A maternidade precoce: tendência e perfis

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Sociologia da saúde
A maternidade precoce: tendência e perfis*
PEDRO MOURA FERREIRA
Tendo por ponto de partida a ideia de que a maternidade
precoce reflecte a tendência de inclusão de uma sociedade,
o presente artigo procura identificar e explorar, com base
nas estatísticas oficiais, as lógicas sociais que caracterizam
a evolução do número de nascimento das mães de menos de
vinte anos. Duas conclusões merecem ser sublinhadas. A
primeira salienta o facto de que a maternidade precoce se
inscreve maioritariamente numa lógica de transição, nuns
casos antecipada, noutros não, para a vida adulta. Com
efeito, ainda que possa conduzir ou agravar situações de
pobreza, a maternidade precoce significa para muitas
jovens o passaporte para uma afirmação adulta consumada
através da conjugalidade e da maternidade e viabilizada
pelo estatuto profissional do cônjuge. A segunda conclusão
associa a maternidade precoce a uma lógica de exclusão
social. Esta lógica manifesta-se de forma mais acentuada
na condição de monoparentalidade, em que predominam as
situações de desvinculação paterna e as mães mais jovens e
mais vulneráveis em termos escolares e profissionais.
Palavras-chave: saúde dos adolescentes; maternidade precoce; exclusão social; sociologia da saúde.
* Uma versão deste texto foi apresentada sob a forma de comunicação no II Congresso Português de Demografia realizado, em
Lisboa, de 27 a 29 de Setembro de 2004.
Pedro Moura Ferreira é investigador associado no Instituto de
Ciência Sociais da Universidade de Lisboa
Submetido à apreciação: 30 de Março de 2007
Aceite para publicação: 8 de Novembro de 2007
VOL. 26, N.o 1 — JANEIRO/JUNHO 2008
Introdução
A percepção da maternidade precoce como problema
social tem vindo a aumentar e a justificar uma maior
resposta por parte das políticas públicas. Existe
actualmente a consciência de que as consequências
são potencialmente negativas não tanto por razões
médicas, ainda que estas possam desempenhar um
papel importante1 sobretudo em relação às adolescentes, mas porque fomentam e agravam as situações de
exclusão social. Com efeito, há uma associação clara
entre a maternidade precoce e o risco de pobreza.
Seja porque tende a estar mais representada nas
zonas socialmente mais carenciadas, seja porque, em
resultado da interrupção da escolaridade, diminui
consideravelmente as oportunidades de as mães adolescentes e jovens terem acesso a uma formação de
qualidade, aumentando o risco de dependerem, no
futuro, de empregos de baixa remuneração ou de
apoios e subsídios sociais que acompanham frequentemente as situações de pobreza. Acrescente-se ainda
que as consequências negativas não se circunscrevem
ao campo económico, manifestando-se ao longo do
curso de vida noutros domínios da existência, designadamente em termos de saúde física e psíquica ou
1
Por exemplo, o relatório da Social Exclusion Unit (SEU), publicado em 1999 na Inglaterra, refere que a taxa de mortalidade
infantil das mães adolescentes é 60% superior à das outras mães.
Assinala ainda que os nascimentos prematuros e o peso baixo de
nascença estão também associados à maternidade precoce.
63
Sociologia da saúde
de isolamento social e familiar (Hobcraft e Kiernan,
1999).
Por estas razões, a evolução da maternidade precoce
nas sociedades pode ser vista como um indicador de
inclusão social. Como assinala um estudo da
UNICEF (2001), a maternidade precoce é mais
comum nas sociedades em que as perspectivas educacionais e profissionais das mulheres se apresentam mais limitadas e as suas responsabilidades
mais confinadas à esfera reprodutiva. É, portanto,
no âmbito da construção de uma sociedade inclusiva, que os governos têm vindo a desenvolver políticas públicas no sentido de limitarem as consequências negativas da maternidade precoce, quer
procurando reduzir o número de nascimentos através de programas de educação sexual e da disponibilização de meios contraceptivos, quer criando
programas de apoio e de acompanhamento às
jovens mães2.
Tendo por ponto de partida a ideia de que a maternidade precoce reflecte a tendência de inclusão social
de uma sociedade, o presente artigo propõe-se identificar e explorar, com base nas estatísticas demográficas do INE, as lógicas sociais que se depreendem
da evolução do número de nascimentos de mães de
menos de vinte anos — idade convencionalmente
definida nas sociedades ocidentais como limite da
maternidade precoce.
O texto está estruturado em quatro partes. A primeira parte descreve, por um lado, a evolução do
número de nascimentos desde os meados da década
de 70 do século passado até ao último ano em relação ao qual existem dados publicados (2005); por
outro, segue a evolução dos nascimentos ocorridos
dentro e fora do casamento. A segunda caracteriza
a situação familiar no que respeita à conjugalidade
e à existência de filhos anteriores. A terceira
explora os atributos e as posições sociais das mães
adolescentes e jovens. Finalmente, a quarta parte
apresenta a distribuição regional da maternidade
precoce. Exceptuando a primeira parte que se baseia
numa série temporal, toda a restante análise de
caracterização das envolventes familiares, sociais e
geográficas da maternidade precoce assenta nos
dados relativos a 2001. A referência a um ano pareceu suficiente na medida em que não há nenhuma
razão que leve a pensar que a composição sociodemográfica possa variar de um ano para outro, e a
preferência pelo ano de 2001 remete para o último
recenseamento, permitindo um enquadramento mais
amplo com outros indicadores.
