OUVIR E FALAR: REPERTÓRIO DE COMUNICAÇÃO EM SURDOS QUE RECEBERAM O IMPLANTE COCLEAR Ana Claudia Moreira ALMEIDA-VERDU 1, Sandra de Lima Ribeiro dos SANTOS2, Deisy das Graças de SOUZA3, Maria Cecília BEVILACQUA4 Resumo: Este trabalho teve como objetivo verificar se o ensino da repetição de palavras seria condição para a emergência da nomeação com correspondência ponto a ponto com palavras ouvidas em crianças surdas que receberam o implante coclear. O estudo foi conduzido sob duas condições, com seis crianças, com idades entre 7 e 9 anos, nos quais a repetição das palavras ditadas durante o procedimento de ensino era solicitada. Na condição 1 a repetição de palavras foi solicitada durante as tarefas de ensino das relações entre palavra ditada e figura, na condição 2 a repetição de palavras foi solicitada antes do ensino de relações entre palavra ditada e figura. Os resultados demonstram a nomeação para os participantes dos dois estudos e esta somente apareceu após um ensino sistemático de repetição. Palavras-chave: deficiência auditiva; implante coclear; análise do comportamento; perda auditiva. Dos muitos fatores que podem dificultar o processo de ensino-aprendizagem, este trabalho focaliza a deficiência auditiva, pois principal esfera que esta condição interfere é a capacidade de se comunicar e de obter informações via linguagem convencional. Estas dificuldades podem se manifestar de maneira bem evidente nas relações pessoais e, sobretudo, na escola podendo se manifestar desde situações leves e transitórias que podem se resolver espontaneamente no curso do trabalho pedagógico até situações mais graves e persistentes que podem requerer o uso de recursos especiais para a sua solução. Atender a esse contínuo de dificuldades requer respostas educacionais adequadas envolvendo graduais e progressivas adaptações do currículo (PCN/1998). A deficiência auditiva caracteriza-se por qualquer alteração na percepção normal de estimulação sonora e pode impor uma condição de extrema privação da sensação auditiva. A deficiência auditiva pode variar em graus em função da intensidade que o indivíduo é capaz de escutar (leve, moderada, severa ou profunda), medida em decibéis; em função da sua localização nos órgãos sensoriais da audição (condutiva, neurossensorial, mista ou central); de sua localização (unilateral ou bilateral); e em relação à época de seu estabelecimento (antes de ter estabelecido a linguagem ou depois). De acordo com Bevilacqua (1998) são muitas as condições que habilitam um indivíduo a receber o implante coclear como tecnologia de 1 Programa de Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista,. Departamento de Pedagogia, Universidade Estadual Paulista. 3 Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos. 4 Programa de Mestrado em Fonoaudiologia, Universidade de São Paulo, Campus Bauru. 2 902 reabilitação. Dentre as características da surdez, são candidatos ao implante coclear crianças com surdez severa a profunda, neurossensorial, bilateral e pré-linguais. Parece que a capacidade de se comunicar é um dos principais impedimentos para aprendizes com deficiência auditiva no que se refere à aquisição de repertórios acadêmicos que sejam condizentes com o esperado para o ano escolar que freqüentam. Dessa forma, o principal problema para o professor que recebe um aluno com deficiência auditiva em sala de aula é estabelecer um canal de comunicação eficiente o bastante para que ocorra a aprendizagem proposta pelo currículo (ALMEIDA-VERDU, 2005). Falar em comunicação significa muito mais que detectar e discriminar sons, mas identificar e compreender o que se ouve, assim como o falar é mais que a vibração das cordas vocais, mas a emissão articulada de vocalizações de acordo com as convenções estabelecidas pela língua da comunidade na qual se está inserido (ALMEIDA-VERDU, 2004; SKINNER, 1957). Nesse caso, é condição a presença de pelo menos dois interlocutores, um falante e um ouvinte para que se estabeleça uma comunicação. Nessa interação, ambas as partes podem assumir a função de falante e ouvinte, ou seja, o mesmo indivíduo tem desenvolvido em seu repertório os comportamentos de falar e ouvir. Assim, as condições que sinalizam os momentos de agir de uma ou de outra maneira para um indivíduo são fornecidas pelo comportamento do outro indivíduo. Esses episódios de interação são denominados de comportamento verbal. Segundo Catania (1999) dentre as condições que permitem a aprendizagem do ouvir e do