165 Internacional Journal of Cardiovascular Sciences. 2015;28(3):165-172 ARTIGO ORIGINAL Não Compactação do Ventrículo Esquerdo no Adulto: Experiência de uma Clínica de Insuficiência Cardíaca Left Ventricular Noncompaction in Adulthood: Heart Failure Clinic Experience José Emanuel Faria da Costa1, Catarina Pereira2, Filipa Gomes2, Paulo Bettencourt2, Pedro Bernardo Almeida2 Centro Hospitalar São João – Serviço de Medicina Interna – Porto, Portugal Centro Hospitalar São João – Serviço de Cardiologia – Porto, Portugal 1 2 Resumo Fundamentos: A não compactação do ventrículo esquerdo (NCVE) é um tipo distinto de cardiomiopatia, que apresenta várias características específicas. O curso natural desta entidade não é totalmente conhecido. Objetivos: Definir as características clínicas, complicações e sobrevida de pacientes com NCVE, acompanhados em clínica de insuficiência cardíaca (IC). Métodos: Estudo retrospectivo que incluiu pacientes com NCVE, tratados em clínica de IC do Hospital São João, na cidade do Porto, Portugal, de janeiro de 2006 a fevereiro de 2014. Os dados demográficos, sintomas de IC e fração de ejeção no início do tratamento, o curso da NCVE (alterações da classe funcional), efeitos colaterais e sobrevivência foram registrados a partir dos prontuários. Resultados: Foram incluídos 10 pacientes, 6 do sexo masculino, com mediana de 63 anos de idade. Nove apresentavam sintomas de IC e começaram medicação modificadora de prognóstico. Todos tinham fração de ejeção do ventrículo esquerdo <45%. Um paciente não iniciou hipocoagulação oral; 7 apresentaram algum grau de recuperação de sintomas de IC; 3 foram hospitalizados com exacerbações de IC; 1 teve acidente vascular encefálico cardioembólico; e 1 paciente foi submetido a transplante de coração. Conclusões: Os pacientes com NCVE apresentaram comorbidades semelhantes às da população geral da sua faixa etária, exceto o aparente aumento da prevalência de FA. Estes pacientes responderam bem à terapêutica para a IC com benefício clínico. Houve poucas complicações, a maioria permaneceu clinicamente estável, sem qualquer hospitalização e com baixa taxa de mortalidade. Contudo, trata-se de um pequeno grupo de pacientes com tempo de seguimento curto. Palavras-chave: Insuficiência cardíaca sistólica; Insuficiência cardíaca; Miocárdio ventricular não compactado isolado Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org) Background: Left ventricular noncompaction (LVNC) is a distinct type of cardiomyopathy that presents several specific characteristics. The natural course of this condition is not totally known. Objectives: To define the clinical characteristics, complications and survival of patients with LVNC assisted in heart failure (HF) healthcare service. Methods: Retrospective study that included patients with LVNC treated in a HF healthcare service from Hospital São João, in Porto, Portugal, from January 2006 to February 2014. Demographic data, symptoms of heart failure and ejection fraction at the beginning of treatment, the course of LVNC (changes in functional class), side effects and survival were recorded from medical records. Results: The study included 10 patients, 6 males, with a median of 63 years of age. Nine had symptoms of HF and started taking medication to modify prognosis. Everyone had left ventricular ejection fraction <45%. One patient did not start oral anticoagulation; 7 had some degree of recovery symptoms of HF; 3 were hospitalized with heart failure exacerbations; 1 had cardioembolic stroke; and 1 patient underwent heart transplant. Conclusions: Patients with LVNC had similar comorbidities as the general population of their age group, except the apparent increase in the prevalence of AF. These patients responded well to therapy for IC with some clinical benefit. There were few complications, most remained clinically stable, without any hospitalization and low mortality rate. However, it is a small group of patients with short follow-up time. Keywords: Heart failure, systolic; Heart failure; Isolated noncompaction of the ventricular myocardium Correspondência: José Emanuel Faria da Costa Alameda Prof. Hernani Monteiro – 4200-319 – Porto – Portugal E-mail: [email protected] DOI: 10.5935/2359-4802.20150034 Artigo recebido em 13/05/2015, aceito em 05/07/2015, revisado em 09/07/2015. 