OUVIR E FALAR: REPERTÓRIO DE COMUNICAÇÃO EM

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OUVIR E FALAR: REPERTÓRIO DE COMUNICAÇÃO EM SURDOS QUE RECEBERAM O
IMPLANTE COCLEAR
Ana Claudia Moreira ALMEIDA-VERDU 1,
Sandra de Lima Ribeiro dos SANTOS2,
Deisy das Graças de SOUZA3,
Maria Cecília BEVILACQUA4
Resumo: Este trabalho teve como objetivo verificar se o ensino da repetição de palavras
seria condição para a emergência da nomeação com correspondência ponto a
ponto com palavras ouvidas em crianças surdas que receberam o implante coclear.
O estudo foi conduzido sob duas condições, com seis crianças, com idades entre 7
e 9 anos, nos quais a repetição das palavras ditadas durante o procedimento de
ensino era solicitada. Na condição 1 a repetição de palavras foi solicitada durante
as tarefas de ensino das relações entre palavra ditada e figura, na condição 2 a
repetição de palavras foi solicitada antes do ensino de relações entre palavra
ditada e figura. Os resultados demonstram a nomeação para os participantes dos
dois estudos e esta somente apareceu após um ensino sistemático de repetição.
Palavras-chave: deficiência auditiva; implante coclear; análise do comportamento; perda
auditiva.
Dos muitos fatores que podem dificultar o processo de ensino-aprendizagem,
este trabalho focaliza a deficiência auditiva, pois principal esfera que esta condição interfere é a
capacidade de se comunicar e de obter informações via linguagem convencional. Estas
dificuldades podem se manifestar de maneira bem evidente nas relações pessoais e,
sobretudo, na escola podendo se manifestar desde situações leves e transitórias que podem se
resolver espontaneamente no curso do trabalho pedagógico até situações mais graves e
persistentes que podem requerer o uso de recursos especiais para a sua solução. Atender a
esse contínuo de dificuldades requer respostas educacionais adequadas envolvendo graduais
e progressivas adaptações do currículo (PCN/1998).
A deficiência auditiva caracteriza-se por qualquer alteração na percepção normal
de estimulação sonora e pode impor uma condição de extrema privação da sensação auditiva.
A deficiência auditiva pode variar em graus em função da intensidade que o indivíduo é capaz
de escutar (leve, moderada, severa ou profunda), medida em decibéis; em função da sua
localização nos órgãos sensoriais da audição (condutiva, neurossensorial, mista ou central); de
sua localização (unilateral ou bilateral); e em relação à época de seu estabelecimento (antes de
ter estabelecido a linguagem ou depois). De acordo com Bevilacqua (1998) são muitas as
condições que habilitam um indivíduo a receber o implante coclear como tecnologia de
1
Programa de Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista,.
Departamento de Pedagogia, Universidade Estadual Paulista.
3
Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos.
4
Programa de Mestrado em Fonoaudiologia, Universidade de São Paulo, Campus Bauru.
2
902
reabilitação. Dentre as características da surdez, são candidatos ao implante coclear crianças
com surdez severa a profunda, neurossensorial, bilateral e pré-linguais.
Parece que a capacidade de se comunicar é um dos principais impedimentos
para aprendizes com deficiência auditiva no que se refere à aquisição de repertórios
acadêmicos que sejam condizentes com o esperado para o ano escolar que freqüentam.
Dessa forma, o principal problema para o professor que recebe um aluno com deficiência
auditiva em sala de aula é estabelecer um canal de comunicação eficiente o bastante para que
ocorra a aprendizagem proposta pelo currículo (ALMEIDA-VERDU, 2005).
Falar em comunicação significa muito mais que detectar e discriminar sons, mas
identificar e compreender o que se ouve, assim como o falar é mais que a vibração das cordas
vocais, mas a emissão articulada de vocalizações de acordo com as convenções estabelecidas
pela língua da comunidade na qual se está inserido (ALMEIDA-VERDU, 2004; SKINNER,
1957). Nesse caso, é condição a presença de pelo menos dois interlocutores, um falante e um
ouvinte para que se estabeleça uma comunicação. Nessa interação, ambas as partes podem
assumir a função de falante e ouvinte, ou seja, o mesmo indivíduo tem desenvolvido em seu
repertório os comportamentos de falar e ouvir. Assim, as condições que sinalizam os
momentos de agir de uma ou de outra maneira para um indivíduo são fornecidas pelo
comportamento do outro indivíduo. Esses episódios de interação são denominados de
comportamento verbal.