falar pode-se citar a capacidade de pessoas imitarem sons apresentados na fala de outras, a capacidade de se estabelecer relações entre a fala de outras pessoas e outros eventos do contexto em questão e a capacidade de nomear os eventos presentes nesse contexto. Também é importante a presença de uma audiência que esteja atenta às relações que o aprendiz pode estabelecer entre eventos sonoros e visuais de seu meio, que também apresente atitudes simultâneas que reforcem os comportamentos na presença desses eventos. O comportamento verbal pode ser então, descrito funcionalmente, em termos das relações que estabelece com o meio e está sujeito a controle de estímulos (Baum, 1999). Da maneira como ocorrem as primeiras interações entre as crianças e suas comunidades verbais específicas, o comportamento verbal pode fazer parte das relações de significado com o meio, pois pode operar ou modificar este meio. 903 Enfatiza-se aqui que a maneira como a comunidade verbal se comporta, ou seja, responder diferencialmente sob controle do que os outros dizem e apresentar comportamentos vocais na presença de eventos do meio, são componentes dos primeiros repertórios a serem estabelecidos na criança (CATANIA, 1999; GUESS, 1969; HORNE & LOWE, 1996; SIDMAN, 1971). Nesse caso, o significado de um evento pode ser entendido como as relações entre o contexto em que um evento ocorre e as conseqüências da ocorrência desse evento (BAUM, 1999). E, nesse caso, o comportamento verbal passa a ter significado na medida em que pode ficar sob controle de estímulos pelas relações de equivalência (nesse caso compreendida como formação de classes de elementos intercambiáveis) que estabelecem entre si. As palavras e os eventos do mundo são considerados equivalentes não pela similaridade física, mas pela resposta comum na presença de ambos e pelas propriedades relacionais entre eles. Por outro lado, as dificuldades da pessoa com deficiência auditiva estão também, em estabelecer relações de significado em um ambiente onde estas se dão pelo comportamento vocal e cuja percepção deste se dá pela modalidade sensorial auditiva. Considerando os aspectos envolvidos no desenvolvimento e aquisição do comportamento verbal, são registrados atrasos no desenvolvimento desse repertório em crianças com deficiência auditiva (BEE,1996). Os atrasos mais severos ocorrem principalmente com aquelas crianças em que a privação de sons está presente desde o nascimento ou antes da aquisição de repertórios verbais (denominada deficiência auditiva pré-lingual) em relação àquelas em que a deficiência auditiva ocorreu depois da aquisição de repertórios verbais (denominada deficiência auditiva pós-lingual) (LÖHLE, HOLM, & LEHNEARDT, 1999; OSBERGER, 1993; SVIRSKY, ROBBINS, KIRK, PISONI, & MIYAMOTO, 2000; TRUY, LINA-GRANADE, JONAS, MARTINON, MAISON, GIRARD, POROT, & MORGON, 1998). Por isso tornam-se importantes ações voltadas para evitar ou minimizar os riscos de atrasos. Desta forma, as pessoas com deficiência auditiva requerem atenção e intervenção especiais no estabelecimento de relações de significados entre sons e eventos, objetos, pessoas e coisas do ambiente, proporcionados por procedimentos de (re) habilitação, entre os quais destacamos nesse trabalho, o implante coclear. O implante coclear consiste em um dispositivo eletrônico de uma tecnologia colocada cirurgicamente na parte interna do ouvido, a cóclea, e permite ao indivíduo que o recebe ter uma sensação auditiva. É composto por uma parte externa e uma interna, conforme Figura 1. Embora haja variações de seus componentes em função de marcas e modelos de fabricação, de maneira geral, a parte externa recebe os sons do ambiente por um microfone e um processador transforma os sons do ambiente em sinais elétricos análogos; esses sons são codificados em ondas sonoras de rádio freqüência e transmitidos por uma antena para o receptor-estimulador, este último constitui a parte interna do implante, fica sob a pele. Na parte 904 interna, o receptor-estimulador recebe os códigos, converte em sinais elétricos e os transmite a um filamento de eletrodos (12 a 24 canais) que estimulam fibras nervosas oferecendo uma sensação auditiva (BEVILACQUA, 1998; BLUME, 1999). 