Tendências da maternidade precoce
Desde o final da década de 70 que se assiste a uma
descida consistente da maternidade precoce. Esta tendência acompanha com algum atraso a diminuição
do número de nascimentos no conjunto da população
que se manifesta a partir da década de 60 (Bandeira,
1996). Apesar de ter reagido mais lentamente, a tendência de redução dos nascimentos das mulheres de
menos de 20 anos processa-se a um ritmo mais acelerado. Tomando como referência as duas décadas
que separam os censos de 1981 e 2001, a variação no
total de nascimentos é de –28,8%, enquanto, a maternidade precoce regista uma variação de –59,4%.3
Outra forma de avaliar esse decréscimo mais acentuado consiste em comparar o peso relativo dos nascimentos das mulheres de menos de 20 anos no conjunto dos nascimentos (Figura 1). No final da década
de 70, a maternidade precoce regista valores acima
de 10%, que descem, duas décadas depois, para cerca
de metade. Observando o declive da descida, não se
pode deixar de verificar a existência de dois períodos. Após uma desaceleração linear ao longo de mais
de uma década assiste-se, a partir da segunda parte da
década de 90, a uma quebra do ritmo, sugerindo que,
no futuro, a redução do peso percentual da maternidade precoce registará progressos menos significativos, ou poderá mesmo estagnar, no caso de não se
verificar um aumento da fecundidade dos grupos etários mais velhos.
Um aspecto necessário na caracterização da evolução
da maternidade precoce consiste na sua desagregação
pelo espectro etário. Evidentemente, a relação é positiva, ou seja, os nascimentos aumentam à medida que
a idade se eleva. São acontecimentos raros ou relativamente raros abaixo de 15 anos, nunca ultrapassando as duas centenas ao longo do período de observação, mas atingindo a ordem dos milhares na parte
superior do intervalo etário. Devido a estas dimensões numéricas desequilibradas, agregaram-se as
classes etárias abaixo de quinze anos, conservando as
outras desagregadas.
Em termos gerais, a evolução dos nascimentos
segundo a distribuição etária reflecte a tendência
geral de descida, pelo que o aspecto mais relevante
tem a ver com o ritmo a que se processa. Fixando a
atenção nas diferenças numéricas entre as idades,
verifica-se que essas diferenças diminuem em virtude
3
2
Um resumo das principais políticas sociais desenvolvidas nos
países ocidentais encontra-se em Daguerre et al. (2004).
64
Em termos absolutos, a variação do número de nascimentos na
população entre aquelas duas datas corresponde, segundo os dados
publicados nas Estatísticas Demográficas, a uma redução de 152
102 para 112 825, enquanto na maternidade precoce equivale a
uma quebra de 16 946 para 7 860.
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Sociologia da saúde
do declínio mais rápido do número de nascimentos
nas classes etárias mais velhas (Figura 2). Por exemplo, entre 1976 e 2001, a maternidade das mulheres
de 19 anos regista uma variação de –68% que contrasta com o valor mais reduzido da maternidade
abaixo de 15 anos (–40%). Estas variações encontram-se também nas outras classe etárias e mostram
que os progressos realizados na redução na materni-
dade precoce foram mais significativos nas idades
menos jovens4. Contudo, observando o gráfico, veri4
O mesmo sentido da evolução poderia ser também captado através da análise das taxas de fecundidade. Para uma análise deste
tipo ver Laranjeira, Ana Rita e Vasco Prazeres (2004), «Padrões
de reprodução em idade jovens» in Cadernos da Direcção-Geral
da Saúde, n.o 4, pp. 3-10.
Figura 1
A maternidade precoce no conjunto dos nascimentos
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0%
1976
1981
1986
1991
1996
2001
2005
Figura 2
A evolução da maternidade precoce
9000
8000
7000
< 15
6000
15
5000
16
4000
17
3000
18
2000
19
1000
0
1976
1981
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1986
1991
1996
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fica-se que a diminuição dos nascimentos não é constante ao longo do tempo. A quebra é mais brusca no
início do período do que na parte final, sugerindo,
como anteriormente se referiu, que, doravante, os
progressos serão mais lentos ou poderão mesmo estagnar. Esta tendência evidencia-se sobretudo nas
classes mais jovens em que a evolução nos últimos
cinco anos foi pouco significativa. Neste sentido, o
controlo mais apertado da maternidade precoce
poderá ter de passar por novas formas de intervenção
das políticas públicas, sobretudo visando a protecção
e a defesa do grupo adolescente.
A evolução da maternidade precoce encontra-se
ainda marcada pelas mudanças verificadas na situação conjugal. Ao longo de mais de vinte anos assiste-se a uma deslocação dos nascimentos para fora do
casamento. Em 1981, cerca de três quartos dos nascimentos das mães adolescentes e jovens ocorriam
dentro do casamento. Vinte anos depois, esse número
desce para cerca de um terço. À semelhança do que
se verificou na população em geral, a responsabilidade do declínio do casamento recai na dinâmica de
crescimento que a coabitação registou no nosso país
ao longo desse período5.
5
Sobre o aumento dos nascimentos fora do casamento, ver Ferreira et al. (2002)
Como o reconhecimento da coabitação enquanto
modalidade conjugal no âmbito da notação estatística
nacional só ocorreu em 1995, a série estatística disponível é ainda bastante limitada. Apesar desta limitação, pelo que terá de haver alguma prudência de
análise, é possível descortinar uma evolução notável
desde 1995. Com efeito, neste ano, os valores relativos à maternidade das mulheres de menos de vinte
anos nas três categorias «conjugais» — casamento,
coabitação e mães «sós» — são, respectivamente, de
53%, 32,3% e 14,8% (Figura 3).
Confrontando-se estes valores com os de 20016 verifica-se que a situação de coabitação aparece em primeiro lugar, seguida de muito perto pelo casamento.
As situações fora do quadro conjugal e residencial
têm também uma expressão significativa, representando nesse ano quase um quarto do total de nascimentos. A evolução numérica destaca assim a
tendência de crescimento acentuado da monoparentalidade, apesar de continuar a ser a situação menos
representativa, e a destituição do casamento da posição de referência da moldura conjugal.
Em termos gerais, pode dizer-se que a análise da
evolução da maternidade precoce a partir de 1976
6
Respectivamente, 34,7%, 40,7% e 24,6%.
Figura 3
Evolução da maternidade precoce dentro e fora do casamento
60
50
40
Casamento
Coabitação
30
Mães «sós»
20
10
0
1995
66
2001
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Sociologia da saúde
permite destacar três tendências gerais. A primeira
sublinha a diminuição quantitativa quer em termos
absolutos quer em relação ao total de nascimentos.
