, há criança autista que chega à escola regular e não sabe usar o banheiro, porque foi feito o diagnóstico tardiamente. E o que vai ser? Há pessoal na escola para ensinar isso? Vocês estão vendo a questão da escola, as realidades das escolas hoje? Elas estão bem comprometidas, porque falta esse conhecimento, falta pessoal e falta essa questão da estrutura. Agora, neste momento, quando estamos falando sobre isso, com certeza deve haver alguma professora em uma escola passando por esse tipo de situação. Não estamos falando de daqui a 10 anos, mas de agora. Por isso, é muito urgente pararmos para pensar em todas essas situações. Eu tenho de ver quais são as dificuldades específicas que ele tem na aprendizagem, quais são os transtornos de comportamento associados, porque, no autismo, há comorbidades. Há autistas que têm TOC, há autistas que têm ansiedade, há autistas que praticam automutilação. O professor, quando receber esse aluno, tem de saber isso. As nossas escolas têm isso hoje? Então, é algo muito importante para pensarmos. Dentro desse comportamento, dessa conduta, eu preciso ver o quê? Eu tenho de ver quais os comportamentos inadequados que são excessivos, como estereotipias, monólogos, interesse e hiperatividade; e quais os comportamentos 15 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 deficitários, o que eles não têm. No autismo, há comportamentos em excesso e comportamentos em déficit. Há ainda o descontrole de estímulos. Às vezes, ele está querendo brincar com alguma coisa específica, porque o autismo tem isso. Ele quer brincar de Ben 10, ele quer fazer aquela estereotipia, ele quer fazer aquele ritual, e naquele momento está na hora de fazer a cópia, naquele momento está na hora de fazer o ditado, naquele momento ele está no contexto escolar. Então, eu tenho de saber adequar todas essas questões. Avaliação do contexto escolar. É preciso saber como será aplicado esse método, como está a qualidade de interação professor-aluno, que engloba oportunidade de participação e ritmo da aula. Toda essa questão do contexto escolar tem de ser vista e avaliada com todos esses itens, para vermos como se pode trabalhar. Por exemplo, o uso de escalas de qualidade. Nós precisamos desenvolver escalas que avaliem o progresso do aluno no dia a dia, e não o progresso em 6 meses. Eu tenho de ter um tempo para isso, porque é preciso pegar todo o tempo perdido, principalmente em idade escolar, e trabalhar muito em cima disso. Muitas vezes, não temos o uso desse tipo de escalas e a avaliação de qualidade. Ainda falta isso dentro do nosso contexto escolar. Temos sempre de avaliar os resultados, definir as condutas, implementar novos recursos, monitorar o progresso e rever as estratégias. Não é um processo em que se diz: “Eu vou fazer isso, e vai dar certo”. Não! Às vezes eu tenho alguma intencionalidade, algum processo, vou avaliar o resultado, mas não deu certo. Então, tenho de rever a minha estratégia, redefinir as condutas. Estou dizendo para vocês que não é uma coisa estática: “Nossa, eu vou fazer assim até o final do ano! Nossa, descobri a fórmula mágica”. Fórmula mágica não existe. Existem pessoas que têm necessidade e que precisam ser supridas. Quais os cuidados na sala de aula? Suporte visual, que são as imagens diretas e claras de rotina; modificações de ambiente. Se eu sei que o sinal irrita aquele menino, por que eu vou bater o sinal na escola? Já ouviram o sinal de escola? Até nós nos irritamos. Não é verdade? Se o irrita, para que eu vou fazer isso? Às vezes, quando falamos em inclusão e temos essa percepção, mudar um sinal, colocar uma música, tudo isso é importante. Não precisamos de grandes 16 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 coisas. É óbvio que grandes coisas são válidas também, mas, às vezes, cuidados são significativos. Outro cuidado na sala de aula são os sistemas de reforçamento. O que estimula aquela criança e o que não a estimula; o que causa agressividade e o que não causa. Para isso, o papel do psicólogo é fundamental dentro da escola. O suporte de comunicação e meios de múltiplas abordagens. Enfim, eu preciso de várias coisas para trabalhar na sala de aula. Equipe de avaliação e apoio. Aqui estamos falando de um sonho, que, se Deus quiser, realizaremos. Precisamos de um psicólogo escolar, de um pedagogo especial, de um fonoaudiólogo, de terapeuta ocupacional, de educador físico e de psicopedagogo. Enfim, precisamos de uma equipe para ajudar no processo de inclusão dessas crianças. Quero agradecer a todos vocês. Aqui está o nosso site e o meu e-mail. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Fernandes) - Obrigado, Dra. Luciana. Registro a presença do Sr. Oswaldo Freire da Fonseca Júnior, autor do livro O Desafiante Mundo do Autista; de Elma Costa dos Santos, do Serviço Especializado de Apoio à Aprendizagem; de Deusina Lopes da Costa, da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; de Ely Pinto Rabelo, da Escola Classe 62 de Ceilândia; e do Deputado Flavinho, do PSB, de São Paulo. Convido o Sr. Casemiro José Mota a fazer uso da palavra. O SR. CASEMIRO JOSÉ MOTA - Se vocês não se incomodarem, vou falar sentado, porque quem fala em pé discursa e demora mais. (Risos.) Eu vou falar sob a dimensão de um professor que está na sala de aula, dentro de uma escola de alta performance, trabalhando com 40 adolescentes em cada sala. Entre esses 40 adolescentes, aparecem as diferenças. Então, como é viver com essas diferenças e a que proposta se chegou a partir dessa convivência? Inicialmente, lidou-se com essa diferença como todas as escolas lidam: empurrando o menino para que passe logo e saia da escola para deixar de ser um problema dela; ou tentando um atendimento dentro de um modelo bastante questionável, o atendimento em separado do indivíduo, como se a escola fosse um 17 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 lugar para corrigir. Era como se a criança fosse prego, a escola fosse uma bigorna e o professor fosse um martelinho: pegamos algo que está torto, vamos batendo até ele ficar bem retinho e o devolvemos