FACULDADES DOM PEDRO II Imunologia Reações de Hipersensibilidade Profa. Juliana Vasconcelos 1. Introdução O termo hipersensibilidade é aplicado quando uma resposta adaptativa ocorre de forma exagerada ou inapropriada, causando reações inflamatórias e dano tecidual. A hipersensibilidade é uma característica do indivíduo e não se manifesta no primeiro contato com o antígeno indutor da reação de hipersensibilidade, mas geralmente aparece em contatos subseqüentes. De acordo com a definição de Coombs e Gell, as reações de hipersensibilidade podem ser divididas didaticamente em quatro tipos (I, II, III e IV). É preciso dizer que, in vivo, estas reações não ocorrem isoladamente. Os três primeiros tipos são mediados por anticorpos, enquanto que o quarto tipo é mediado primariamente por células T e macrófagos. As reações de hipersensibilidade do tipo IV, ou de hipersensibilidade tardia (celular), dependem de diversos eventos que caracterizam a resposta imunológica celular e envolvem um número significativo de células recrutadas. Por estes motivos, levam mais de 12 horas para se desenvolver. Podem ser demonstradas na patogênese de muitas doenças autoimunes e infecciosas (tuberculose, lepra, toxoplasmose, leishmaniose, etc.). Outra forma de hipersensibilidade celular é a dermatite de contato, que apresenta lesões mais papulares. O mecanismo de dano na hipersensibilidade celular inclui linfócitos T, macrófagos e monócitos. Linfócitos T citotóxicos (L-Tc) causam dano tecidual direto enquanto Linfócitos T auxiliadores (L-Th) secretam citocinas que ativam e recrutam L-Tc , monócitos e macrófagos. Os macrófagos são os responsáveis pela magnitude da lesão tecidual. Existem quatro tipos de reações de hipersensibilidade: 1 2. Hipersensibilidade Tipo I – Imediata É causada pela ligação cruzada de antígenos à IgE que está ligada a FcRI na superfície de mastócitos. Diariamente, inalamos muitos antígenos diferentes. Por que certos antígenos (alérgenos) induzem alergia em certas pessoas? Algumas enzimas podem induzir alergia. O principal alérgeno do ácaro (Dermatophagoides pteronyssimus) é uma protease-cisteína, parecida com a papaína. Os fatores que levam a produção de IgE são ainda desconhecidos. Sabemos que são as células Th2 (liberam IL-4) que induzem a troca de classe em células B. A IgE secretada pela célula B liga-se no FcRI em mastócitos Atopia é influenciada por inúmeros genes. Indivíduos alérgicos já nascem predispostos à fazer uma resposta imune Th2. O gene no cromossomo 11 codifica a cadeia do receptor de IgE de alta afinidade (FcRI). Já no cromossomo 5, existem vários genes que codificam citocinas (IL-3, IL-4, IL-5, IL-9, IL13 e GM-CSF) envolvidas na troca de classe da IgE, sobrevivência de eosinófilos e proliferação 2 de mastócitos. Polimorfismos no promotor do gene da IL-4 estão associados em níveis de IgE aumentados em pacientes atópicos. Mastócitos estão localizados nos epitélios e mucosas (nas vizinhanças dos vasos pequenos e vênulas pós-capilares). Os mastócitos liberam citocinas e mediadores da inflamação que possuem inúmeras conseqüências, de acordo com a dose do antígeno e a via de entrada do mesmo. Contudo…. Ativação disseminada de mastócitos causa o CHOQUE ANAFILÁTICO que pode ser letal pois provoca um aumento da permeabilidade vascular disseminado, levando a perda de pressão sangüínea, constrição das vias respiratórias, e fechamento de epiglote que causa o sufocamento. Geralmente ocorre em indivíduos alérgicos a picada de insetos, alimentos ou ainda medicamentos (quando ocorre liberação exagerada de histamina). Eosinófilos e basófilos liberam proteínas tóxicas (MBP, proteína catiônica do eosinófilo, neurotoxina) que matam protozoários e parasitas mas que também causam dano tecidual. 3 Produtos Enzimas Mediadores tóxicos Exemplos Triptase, quimase, catepsina G, carboxipeptidase Histamina, heparina Citocinas IL-4, IL-13 IL-3, IL-5 e GM-CSF TNF- Lipídios Leucotrienos C4 e D4 PAF (fator ativador de plaquetas) Efeitos biológicos Remodelamento do tecido conectivo São tóxicos à parasitas, aumentam a permeabilidade vascular, contração do músculo liso Amplificam resposta Th2 Ativação de eosinófilos Promove inflamação, estimula produção de citocinas, ativa o endotélio Contração do músculo liso, aumento da permeabilidade vascular, secreção de muco Quimiotático para leucócitos, aumenta a produção de lipídios, ativação de neutrófilos e plaquetas Inflamação alérgica crônica leva à acumulação de eosinófilos no tecido – causando dano no tecido. 