A segunda tendência revela que a diminuição da
fecundidade é mais significativa nos grupos menos
jovens do que nos mais jovens, sugerindo a necessidade de medidas adicionais de política social dirigidas ao grupo adolescente. Por último, revela que os
nascimentos tendem a ocorrer num quadro conjugal
crescentemente desvinculado do casamento, em que
as situações de monoparentalidade têm vindo a
ganhar terreno.
Situações familiares e maternidade precoce
Um ponto essencial da caracterização da maternidade
precoce tem a ver com a envolvente familiar.
A informação disponível não é muito abundante mas
permite ir um pouco mais além da situação conjugal
já analisada. Três elementos novos podem ser introduzidos na caracterização familiar: a idade dos pais,
a existência de filhos anteriores e a informação sobre
o pai. Este último aspecto, mais concretamente a
ausência de qualquer informação relativa ao pai, permite equacionar alguns parâmetros da desvinculação
paterna. Mas o ponto mais relevante que importa
sublinhar reside na associação destas três variáveis às
situações conjugais, que autoriza olhar o casamento,
a coabitação e a monoparentalidade como pólos de
distintas lógicas sociais e familiares da maternidade
precoce. Com base nos dados relativos a 2001, procuraremos mostrar como essas lógicas em torno das
situações conjugais acabam por definir e delimitar
problemáticas sociais específicas.
Começando por referir a questão etária, observa-se
que a idade média mais baixa recai na situação de
monoparentalidade (17,6) enquanto a mais elevada
se encontra precisamente no casamento (18,3). Em
termos percentuais, basta verificar, por exemplo, que,
no casamento, mais de metade dos nascimentos ocorrem no ano em que as mães perfazem 19 anos,
enquanto na coabitação e na monoparentalidade esse
valor anda à volta de um terço (Quadro I). Os nascimentos são assim mais precoces nestas duas últimas situações do que no casamento7.
Em relação à idade média do pai, as diferenças etárias também existem, mas a particularidade mais
interessante reside no facto de ela ser bastante mais
elevada do que no caso das mães (Quadro II).
7
O facto de haver nascimentos que ocorrem antes da idade
mínima de casamento não altera substancialmente a tendência de
os nascimentos dentro do casamento ocorrerem mais tarde.
Quadro I
Situações «conjugais» segundo a idade da mãe (%)
Casamento
Coabitação
Mães «sós»
Total
< 15
15
16
17
18
19
112,1
116,0
128,4
153,5
110,7
114,0
111,0
119,5
128,7
136,1
112,1
115,0
112,1
123,3
125,5
132,0
110,8
112,9
118,2
119,2
127,8
141,1
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
Quadro II
Situações «conjugais» segundo a idade do pai (%)
Casamento
Coabitação
Mães «sós»
Total
Menos de 20 anos
20-24
25-29
30 ou mais anos
119,7
160,9
123,9
115,5
117,4
152,2
120,7
119,6
127,7
150,6
115,4
116,4
116,4
155,2
120,9
117,5
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
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A coabitação regista a idade média mais alta (23,4),
muito próxima da do casamento (23,2), e a mais
baixa é evidenciada pelos parceiros das mães que não
coabitam (22,1)8. A distribuição percentual permite
sublinhar o número reduzido de pais que se encontram no mesmo intervalo etário das mulheres: no
casamento não vai além de 10%, na coabitação
revela menos de dois homens em cada dez mulheres,
e eleva-se a três na situação das mães «sós». Nas três
situações «conjugais», a categoria etária de 20-24
anos é a categoria mais representativa que, no caso
dos casados, responde por mais de 60% dos nascimentos, enquanto nas duas outras representa um
pouco mais de metade dos nascimentos. A referência
ao grupo etário mais velho (acima de 30 anos) traz
uma associação mais forte às situações de coabitação
e de monoparentalidade. Em contraste com o casamento, estas duas situações «conjugais» surgem mais
marcadas pela presença dos grupos etários mais
velho e mais novo.
A distribuição etária masculina chama a atenção para
o facto de a maternidade precoce não envolver apenas adolescentes ou jovens. Do lado masculino, apenas uma pequena parte se encontra no mesmo intervalo etário das mulheres (16,4%). A maioria é
constituída por jovens adultos, inseridos na maior
parte das vezes, como veremos mais adiante, no
mercado de trabalho e com uma capacidade mínima
de sustentação económica. Por conseguinte, a maternidade precoce não pode ser apenas vista como uma
questão de regulação da sexualidade adolescente e
juvenil, mas coloca-se também em termos de uma
transição para a vida adulta, consumada no acesso à
conjugalidade e à parentalidade.
Evidentemente, é necessário ter presente que a maternidade monoparental ocorre à margem desse acesso à
vida conjugal. É possível que, em alguns casos, atendendo até à idade das jovens mães, a situação
monoparental corresponda a uma união não residencial motivada por falta de condições económicas e
habitacionais, mas noutros, essa situação implica
uma desvinculação masculina. Uma forma de avaliar
a dimensão dessa desvinculação, porventura associada à maternidade socialmente mais vulnerável,
consiste precisamente em considerar a ausência de
qualquer informação nas variáveis relativas ao pai
(idade, presença no registo da criança, habilitações,
etc.) Não contando possíveis excepções, essa ausên-
8
Há, porém, de ter em conta que os universos não são completamente comparáveis na medida em que não existe informação,
etária ou de outro tipo, em relação a um número considerável de
pais. A diferença numérica entre os universos masculino e feminino pode introduzir alguma distorção, mas não a ponto de
distorcer as tendências assinaladas.
68
cia de informação deve estar relacionada com as
situações em que a maternidade precoce se coloca
fora do quadro de uma vida conjugal e o custo da
maternidade mais se faz sentir em termos de oportunidades e perspectivas de vida da mãe, agravando-se
o risco de exclusão social.