à sociedade. O que a escola onde eu estou fez foi romper com essa ideia, porque isso faz parte de um chamado modelo de eficiência, e esse modelo de eficiência é que gera a ideia de deficiência como preconceito. Então, quando eu chamo alguém de eficiente, inegavelmente já chamei todos os outros de deficientes. A escola que visa construir eficiência não é um lugar para alguém que possua diferença. Embora falemos, as nossas escolas incluem mais por comiseração do que propriamente por domínio de um conhecimento que possa construir novos conhecimentos a partir desses indivíduos. Então, nós precisamos cuidar, principalmente, quando fazemos a ideia de incluir os indivíduos dentro de um modelo que considera o emprego como a solução para qualquer problema. Eu preparo esse indivíduo para estar empregado, e, pronto, terminou o meu problema, o problema sumiu, porque, a partir do momento em que ele está no mercado de trabalho, esse indivíduo deixa de ter problemas. Isso tem de ser questionado, porque esse é um paradigma que criou diversos problemas. Na Grécia antiga, o paradigma da eficiência matava os que nasciam com alguma diferença. Na Alemanha, no princípio da Segunda Guerra Mundial, os que não conseguiam produzir foram queimados, e ninguém notou até chover cabelo em uma cidade. É o modelo da eficiência! O modelo da eficiência é preparado para incluir única e exclusivamente a exceção. O modelo da eficiência não admite incluir a regra. A ideia que se tem dentro do modelo da eficiência é enquadrar, adaptar. O que significa? Pegar a diferença e torná-la o mais semelhante possível àquilo que eu considero eficiência. Portanto, romper com esse modelo é o primeiro passo dentro da construção de uma escola realmente inclusiva e realmente preparada para discutir aquilo que nós não conhecemos, porque todo o domínio que nós temos da diferença tem origem, única e exclusivamente, na proposta médica. Não temos outras formas. Nós identificamos qualquer diferença pela visão da Medicina, e, nem sempre, a Medicina está em sala de aula. Às vezes, a Medicina não está lá. Ela não tem esse domínio e nem é obrigada a ter. 18 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Romper com esse modelo parte da seguinte ideia: ninguém nasce para dar errado. Um Down tem o direito de sonhar em ser piloto de avião. Um autista tem o direito de tentar dirigir. Se ele vai conseguir, é outra questão, mas isso faz parte daquilo que nós consideramos humanidade. Então, nós precisamos mudar a forma de ver as coisas. Precisamos reconhecer os aspectos humanos presentes no indivíduo que possui a diferença. Nós não podemos reconhecê-lo pela sua diferença e tampouco valorizá-lo por isso. Ninguém quer ser reconhecido como cego, porque isso ele já é. Ele precisa ser aceito como humano, porque é isso que às vezes lhe falta. Ninguém quer ser reconhecido como surdo, nem ter direito especial por isso. Ele quer ser reconhecido como um humano e ter o seu espaço de humanidade respeitado. A nossa educação, a nossa escola, com o tempo, se tornou um instrumento de mercado. Ela não é um instrumento de construção social e de humanização. Ela é um instrumento de mercado! Constantemente, nós nos referimos à escola como um ambiente para produzir o trabalhador, para criar a vaga do emprego. Nós não pensamos no humano; não pensamos que não existe o melhor engenheiro se não existir o melhor humano; não existe o melhor médico se não existe o melhor humano. Nós não temos mais esse conceito! Nós estamos dentro do conceito que a sociedade nos exige, que é o conceito de eficiência. Estamos propondo incluí-lo em um modelo meritocrático, nós estamos propondo incluí-lo em um modelo de altíssima eficiência, que trabalha a partir de comparativos e estimula a competição. Eu e Amanda não podemos competir, porque as nossas diferenças são enormes, na minha visão e na visão dela. Só não são enormes na visão de quem olha de fora da nossa situação, porque não admite que a Amanda goste de ser Amanda, e que o Casemiro goste de ser Casemiro. Eu não quero ser igual a ela e não quero que Amanda seja igual a mim, porque ela é melhor como Amanda, assim como eu sou melhor como Casemiro. A primeira pergunta da ideia do diploma social que ninguém mais faz na escola é a seguinte: quem é o humano que está diante de mim? Qual é a sua origem como humano? Que trajetória trouxe o humano diante de mim até mim? Que caminhos esse indivíduo trilhou até aqui? Sabem por quê? O humano não é coisa, o humano é espaço. O resto é Biologia. O humano é só o espaço. 19 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 A troca de paradigma está no seguinte: a escola tem que mudar o paradigma de possibilidade de cura e de trabalho para o paradigma de humanização. Por quê? Já disse a teoria: “Os humanos são configurações de existência”. A possibilidade de humanos está se diversificando. O humano não é um ser único, baseado num ideal de perfeição e de normalidade, construída no início do século XX. O humano é múltiplo. Eu não sou mais um. Eu sou muitos. Existe o Casemiro aqui, existe o Casemiro na sala de aula, existe outro Casemiro em casa. Existe um Casemiro que faz churrasco, e outro que canta. São múltiplos! Eu não sou um e nem tenho obrigação de ser, porque eu preciso ser incluído em diferentes lugares, em diferentes momentos. Qual é o projeto do diploma social? Ele é um projeto de respeito ao direito de ser autêntico, de eu ser como sou, de querer aprender o que eu quiser, quando eu quiser e da forma que eu escolher, inclusive o direito de não aprender nada. Por quê? Sou eu! O segundo ponto do nosso projeto foi o direito de pertencer a um grupo. O trabalho foi feito com um menino que ingressou numa escola de alta performance e que não tinha nenhuma característica, que não fosse física, de identidade com os outros meninos. Só tinha a mesma idade, o mesmo tamanho e o mesmo jeito adolescente de ser. Como foi esse processo dele? A escola levou 1 ano e meio para saber que ele existia. É ridículo para uma escola de alta performance! Mas levou 1 ano e meio. E esse menino viveu como? Ele sofreu bullying até gostar das pessoas que faziam bullying, porque aquilo para ele passou a ser uma demonstração de amor. Para mim, era uma agressão; para ele, era a forma que encontrou de ser aceito. Mas ele era autêntico e disse: “Não, deixem que eles brinquem, porque eu gosto quando eles me assustam. Eu me escondo, e eles riem”. Ele era autêntico! Na segunda etapa, eles acharam que o menino valia a pena e começaram a fazer todos os temas dele. Havia as meninas que cuidavam de Matemática, as meninas que cuidavam de linguagem, os meninos que cuidavam de programação, porque ele iria ser um técnico em informática. Cuidavam dele e o ocultaram dos nossos olhos, porque ele era deles. 