4 Alguns minutos após aplicação cutânea de alérgenos, ocorre a formação de pequenos edemas na região aonde o antígeno foi aplicado. Além disso, podemos testar (ELISA) níveis de IgE (teste mais específico) para um determinado alérgeno. 5 EFEITOS CLÍNICOS: Rinite alérgica (febre do feno). Ativação de mastócitos da mucosa do epitélio nasal por alérgenos. É caracterizada por edema local que leva à obstrução nasal, corrimento nasal (rico em eosinófilos), e irritação do nariz devido a liberação de histamina. Asma alérgica. Doença muito mais severa, devida à ativação de mastócitos por alérgenos na mucosa do trato respiratório inferior. Isso leva, em segundos, à constrição brônquica e aumento de secreção de muco e líquidos, tornando a respiração mais difícil pelo aprisionamento de ar nos pulmões. Os ataques asmáticos podem ser letais. Característica importante da asma – inflamação crônica das vias respiratórias, levando acumulação de células Th2, eosinófilos e neutrófilos. Esta inflamação parece ser mantida na ausência do alérgeno (outros fatores podem desencadear ataques asmáticos, como irritantes químicos presentes na fumaça do cigarro). Veja o que acontece com o pulmão durante um ataque de asma . 6 3. HIPERSENSIBILIDADE TIPO II IgG contra antígenos da superfície celular ou matriz extracelular Algumas drogas, e.g. a penicilina, quinidina (anti-arritmia cardíaca), e metil-dopa (antihipertensivo), podem levar a destruição de hemácias (anemia hemolítica) ou plaquetas (trombocitopenia) por anticorpos. Nesta situação, a droga liga-se a superfície celular e serve de alvo para anticorpos anti-droga, que ativa o complemento na superfície celular levando à lise. A lise também pode ocorrer pela remoção destas células cobertas por anticorpos por macrófagos do baço (possuem receptores Fc e receptores para complemento). 4. Hipersensibilidade Tipo III IgG contra antígenos solúveis levando formação de imunocomplexos A reação de Arthus é uma reação de hipersensibilidade tipo III. O IgG liga-se ao antígeno formando imunocomplexos que ativam o complemento. Isso leva à um aumento de permeabilidade vascular (causando o edema) e influxo de polimorfonucleares. Doença do soro também é uma reação de hipersensibilidade tipo III. Na era pré-antibiótica, o soro imune de cavalos era utilizado no tratamento de pneumonia pneumocócica. Contudo, após 7-10 dias (resposta primária) após injeção, ocorria a formação de imunocomplexos (anticorpos anti-bactérias + complemento) e os sinais clínicos da doença (febre, calafrios, vermelhidão, artrite, e às vezes glomérulo-nefrite). Atualmente, a doença do soro pode aparecer após uso de imunoglobulina anti-linfócitos (agente imunosupressivo para transplantados) e raramente após uso de estreptoquinase (enzima bacteriana), trombolítico, usada para tratar pacientes com infarto do miocárdio ou ataques cardíacos. Lembrete: os complexos imunes (imunocomplexos) também são formados em algumas doenças autoimunes, como o SLE. 7 5. Hipersensibilidade Tipo IV- hipersensibilidade tardia Este tipo de hipersensibilidade é mediado por células T. Chamamos uma reação de hipersensibilidade tardia (DTH) porque demora 1-3 dias para que ocorra uma resposta imune após inoculação do antígeno. Um exemplo de uma reação DTH é o teste da tuberculina – usado para determinar se uma pessoa já foi previamente infectada/vacinada com Mycobacterium tuberculosis: 1. Inoculação do extrato protéico de M. tuberculosis via s.c. 2. As pessoas que foram previamente expostas ao patógeno vão desenvolver uma reação inflamatória mediada por células T (DTH) cerca de 1-3 dias após inoculação. 3. A resposta é mediada por células Th1, que migram ao local da inoculação, reconhecem os peptídeos:MHC classe II, e liberam citocinas inflamatórias (IFN-, IL-8, TNF-, IL-3, GM-CSF). 4. Estas citocinas aumentam a permeabilidade vascular, causando vermelhidão na pele (eritema) e influxo de fagócitos ao local da inoculação. Existem várias reações de DTH na pele. Por exemplo, a dermatite de contato ocorre quando alguns componentes químicos (níquel) se ligam covalentemente a proteínas do hospedeiro (funcionando como um hapteno químico). Estas proteínas modificadas são clivadas e seus antígenos apresentados para células Th1 via MHC classe II. As células T CD8+ podem estar presentes nas reações de hipersensibilidade tipo IV – e danificar os tecidos. Alguns agentes químicos como o pentadecilcatecol são solúveis em lipídios, então entram nas células e podem modificar proteínas intracelulares…. Como vocês já sabem: peptídeos intracelulares são apresentados via MHC classe I para células CD8+ - estas podem destruir as células que apresentam estes antígenos ou secretar citocinas como o IFN-. 8