4 4 Figura 1 Ilustração do implante coclear com seus componentes – externos: (1) microfone retro auricular; (2) processador da fala; (3) antena transmissora; e internos: (4) receptor estimulador com filamento com eletrodos (Imagem cedida pelo Setor de Implante Coclear, HRAC/USP). Se o implante permite a detecção de sons, habilidade mais rudimentar do chamado processamento auditivo, a aquisição de outras habilidades como a discriminação, reconhecimento e compreensão dos sons depende de aprendizagens pelo uso do implante. Nesse caso, estabelecem-se aí alguns problemas de pesquisa que se caracterizam pelos efeitos do implante coclear sobre o desenvolvimento da função simbólica envolvendo estímulos sonoros (compreensão), sobre a aprendizagem de novas relações entre estímulos sonoros e outros eventos (reconhecimento de palavras), assim como sobre a verbalização de novas palavras (nomeação de eventos). Pesquisas no âmbito da Audiologia têm demonstrado os benefícios do implante na aquisição rápida dessas habilidades, usualmente no decorrer de um ano (BEVILACQUA, 1998; MORET; BEVILACQUA; COSTA, 2007). Contudo, estes estudos demonstram que as habilidades de produção da fala não acompanham o mesmo ritmo. Um grande componente da (re) habilitação de surdos que receberam o implante coclear, sobretudo aqueles sob condições de extrema privação sensorial, isto é, os prélinguais, consiste em um treino para estabelecer as funções simbólicas de estímulos auditivos recebidos pelo implante (DA SILVA, DE SOUZA, DE ROSE, LOPES JR, BEVILACQUA, MCILVANE, 2006). 905 O paradigma da equivalência de estímulos fornece um critério operacional para distinguir verdadeiras relações simbólicas de meras relações do tipo “se-então”. Se, por exemplo, um participante aprende as discriminações auditivo-visuais entre uma palavra falada e uma figura (AB) e a mesma palavra falada e outra figura (AC) e, subseqüentemente, demonstra a emergência das relações visual-visual, entre as figuras (BC e CB), sem ensino explícito dessas discriminações, então esse resultado indica a formação de classes de equivalência e verdadeiras relações simbólicas (SIDMAN & TAILBY, 1982). Um primeiro estudo com o objetivo de estender a metodologia das relações de equivalência no estudo de relações entre estímulos sonoros e visuais e funções simbólicas em implantados foi conduzido por da Silva e cols. (2006). Duas crianças pós-linguais e duas préliguais receberam ensino em relações condicionais entre figuras (AB e AC) que consistiam em letras gregas exibidas na tela de um microcomputador e todos demonstraram as relações ensinadas e derivadas atestando as relações de equivalência (BC e CB). Em seguida, um conjunto de estímulos sonoros foi apresentado via estimulação direta na cóclea (uma seqüência de cinco pulsos de 1 segundo) e foi conduzido o ensino que estabeleceu as relações condicionais auditivo-visuais DC e, então, foram testadas as relações de equivalência auditivovisuais DA e DB. Os resultados dos participantes pós-linguais demonstraram a aprendizagem das relações envolvendo pulsos elétricos (DC) pelo procedimento de emparelhamento de acordo com o modelo, mas não demonstraram a emergência das novas relações auditivovisuais (DA e DB). Os participantes pré-linguais sequer aprenderam as relações com estímulos elétricos. Embora o aspecto promissor do estudo tenha sido a condução da pesquisa em controle de estímulos em rotina de hospital e tenha demonstrado emergência de relações simbólicas visual-visual em implantados, o estudo impôs algumas questões sobre a aprendizagem relacional envolvendo estímulos auditivos em surdos que receberam o implante coclear. Dentre essas questões destacou-se verificar sob quais condições surdos que receberam o implante coclear aprenderiam relações auditivo-visuais e demonstrariam relações de equivalência decorrentes dessa aprendizagem? Uma seqüência de quatro estudos foi conduzida por Almeida-Verdu, Huziwara, de Souza, de Rose, Bevilacqua, Lopes Jr., Alves e McIlvane (2008) e avaliou o potencial de crianças com surdez neurossensorial que receberam o implante coclear exibirem relações de equivalência entre figuras e palavras ditadas pelo procedimento de emparelhamento de acordo com o modelo. Dez crianças com surdez pré-lingual e quatro com surdez pós-lingual foram estudadas e todas aprenderam as relações entre palavra ditada e figuras ensinadas e a maior parte delas demonstrou a formação de classes. Ao final de cada um dos Estudos 1, 2 e 3 foram conduzidos testes de nomeação de figuras, mas as crianças não demonstraram resultados consistentes com os resultados obtidos nos testes de equivalência. De maneira geral as 906 crianças demonstraram a mesma vocalização para as figuras que foram emparelhadas