20 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Aí eu estou vendo o autêntico e estou vendo o outro ponto do projeto: o direito de pertencer a um grupo, sendo autêntico, não precisando fingir ser normal, como propôs Freud. O processo caminhou, então, para a descoberta do que esse menino, depois de 11 anos dentro da escola, sabia. Nós não sabíamos o que ele sabia: qual era a Matemática dele, qual era o Português dele, qual era a Química dele, qual era a Física dele. Depois de 11 anos numa escola, é impossível o indivíduo não saber nada e ser aprovado porque é deficiente, o que não tem eficiência. Quando foi feito isso, criou-se um diagnóstico e descobriu-se que, embora ele não fosse igual ao que nós chamamos de eficiente, ele tinha uma gama de conhecimentos que era única. E nós fizemos, como escola, o quê? Reconhecemos isso. Nós não conseguimos lhe dar um diploma que dissesse que ele tinha concluído o Ensino Médio como técnico em informática. Mas nós conseguimos lhe dar um certificado em que estava escrito tudo o que ele sabia e pedimos que apresentasse esse certificado com tudo o que ele sabia nas universidades. Ele fez isso e foi aceito no curso de design, porque tinha altíssimo conhecimento de discriminação de cores, uma inteligência visual diferente de todos os outros e uma audição diferente de todos os outros. Na escola da alta eficiência, isso não tem valor, porque a arte não tem valor. Mas ele se descobriu dessa forma, e a família o descobriu. Nesse sentido, o que é o diploma social? O diploma social é a escola olhar para um indivíduo a partir de um contexto de humanização e não de eficiência. O que é o diploma social? É usar a lei que permite o reconhecimento. É usar a lei que permite o indivíduo ser admitido pelo que ele tem condição de saber; que admite que o conhecimento de Química não vai salvar o mundo por causa daquele indivíduo; que admite que Matemática não é essencial, pode ser dominante, mas não para todos. Ela não é essência do saber, porque a lógica do menino que nós diplomamos socialmente era diferente da minha. Ele organizava o mundo de outra forma. E isso eu, como escola, não admitia, porque ele tinha que organizar o mundo dele em aulas de 90 minutos, com 40 colegas adolescentes. Eu achava isso! Ele não tinha o direito de conversar comigo sobre as dúvidas, porque ele tinha que fazer perguntas. 21 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Então, é necessário perguntar como é, quando falamos em inclusão, e o que estamos falando, quando nos referimos à inclusão educacional. A escola é um espaço que propicia a formação da humanidade, não da eficiência. Os indivíduos vão à escola para se tornarem mais humanos. Caso se aumente o nível de eficiência da escola, diminui-se a humanidade e cria-se o seguidor de protocolo. O seguidor de protocolo é o indivíduo que está sendo preparado para ser substituído por um robô daqui a 10 anos, porque o robô consegue seguir protocolo. A base teórica do estudo que foi feito está assentada na sociologia de Bourdieu, nas teorias de aprendizagem de Ausubel, nas teorias de formação da mente de um indivíduo chamado Vygotsky, na base filosófica de um sujeito chamado Habermas e na estrutura psicológica de um indivíduo chamado Jung, para não se achar que se pode trabalhar com as diferenças sem ter um grande aparato teórico na base. Não se pode discutir, porque eu acredito que as pessoas com necessidades específicas não precisam mais de opiniões; precisam, na verdade, é de soluções eficientes. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Parabéns, Casemiro! Eu queria convidar para usar da palavra a pessoa que nos pediu esta audiência, Viviane Guimarães. Ela terá a oportunidade de falar. Sem dúvida nenhuma, é uma audiência que está sendo altamente produtiva. Nós acabamos aprendendo todo dia muita coisa e hoje, coisas maravilhosas. Com a palavra Viviane Guimarães. A SRA. VIVIANE GUIMARÃES - Eu estava com uma apresentação pronta, mas não vou colocá-la, não. Depois de falarem o Dr. Clay, a Dra. Luciana e o Prof. Casemiro, eu iria ficar repetitiva. Então, resolvi mudar um pouquinho o que estava pensando em falar. Depois da visão da parte da educação e da parte da Medicina, eu queria falar um pouquinho da parte da família. Também é um viés superimportante, como Luciana disse, ter a família junto de todos esses profissionais, ter a família junto dos profissionais da Medicina, ter a família junto dos profissionais da escola, para propiciar realmente esse lado mais humano, que o Prof. Casemiro pediu às nossas escolas. 