Existem dois tipos de indicadores na informação
relativa ao pai. Um deles é um indicador indirecto em
que a ausência de informação não significa necessariamente uma desvinculação paterna. Trata-se do
indicador relativo ao registo da criança e que identifica a pessoa que o faz. Como veremos mais adiante,
o registo feito pelo pai depende consideravelmente
da situação «conjugal», e apenas em algumas situações a ausência paterna pode significar a desvinculação paterna. Em contraste com o primeiro, o segundo
tipo de indicador remete directamente para a informação individual, tratando-se apenas de saber se
existe ou não em relação a um conjunto de variáveis
(idade, escolaridade, etc.). A tendência geral é no
sentido da informação estar presente em todas ou em
quase todas as variáveis ou, pelo contrário, ausente
em todas elas (ou quase todas). Como estamos apenas interessados em avaliar se existe ou não informação relativa ao pai, é suficiente, até para evitar redundância, referir apenas uma variável. Ao contrário de
outras variáveis em que é frequente haver falta de
informação, como acontece com o nível de instrução
ou a profissão, a informação relativa à idade está
normalmente presente. Por isso, se essa informação
não existir, é praticamente certo que não haverá outra
informação em relação ao pai, permitindo supor um
desconhecimento mais ou menos evidente ou então
uma recusa em revelar elementos da identidade
paterna. A informação ou a falta dela indiciaria assim
situações de desvinculação paterna.
Há, no entanto, interesse quer no que respeita à informação da idade do pai, quer no que respeita ao
registo da criança, ter em conta o quadro familiar na
medida em que pode contribuir para uma melhor
identificação das situações de desvinculação paterna.
Por exemplo, no caso dos casados a falta de informação relativa à idade do pai não pode significar desconhecimento. E, no caso do registo da criança, o
significado do registo feito pelo pai só pode ser
entendido a partir do estatuto «conjugal». Deste
modo, é necessário vincular as variáveis indiciadoras
da desvinculação paterna pelos estatutos «conjugais».
De facto, a importância desses estatutos fica imediatamente demonstrada logo que se observa a distribuição relativa ao declarante, ou seja, à pessoa que faz
o registo da criança (Quadro III). No caso dos casados, o papel de declarante é desempenhado maioritariamente pelo pai (60,8%), assumindo a mãe uma
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posição secundária. Já no caso dos coabitantes,
devido à não formalização da relação conjugal, a
declaração é quase exclusivamente assumida por
ambos (96,1%). É na situação de monoparentalidade
que existe mais diversidade. O papel principal de
declarante cabe, como na coabitação, a ambos os
pais, mas numa menor percentagem (65,5%). A diferença em relação à coabitação reside, no entanto, na
presença da mãe como declarante num número elevado de casos (33,3%), bastante acima do que se
verifica no casamento (21,5%) e, principalmente, na
coabitação (2,4%). Estas diferenças permitem supor
que, na monoparentalidade, o pai aparece muitas
vezes ausente no acto de registo da criança (contrariamente ao que se observa na coabitação), indiciando muito possivelmente uma desvinculação
paterna.
A hipótese de que o papel de declarante da mãe nas
situações monoparentais se deve a uma ausência da
figura paterna poderá encontrar uma sustentação
mais sólida se for relacionada com a informação relativa à idade do pai. Trata-se de conhecer a distribuição dos 455 casos em que não existe informação
sobre a idade do pai segundo as três situações «conjugais» (Quadro IV). A conclusão é clara: quase
exclusivamente dizem respeito à monoparentalidade
(95,8%). Acrescente-se ainda que é possível relacionar essa ausência de informação com o papel da mãe
enquanto declarante. Com efeito, basta dizer que,
embora os números não constem do quadro, na maior
parte dos casos em que não existe informação sobre
a idade do pai (436), a mãe assume a função de
registo da criança, demonstrando-se, assim, uma
sobreposição quase completa entre a ausência de
informação paterna e o papel declarante da mãe.
A maternidade nas situações monoparentais é frequentemente acompanhada por sinais bem visíveis de
desvinculação paterna que, num número não negligenciável de casos, poderão também reflectir situações não voluntárias de maternidade.
Apesar de a maternidade constituir uma ocorrência
relativamente rara no universo adolescente e juvenil,
não constitui um evento único na vida de algumas
jovens. Com efeito, existem trajectórias familiares
que se caracterizam pela presença de mais de um
filho. Essas trajectórias não representam mais de
10% (ou 493 casos, em termos absolutos), dizendo
respeito, na maior parte das vezes, à presença de um
outro filho. As situações familiares envolvendo três
ou mais filhos afectam menos de meia centena de
Quadro III
Declarante segundo as situações conjugais/familiares (%)
Casamento
Coabitação
Mães «sós»
Total
Mãe
Pai
Ambos
Outro
121,5
160,8
117,7
–
112,4
111,6
196,1
–
133,3
110,8
165,5
110,5
116,6
122,0
161,3
110,1
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
Quadro IV
Ausência de informação sobre o pai segundo as situações
conjugais/familiares (%)
Total
Casamento
Coabitação
Mães «sós»
Total
0
4,2
95,8
100,0
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Sociologia da saúde
jovens (ou seja, apenas 8,3% das mães com mais de
um filho anterior), maioritariamente, como seria de
esperar, integrando os escalões etários mais velhos
(Quadro V).
Do ponto de vista da distribuição segundo os três
estatutos «conjugais», é possível dizer que as mães
com outros filhos estão mais representadas na coabitação. Com efeito, dos 493 casos recenseados, mais
de metade são de mães coabitantes (57%), surgindo
na segunda posição as mães casadas (27,6%) e só
depois as monoparentais (15,4%). Outra razão que
destaca a posição das mães coabitantes provém do
facto de elas estarem menos representadas no grupo
de mães com dois filhos (ou seja, um filho anterior).
Consequentemente terão de estar mais bem representadas nas famílias de três ou mais filhos. Na verdade,
uma em cada dez mulheres coabitantes pertence a
uma família dessa dimensão. Esta percentagem contrasta fortemente com a que se verifica nas mulheres
casadas ou na monoparentalidade (respectivamente,
3,6% e 6,6%). É verdade que as mulheres casadas
estão mais representadas nas famílias de três filhos,
mas temos de ter em conta que se reportam apenas a
duas famílias — um número demasiado residual para
poder assumir relevância analítica. Assim sendo, as
famílias de maior dimensão constituem uma característica típica das mães coabitantes, seja em função do
número de filhos, seja porque estão presentes em
mais de metade das famílias constituídas por dois ou
mais filhos.