166 Costa et al. Não Compactação do VE no Adulto Introdução A não compactação do ventrículo esquerdo (NCVE) é um tipo distinto de cardiomiopatia não classificada1-3, que apresenta diversas características ecocardiográficas específicas, como o espessamento das duas camadas do miocárdio com trabeculações proeminentes 4. Pode ocorrer de forma isolada ou associada a diversas malformações cardíacas ou doenças neuromusculares5. A normal compactação do miocárdio inicia-se habitualmente no período embrionário (entre seis e oito semanas), continuando durante o período fetal, entre 12 e 18 semanas de gestação, desenvolvendo-se do epicárdio para o endocárdio e da base para o ápex do coração2. Chin et al.6 postularam que a interrupção do processo normal de compactação miocárdica durante a morfogênese ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS endomiocárdica seria a base fisiopatológica da NCVE6. No entanto, recentemente foi •BNP – brain natriuretic proposta a possibilidade da existência de peptide formas adquiridas de NVCE1. •FA – fibrilação atrial •FEVE – fração de ejeção do ventrículo esquerdo •IC – insuficiência cardíaca •IECA – inibidor da enzima de conversão da angiotensina •NCVE – não compactação do ventrículo esquerdo •NYHA – New York Heart Association A prevalência dessa doença ainda é desconhecida, mas parece estar aumentando, provavelmente devido ao avanço dos métodos e aparelhos de ecocardiografia e ao crescente interesse e alerta dos profissionais de saúde para essa patologia7. A prevalência de NCVE isolada foi 3,0% em estudo de uma clínica de insuficiência cardíaca8. •RMN – ressonância magnética nuclear Ainda não é totalmente compreendido o fato de existir um largo espectro de manifestações da doença, com expressões fenotípicas e clínicas distintas2. Há grande diversidade de apresentações clínicas, desde pacientes assintomáticos que são diagnosticados através de ecocardiograma de rotina até aqueles com IC ou morte súbita. O prognóstico é igualmente variável, sendo as complicações mais frequentes as arritmias ventriculares e os eventos cardioembólicos7. Não são encontrados ensaios clínicos randomizados ou guidelines específicos sobre a NVCE, sendo o tratamento baseado no controle sintomático e na terapêutica dirigida à disfunção ventricular. Habitualmente, os pacientes com disfunção ventricular são medicados com fármacos modificadores de prognóstico da IC, existindo, no entanto, poucos relatos de recuperação da função ventricular esquerda1. Quando ocorre IC com diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), recomenda-se a profilaxia de eventos cardioembólicos Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):165-172 Artigo Original com anticoagulantes orais9. Na IC terminal, o transplante cardíaco deve ser ponderado1,2. Este estudo teve por objetivo definir as características clínicas, as complicações e a sobrevivência de um grupo de pacientes com NCVE acompanhados em ambulatório de IC. Métodos Estudo retrospectivo que incluiu pacientes adultos com diagnóstico de NCVE, admitidos para consulta de IC de janeiro de 2006 a fevereiro de 2014, em Hospital Central, referência para a região norte de Portugal. Foram incluídos no estudo pacientes com IC, principalmente com FEVE, em qualquer classe funcional da New York Heart Association (NYHA). Não houve critério de exclusão. Para o diagnóstico de NCVE, utilizou-se ecocardiograma, usando os critérios de Jenni et al4: razão entre a área não compactada e a área compactada no final da sístole