22 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Realmente, precisamos olhar para essa família, porque ela também é parte integrante. Quando não está bem estrutura, essa família não consegue receber esse diagnóstico da forma correta, e a criança também vai ser muito prejudicada. Eu ouvi uma palestra em que se lembrou de que, quando estamos no avião, a aeromoça diz: “Olha, se cair a máscara, você a coloca primeiro em si mesmo e, depois, a coloca no outro”. Como mãe, eu sempre fiquei pensando qual é a mãe que vai primeiro colocar a máscara em si e, depois, no seu filho; ela vai primeiro colocar nele. O palestrante, que agora não recordo quem era, disse: “Sabem por que a gente precisa fazer isso? Porque a gente precisa estar bem para poder cuidar de outra pessoa”. Muitas vezes, quando recebemos um diagnóstico, não só de autismo, mas também de qualquer outro transtorno, nós nos abalamos, porque, quando temos esse diagnóstico, imaginamos: “Poxa, será que meu filho vai ser tudo aquilo que eu imagino?” Vai! E ele vai muito além de toda a expectativa que tenhamos. Então, é importante nos cuidarmos também. Nós nos preocupamos muito em levar o nosso filho ao psicólogo, para uma boa escola, ao fonólogo, e nos esquecemos de nós. Precisamos também cuidar de nós. Precisamos ter esse apoio. Essa estrutura vai poder fazer com que cuidemos melhor dos nossos filhos. E precisamos estudar, porque, como estava escrito, o diagnóstico é apenas o princípio. E o diagnóstico não é uma sentença. Ele só vai dizer quais caminhos precisamos trilhar. Muitas vezes não se vai trilhar aquele caminho que se esperava. Ele não vai ter a eficiência, como o Prof. Casemiro disse. Ele não vai ser tão rápido como se queria, mas ele vai ter o tempo dele. Ele vai ter o crescimento dele. Ele vai poder ser incluído. É isso que nós, como família, precisamos buscar na escola. Precisamos buscar isso no mercado de trabalho e mostrar que eficiência não é tudo. Ele precisa ser tratado realmente como um ser humano, como uma pessoa que vai progredir e vai poder contribuir com a sociedade. É isto que nós temos que mostrar: que eles não dependem além deles mesmos para poder evoluir. E não podemos compará-lo com outro ser humano, porque o autista, como qualquer outra pessoa, tem as suas 23 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 características. Eles têm a sua forma de aprender, têm a sua forma de lidar com isso. E precisamos respeitar. Esse é o princípio de tudo. Agradecemos muito ao Presidente por nos ter oportunizado isto, porque são nestes momentos, são em audiências como estas que, realmente, precisamos refletir. E é um momento de aprendizagem, porque quando aprendemos, conseguimos transformar. O que pretendemos é plantar em vocês essa sementinha, essa busca de novos conhecimentos, essa busca de procurar oportunidades para que haja, realmente, a inclusão desses nossos jovens. Procuramos muito tratar o autismo como se fosse só em criança. E, infelizmente, os nossos autistas só existem quando estão dentro do nosso sistema educacional. Depois que saem do nosso sistema educacional, eles se perdem. Não se sabe o que acontece com eles. Quando eles não estão inseridos de forma adequada na sociedade, ou até mesmo no mercado de trabalho, que vai poder lhe dar a oportunidade de pagar os impostos, porque ele é uma pessoa capaz, quando não se oportuniza esse tipo de sociedade, ele vai entrar em depressão, como disse o Dr. Clay. Ele vai ficar trancado dentro de casa, ele vai sofrer bullying, ele não vai conseguir contribuir da forma como pode. Eu não posso cobrar de um autista, como de qualquer outra pessoa, que ele dê o que não pode. Por isso, o diagnóstico precoce é importante, para que consigamos, realmente, mostrar a ele quais são as potencialidades que ele tem, e não ficar parado nesse diagnóstico. Se eu sei que ele tem um problema com a linguagem, com a comunicação, então vamos trabalhar isso nas escolas, vamos trabalhar isso nos consultórios, assim como um problema de estereotipia, os stimmings, de que Amanda tanto falou no Facebook. Graças a Deus, eu estou falando antes de Amanda, porque, vocês vão ver, ela é fantástica! Vejam as coisas que ela nos diz no Facebook. Procurem Amanda Paschoal no Facebook. É superinteressante ela colocar esse lado do autismo. Nós não podemos fazer, por exemplo, que ele não tenha estereotipia, não tenha o stimming, porque, às vezes, ele precisa disso para se organizar. Não podemos tentar colocar o autista dentro da caixinha de conhecimentos que achamos 24 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 que ele tem, das possibilidades que achamos que ele pode ter, porque ele vai muito além daquilo que estamos esperando. O fato de eu ter um filho autista me fez ver o mundo de outra forma; fez-me conseguir procurar oportunidades e melhorar como pessoa. Assim, como eu vou poder propiciar isso para os meus filhos? E o que eu quero é que todo o mundo saia daqui pensando nisso. Como eu posso melhorar não só a vida desse autista, mas como eu posso melhorar como ser humano? Às vezes, estamos numa situação em que verificamos aquele autista, verificamos aquela criança numa sala de aula ou em local público, e ela tem algum problema, ela tem alguma crise, e julgamos essa criança. Portanto, vamos começar a olhar de forma diferente. Vamos começar a olhar esse autista, essa pessoa com deficiência, não procurando a eficiência que eu acho que ele tem que ter. Não! Nós vamos lhe apresentar as qualidades que ele tem. Em vez de ficar vendo os defeitos, vamos ver o que ele tem de bom, com o que ele pode contribuir, e em que eu vou poder ajudá-lo para que, realmente, ele possa estar inserido na sociedade e ser mais respeitado. Eu gostaria de agradecer muito a vocês por estarem aqui conosco. Era isso. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Agora eu vou conceder a palavra a Amanda Paschoal, universitária de Artes Plásticas da Universidade de Brasília. Ela está no sexto semestre e vai ter oportunidade de fazer um grande depoimento a todos nós. Com a palavra Amanda Paschoal. A SRA. AMANDA PASCHOAL - Meu nome é Amanda. Eu estou fazendo Licenciatura em Artes Plásticas e pretendo seguir carreira na área de educação especial, educação inclusiva. Meu currículo ainda não tem nenhuma aula em escola oficial, mas eu tenho 25 anos de experiência em ser autista. (Risos.) Eu tive o diagnóstico com 7anos, 8 anos, mas eu já era autista antes disso, porém não sabia. Eu vou sempre bater em uma tecla toda vez que for falar sobre modelo social de deficiência versus modelo médico — as pessoas precisam saber disso; 25 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 precisamos informar isso em todos os lugares —, que é como a sociedade define deficiência. O que foi definido como deficiência? Acho que o Casemiro falou um pouco por cima sobre isso, mas eu vou dar os temas para vocês poderem pesquisar no Google. (Risos.) Segundo