Atributos sociais da maternidade precoce
Descritas as principais condições demográficas e
familiares, a caracterização de atributos como a instrução, a condição perante o trabalho e a profissão a
profissão permitirá delimitar os perfis sociais da
maternidade precoce.
Do ponto de vista da instrução, a observação da distribuição quer relativa à mãe, quer ao pai, chama de
imediato a atenção para as posições situadas nos
extremos da escala de instrução (Quadro VI). No
nível mais elevado, ou seja, no ensino superior, não
se registou, no ano de 2001, nenhum nascimento de
mulheres de menos de 20 anos e a paternidade
assume uma expressão praticamente nula (0,4%).
A instrução é assim uma variável negativamente correlacionada com a maternidade precoce. Deste modo,
em ambos os sexos, a maior parte dos casos
Quadro V
Filhos anteriores segundo as situações conjugais/familiares (%)
Casamento
Coabitação
Mães «sós»
Total
1 filho
2 filhos
3 filhos
195,6
113,7
110,7
189,3
110,3
110,4
193,4
116,6
–
191,7
117,9
110,4
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
Quadro VI
Nível de instrução da mãe e do pai (%)
Níveis de ensino
70
Mãe
Pai
Não sabe ler nem escrever
Sabe ler sem ter frequentado o sistema de ensino
Ensino Básico (1.o, 2.o e 3.o ciclos)
Ensino secundário
Ensino superior
112,6
111,1
185,8
110,5
111,8
112,2
186,2
119,4
110,4
Total
100,0
100,0
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Sociologia da saúde
condensa-se no ensino básico. São os jovens menos
instruídos que tendem a estar mais representados.
Mesmo os jovens com o nível de ensino secundário,
bastante mais numerosos do que os do ensino superior, estão sub-representados, atendendo a que o seu
peso (em torno de 10%) se situa muito aquém do que
se observa no conjunto da população de menos de
30 anos.
A relação entre a maternidade precoce e a instrução
fica ainda bem estabelecida em relação aos dois
níveis mais baixos da escala, ou seja, os níveis não
sabe ler nem escrever e sabe ler sem ter frequentado
o sistema de ensino. Apesar de envolverem percentagens relativamente diminutas, a que correspondem
algumas centenas de jovens, esses dois níveis de
ensino revelam surpreendentemente a existência de
uma população jovem analfabeta ou que não frequentou a escola. Ora sabendo que a escolarização é
universal, a presença deste analfabetismo juvenil,
pelo menos no que diz respeito às mães, só pode
indiciar uma associação de uma parte da maternidade
precoce a fenómenos de exclusão social.
Os baixos níveis de instrução e a média etária da
população que temos vindo a analisar deixam adivinhar que a condição estudantil já não desempenha,
sobretudo no caso masculino, um papel relevante
(Quadro VII). A condição perante o trabalho vem
justamente confirmar que a presença no mundo de
trabalho, quer em termos da condição de trabalhador,
quer na de desempregado, é esmagadoramente maioritária no caso dos homens (84,6%) e bastante significativa no caso das mulheres (37,6%).
A menor participação das mães adolescentes e jovens
no mercado de trabalho não é necessariamente compensada por uma inserção escolar. Com efeito, apenas uma parte relativamente diminuta das mães se
declara não activa. A maior parte delas prefere pura
e simplesmente não dar informação relativamente à
sua condição perante o trabalho. Ora, tendo em conta
que a recusa de prestar informação por parte das
mulheres é pouco frequente, conforme a análise de
outras variáveis mostrou, esta ausência de informação relativa à condição perante o trabalho tem de ser
entendida a partir da própria maternidade. A emergência da condição de mãe poderá significar uma
interrupção da trajectória anterior, até então desenvolvida na esfera escolar ou na laboral, criando
a sensação temporária de já não se pertencer a
nenhuma delas. Neste sentido, não admira que mais
de metade das mães tenha ignorado a condição
perante o trabalho.
Em termos de futuro, é, no entanto, duvidoso acreditar que a continuidade dos estudos seja uma alternativa viável para a maior parte delas. Os baixos níveis
de instrução alcançados, não permitem antecipar
carreiras escolares promissoras. Entre o regresso
à escola e a (re)inserção no mercado de trabalho, a
condição de não activa (doméstica) poderá surgir
como uma terceira alternativa. Seja como for, do
ponto de vista social, os recursos escolares e profissionais das mães parecem escassos para lhes poderem assegurar a sobrevivência familiar fora de um
quadro de dependências económicas, quer em relação à família, incluindo o pai da criança, quer, eventualmente, a apoios sociais mais latos.
A condição perante o trabalho faz igualmente sobressair a observação anteriormente realizada de que os
homens envolvidos na maternidade das mulheres de
menos de 20 anos já ultrapassaram na sua maioria as
fronteiras que circunscrevem a realidade adolescente
e juvenil. Se a referência etária indiciava já uma
condição mais adulta, a inserção profissional vem
agora reforçá-la. Com efeito, quase todos (81,6%)
são empregados (Quadro VII). A falta de representação dos não activos, em que se integra a condição
mais dependente dos estudantes, não se fica, no
Quadro VII
Condição perante o trabalho da mãe e do pai (%)
Mãe
Pai
Empregado(a)
Desempregado(a) à procura do 1.o emprego
Desempregado(a) à procura de novo emprego
Não activo(a)
Ignorado
128,7
114,0
114,9
112,1
150,3
181,6
111,1
111,9
111,6
113,8
Total
100,0
100,0
VOL. 26, N.o 1 — JANEIRO/JUNHO 2008
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Sociologia da saúde
entanto, a dever, como no caso feminino, a uma
recusa em dar informação sobre a condição ocupacional. A falta de informação, no caso masculino,
apenas surge quando está relacionada com a ausência
completa de informação sobre o pai, e não resulta,
como no caso das jovens mães, da indefinição
estatutária.