ventricular >2. Quando existiram dúvidas acerca do diagnóstico ecocardiográfico, este foi confirmado através de ressonância magnética nuclear (RMN) cardíaca, usando os critérios de Petersen et al10: razão acima mencionada >2,3 medida em telediástole. Todos os ecocardiogramas iniciais foram revistos pelo mesmo especialista, de forma a validar o diagnóstico de NVCE. Outros dados ecocardiográficos obtidos foram: número e localização dos segmentos não compactados, sendo que os segmentos basal, médio e apical foram divididos segundo o modelo de 16 segmentos miocárdicos, através de projeções de eixo curto11; e a FEVE. Todos os pacientes foram submetidos a ecocardiograma ao diagnóstico, sendo outros exames complementares de diagnóstico (cateterismo cardíaco ou exame de Holter) realizados de acordo com a indicação do médicoassistente. Os dados demográficos, os sintomas, a FEVE inicial, o curso da NCVE (através das alterações da classe funcional de NYHA), os efeitos adversos e a sobrevivência foram colhidos dos prontuários dos pacientes de forma retrospetiva, e analisados usando métodos estatísticos descritivos. Utilizado para análise o Statistical Package for the Social Sciences versão 21.0 (SPSS Inc., Chicago, IL). Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital São João sob o nº 72/15. A Comissão Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):165-172 Artigo Original Costa et al. Não Compactação do VE no Adulto de Ética não exigiu a obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, devido à natureza retrospetiva e descritiva do estudo. Resultados inferiores; 1 paciente após ser avaliado por infecção respiratória; 1 apresentava história familiar de cardiomiopatia dilatada, 1 tinha um familiar com história de morte súbita cardíaca e 1 tinha um filho com coartação da aorta. Um paciente apresentava dismorfismo facial, sem síndrome específica diagnosticada. Foram incluídos 10 pacientes, com tempo mediano de seguimento de 18 meses (3-96 meses). Todos eram caucasianos, 6 homens, com idade mediana ao diagnóstico de 63 anos (41-80 anos). Nove pacientes foram referenciados para a consulta devido a sintomas de IC, sobretudo dispneia, fadiga e edemas dos membros Cinco pacientes tinham antecedentes de hipertensão arterial, 5 apresentavam dislipidemia e 4 tinham diabetes (1 paciente diabetes tipo 1 e os restantes diabetes tipo 2). Apenas 1 paciente apresentava antecedentes de infarto agudo do miocárdio e 3 tinham fibrilação atrial (FA) permanente (Tabela 1). Tabela 1 Características clínicas dos pacientes estudados Idade Sexo Sintomas ao diagnóstico Classe Seguimento História familiar NYHA (meses) doença cardíaca Comorbidades 1 61 M Dispneia + tosse + febre II 18 Sim Doença coronariana, dislipidemia, FA 2 65 M Dispneia + edemas II 21 Não Nenhuma 3 69 F Dispneia IV 24 Não Hipertensão, diabetes tipo 2 4 65 F Dispneia + edemas II 3 Sim Hipertensão, diabetes, dislipidemia 5 41 M Dispneia II 18 Não Hipertensão 6 80 M Dispneia + edemas + derrame pleural III 12 Não Hipertensão, dislipidemia 7 55 F Dispneia + edemas II 7 Sim Nenhuma 8 51 M Dispneia II 48 Sim Nenhuma 9 70 M Dispneia + embolismo pulmonar II 12 Não FA 10 51 F Dispneia + edemas III 96 Não Hipertensão, dislipidemia, FA, doença pulmonar M- masculino; F – feminino; FA – fibrilação atrial; NYHA - New York Heart Association Sete doentes apresentavam alterações eletrocardiográficas, sendo os padrões mais frequentes a FA (n=3) e alterações da condução ventricular (2 tinham bloqueio completo de ramo esquerdo e 1 tinha bloqueio do fascículo anterior esquerdo). Durante a avaliação inicial, 8 pacientes realizaram cateterismo cardíaco, sendo que 2 pacientes apresentavam doença coronariana significativa (doença de três vasos). Dois pacientes fizeram RMN cardíaca para confirmação do diagnóstico de NCVE (Tabela 2). 