o modelo médico, a deficiência é uma doença. Tem-se que curar o paciente, tem-se que normalizar a doença, tem-se que padronizá-la, tem-se que fazê-la ficar o máximo possível de acordo com a sociedade; o deficiente é que tem que mudar, a deficiência é um problema que diz respeito somente a ele. No modelo social, que surgiu lá pelo começo dos anos 1960, junto com vários outros movimentos de direitos de minorias, de negros, de feminismo, etc., diversidades humanas existem. O que causa deficiência é a discriminação e as barreiras sociais que são impostas e esse indivíduo por causa da diferença do corpo. Realmente, é bater nessa tecla: o autista é deficiente, o surdo também. Mas deficiência não é um diagnóstico do corpo da pessoa, deficiência é um diagnóstico da sociedade, que atesta não estar pronta para receber esse indivíduo com essa diferença. Um dos pontos principais desse modelo social e também do modelo baseado em direitos, que surgiram ao mesmo tempo é de que o deficiente tem que ter seus direitos garantidos. O lema é: Nada sobre nós sem nós. Que eu saiba, eu sou a única autista nesta Mesa (riso). E já vi muitas audiências assim, outros eventos, sem a presença de nenhum autista na Mesa, nenhum autista falando sobre ele mesmo. “Ah, o que eu acho disso? Qual a minha opinião sobre isso? Como eu sinto isso como pessoa?” Ao longo da história, vimos que a maioria das intervenções foram baseadas no ponto de vista do neurotípico observando o autista: “Ah, eu acho que estereotipia é uma coisa ruim. Vamos remover”. “Eu acho que o autista precisa fazer contato visual para ele entender o que eu estou falando. Vamos forçar isso.” Quando, na verdade, quando você escuta o que os autistas têm a dizer, você percebe que é completamente diferente. Cito um exemplo do contato visual. Inclusive, eu fui ensinada assim: “Você deve olhar nos olhos de uma pessoa quando for falar com ela”. Eu já estava 26 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 começando a achar que eu tinha algum problema de audição, porque eu não entendia o que as pessoas falavam. Quando eu olhava nos olhos das pessoas, eu escutava a voz, mas não entendia as palavras. Depois, eu fui percebendo que isso é muito comum em outros autistas também. Quando a gente olha nos olhos, a audição some. Inclusive, eu até trouxe um estudo aqui, mas eu estou correndo contra o tempo, porque quero mostrar um vídeo no final da minha exposição. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Não se preocupe com o tempo, não. Fique à vontade. A SRA. AMANDA PASCHOAL - Tá. (Risos.) O estudo envolveu autistas, neurotípicos e os portadores de síndrome de Williams. Basicamente, portadores de síndrome de Williams são meio que opostos aos autistas. Eles são muito sociáveis, não têm muito filtro, vão fazendo amizade com qualquer um, não sei o quê. E eles gostam muito de contato visual. Para o teste, uma pessoa diferente formulava questões de matemática para os três grupos responderem mentalmente. A premissa era: “Ah, achamos que uma parte dos neurotípicos vai evitar contato visual, outra parte vai olhar. Os autistas vão ter dificuldade de olhar, quando for para olhar; os que têm síndrome de Williams vão ter dificuldade de desviar o olhar”. Depois, eles perceberam que, numericamente, todos os três tinham o mesmo tempo de fazer contato visual e de evitar o contato visual. Só que a diferença é que os neurotípicos e os portadores da síndrome de Williams observavam as pessoas nos olhos quando a professora estava passando, dando instrução sobre o problema, e desviavam o olhar quando estavam pensando; e os autistas desviavam o olhar, quando estavam escutando a professora falar, e observavam quando estavam resolvendo mentalmente o problema. Ou seja, o oposto. Depois, os mesmos pesquisadores resolveram fazer outro estudo: “Não, agora, vamos obrigar todo mundo a olhar nos olhos o tempo todo, todos os três grupos”. E todos os três grupos tiveram resultados inferiores, acertaram menos questões ao serem obrigados a olhar. Ou seja, forçar o contato visual piora para todo mundo. (Risos.) É interessante ver, do ponto de vista de um modelo social, como realmente ele diz que as diferenças são baseadas no modelo médico. Ah, é de minoria, porque 27 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 os neurotípicos são maioria: “O autista faz diferente, então ele é que está errado”. Os neurotípicos têm uma comunicação superenigmática. Qualquer coisa que falem tem um segundo sentido. Os autistas são superdiretos no que eles querem falar. Aí quem tem problema de comunicação é o autista! (Risos.) Então, realmente os autistas em geral têm problema de socialização com neurotípicos. E é uma coisa em que eu fico pensando, porque os autistas, quando vão conversar com outros autistas, é uma coisa tão natural! Houve um outro desabafo, no Movimento Orgulho Autista Brasil. A Rita, o Vítor e eu fomos, e outros autistas estavam lá. Começamos a conversar entre nós. Conversamos sobre os nossos interesses especiais. Ficamos falando sobre Minecraft, sobre jogos. Isso vem naturalmente. Os autistas conversam muito bem entre si. E aí vêm assim: “Precisamos fazer o autista se socializar”. Aí o autista vai para a terapia, cada um para a sua salinha, um não conversa com o outro. Acho que as pessoas têm na cabeça que basta socializar os autistas com neurotípicos. Ninguém pensa que, se botar os autistas junto com eles mesmos, pode vir uma coisa muito mais natural e mais fácil. Então, temos que pensar muito bem sobre as inter-relações que vamos botar, se não vamos ensinar coisas inúteis, ou até mesmo prejudiciais: forçar contato visual, forçar parar com a estereotipia. Temos que ter um espaço também na escola, na universidade, para que as estereotipias em sala de aula ajudem a concentração. Normalmente as pessoas acham que o stim — eu gosto muito mais dessa palavra que “estereotipia”, que já tem um estereótipo em cima dela — é desconcentração: “Ele está aqui mordendo, não está se concentrando”. Não é isso, não. É o contrário, o stim ajuda a concentração. Nós precisamos de um