Analisada através da condição perante o trabalho do
«cônjuge» (em alguns casos trata-se apenas do pai da
criança), a maternidade precoce envolve sobretudo
jovens adultos inseridos profissionalmente e com
meios mínimos de sustentabilidade económica. Apenas uma parte relativamente reduzida de mães jovens
e adolescentes se apresenta na total dependência dos
enquadramentos familiares (e sociais). Assim sendo,
a maternidade das mulheres de menos de vinte anos
tem de ser entendida na maior parte das situações à
luz de uma trajectória de transição para a vida adulta,
que é viabilizada pelo estatuto ocupacional do cônjuge e protagonizada por adolescentes e jovens de
recursos escolares limitados e sem grandes perspectivas de inserção profissional à vista.
Ainda que remeta também para o mercado de trabalho, a profissão constitui indubitavelmente um indicador mais rico e preciso em termos de localização
social dos indivíduos. Não sendo um substituto perfeito da classe social, a profissão permite mesmo
assim traçar o quadro das proveniências sociais da
maternidade precoce, tanto mais quanto o nível de
respostas é praticamente o mesmo da condição
perante o trabalho. Ou seja, quase todos os que se
declaram como trabalhadores ou à procura de
emprego indicam a profissão. De uma variável para
a outra, a perda de informação é pequena, apesar de
a percentagem de respostas não ir além de um terço
no caso das mulheres. Este desequilíbrio das respostas faz com que as duas distribuições não sejam percentualmente comparáveis.
É, no entanto, possível assinalar os grupos profissionais mais representados. Em ambas as colunas, esses
grupos são os mesmos. A proveniência social da
maternidade precoce está claramente situada no
grupo dos operários, artífices e trabalhadores similares, seguindo-se o do pessoal dos serviços e vendedores (Quadro VIII). Ainda que com percentagens
mais modestas mas significativas, justifica-se uma
referência aos trabalhadores não qualificados e aos
agricultores e trabalhadores da agricultura e pescas.
Mesmo que marcadas essencialmente pelas inserções
profissionais do cônjuge (ou do pai da criança), estas
proveniências sugerem que a localização social da
maternidade precoce se situa nos sectores menos
qualificados e nas posições inferiores da pirâmide
social e profissional da sociedade. Reforçando esta
conclusão, verifica-se que está praticamente ausente
nas profissões mais instruídas.
Distribuição regional da maternidade precoce
Estudos realizados em países europeus têm mostrado
a existência de uma relação consistente entre as
zonas sociais mais afectadas pela exclusão social e a
maternidade precoce (Arai, 2003; Turner, 2004).
A interpretação desta associação apela pelo menos
para duas possíveis leituras. Uma delas convoca os
processos de transição para a vida adulta. É conhecido o facto de a população jovem nos meios sociais
Quadro VIII
Profissão da mãe e do pai (%)
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Mãe
Pai
Forças armadas
Quadros superiores da A.P., dirigentes e quadros superiores das empresas
Especialistas das profissões intelectuais e científicas
Técnicos e profissionais de nível intermédio
Pessoal administrativo e similares
Pessoal dos serviços e vendedores
Agricultores e trabalhadores da agricultura e pescas
Operários, artífices e trabalhadores similares
Operadores de instalações e máquinas e da montagem
Trabalhadores não qualificados
Ignorado
110,0
110,1
110,0
110,1
111,4
118,3
110,8
116,0
110,5
114,6
168,2
110,5
110,3
110,3
111,1
112,0
110,1
113,7
155,5
114,1
115,1
117,4
Total
100,0
100,0
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Sociologia da saúde
mais carenciados seguir trajectórias escolares mais
curtas e conhecer inserções profissionais e passagens
para a conjugalidade mais aceleradas do que os
jovens da mesma idade de outros meios sociais.
Neste contexto, a maternidade precoce reflectiria
transições tradicionais para a vida adulta pouco
consentâneas com as tendências modernas de adiamento, designadamente no que refere à vida conjugal
e familiar. A outra leitura da associação entre maternidade precoce e zonas afectadas pela exclusão social
procura entendê-la a partir da constelação de problemas que as caracterizam. Deste ponto de vista, a
maternidade precoce seria tanto uma causa como
uma dimensão da exclusão social das zonas particularmente carenciadas e marcadas por processos de
«desorganização social».
Os dados a seguir comentados não possibilitam diferenciar com rigor a maternidade precoce enquanto
reflexo de um modelo de transição tradicional para a
vida adulta ou como dimensão da exclusão social.
A razão pela qual é difícil estabelecer essa distinção
deve-se ao facto de apenas estarem disponíveis a um
nível elevado de agregação que impede a individualização das zonas carenciadas dentro das grandes
áreas (concelho ou distrito). Tendo em conta estas
limitações, optou-se por analisar a distribuição da
maternidade precoce segundo os distritos e as regiões
autónomas. Este nível de agregação traz a vantagem
de sustentar eventuais clivagens em bases numéricas
mais expressivas das que seriam proporcionadas ao
nível do concelho. Deste modo, a distribuição
distrital foi analisada a partir de dois indicadores: por
um lado, os nascimentos das mulheres de menos de
20 anos no conjunto dos nascimentos e, por outro, a
distribuição da maternidade precoce segundo as três
situações «conjugais» — casamento, coabitação e
monoparentalidade.