Segundo Catania (1999) dentre as condições que permitem a aprendizagem do
ouvir e do falar pode-se citar a capacidade de pessoas imitarem sons apresentados na fala de
outras, a capacidade de se estabelecer relações entre a fala de outras pessoas e outros
eventos do contexto em questão e a capacidade de nomear os eventos presentes nesse
contexto. Também é importante a presença de uma audiência que esteja atenta às relações
que o aprendiz pode estabelecer entre eventos sonoros e visuais de seu meio, que também
apresente atitudes simultâneas que reforcem os comportamentos na presença desses eventos.
O comportamento verbal pode ser então, descrito funcionalmente, em termos
das relações que estabelece com o meio e está sujeito a controle de estímulos (Baum, 1999).
Da maneira como ocorrem as primeiras interações entre as crianças e suas comunidades
verbais específicas, o comportamento verbal pode fazer parte das relações de significado com
o meio, pois pode operar ou modificar este meio.
903
Enfatiza-se aqui que a maneira como a comunidade verbal se comporta, ou seja,
responder diferencialmente sob controle do que os outros dizem e apresentar comportamentos
vocais na presença de eventos do meio, são componentes dos primeiros repertórios a serem
estabelecidos na criança (CATANIA, 1999; GUESS, 1969; HORNE & LOWE, 1996; SIDMAN,
1971). Nesse caso, o significado de um evento pode ser entendido como as relações entre o
contexto em que um evento ocorre e as conseqüências da ocorrência desse evento (BAUM,
1999). E, nesse caso, o comportamento verbal passa a ter significado na medida em que pode
ficar sob controle de estímulos pelas relações de equivalência (nesse caso compreendida
como formação de classes de elementos intercambiáveis) que estabelecem entre si. As
palavras e os eventos do mundo são considerados equivalentes não pela similaridade física,
mas pela resposta comum na presença de ambos e pelas propriedades relacionais entre eles.
Por outro lado, as dificuldades da pessoa com deficiência auditiva estão
também, em estabelecer relações de significado em um ambiente onde estas se dão pelo
comportamento vocal e cuja percepção deste se dá pela modalidade sensorial auditiva.
Considerando os aspectos envolvidos no desenvolvimento e aquisição do comportamento
verbal, são registrados atrasos no desenvolvimento desse repertório em crianças com
deficiência auditiva (BEE,1996). Os atrasos mais severos ocorrem principalmente com aquelas
crianças em que a privação de sons está presente desde o nascimento ou antes da aquisição
de repertórios verbais (denominada deficiência auditiva pré-lingual) em relação àquelas em que
a deficiência auditiva ocorreu depois da aquisição de repertórios verbais (denominada
deficiência auditiva pós-lingual) (LÖHLE, HOLM, & LEHNEARDT, 1999; OSBERGER, 1993;
SVIRSKY, ROBBINS, KIRK, PISONI, & MIYAMOTO, 2000; TRUY, LINA-GRANADE, JONAS,
MARTINON, MAISON, GIRARD, POROT, & MORGON, 1998). Por isso tornam-se importantes
ações voltadas para evitar ou minimizar os riscos de atrasos.
Desta forma, as pessoas com deficiência auditiva requerem atenção e
intervenção especiais no estabelecimento de relações de significados entre sons e eventos,
objetos, pessoas e coisas do ambiente, proporcionados por procedimentos de (re) habilitação,
entre os quais destacamos nesse trabalho, o implante coclear.
O implante coclear consiste em um dispositivo eletrônico de uma tecnologia
colocada cirurgicamente na parte interna do ouvido, a cóclea, e permite ao indivíduo que o
recebe ter uma sensação auditiva. É composto por uma parte externa e uma interna, conforme
Figura 1. Embora haja variações de seus componentes em função de marcas e modelos de
fabricação, de maneira geral, a parte externa recebe os sons do ambiente por um microfone e
um processador transforma os sons do ambiente em sinais elétricos análogos; esses sons são
codificados em ondas sonoras de rádio freqüência e transmitidos por uma antena para o
receptor-estimulador, este último constitui a parte interna do implante, fica sob a pele. Na parte
904
interna, o receptor-estimulador recebe os códigos, converte em sinais elétricos e os transmite a
um filamento de eletrodos (12 a 24 canais) que estimulam fibras nervosas oferecendo uma
sensação auditiva (BEVILACQUA, 1998; BLUME, 1999).