167 168 Costa et al. Não Compactação do VE no Adulto Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):165-172 Artigo Original Tabela 2 Avaliação diagnóstica inicial dos pacientes estudados ECG Cateterismo Holter Estudo eletrofisiológico RMN Sim – doença de 3 vasos Não Não Não 1 Fibrilação atrial, QS parede inferior 2 Desvio esquerdo do eixo Sim – sem doença coronariana Não Não Não 3 Bloqueio completo de ramo esquerdo Sim – sem doença coronariana Sim – extrassístoles ventriculares Não Não 4 Bloqueio completo de ramo esquerdo Sim – doença de 3 vasos Sim – extrassístoles ventriculares Não Sim – com critérios 5 Critério hipertrofia ventricular esquerda Sim – sem doença coronariana Não Não Não 6 Normal Sim – sem doença coronariana Não Não Não 7 Normal Sim – sem doença coronariana Não Não Não 8 Normal Sim – sem doença coronariana Não Não Sim – com critérios 9 Fibrilação atrial Não Sim – extrassístoles ventriculares Não Não 10 Fibrilação atrial Não Não Não Não ECG - electrocardiograma; RMN – ressonância magnética nuclear Todos os pacientes apresentavam critérios de diagnóstico ecocardiográficos de NCVE, e tinham envolvimento dos segmentos apicais do miocárdio, 9 apresentavam envolvimento da porção medioventricular esquerda e apenas 3 tinham áreas de não compactação na base (Figura 1). Todos os pacientes apresentavam diminuição da FEVE, com valor mediano de 19% (10-31%), e 5 tinham uma razão E/e’ elevada, sendo sugestivo de aumento das pressões de enchimento ventricular. Um dos pacientes tinha foramen ovale patente e outro apresentava trombo intraventricular (Tabela 3). Ao diagnóstico, 7 pacientes se encontravam em classe II de NYHA, com um valor de BNP mediano de 1 415 ng/L (281-3 818 ng/L). Nove doentes iniciaram medicação modificadora de prognóstico de IC: 8 com inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA), 7 com betabloqueadores, 5 com espironolactona e 1 com ivabradina. Em apenas 1 paciente foi possível otimizar a terapêutica da IC, sendo o principal impeditivo a não otimização a presença de hipotensão arterial sintomática (Tabela 4). Apenas um paciente não iniciou hipocoagulação oral, por apresentar alto risco hemorrágico, avaliado através de classificação HASBLED elevada12. Durante o seguimento, verificou-se que 5 pacientes apresentaram melhora dos sintomas de IC, passando para a classe I de NYHA. Três pacientes se mantiveram na mesma classe de NYHA (2 em classe II e 1 em classe IV) e 2 apresentaram agravamento das queixas de IC: 1 passou de classe I para classe II e 1 de classe II para classe III de NYHA. Sete pacientes apresentaram diminuição do seu valor BNP inicial, 5 dos quais para um valor de BNP <100 ng/L. Um paciente apresentou aumento do valor de BNP, passando de 281 ng/L para 664 ng/L. Três pacientes necessitaram de hospitalização devido a agudizações da IC: 2 por intercorrências infecciosas pulmonares e 1 por progressão da IC. Um paciente teve acidente vascular encefálico cardioembólico e outro foi submetido a transplante cardíaco. Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):165-172 Artigo Original Costa et al. Não Compactação do VE no Adulto Figura 1 Distribuição das áreas do ventrículo esquerdo não compactadas Tabela 3 Avaliação ecocardiográfica inicial dos pacientes estudados Fração ejeção ventrículo esquerdo (%) Fração ejeção ventrículo direito Pressão artéria pulmonar (mmHg) Pressões de enchimento do ventrículo esquerdo (ratio E/e’) Outras 1 18 Reduzida 41 16 - 2 22 Normal 51 25 - 3 22 Reduzida 70 <8 - 4 12 Reduzida 64 <8 - 5 38 Normal 25 <8 - 6 11 Normal 31 13 Foramen oval patente 7 24 Reduzida 67 37 Trombo intraventicular 8 10 Reduzida 60 <8 - 9 18 Reduzida 32 21 - 10 20 Normal 23 8 - 169 170 Costa et al. Não Compactação do VE no Adulto Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):165-172 Artigo Original Tabela 4 Medicação para IC. Evolução funcional e analítica IECA Betabloqueador Ivabradina Espironolactona Razão Classe Anticoagulante para não NYHA oral otimização após terapêutica otimização BNP inicial (ng/L) BNP após Hosp Razão para otimização descompensação (ng/L) da IC 1 Lisinopril 5 mg q24h Carvedilol 6,25 mg q12h Não 12,5 mg q24h Hipotensão + FA I Sim 281 664 1 2 Lisinopril 2,5 mg q24h Não 7,5 mg q12h 12,5 mg q24h Hipotensão II Sim 1507 36 0 Sem Sem descompensação complicações. Ainda em seguimento 3 Não Não Não 12,5 mg q24h Hipotensão + bradicardia IV Sim Sem informação 1894 1 Progressão de Sem doença complicações. Ainda em seguimento 4 Lisinopril 20 mg q24h Carvedilol 25 mg q12h Não Não Em otimização I Sim 2246 629 0 Sem Sem descompensação complicações. Ainda em seguimento 5 Lisinopril 10 mg q24h Nebivolol 7,5 mg q24h Não Não Hipotensão II Sim 500 33 0 Sem Sem descompensação complicações. Ainda em seguimento 6 Lisinopril Carvedilol 5 mg q24h 3,125 mg q12h Não 25 mg q24h Hipotensão I Não 2822 77 0 Sem Sem descompensação complicações. Ainda em seguimento 7 Lisinopril 5 mg q24h Bisoprolol 5 mg q24h Não 12,5 mg q24h Hipotensão I Sim 674 67 0 Sem descompensação Acidente vascular encefálico cardioembólico Não Não Não Sem informação III Sim Sem informação 5000 5 Infeção respiratória + progressão de doença Transplante cardíaco à morte por infeção 9 Lisinopril 20 mg q24h Bisoprolol 7,5 mg q24h Não Não Sem informação I Sim 3818 344 0 Sem Sem descompensação complicações. Ainda em seguimento 10 Lisinopril 10 mg q24h Carvedilol 12,5 mg q12h Não Não Sem informação II Sim 1324 17 0 Sem Sem descompensação complicações. Ainda em seguimento 8 Não Infeção respiratória Evolução clínica Sem complicações. Ainda em seguimento Optim. – optimização; BNP – brain natriuretic peptide ; IECA – inibidor da enzima de conversão da angiotensina; NYHA – New York Heart Association; IC – Insuficiência cardíaca; Hosp – nº de hospitalizações; FA – fibrilação atrial; q12h – um comprimido a cada 12 horas; q24h – um comprimido a cada 24 horas Discussão Na coorte estudada, a maioria era do sexo masculino, o que é consistente com outras séries publicadas7. A idade mediana ao diagnóstico foi 63 anos, o que representa uma idade mais elevada comparativamente com outras séries7. Este fato pode ser explicado por nenhum dos pacientes estudados ter sido referenciado pelo Serviço de Pediatria, apresentando o paciente mais novo 41 anos ao diagnóstico, o que aumentou a idade mediana da amostra. Os pacientes apresentavam as comorbidades expectáveis em pessoas da mesma idade, sobretudo hipertensão arterial e dislipidemia. Contudo a prevalência de FA parece ser superior ao de pacientes com a mesma idade e sem NCVE13, o que é consistente com os dados de outras Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):165-172 Artigo Original séries já publicadas1,5. Isso pode estar relacionado com as alterações estruturais cardíacas existentes na NCVE, que contribuem para um aumento das pressões de enchimento ventricular, dilatando a aurícula esquerda e predispondo ao aparecimento da FA. A NCVE também predispõe à alteração das vias de transmissão elétrica intraventricular, o que pode explicar o fato de a maioria dos pacientes estudados apresentar algum tipo de anomalia ao exame eletrocardiográfico, sobretudo FA e bloqueios de ramo. Estes dados estão em concordância com os dados já publicados de outra série de pacientes com NCVE de hospital português14. Costa et al. Não Compactação do VE no Adulto Apenas um paciente não foi medicado com anticoagulantes orais, por apresentar risco hemorrágico elevado (classificação HASBLED >4). O fato de a maioria dos pacientes estudados se encontrar hipocoagulado pode explicar a baixa taxa de complicações embólicas apresentadas, o que é consistente com os dados de outras séries16. Apenas um paciente foi submetido a transplante cardíaco por IC refratária, tendo morrido em consequência de infeção pós-transplante. É necessário salientar que a maioria dos pacientes estudados tem um tempo de seguimento curto, sendo a amostra demasiado pequena para se retirarem conclusões relativamente