estímulo sensorial, que vai variar de autista para autista, para que consiga se concentrar. Se continuarmos botando esse modelo — “Ah, o autista tem que se padronizar junto com os outros. Ele tem que ficar quietinho na cadeira, exatamente como as outras pessoas” —, isso vai prejudicar ainda mais o funcionamento dele. Eu gostaria de dar um exemplo aqui com um vídeo. É uma autista que fez experiência para demonstrar como o autista fica sem os stims. Eu perguntei a ela se podia traduzir e divulgar o vídeo. Ela disse: “Eu quero mesmo que todo mundo veja 28 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 o vídeo”. Eu fiz a legenda. E aí vocês vão ter uma noção do quão prejudicial isso pode ser. (Exibição de vídeo.) (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Depois da brilhante fala da Amanda e do vídeo que emocionou todos nós, vamos abrir a palavra para os Deputados que integram esta Comissão, Pedro Fernandes, Ságuas Moraes e Izalci. Com a palavra o Deputado Pedro Fernandes. O SR. DEPUTADO PEDRO FERNANDES - Sr. Presidente, quero parabenizar V.Exa. pela realização desta audiência pública e pedir permissão a todos da Mesa para levar esse vídeo para todas as escolas do meu Estado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - (Riso.) Posso autorizar, Amanda? (Pausa.) A Amanda autorizou. O SR. DEPUTADO PEDRO FERNANDES - Vou encaminhar a palestra para todos os diretores das escolas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Parabéns! A SRA. MARIA ELISA FONSECA - Sr. Presidente, eu também peço permissão a V.Exa. para levar esse vídeo para todas as APAEs do País, as quais eu represento aqui. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Está autorizada. Com a palavra o Deputado Ságuas Moraes. O SR. DEPUTADO SÁGUAS MORAES - Eu só quero parabenizar os palestrantes e o Deputado Arnaldo Faria de Sá por ter convocado esta audiência. Eu sou médico pediatra, e nós convivemos com várias realidades no desenvolvimento das crianças. É importante nós ouvirmos aqui um neurologista, um psicopedagogo. O Casemiro foi fantástico, a Amanda, mais ainda, porque ela vive a realidade do autista. A vida é assim. Eu creio que cada um tem o seu tempo, cada um tem a sua inserção social e nós precisamos, sim, tratar da construção social do ser humano. Não dá para ficarmos estabelecendo regras e limites. 29 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Vivemos numa sociedade com regras e limites e, obviamente, nós temos que fazer a construção social de cada ser humano. E eu acho que esta palestra mostrou muito isso. Ela foi fantástica! Estou muito feliz por participar desta audiência pública, porque a nossa vida aqui não é fácil. Nós discutimos sobre vários temas. Eu tinha que participar de três audiências agora, mas escolhi esta, por entender que era a mais importante. Parabéns a todos os senhores e ao Presidente da Comissão por terem colocado este tema em debate. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Parabéns a todos nós, pois foi a Comissão que aprovou a realização desta audiência pública. Eu queria que a moça da APAE se identificasse para constar da gravação. A SRA. MARIA ELISA GRANCHI FONSECA - O meu nome é Maria Elisa Fonseca. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Você é de onde? A SRA. MARIA ELISA GRANCHI FONSECA - Eu sou de São Paulo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Da APAE de São Paulo? A SRA. MARIA ELISA GRANCHI FONSECA - Não, eu moro em Pirassununga, mas represento as APAEs do País. Há 25 anos que estou no movimento do autismo. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Com a palavra o Deputado Izalci. O SR. DEPUTADO IZALCI - Deputado Arnaldo Faria de Sá, só quero parabenizar todos também. A cada dia, nós aprendemos. Cheguei já na metade da audiência, não pude acompanhar tudo, mas ao acompanhar o final dos trabalhos já deu para perceber o quanto aprendemos todos os dias. Se alguém aqui de Brasília já não tiver pedido, quero pedir que esse vídeo seja divulgado também nas escolas aqui do Distrito Federal. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Está autorizado. 30 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Alguém que está participando da audiência quer usar da palavra, fazer alguma pergunta? Peço apenas que se identifiquem, para que fique registrado o nome nas notas taquigráficas. A SRA. DEUSINA LOPES DA CRUZ - Meu nome é Deusina Lopes da Cruz. Tenho um filho autista de 34 anos e uma história bem intensa na área do autismo. Hoje, trabalho no Ministério do Desenvolvimento Social, coordenamos a área de assistência social da pessoa com deficiência. Quero mais que parabenizar, quero elogiar. Às vezes, nós conseguimos fazer algumas audiências, mas não encontramos muito eixo para elaboração do produto final. Acabamos de encontrar aqui, e a palestra da Amanda foi fundamental para isso. Inclusive, observando a fala dela, eu gostaria de fazer uma colocação para o médico: nós precisamos muito da opinião médica sobre o tema que referencie as nossas lutas e tudo o mais. Uma expressão citada pela Amanda aproxima muito a questão do autismo da questão da psicose: o autista esquizofrênico ou algo assim. Eu queria lhe pedir, encarecidamente, que defendesse essa visão. Sei que essa não é uma visão de todos os médicos. A psicose infantil, o trânsito da psicose pode ter um caminho; o autismo outro. Eu tenho um filho com autismo e outro com transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia, que já é mestre, doutor. Para mim fica muito clara a diferença. Há uma hipótese conceitual de que a mente, para fazer a psicose, precisa ter uma estrutura. Ela faz algumas rupturas e faz a psicose. Já a mente autista tem um padrão diferenciado, uma questão cognitiva, uma conformação que não precisa migrar para a psicose. Alguns comportamentos mais acerbados, de agressividade, que nós chamamos de surto, são reações diante das frustrações. No vídeo, a Amanda explicou como o autista se perde interiormente e a resposta é agredir alguém, morder alguém. Então, isso parece muito com psicose. Na verdade, nos dois