4
4
Figura 1
Ilustração do implante coclear com seus componentes – externos: (1) microfone retro auricular; (2)
processador da fala; (3) antena transmissora; e internos: (4) receptor estimulador com filamento com
eletrodos (Imagem cedida pelo Setor de Implante Coclear, HRAC/USP).
Se o implante permite a detecção de sons, habilidade mais rudimentar do
chamado processamento auditivo, a aquisição de outras habilidades como a discriminação,
reconhecimento e compreensão dos sons depende de aprendizagens pelo uso do implante.
Nesse caso, estabelecem-se aí alguns problemas de pesquisa que se caracterizam pelos
efeitos do implante coclear sobre o desenvolvimento da função simbólica envolvendo estímulos
sonoros (compreensão), sobre a aprendizagem de novas relações entre estímulos sonoros e
outros eventos (reconhecimento de palavras), assim como sobre a verbalização de novas
palavras (nomeação de eventos). Pesquisas no âmbito da Audiologia têm demonstrado os
benefícios do implante na aquisição rápida dessas habilidades, usualmente no decorrer de um
ano (BEVILACQUA, 1998; MORET; BEVILACQUA; COSTA, 2007). Contudo, estes estudos
demonstram que as habilidades de produção da fala não acompanham o mesmo ritmo.
Um grande componente da (re) habilitação de surdos que receberam o implante
coclear, sobretudo aqueles sob condições de extrema privação sensorial, isto é, os prélinguais, consiste em um treino para estabelecer as funções simbólicas de estímulos auditivos
recebidos pelo implante (DA SILVA, DE SOUZA, DE ROSE, LOPES JR, BEVILACQUA,
MCILVANE, 2006).
905
O paradigma da equivalência de estímulos fornece um critério operacional para
distinguir verdadeiras relações simbólicas de meras relações do tipo “se-então”. Se, por
exemplo, um participante aprende as discriminações auditivo-visuais entre uma palavra falada
e uma figura (AB) e a mesma palavra falada e outra figura (AC) e, subseqüentemente,
demonstra a emergência das relações visual-visual, entre as figuras (BC e CB), sem ensino
explícito dessas discriminações, então esse resultado indica a formação de classes de
equivalência e verdadeiras relações simbólicas (SIDMAN & TAILBY, 1982).
Um primeiro estudo com o objetivo de estender a metodologia das relações de
equivalência no estudo de relações entre estímulos sonoros e visuais e funções simbólicas em
implantados foi conduzido por da Silva e cols. (2006). Duas crianças pós-linguais e duas préliguais receberam ensino em relações condicionais entre figuras (AB e AC) que consistiam em
letras gregas exibidas na tela de um microcomputador e todos demonstraram as relações
ensinadas e derivadas atestando as relações de equivalência (BC e CB). Em seguida, um
conjunto de estímulos sonoros foi apresentado via estimulação direta na cóclea (uma
seqüência de cinco pulsos de 1 segundo) e foi conduzido o ensino que estabeleceu as relações
condicionais auditivo-visuais DC e, então, foram testadas as relações de equivalência auditivovisuais DA e DB. Os resultados dos participantes pós-linguais demonstraram a aprendizagem
das relações envolvendo pulsos elétricos (DC) pelo procedimento de emparelhamento de
acordo com o modelo, mas não demonstraram a emergência das novas relações auditivovisuais (DA e DB). Os participantes pré-linguais sequer aprenderam as relações com estímulos
elétricos. Embora o aspecto promissor do estudo tenha sido a condução da pesquisa em
controle de estímulos em rotina de hospital e tenha demonstrado emergência de relações
simbólicas visual-visual em implantados, o estudo impôs algumas questões sobre a
aprendizagem relacional envolvendo estímulos auditivos em surdos que receberam o implante
coclear. Dentre essas questões destacou-se verificar sob quais condições surdos que
receberam o implante coclear aprenderiam relações auditivo-visuais e demonstrariam relações
de equivalência decorrentes dessa aprendizagem?