ao uso de transplante cardíaco nessas situações. Oito pacientes foram submetidos a cateterismo para avaliar a existência de doença aterosclerótica coronariana: 2 apresentaram exame anormal, sendo que 1 paciente tinha complicações de doença coronariana, com história prévia de infarto agudo do miocárdio. Provavelmente este doente apresentava NCVE junto a uma síndrome metabólica complicada com doença coronariana, induzindo uma IC multifatorial. A maioria dos pacientes estudados apresentou angiografia coronariana normal e, apesar da existência de outros fatores de risco cardiovascular, parece que o principal fator etiológico para a IC seria de fato a existência de NCVE. Este estudo apresenta diversas limitações metodológicas, nomeadamente um viés de seleção, que se deve às seguintes situações: todos os pacientes estudados eram adultos, pois o Hospital tem um Serviço de Cardiologia que acompanha pacientes adultos com cardiomiopatias congênitas, o que pode explicar a idade elevada desta série; o ambulatório de IC acompanha sobretudo pacientes com diminuição da FEVE e esta é, provavelmente, uma das razões para todos os pacientes apresentarem IC com disfunção ventricular esquerda. Nesta série, apenas 2 pacientes necessitaram realizar RMN cardíaca para confirmação do diagnóstico. Visto que todos eram caucasianos, a RMN foi apenas útil para a confirmação do diagnóstico de NCVE quando o exame ecocardiográfico inicial permanecia inconclusivo. Os pacientes com NCVE apresentaram comorbidades semelhantes às da população geral da sua faixa etária, exceto o aparente aumento da prevalência de FA. Estes pacientes responderam bem à terapêutica para a IC, com benefício clínico. Houve poucas complicações, a maioria permaneceu clinicamente estável, sem qualquer hospitalização e com baixa taxa de mortalidade. Os resultados desta série parecem corroborar a hipótese de que os pacientes com NCVE podem ter um melhor prognóstico do que aquele previamente reportado. Contudo, trata-se de um pequeno grupo de pacientes com um tempo de seguimento curto. Todos os pacientes apresentavam diminuição da FEVE, tendo sido tratados de acordo com as mais recentes guidelines para IC15. Oito deles estavam medicados com IECA e 7 com betabloqueador, contudo a otimização terapêutica total foi difícil, sobretudo devido a hipotensão sintomática. Ainda assim, a maioria dos pacientes apresentou melhora na classe funcional de NYHA (n=5) e redução no valor inicial de BNP (n=7). Destaca-se que apenas 3 pacientes necessitaram de hospitalização durante o seguimento, sendo o principal fato de descompensação as infeções respiratórias. Estes resultados são concordantes com outras séries previamente publicadas16. Os pacientes que apresentaram descompensações da IC foram aqueles que pior toleraram a otimização terapêutica, o que pode representar maior suscetibilidade para outros eventos que agravem os sintomas de IC. Conclusão Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. 171 172 Costa et al. Não Compactação do VE no Adulto Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(3):165-172 Artigo Original Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Engberding R, Yelbuz TM, Breithardt G. Isolated noncompaction of the left ventricular myocardium -- a review of the literature two decades after the initial case description. Clin Res Cardiol. 2007;96(7):481-8. Paterick TE, Umland MM, Jan MF, Ammar KA, Kramer C, Khandheria BK, et al. Left ventricular noncompaction: a 25year odyssey. J Am Soc Echocardiogr. 2012;25(4):363-75. Richardson P, McKenna W, Bristow M, Maisch B, Mautner B, O’Connell J, et al. Report of the 1995 World Health Organization/International Society and Federation of Cardiology Task Force on the Definition and Classification of cardiomyopathies. Circulation. 1996;93(5):841-2. Jenni R, Oechslin E, Schneider J, Attenhofer Jost C, Kaufmann PA. 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