à mesma palavra ditada, porém a vocalização não fazia correspondência ponto-a-ponto com essa palavra, ditada na fase de ensino. A evolução da audição foi verificada por Gaia (2005) que avaliou longitudinalmente o desempenho de crianças implantadas pré-linguais em tarefas de reconhecimento de palavras, de nomeação de figuras e de imitação vocal, quer estes participantes estivessem ou não recebendo ensino sistemático ou atendimento fonoaudológico. Os resultados obtidos por Gaia demonstraram que os participantes tenderam a apresentar melhores desempenhos nos testes de reconhecimento de palavras (que requeriam apenas respostas de seleção) do que nos dois outros testes, que requeriam vocalizações. Esses resultados indicam que o fato do ouvir estar estabelecido (e o reconhecimento demonstrado), isto não é condição suficiente para que o indivíduo seja capaz de falar a palavra que ouve. Em outras palavras, embora o falar dependa do ouvir (o ouvinte precisa detectar uma palavra falada, discriminar entre palavras diferentes, relacionar uma palavra a seus referentes, etc), a fala, seja como nomeação, seja como imitação, depende de condições adequadas para o seu ensino. Há várias evidências empíricas na literatura sobre a independência funcional entre operantes verbais, dentre eles o ouvir e o falar (CUVO; RIVA, 1980; EIKESETH; NESSET, 2003; GUESS, 1969; McMORROW; FOXX; FAW; BITTLE, 1987). Essa literatura tem demonstrado que o ensino do ouvir não é condição para a aprendizagem do falar, mas que tanto o ouvir quanto o falar são aprendidos após condições de ensino particulares. Considerando as habilidades necessárias para comunicação em uma comunidade verbal de falantes e ouvintes e as habilidades de produção de fala demonstradas em crianças surdas implantadas pré-linguais questiona-se sob quais condições essa população apresentaria a nomeação de figuras precisa, isto é, com correspondência ponto-a-ponto com a palavra ditada pela comunidade verbal. Após o ensino de relações entre a palavra ditada e figura, a literatura científica tem demonstrado em populações com diferentes necessidades especiais de ensino que o procedimento de imitação de palavras têm sido efetivo para a posterior nomeação. Com o objetivo de verificar se o ensino da imitação de palavras ditadas seria condição para a emergência da nomeação após o ensino da relação entre palavra ditada e figura, o procedimento descrito a seguir foi delineado e aplicado em surdos pré-linguais que receberam o implante coclear. O procedimento de ensino foi realizado com o auxílio de um microcomputador Macintosh (IBook G4) e o programa de computador MTS® versão 11.6.7 (DUBE, 1991), com o qual foram programadas as rotinas de ensino e teste e registrava as respostas dos 907 participantes. O programa exibia estímulos sonoros gravados de sons da fala humana (palavras convencionais dissílabas) e estímulos visuais (figuras convencionais e abstratas). O procedimento geral consistiu em uma seqüência de tentativas discretas (instrução, desempenho, conseqüência programada e intervalo entre tentativas) sendo que em cada uma o participante deveria apresentar uma resposta. Foram realizadas quatro fases: préteste de nomeação, ensino de ensino de imitação de palavras relações entre palavra ditada e figura, teste de formação de classes e pós-teste de nomeação. O procedimento que vigorou foi o emparelhamento de acordo com o modelo que apresentava um estímulo com função de modelo no centro da tela do monitor e três estímulos de comparação exibidos em três dos quatro vértices da tela. A tarefa do participante era escolher aquele que se relacionava com o modelo. O modelo era alternado em tentativas sucessivas e, conforme mudava o modelo mudava também a resposta de seleção definida como correta. Nas fases de ensino eram apresentadas conseqüências diferenciais para acerto e erro; nas fases de teste não eram apresentadas conseqüências programadas. Após o ensino da tarefa de emparelhamento por um pré-treino e seguido pela avaliação do repertório receptivo em relações entre palavra ditada e figura, eram selecionadas três palavras cujo desempenho tivesse sido baixo para compor as fases de ensino e teste subseqüentes. Os participantes eram avaliados em nomeação de palavras que exibia três figuras convencionais selecionadas do pré-teste e eram apresentadas, sucessivamente, no centro da tela do computador e o participante deveria dizer seu nome. Não foram apresentadas conseqüências para acerto e