Uma seqüência de quatro estudos foi conduzida por Almeida-Verdu, Huziwara,
de Souza, de Rose, Bevilacqua, Lopes Jr., Alves e McIlvane (2008) e avaliou o potencial de
crianças com surdez neurossensorial que receberam o implante coclear exibirem relações de
equivalência entre figuras e palavras ditadas pelo procedimento de emparelhamento de acordo
com o modelo. Dez crianças com surdez pré-lingual e quatro com surdez pós-lingual foram
estudadas e todas aprenderam as relações entre palavra ditada e figuras ensinadas e a maior
parte delas demonstrou a formação de classes. Ao final de cada um dos Estudos 1, 2 e 3 foram
conduzidos testes de nomeação de figuras, mas as crianças não demonstraram resultados
consistentes com os resultados obtidos nos testes de equivalência. De maneira geral as
906
crianças demonstraram a mesma vocalização para as figuras que foram emparelhadas à
mesma palavra ditada, porém a vocalização não fazia correspondência ponto-a-ponto com
essa palavra, ditada na fase de ensino.
A
evolução
da
audição foi
verificada
por
Gaia
(2005)
que avaliou
longitudinalmente o desempenho de crianças implantadas pré-linguais em tarefas de
reconhecimento de palavras, de nomeação de figuras e de imitação vocal, quer estes
participantes estivessem ou não recebendo ensino sistemático ou atendimento fonoaudológico.
Os resultados obtidos por Gaia demonstraram que os participantes tenderam a apresentar
melhores desempenhos nos testes de reconhecimento de palavras (que requeriam apenas
respostas de seleção) do que nos dois outros testes, que requeriam vocalizações. Esses
resultados indicam que o fato do ouvir estar estabelecido (e o reconhecimento demonstrado),
isto não é condição suficiente para que o indivíduo seja capaz de falar a palavra que ouve. Em
outras palavras, embora o falar dependa do ouvir (o ouvinte precisa detectar uma palavra
falada, discriminar entre palavras diferentes, relacionar uma palavra a seus referentes, etc), a
fala, seja como nomeação, seja como imitação, depende de condições adequadas para o seu
ensino. Há várias evidências empíricas na literatura sobre a independência funcional entre
operantes verbais, dentre eles o ouvir e o falar (CUVO; RIVA, 1980; EIKESETH; NESSET,
2003; GUESS, 1969; McMORROW; FOXX; FAW; BITTLE, 1987). Essa literatura tem
demonstrado que o ensino do ouvir não é condição para a aprendizagem do falar, mas que
tanto o ouvir quanto o falar são aprendidos após condições de ensino particulares.
Considerando
as
habilidades
necessárias
para
comunicação
em
uma
comunidade verbal de falantes e ouvintes e as habilidades de produção de fala demonstradas
em crianças surdas implantadas pré-linguais questiona-se sob quais condições essa população
apresentaria a nomeação de figuras precisa, isto é, com correspondência ponto-a-ponto com a
palavra ditada pela comunidade verbal. Após o ensino de relações entre a palavra ditada e
figura, a literatura científica tem demonstrado em populações com diferentes necessidades
especiais de ensino que o procedimento de imitação de palavras têm sido efetivo para a
posterior nomeação.
Com o objetivo de verificar se o ensino da imitação de palavras ditadas seria
condição para a emergência da nomeação após o ensino da relação entre palavra ditada e
figura, o procedimento descrito a seguir foi delineado e aplicado em surdos pré-linguais que
receberam o implante coclear.
O procedimento de ensino foi realizado com o auxílio de um microcomputador
Macintosh (IBook G4) e o programa de computador MTS® versão 11.6.7 (DUBE, 1991), com o
qual foram programadas as rotinas de ensino e teste e registrava as respostas dos
907
participantes.
O programa exibia estímulos sonoros gravados de sons da fala humana
(palavras convencionais dissílabas) e estímulos visuais (figuras convencionais e abstratas).
O procedimento geral consistiu em uma seqüência de tentativas discretas
(instrução, desempenho, conseqüência programada e intervalo entre tentativas) sendo que em
cada uma o participante deveria apresentar uma resposta. Foram realizadas quatro fases: préteste de nomeação, ensino de ensino de imitação de palavras relações entre palavra ditada e
figura, teste de formação de classes e pós-teste de nomeação. O procedimento que vigorou foi
o emparelhamento de acordo com o modelo que apresentava um estímulo com função de
modelo no centro da tela do monitor e três estímulos de comparação exibidos em três dos
quatro vértices da tela. A tarefa do participante era escolher aquele que se relacionava com o
modelo. O modelo era alternado em tentativas sucessivas e, conforme mudava o modelo
mudava também a resposta de seleção definida como correta. Nas fases de ensino eram
apresentadas conseqüências diferenciais para acerto e erro; nas fases de teste não eram
apresentadas conseqüências programadas.
