Responde quem sabe - Revista de Medicina Desportiva

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Responde quem sabe
Rev. Medicina Desportiva informa, 2012, 3 (5), pp. 6–7
Não compactação do
ventrículo esquerdo
Dr. António Freitas, Dr. Pedro Magno1
1
Cardiologistas. Centro de Medicina Desportiva de Lisboa; Serviço de Cardiologia, Hospital Fernando
Fonseca. Lisboa.
Resumo Abstract
A não compactação do ventrículo esquerdo (NCVE) é uma miocardiopatia rara, caraterizada por trabeculação exuberante e recessos intertrabeculares profundos, comunicando
com a cavidade ventricular. A etipatogenia, os critérios de diagnóstico e a história natural
da doença são mal conhecidos e ainda motivo de controvérsia. A insuficiência cardíaca e
as arritmias ventriculares são as manifestações clínicas mais frequentes, embora alguns
doentes possam apresentar um longo período de evolução “silenciosa”, assintomática. O
diagnóstico assenta na demonstração das alterações morfológicas típicas da NCVE pelos
métodos de imagem. O tratamento é inespecífico. Perante o diagnóstico confirmado, ou
elevada suspeita, a actividade desportiva de competição está contra-indicada, por poder
acelerar a expressão fenotípica da doença e desencadear arritmias ventriculares malígnas.
Left ventricular noncompaction (LVNC) is a rare cardiomyopathy, characterized by prominent
trabeculations, with deep intertrabecular recesses in communication with de ventricular wall.
Despite the increasing recognition of the disease, the etiopathogeny, diagnostic criteria and natural
history are poorly known and still a controversy. Congestive heart failure and ventricular malignant
arrhythmias are the most frequents clinical manifestations, although asymptomatic patients with
normal LV function have been increasingly reported. Diagnosis of LVNC is based on the demonstration of the morphologic features by noninvasive imaging modalities. Treatment is nonspecific. When
the diagnosis is established, competitive sports should not be allowed, due to its potential role in
accelerating the clinical phenotype and in triggering ventricular malignant arrhythmias.
Palavras-chave Keywords
Não compactação do ventrículo esquerdo, atletas, desporto de competição.
Noncompaction of the left ventricle, athletes, competitive sports.
O que é, qual a sua causa e qual a
incidência?
A não compactação do ventrículo
esquerdo (NCVE), também conhecida por miocardiopatia espongiforme e hipertrabeculação do VE
(entre outras designações), é uma
miocardiopatia rara, de causa hereditária, cuja incidência é ainda hoje
mal conhecida, podendo variar entre
1.4 a 30/10000.
A etiopatogenia é ainda controversa, admitindo-se que resulte de
um defeito no processo de compactação miocárdica que ocorre entre a
5.ª e 8.ª semana de gestação.
Têm sido descritas mutações patogénicas em cerca de 15 a 20% dos
doentes adultos, envolvendo predominantemente genes, que codificam
a síntese das proteínas do citoesqueleto e do sarcómero. Muitas destas
mutações estão também associadas
Figura 1 – Ecocardiograma transtorácico (ETT) de um atleta do sexo M, 23 anos de
idade, assintomático, com história familiar negativa. ECG com padrão de hemibloqueio anterior esquerdo, que motivou pedido do ETT. De notar a hipertrabeculação
proeminente dos segmentos apicais, com recessos, e miocárdio com dupla camada –
compacta, epicárdica (C) e não compacta (NC) endocárdica (relação NC/C > 2).
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à miocardiopatia hipertrófica e dilatada, sugerindo a grande heterogeneidade genética da NCVE e a possibilidade de uma etiologia molecular
comum a outras miocardiopatias.
Do ponto de vista morfológico, a
NCVE carateriza-se pela presença
de trabeculação proeminente do
VE, com recessos intertrabeculares
e dupla camada miocárdica – uma
compacta epicárdica e outra não
compacta endocárdica (figura 1).
As manifestações clínicas mais
frequentes são a insuficiência
cardíaca congestiva (ICC), os fenómenos tromboembólicos e morte
súbida (MS) de causa disrítmica. Em
séries mais recentes tem aumentado
a percentagem de individuos assintomáticos, com doença “silenciosa”
identificada de forma incidental ou
no rastreio de familiares com NCVE.
Como se faz o diagnóstico clínico
e que meios complementares de
diagnóstico estão indicados?