casos, nós usamos a mesma medicação de apoio, o antipsicótico, que é risperidona, o estabilizador de humor e as vitaminas. Embora 31 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 usemos a mesma medicação para tentar apoiar os dois quadros, são pessoas de estrutura mental e de atuação social extremamente distinta. Como é um grande drama saber se isso é loucura, se diz respeito à saúde mental, à escola pública e tal, gostaria muito que o senhor trabalhasse um pouco mais a organização desse conteúdo, principalmente para as famílias. O sistema educacional é rico na sua proposta educacional. Não é necessário levar a clínica para dentro da escola, porque senão há um desespero em tentar compreender o aluno com autismo dentro da sala de aula. E ao falar dessa dificuldade, entramos com a medicina na sala de aula. Aí, o restante da fala se dá absolutamente para dizer: “não, nós queremos um espaço educacional com as suas capacidades, porque há uma contribuição nesse escopo, e não é medicina, nem terapia”. Gostaria que trabalhássemos um pouco mais esse assunto. Há muitos saberes expostos, e podemos fazer um diálogo melhor sobre todas as visões. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Qual é o seu nome? (Pausa.) Pode falar, Vinícius. O SR. VINÍCIUS MARIANO - Sr. Presidente, Deputado Arnaldo Faria de Sá, agradeço a oportunidade. Sou do Movimento Orgulho Autista Brasil. Quero pedir que esta audiência da Comissão de Educação e os conceitos aqui abordados, o diploma social, sejam encaminhados pela Comissão ao Ministério da Educação e à Secretaria de Diversidades, porque agora está se pensando no modelo educacional. Infelizmente, quando da formatação da política não se pensou no autista, e o que se entende sobre autismo mudou muito. Além de não se ter pensado, agora que se começa a pensar, têm que se pensar direito. É a minha opinião. A Amanda Paschoal trouxe uma concepção que tem ajudado muito todo o Movimento Orgulho Autista Brasil. E o diploma social é um caminho, além do que a Viviane acabou não dizendo, que é o Método das Boquinhas, um método de alfabetização. Todas essas deficiências têm um método de ensino da linguagem. Para deficiência visual, braile; para deficiência auditiva, libras. Para o autismo não 32 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 há nenhum método alternativo de alfabetização. Então, o Método das Boquinhas pode ser adotado. Peço que os conceitos aqui abordados sejam encaminhados ao Ministério da Educação e também à Secretaria de Direitos Humanos, porque, se se discute agora o novo modelo de deficiência, tem que se pensar o autismo dentro desse novo modelo, para pensar as características do autismo até no momento de se fazer censos. O segundo ponto é alertar que o autista adulto, tanto o não verbal, quanto o portador da síndrome de Asperger, ou o mais leve, que tem a capacidade verbal, todos estão completamente excluídos do sistema, cada um sofrendo os males dessa exclusão justamente por nenhuma concepção humana. Isso independe de capacidade prévia da condição humana. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - O senhor é autista? O SR. VINÍCIUS MARIANO - Eu não sou autista. Sou pai de autista e representante do Movimento Orgulho Autista Brasil. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Pai de autista. O.K. Quero registrar a presença de representantes do Ministério da Educação e Cultura: Patrícia Neves Raposo, Diretora de Políticas de Educação Especial; Ricardo Pires, Chefe da Assessoria Parlamentar; Gutemberg Carneiro e Juscelino, também assessores da Assessoria Parlamentar do MEC. Portanto, o MEC está presente e certamente está autorizado a ter acesso a todos esses vídeos e depoimentos. A senhora, por favor, identifique-se para fazer sua explanação. A SRA. RITA LOUZEIRO - Bom dia. Sou Rita Louzeiro, também faço parte do Movimento Orgulho Autista Brasil. Tenho traços de autismo. Participei com a Amanda do 1º Encontro Brasileiro de Pessoas Autistas — EBA, em Fortaleza. Estou muito feliz que a Amanda esteja fazendo parte da Mesa. Essa é uma briga que travamos para que os autistas tenham voz nesses espaços. Gostei muito da fala do Sr. Vinícius, trazendo o problema dos autistas não falantes. Quero só complementar que o tema da nossa Mesa no EBA foi Mulheres Autistas e Questão de Gênero. 33 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 O diagnóstico de mulheres adultas autistas é inexistente no Distrito Federal. As mulheres de Brasília que precisam dele têm que ir a São Paulo para fazer, e é caro. Temos uma organização de diagnóstico nesse sentido que acaba excluindo as mulheres, principalmente as mulheres negras periféricas que não têm acesso a esse tipo de diagnóstico, que é caro. Eu não sei se dá para fazer perguntas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Pode fazer. A SRA. RITA LOUZEIRO - Eu queria perguntar sobre a questão do diagnóstico de mulheres adultas. Como eles veem isso? Como isso está na área deles? O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Com a palavra o Dr. Clay. O SR. CLAY BRITES - Como eu estou em contato constante com a NeuroSaber pelo trabalho que eu tenho feito de 1 ano e meio para cá com a Luciana na área de transtornos de desenvolvimento, nós recebemos muitas mensagens de pessoas que se sentem a abertura que damos para descreverem sua vida, seus problemas, seus sintomas. Ontem mesmo, eu recebi um e-mail de uma mulher de 34 anos que descobriu ter autismo. Foi uma descoberta tardia. Ela descreveu todo o sofrimento que ela teve até o momento do diagnóstico. O sofrimento, é lógico, continua existindo em alguns aspectos, mas, a partir do diagnóstico, ao ter sido feito, realizado — e pelo discurso dela eu percebi que ela tinha características, porque ela colocou totalmente os sinais, os sintomas claros —, ela passou a saber o que fazer, ela passou realmente a ter um direcionamento. Vocês acabaram de ver o vídeo trazido pela Amanda. Eu o achei maravilhoso, só que há um detalhe com o qual nós temos que tomar cuidado, fazendo uma ressalva na discussão de todas essas situações: o sofrimento do indivíduo. Por mais que ela falasse ali “Ah, eu quero fazer da minha forma. Deixe-me balançar a mão do jeito que eu quero”, existe um sofrimento. Muitas dessas pessoas não sabem expor esse sofrimento, colocá-lo para fora. Elas não sabem. Elas têm caminhos diferentes, os quais muitas vezes nós não conhecemos. Muito do que a Medicina sabe hoje sobre o autismo, há 30 anos não sabia. 