Após o ensino da tarefa de emparelhamento por um pré-treino e seguido pela
avaliação do repertório receptivo em relações entre palavra ditada e figura, eram selecionadas
três palavras cujo desempenho tivesse sido baixo para compor as fases de ensino e teste
subseqüentes.
Os participantes eram avaliados em nomeação de palavras que exibia três
figuras convencionais selecionadas do pré-teste e eram apresentadas, sucessivamente, no
centro da tela do computador e o participante deveria dizer seu nome. Não foram apresentadas
conseqüências para acerto e erros.
Após essa medida do nível de entrada do participante esse era exposto ao
ensino de imitação de palavras, de relações entre uma palavra ditada e duas figuras diferentes
seguido de testes de formação de classes e pós-teste de nomeação.
O ensino de imitação de palavras promoveu a imitação vocal das três palavras
selecionadas do pré-teste, em que o participante não selecionou a figura correspondente; era
apresentada uma palavra pelo alto-falante do computador e o participante deveria apresentar
imitação vocal com correspondência ponto a ponto com a palavra ditada. No caso de resposta
correta, era apresentada uma nova tentativa; no caso de resposta incorreta a palavra era
repetida pelo experimentador que fornecia pistas orofaciais. Independente de acerto ou erro
seguia para a tentativa seguinte. O ensino da imitação ocorreu sob duas condições: na
condição 1 a imitação era solicitada no durante o ensino da relação entre palavra ditada e
figura; consistia em ditar a palavra, solicitar o a imitação de acordo com os critérios descritos e,
após a imitação, era disponibilizado o mouse para que a criança selecionasse a figura
908
correspondente. Na condição 2, o ensino da imitação de palavras foi apresentado antes do
ensino da relação entre palavra ditada e figura.
O ensino da relação entre uma palavra ditada e duas figuras distintas teve como
objetivo ensinar homônimos. Nessa fase era ensinada a relação entre as mesmas três palavras
ditadas e figuras selecionadas do pré-teste e que participaram das fases anteriores. Consistia
na apresentação de uma palavra ditada (dentre três possíveis) pelo auto-falante do computador
e na exibição das três figuras convencionais, das quais uma era definida como correta. Após a
aquisição desse repertório ocorria o ensino da relação entre as mesmas palavras ditadas e
outras três figuras, agora abstratas. Assim, ensinava-se homônimos, isto é, mesmo nome pode
ser relacionado a duas figuras diferentes. Após desempenho preciso nesse conjunto de tarefas
o participante era exposto aos testes de formação de classes.
Nos testes de formação de classes era avaliado se as figuras, convencionais e
abstratas, relacionadas ao mesmo estímulo auditivo na fase anterior seriam relacionadas entre
si. Para avaliar esse desempenho, de considerar as figuras relacionadas à mesma palavra
ditada como equivalentes ou permutáveis entre si, uma figura (p. ex. convencional) era
apresentada no centro da tela do computador e três figuras (p. ex. abstratas) eram
apresentadas nos vértices como escolha. A relação inversa também foi avaliada, isto é, se ao
apresentar a figura abstrata no centro do monitor o participante escolheria, dentre três
convencionais, àquela emparelhada ao mesmo estímulo auditivo que o modelo. Após essa
avaliação, o participante era avaliado em nomeação das seis figuras (três convencionais e três
abstratas).
No pós-teste de nomeação as seis figuras (convencionais e abstratas) eram
apresentadas sucessivamente no centro do monitor e a tarefa do participante era dizer o seu
nome. Era avaliado se esse nome era correspondente àquele ditado no ensino da relação entre
palavra ditada e figuras. O mesmo nome deveria ser apresentado para figuras convencionais e
abstratas que foram emparelhadas com o mesmo estímulo.
A Tabela 2 exibe dados ilustrativos dos principais resultados com os
participantes
nas fases às quais foram expostos nas condições 1 e 2, assim como os
estímulos visuais e auditivos adotados. O símbolo ( ) ilustra que o desempenho foi adquirido
com uma porcentagem de acertos muito alta.
Os resultados ilustram que o desempenho em nomeação no pré-teste era muito
baixo chegando à zero para alguns participantes. O desempenho no pré-teste de nomeação
evidencia a fragilidade desse desempenho.