erros. Após essa medida do nível de entrada do participante esse era exposto ao ensino de imitação de palavras, de relações entre uma palavra ditada e duas figuras diferentes seguido de testes de formação de classes e pós-teste de nomeação. O ensino de imitação de palavras promoveu a imitação vocal das três palavras selecionadas do pré-teste, em que o participante não selecionou a figura correspondente; era apresentada uma palavra pelo alto-falante do computador e o participante deveria apresentar imitação vocal com correspondência ponto a ponto com a palavra ditada. No caso de resposta correta, era apresentada uma nova tentativa; no caso de resposta incorreta a palavra era repetida pelo experimentador que fornecia pistas orofaciais. Independente de acerto ou erro seguia para a tentativa seguinte. O ensino da imitação ocorreu sob duas condições: na condição 1 a imitação era solicitada no durante o ensino da relação entre palavra ditada e figura; consistia em ditar a palavra, solicitar o a imitação de acordo com os critérios descritos e, após a imitação, era disponibilizado o mouse para que a criança selecionasse a figura 908 correspondente. Na condição 2, o ensino da imitação de palavras foi apresentado antes do ensino da relação entre palavra ditada e figura. O ensino da relação entre uma palavra ditada e duas figuras distintas teve como objetivo ensinar homônimos. Nessa fase era ensinada a relação entre as mesmas três palavras ditadas e figuras selecionadas do pré-teste e que participaram das fases anteriores. Consistia na apresentação de uma palavra ditada (dentre três possíveis) pelo auto-falante do computador e na exibição das três figuras convencionais, das quais uma era definida como correta. Após a aquisição desse repertório ocorria o ensino da relação entre as mesmas palavras ditadas e outras três figuras, agora abstratas. Assim, ensinava-se homônimos, isto é, mesmo nome pode ser relacionado a duas figuras diferentes. Após desempenho preciso nesse conjunto de tarefas o participante era exposto aos testes de formação de classes. Nos testes de formação de classes era avaliado se as figuras, convencionais e abstratas, relacionadas ao mesmo estímulo auditivo na fase anterior seriam relacionadas entre si. Para avaliar esse desempenho, de considerar as figuras relacionadas à mesma palavra ditada como equivalentes ou permutáveis entre si, uma figura (p. ex. convencional) era apresentada no centro da tela do computador e três figuras (p. ex. abstratas) eram apresentadas nos vértices como escolha. A relação inversa também foi avaliada, isto é, se ao apresentar a figura abstrata no centro do monitor o participante escolheria, dentre três convencionais, àquela emparelhada ao mesmo estímulo auditivo que o modelo. Após essa avaliação, o participante era avaliado em nomeação das seis figuras (três convencionais e três abstratas). No pós-teste de nomeação as seis figuras (convencionais e abstratas) eram apresentadas sucessivamente no centro do monitor e a tarefa do participante era dizer o seu nome. Era avaliado se esse nome era correspondente àquele ditado no ensino da relação entre palavra ditada e figuras. O mesmo nome deveria ser apresentado para figuras convencionais e abstratas que foram emparelhadas com o mesmo estímulo. A Tabela 2 exibe dados ilustrativos dos principais resultados com os participantes nas fases às quais foram expostos nas condições 1 e 2, assim como os estímulos visuais e auditivos adotados. O símbolo ( ) ilustra que o desempenho foi adquirido com uma porcentagem de acertos muito alta. Os resultados ilustram que o desempenho em nomeação no pré-teste era muito baixo chegando à zero para alguns participantes. O desempenho no pré-teste de nomeação evidencia a fragilidade desse desempenho. 909 Tabela 2 – Resultado geral dos participantes nas condições 1 e 2 do procedimento Condição 1 Participante (estímulos) NAS Sofá Boca Roda Pré-teste Nomeação Imitação vocal Relação palavra ditada-figura Formação de classes Pós-teste nomeação >80% <60% Condição 2 Participante (estímulos) Pré-teste Nomeação Imitação vocal Relação palavra ditadafigura Formação de classes Pós-teste nomeação Uva TAM Boca <5% 100% Bolo Independente da condição de ensino adotada, isto é, do procedimento de imitação vocal adotado (durante o ensino das relações de reconhecimento de palavras como na condição 1 ou antes, como na condição 2) os participantes aprenderam a relação entre uma mesma palavra ditada e duas figuras distintas (convencionais e abstratas); demonstraram que o ensino pode gerar relações derivadas das ensinadas, evidenciadas pelos testes de formação de classes nos quais as figuras relacionadas à mesma palavra falada eram também relacionadas entre si. Esses resultados confirmam evidências anteriores que surdos pré-linguais que receberam o implante coclear podem aprender relações entre som e figuras e essas relações assumem funções simbólicas (ALMEIDA-VERDU, HUZIWARA, DE SOUZA, DE ROSE, BEVILACQUA, LOPES JR, ALVES, & MCILVANE, 2008), não se limitando a relações do tipo “se-então” (SIDMAN & TAILBY, 1982), assim como já atestado em outras populações com repertório verbal mínimo (CARR, WILKINSON, BLACKMAN, & MCILVANE, 2000). Após essas condições de ensino e teste os participantes demonstraram melhora no desempenho de nomeação e este é o resultado que se pretende destacar. Se no estudo anterior (ALMEIDA-VERDU E COLS., 2008) após o ensino de relações condicionais e testes de formação de classes os participantes não demonstraram desempenhos em nomeação compatíveis com seus pares ouvintes, isso de deve em parte porque o desempenho de vocalizar palavras com correspondência ponto a ponto à palavra ditada não foi alvo direto de ensino. 910 Neste estudo o desempenho em nomeação foi obtido e, de acordo com os resultados obtidos pelos participantes, esse resultado só foi obtido após o ensino direto do ecóico, condição em que a vocalização foi alvo direto d ensino. A seqüência em que as condições de ensino e teste foram conduzidas forneceu a segurança necessária para afirmar que a nomeação somente se estabeleceu após um ensino sistemático e programado da imitação vocal. Considera-se que esse estudo tenha contribuições do ponto de vista conceitual e metodológico. Do ponto de vista conceituação segue a mesma direção da literatura com diversas populações, incluindo implantados, que descreve a independência funcional entre os comportamentos de ouvir e falar (GAIA, 2005; GUESS, 1969; SKINNER, 1953). Estudos como esse, sobre as condições que devem estar presentes para a expansão de repertórios de ouvir e de falar oferece uma oportunidade muito interessante de se estudar as relações de independência e interdependência entre os repertórios de falante e de ouvinte. De acordo com Skinner (1957) para um estudo preciso sobre as propriedades do ouvir e falar é necessário tomar esse repertórios como funcionalmente independentes, isto é, o fato de um ser adquirido não requer necessariamente que o outro seja; mas deve-se assumir que ouvir e falar podem se inter-relacionar desde que haja ensino programado com essa finalidade. Do ponto de vista metodológico o estudo demonstrou as condições sob as quais a produção de fala com correspondência ponto a ponto ao que a comunidade verbal exige pode ocorrer em surdos implantados. Esse estudo pode ter implicações práticas interessantes se puder se converter em tecnologia de ensino para que os desempenhos de ouvir e de falar sejam estabelecidos e inter-relacionados em surdos implantados. A importância do estudo das funções do ouvir é inquestionável na medida em que crianças podem ter seus desempenhos em sala de aula ou em situações cotidianas controlado por pistas visuais e não pelo que seus professores falam; isso porque as propriedades auditivas da fala podem não ter função direta ou não exercer controle de estímulos sobre o comportamento dessas crianças (GREER, & ROSS, 2008). Considera-se que a aprendizagem dessa habilidade, a saber, controle do comportamento por propriedades auditivas da fala de alguém, constitui-se uma das principais propostas do implante coclear em surdos pré-linguais. 911 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA-VERDU, A. C. M. Funções simbólicas em pessoas submetidas ao implante coclear: uma análise experimental do ouvir. 214p. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, São Carlos. 2004. ______. O ensino do deficiente auditivo na sala de aula. Cadernos CECEMCA. Unesp-Bauru, 2005. ALMEIDA-VERDU, A. C. M.; HUZIWARA, E. M.; DE SOUZA, D. G.; DE ROSE, J. C. C.; BEVILACQUA, M. C.; LOPES JR., J.; ALVES, C. O. Relational Learning in Children with Deafness and Cochlear Implants. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 2008. BAUM, W. Compreender o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artmed, 1999. BEE, H. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 1996. BEVILACQUA, M. C. 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