34 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 Quero até aproveitar a ponte da questão da esquizofrenia com o autismo. As primeiras descrições do autismo, feitas por Bleuler, foram com base em pacientes esquizofrênicos. Havia quatro tipos de esquizofrenia. Bleuler descreveu o grau mais intenso como autismo. Os três graus anteriores eram tipos diferenciados de esquizofrenia. Então, os dois transtornos andam muito juntos, por fatores biológicos, questões biológicas distintas, mas com algumas intersecções. Saber identificar as duas condições é importante para minimizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida do indivíduo. Não importa em que contexto. O que importa é reduzir o sofrimento. Eu ouvi algumas observações em relação à abordagem médica. A abordagem social é necessária, a abordagem fonoaudiológica é necessária, a abordagem familiar é necessária e a abordagem médica também, para reduzir o sofrimento e melhorar o potencial desse indivíduo a fim de que ele tenha uma vida o mais próximo possível de uma vida prazerosa. A SRA. RITA LOUZEIRO - Muito obrigada pela resposta. Eu queria só complementar a minha fala. Eu também sou irmã de um autista adulto, clássico, não falante, totalmente excluído do sistema de saúde e de educação. Eu queria só reforçar a questão de que esses autistas, principalmente de periferia, precisam ter acesso a tecnologias assistidas. Há no mundo metodologias, abordagens que possibilitam que autistas não falantes possam aprender a ler e escrever, por exemplo. E essa é uma forma de eles se expressarem. A Dra. Luciana falou sobre a questão de alguns autistas que não conseguem se comunicar e ficam agressivos. Então, acho que focar nisso nas políticas públicas, principalmente nas áreas periféricas, porque tudo o que chega, em termos de autismo, chega para elite aqui, é um ponto importante para diminuir esse sofrimento, de que o doutor acabou de falar, de maneira respeitosa e que empodere o autista e não o defina ou o rotule ainda mais. Era só isso. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Concedo a palavra à Patrícia Neves Raposo, Diretora de Políticas de Educação Especial. (Palmas.) 35 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 A SRA. PATRÍCIA NEVES RAPOSO - Bom dia a todos. Eu quero primeiro agradecer muito pela oportunidade de participar deste momento de discussões riquíssimas. Estou aqui com algumas pessoas da minha equipe e quero dizer a vocês que temos trabalhado no Ministério da Educação para atualizar a política de educação especial. São muitas questões. Nós sabemos que, em relação ao espectro do autismo, várias ações são necessárias, importantes. Temos também discutido, iniciando todo este trabalho, a própria questão da terminologia — Transtorno do Espectro Autista —, também em alinhamento com a Convenção da ONU sobre direitos de pessoas com deficiência. Sabemos como é importante retirar, substituir o termo “transtorno global do desenvolvimento” — termo ainda utilizado na legislação brasileira, inclusive na Lei de Diretrizes e Bases da Educação — não apenas pelo nome, mas para contextualizar a importância dessa integração necessária da saúde com a educação, compreendendo as competências específicas. Essa integração é importante. O diagnóstico que se faz precocemente vai criar, certamente, muitas oportunidades às crianças de melhor desenvolvimento e aprendizagem no fluxo escolar. É o que desejamos. Esperamos contar com o apoio de toda essa equipe de pessoas que participam efetivamente desse movimento. Vou dizer “movimento orgulhoso”, porque são muitos, não apenas o Orgulho Autista, mas há vários movimentos que nos orgulham pela luta em favor das pessoas com autismo. Aqui destaco a educação, que está trabalhando, sim, nesse sentido. Sou da Diretoria de Políticas de Educação Especial do Ministério da Educação e quero me colocar à disposição de todos. Lembro que queremos trabalhar tanto com a área da saúde quanto com outras áreas importantes como fonoaudiologia, terapia ocupacional, que não são área da educação, mas são importantíssimas e que devem trabalhar, de forma muito integrada, justamente pelo que falou o Prof. Casemiro. Nós estamos falando do humano e, quando falamos do humano, temos que pensar de forma global, inteira. Somos pessoas, sujeitos vivenciando as diferentes experiências da vida de forma diversa. O que nos caracteriza é a singularidade. Esta 36 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Educação Número: 1140/16 COM REDAÇÃO FINAL 04/10/2016 singularidade é a unidade fundamental da diversidade. É isso o que precisamos considerar em qualquer área: da Medicina, da Educação ou de qualquer área das Ciências Sociais. Eu agradeço muito, mais uma vez, pela oportunidade e parabenizo a todos que participaram hoje deste momento. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Arnaldo Faria de Sá) - Eu agradeço a manifestação da Sra. Patrícia Raposo, Diretora de Políticas de Educação Especial. Sua participação é extremamente importante. Essa interação com todos nós será aprofundada. Eu queria agradecer a presença de todos os que vieram participar: os nossos palestrantes Dr. Clay Brites, Dra. Luciana Brites, Prof. Casemiro Mota. Peço um cumprimento especial com uma salva de palmas à Amanda Paschoal (palmas), nossa autista. Queria também fazer um agradecimento especial à Viviane Guimarães, que foi a responsável pela convocação desta audiência pública. Eu queria que nós encerrássemos esta sessão Eu peço que nós encerremos esta sessão muito propositivamente, dando uma salva de palmas muito forte para todo autista e para todo pai de autista. Parabéns. (Palmas.) Está encerrada a reunião. 37