A leitura dos dados em termos relativos (última
coluna) mostra que a maternidade precoce está directamente relacionada com o volume dos nascimentos
que depende, evidentemente, do peso da população
total do distrito (Quadro IX). Não é assim de admirar
que os distritos com maior volume populacional (Lisboa, Porto, Braga, Setúbal) sejam os que apresentam
Quadro IX
A maternidade precoce segundo os distritos e as regiões autónomas
A maternidade precoce
no conjunto dos nascimentos
(percentagens na horizontal)
Aveiro
Beja
Braga
Bragança
Castelo Branco
Coimbra
Évora
Faro
Guarda
Leiria
Lisboa
Portalegre
Porto
Santarém
Setúbal
Viana do Castelo
Vila Real
Viseu
Madeira
Açores
Total
A maternidade precoce
segundo as situações
«conjugais» (percentagens na vertical)
Menos
de 15
15-19
anos
Total
Casamento
Coabitacão
Mães
«sós»
Total
0,1
0,2
5,0
7,4
3,4
6,4
4,4
3,7
7,1
5,3
4,6
4,0
4,5
7,5
4,7
3,9
4,5
3,8
5,9
5,5
7,4
8,9
5,1
7,6
3,4
6,5
4,4
3,7
7,1
5,3
4,6
4,0
4,5
7,6
4,7
3,9
4,6
3,8
6,0
5,6
7,5
8,9
117,5
111,3
110,9
111,8
111,8
113,0
111,9
112,4
111,3
113,0
118,3
111,6
122,2
113,2
113,5
112,5
112,7
115,6
116,2
119,1
117,3
112,9
113,1
111,5
111,2
112,8
112,4
115,3
111,3
113,9
126,3
111,6
113,9
113,7
111,2
110,9
111,7
113,3
113,1
112,5
116,5
110,8
115,9
110,5
110,8
112,0
111,1
114,4
110,8
113,5
129,8
110,9
119,3
112,2
117,7
111,6
112,0
112,9
113,7
113,8
117,2
111,9
116,5
111,3
111,3
112,7
111,9
114,1
111,2
113,5
120,9
111,5
118,1
113,1
117,7
111,6
112,1
114,0
114,3
115,1
4,8
4,8
100,0
100,0
100,0
100,0
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,0
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Sociologia da saúde
mais nascimentos precoces. A avaliação das diferenças entre os distritos terá de assentar na leitura da
parte esquerda do quadro que mostra a importância
relativa da maternidade precoce no total dos nascimentos do distrito, bem como das duas subdivisões
em que se decompõe, a saber: a maternidade do
grupo de menos de 15 anos e a das mulheres do
grupo de 15-19 anos. A comparação com os valores
nacionais permitirá identificar o perfil regional da
maternidade precoce (ou de uma das suas componentes).
A observação do peso do grupo das adolescentes
(mães de idade inferior a 15 anos) revela percentagens bastante residuais em consequência do reduzido
número de casos (o total não vai além de meia centena). Apesar do impacto percentual ser pequeno, a
distribuição não deixa de evidenciar os distritos em
que a maternidade mais precoce está sobre representada. Porém, é preciso acautelar o facto de que o
reduzido número de nascimentos em alguns distritos
poder gerar distorções importantes, bastando apenas
a existência de uma ou duas mães adolescentes para
originar uma percentagem acima da média. Tendo
presente esta reserva, as regiões em que a maternidade mais precoce emerge mais significativamente
são as seguintes: Aveiro, Beja, Bragança, Portalegre,
Setúbal, Vila Real, Viseu e Madeira. A diversidade
regional é elevada, havendo distritos do norte e do
sul, do litoral e do interior do país, mas, significativamente, em que estão ausentes os dois distritos que
respondem por cerca de metade dos casos da maternidade precoce (Lisboa e Porto). Assim sendo, é difícil estabelecer, ao nível do distrito, uma relação significativa entre a maternidade abaixo de quinze anos
e a exclusão social, sobretudo atendendo a que o
número de casos envolvidos não permite sustentações numéricas sólidas.
O problema da dimensão reduzida ou da falta de
sustentação numérica não afecta o grupo de 15-19
anos. O número de casos é suficientemente elevado
para garantir uma presença significativa em todas as
divisões regionais, tratando-se agora de comparar o
peso da maternidade das mulheres de 15-19 anos nos
diferentes distritos em relação à «média» nacional
(4,8%), recorrendo ao critério da sobrerrepresentação. A leitura da coluna relativa às mulheres de 15-19 anos faz realçar um conjunto de seis distritos
com percentagens bem acima da média. Encontramse nesta situação os distritos de Beja (7,4%), Bragança (6,4%), Évora (7,1%) e Portalegre (7,5%) e
ainda as duas regiões autónomas da Madeira e dos
Açores (respectivamente, 7,4% e 8,9%). Ainda com
valores acima da média, mas menos significativos,
surgem Aveiro (5,0%) e Faro (5,3%). Todas estas
regiões evidenciam assim uma incidência mais ele-
74
vada da maternidade precoce, tendo por referência o
conjunto do país.
Passando a considerar a distribuição da maternidade
precoce segundo as três situações conjugais, convém
começar por assinalar que neste caso também não há
problemas de representatividade numérica. Como se
assinalou anteriormente, há um número elevado de
nascimentos nas três situações «conjugais», pelo que
todas as células do quadro apresentam um número
minimamente significativo. Nestas condições, a análise que interessa efectuar consiste, ao nível de cada
distrito ou região autónoma, em comparar o peso
relativo das mães casadas, coabitantes e monoparentais em relação à «média», ou seja, a percentagem da
maternidade das mulheres de menos de vinte anos
em cada uma dessas divisões.
Começando por referir o peso das mães monoparentais, salienta-se o facto de apenas atingir valores
superiores à «média» em três distritos: Lisboa, Porto
e Faro. A diferença é particularmente significativa no
primeiro distrito (9% acima da média em Lisboa,
contra apenas 1,2% no Porto e 0,3% em Faro).
Outros distritos conseguem alcançar valores idênticos à «média». Estão nesta categoria os distritos de
Setúbal, Leiria e Viana do Castelo. À luz destas distribuições, a maternidade monoparental surge sobretudo mais «representada» nas grandes áreas metropolitanas do litoral, em particular de Lisboa. Atendendo
a que as situações de monoparentalidade reflectem
mais do que o casamento ou a coabitação processos
de exclusão social, pode, pois, dizer-se que a maternidade precoce das mães monoparentais é sobretudo
um resultado urbano, provavelmente das zonas
socialmente periféricas e excluídas das grandes áreas
urbanas.