O diagnóstico tem por base a avaliação clínica, eletrocardiográfica e a
demonstração das alterações morfológicas típicas da NCVE (figura 1 e 2),
através dos métodos de imagem não
invasivos, especialmente a Ecocardiografia e a Ressonância Magnética.
A ecocardiografia é a técnica de
imagem de primeira linha no diagnóstico de NCVE. Os critérios ecocardiográficos para o diagnóstico de NCVE
são ainda motivo de discussão e controvérsia, não havendo um gold standard. Há, no entanto, três aspetos fundamentais, que incluem a presença
de trabeculação exuberante, recessos
intertrabeculares e a demosntração
de duas camadas distintas no miocárdio, compacta e não compacta (figura
1). A utilidade do estudo genético
para o diagnóstico clínico de NCVE
é limitada, não estando atualmente
recomendada, com a exceção do
rastreio de familiares de doentes com
mutação identificada.
Embora nos casos mais exuberantes o diagnóstico seja relativamente
fácil, há uma “zona cinzenta” em
que é difícil a distinção, com padrões
variantes do normal, especialmente
em determinados grupos populacionais, como os atltetas e os indivíduos
de raça negra, em que a exuberância
trabecular é frequente (figura 3).
qualquer terapêutica.
... e que atitudes
preventivas pode
ter o portador?
Figura 2. Diagnóstico de NCVE
Tem tratamento?
Não há tratamento específico
devendo o mesmo ser orientado pelo
quadro clínico – tratamento convencional da ICC, das manifestações
arrítmicas e a prevenção dos eventos
cardio-embólicos (podendo envolver
tratamento farmacológico, ressincronização, cardioversor-desfibrilhador e em alguns casos transplante
cardíaco). Não está demonstrado
que os indivíduos assintomáticos,
sem disfunção VE, beneficiem de
Resolução e tratamento de fatores
que alteram as
condições de
carga do VE. Estão
descritos casos de
regressão da não
compactação após correção cirúrgica de valvulopatias, tratamento da
dissincronia do VE ou simplesmente
pelo tratamento da IC, designados
como fenotipo “ondulante”. Tendo
em conta o “fundo” genético e a
ocorrência familiar, está indicado o
rastreio de familiares do primeiro
grau de doentes com NCVE.
Quais as recomendações para a
prática desportiva?
É importante realçar algumas particularidades da população desportiva, em que são mais frequentes
as formas assintomáticas, sem
disfunção VE, cuja história natural e
evolução prognóstica, embora ainda
mal conhecidas, são certamente
mais favoráveis.
Por outro lado, a utilização dos
métodos de imagem no diagnóstico
de NCVE apresenta algumas dificuldades, à semelhança de outras
miocardiopatias, com uma “zona
cinzenta” de ambiguidade diagnóstica já referida (figura 3), e que exige
interpretação prudente de forma a
não sobre-diagnosticar e evitar o
impacto dos falsos positivos na vida
pessoal e desportiva do atleta.
Embora não esteja esclarecida
a influência do treino e do exercício físico na história natural da
doença, admite-se o seu potencial
efeito nefasto, podendo acelerar a
expressão fenotípica da doença e
desencadear arritmias ventriculares
malígnas.
O diagnóstico confirmado, ou com
elevado índice de probabilidade, é
uma contra-indicação para a prática
desportiva de competição.
Nos indivíduos assintomáticos,
sem dilatação ou disfunção VE, com
boa capacidade funcional e sem disritmias no ECG de Holter ou na prova
de esforço, poderá considerar-se
aceitável a atividade física de intensidade ligeira a moderada, com caráter
recreativo em modalidades sem
elevada exigência cardiovascular.
Bibliografia
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4. 4. Radha J. Sarma, Amar Chanab, Uri
Elkayam. Left Ventricular Noncompaction;
Progress in Cardiovascular Diseases.
2010;52:264–273.
Figura 3. Atleta do sexo M, 17 anos. Assintomático, ECG anormal no exame médico-desportivo. Ecocardiograma com falso tendão vs banda aberrante no apex do VE.
Fez RMC. Inicialmente considerado o diagnóstico de NCVE localizada ao apex. Após 5
anos de follow-up, assintomático, com ECG e Ecocardiograma sobreponíveis, sugerindo
provável falso-positivo.
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