909
Tabela 2 – Resultado geral dos participantes nas condições 1 e 2 do procedimento
Condição 1
Participante (estímulos)
NAS
Sofá
Boca
Roda
Pré-teste
Nomeação
Imitação
vocal
Relação palavra
ditada-figura
Formação
de
classes
Pós-teste
nomeação
>80%
<60%
Condição 2
Participante (estímulos)
Pré-teste
Nomeação
Imitação
vocal
Relação
palavra
ditadafigura
Formação
de classes
Pós-teste
nomeação
Uva
TAM
Boca
<5%
100%
Bolo
Independente da condição de ensino adotada, isto é, do procedimento de
imitação vocal adotado (durante o ensino das relações de reconhecimento de palavras como
na condição 1 ou antes, como na condição 2) os participantes aprenderam a relação entre uma
mesma palavra ditada e duas figuras distintas (convencionais e abstratas); demonstraram que
o ensino pode gerar relações derivadas das ensinadas, evidenciadas pelos testes de formação
de classes nos quais as figuras relacionadas à mesma palavra falada eram também
relacionadas entre si.
Esses resultados confirmam evidências anteriores que surdos pré-linguais que
receberam o implante coclear podem aprender relações entre som e figuras e essas relações
assumem funções simbólicas (ALMEIDA-VERDU, HUZIWARA, DE SOUZA, DE ROSE,
BEVILACQUA, LOPES JR, ALVES, & MCILVANE, 2008), não se limitando a relações do tipo
“se-então” (SIDMAN & TAILBY, 1982), assim como já atestado em outras populações com
repertório verbal mínimo (CARR, WILKINSON, BLACKMAN, & MCILVANE, 2000).
Após essas condições de ensino e teste os participantes demonstraram melhora
no desempenho de nomeação e este é o resultado que se pretende destacar. Se no estudo
anterior (ALMEIDA-VERDU E COLS., 2008) após o ensino de relações condicionais e testes de
formação de classes os participantes não demonstraram desempenhos em nomeação
compatíveis com seus pares ouvintes, isso de deve em parte porque o desempenho de
vocalizar palavras com correspondência ponto a ponto à palavra ditada não foi alvo direto de
ensino.
910
Neste estudo o desempenho em nomeação foi obtido e, de acordo com os
resultados obtidos pelos participantes, esse resultado só foi obtido após o ensino direto do
ecóico, condição em que a vocalização foi alvo direto d ensino. A seqüência em que as
condições de ensino e teste foram conduzidas forneceu a segurança necessária para afirmar
que a nomeação somente se estabeleceu após um ensino sistemático e programado da
imitação vocal.
Considera-se que esse estudo tenha contribuições do ponto de vista conceitual e
metodológico. Do ponto de vista conceituação segue a mesma direção da literatura com
diversas populações, incluindo implantados, que descreve a independência funcional entre os
comportamentos de ouvir e falar (GAIA, 2005; GUESS, 1969; SKINNER, 1953). Estudos como
esse, sobre as condições que devem estar presentes para a expansão de repertórios de ouvir
e de falar oferece uma oportunidade muito interessante de se estudar as relações de
independência e interdependência entre os repertórios de falante e de ouvinte. De acordo com
Skinner (1957) para um estudo preciso sobre as propriedades do ouvir e falar é necessário
tomar esse repertórios como funcionalmente independentes, isto é, o fato de um ser adquirido
não requer necessariamente que o outro seja; mas deve-se assumir que ouvir e falar podem se
inter-relacionar desde que haja ensino programado com essa finalidade.
Do ponto de vista metodológico o estudo demonstrou as condições sob as quais
a produção de fala com correspondência ponto a ponto ao que a comunidade verbal exige
pode ocorrer em surdos implantados.
Esse estudo pode ter implicações práticas interessantes se puder se converter
em tecnologia de ensino para que os desempenhos de ouvir e de falar sejam estabelecidos e
inter-relacionados em surdos implantados. A importância do estudo das funções do ouvir é
inquestionável na medida em que crianças podem ter seus desempenhos em sala de aula ou
em situações cotidianas controlado por pistas visuais e não pelo que seus professores falam;
isso porque as propriedades auditivas da fala podem não ter função direta ou não exercer
controle de estímulos sobre o comportamento dessas crianças (GREER, & ROSS, 2008).
Considera-se que a aprendizagem dessa habilidade, a saber, controle do comportamento por
propriedades auditivas da fala de alguém, constitui-se uma das principais propostas do
implante coclear em surdos pré-linguais.
911
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