A geografia da maternidade precoce coabitante é
completamente distinta da monoparental. Contrariamente a esta e à semelhança da maternidade das
mulheres casadas, pode ser mais facilmente compatibilizada com a transição para a vida adulta, quer esta
transição esteja ou não associada a situações de
pobreza e de exclusão social. Essa geografia destaca
principalmente os distritos do sul do país. Beja,
Évora, Faro, Setúbal, Lisboa, Santarém e Leiria são
os distritos que apresentam valores mais distanciados
da média nacional. Lisboa volta a destacar-se não
apenas pelo seu peso efectivo (mais de um quarto da
maternidade coabitante) mas também pela distância
significativa que apresenta em relação à média
(quase seis pontos percentuais). Além destes, existem
outros cinco distritos — Aveiro, Bragança, Coimbra,
Guarda e Portalegre — que apresentam valores superiores à média, mas esses valores são pouco significativos (na ordem de uma ou duas décimas). Ainda
que um ou outro desses distritos possa ser visto como
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Sociologia da saúde
um prolongamento da influência dos distritos do sul,
os restantes afiguram-se como excepções não suficientemente importantes para turvarem a evidente
representatividade da maternidade coabitante no sul
do país que decalca, em certa medida, a distribuição
da coabitação que resulta do censo de 2001 (Ferreira,
2003). Deste modo, a maternidade precoce
coabitante tenderá a reflectir uma tendência geral e
não uma tendência específica das mulheres de menos
de vinte anos.
A reforçar a conclusão precedente, surge a distribuição das mães casadas. Com efeito, nenhum dos distritos referidos com valores de maternidade
coabitante ligeiramente acima da «média» apresenta
uma percentagem de mães casadas inferior à das
mães coabitantes. Ou seja, na maior parte desses distritos, o casamento é mais importante do que a coabitação, facto este que contribui para estabelecer uma
geografia da maternidade precoce das mulheres casadas inversa à das mulheres coabitantes. Essa geografia estabelece como pilares centrais os distritos de
Braga, Porto, Vila Real, Viseu, Viana do Castelo e as
duas regiões autónomas. Em plano secundário, aparecem, além dos cinco distritos anteriormente referidos (Aveiro, Bragança, Coimbra, Guarda e Portalegre), o distrito de Castelo Branco. Como se pode
verificar, o contraste é claro entre as regiões do Norte
e as do Sul, embora algumas regiões possam ser
eventualmente classificadas de regiões de transição.
As oposições regionais verificadas não são específicas da maternidade precoce, mas reflectem clivagens
bem conhecidas da sociedade portuguesa. O perfil
regional diferenciado da maternidade precoce das
mulheres casadas e das coabitantes, contrariamente
ao que ocorre com a monoparentalidade, pouco pode
dizer sobre a associação eventual dessas duas situações conjugais com os processos de exclusão social.
Ao reflectir tendências gerais da estrutura social, a
distribuição geográfica apenas sublinha o facto de o
casamento continuar a desempenhar um protagonismo mais activo nas regiões do Norte do país, apesar de a sua importância ter vindo a diminuir ao
longo das duas últimas décadas. Inversamente, a coabitação instalou-se nas regiões do sul, tornando-se
uma via mais comum para consumar a transição para
a conjugalidade e a vida familiar.
Conclusão
A análise realizada chamou a atenção para a necessidade de a maternidade precoce ser compreendida a
VOL. 26, N.o 1 — JANEIRO/JUNHO 2008
partir de um quadro de transformações sociais, culturais e demográficas que, nos últimos trinta anos,
mudaram a paisagem familiar, designadamente no
que se refere à descida da fecundidade, à laicização
do casamento e ao declínio da família nuclear tradicional. Estas transformações são, em última análise,
responsáveis pela associação que se verifica existir
entre a maternidade precoce e determinados riscos
individuais, como o isolamento social e familiar, o
abandono escolar ou a necessidade de depender da
assistência social para cuidar e educar os filhos.
Como sublinha o estudo da UNICEF referido na
Introdução, até meados do século passado, o facto de
se ser mãe adolescente não era necessariamente sinónimo de exclusão social e de pobreza. Mas, actualmente, a maternidade precoce tende a ser apresentada
como um problema social em razão das consequências negativas sobre a vida da mãe e da criança. Dada
a associação ao risco de pobreza e da dependência
económica e social da mãe, a maternidade precoce
diminui consideravelmente as oportunidades de
acesso a uma formação de qualidade e a um emprego
estável e adequadamente remunerado.
A existência destes riscos, contudo, não afecta do
mesmo modo as distintas trajectórias e situações das
mães adolescentes e jovens. Em termos gerais, pode
dizer-se que uma boa parte, porventura maioritária,
da maternidade precoce se inscreve numa lógica de
transição, nuns casos antecipada, noutros não, para a
vida adulta. Ainda que possa conduzir ou agravar
situações de pobreza, a maternidade precoce significa
para muitas jovens o passaporte para uma afirmação
adulta consumada através da conjugalidade e da
maternidade e viabilizada, em muitos casos, pelo
estatuto profissional do cônjuge. Esta transição precoce, pelo menos à luz dos padrões actuais, segue um
registo tradicional mais característico dos sectores
sociais menos providos de capitais escolares e profissionais em que as funções reprodutivas da mulher se
sobrepõem muitas vezes às funções profissionais.
Porém, outra parte da maternidade precoce surge
mais associada a uma lógica de exclusão social. Esta
lógica manifesta-se, de uma forma mais evidente,
mas não exclusiva, na condição de monoparentalidade em que, como se viu, predominam as situações
de desvinculação paterna e as mães mais jovens e,
consequentemente, mais vulneráveis em termos
escolares e profissionais. Se estes factores acentuam
o peso da dependência e do isolamento, a grande
concentração das mães monoparentais nos centros
urbanos, principalmente em Lisboa, vem sublinhar o
lado urbano da lógica da exclusão social.
75
Sociologia da saúde
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Based on the idea that teenage motherhood reflects the social
inclusion degree of a society, this paper aims to identify and
explore, based on demographic statistics, the social logics that
characterize the trends of teenage births. Two conclusions can
be reached. The first one draws attention to the fact that
teenage motherhood is associated with an adulthood transition,
which is intentionally anticipated in most, but not in all, cases.
Actually, although it might even conduct to or aggravate
impoverished situations, teenage motherhood means, for many
young girls, a passport for a successful transition to adulthood
through their partner’s working status and by getting access to
marriage (or cohabitation). The second conclusion relates
teenage motherhood to a social exclusion process. This is
particularly evident in single motherhood, where a father’s
responsibility is normally absent and in which the youngest
mothers predominate — the most vulnerable in terms of work
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Abstract
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
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