1 INTRODUÇÃO. Todo o discurso publicitário sobre as necessidades dos indivíduos assenta numa antropologia ingênua: a da propensão natural para felicidade (BAUDRILLARD, 2005). Com o advento da globalização, tal modelo de discurso publicitário foi ficando cada vez mais obsoleto e ineficaz, fazendo com que as empresas se posicionassem de outra forma perante o mercado. Nesse sentido, podemos dizer que um dos efeitos da economia global é a adoção, por todo o mundo, de padrões éticos e morais mais rigorosos, seja pela necessidade das próprias organizações de manter sua boa imagem perante o público, seja pelas demandas diretas do público para que todas atuem de acordo com tais padrões. Valores éticos e morais sempre influenciaram as atitudes das empresas, mas estão se tornando, cada vez mais, homogêneos e rigorosos. (ASHLEY, 2003). “O discurso publicitário é um dos instrumentos de controle social e, para bem realizar essa função, simula o igualitarismo, remove da estrutura da superfície os indicadores de autoridade e poder, substituindo-os pela linguagem da sedução com o objetivo de produzir o consumo.” (CARVALHO, 1996:11) A comunicação social tem, portanto, um papel fundamental na implementação desses valores éticos e morais, pois esta é responsável pelo composto comunicacional das organizações e cabe a ela decidir se os recursos serão mobilizados para ações socialmente responsáveis ou não. Segundo o Instituto Ethos, uma das principais instituições responsáveis pela difusão desse conceito no país, responsabilidade social é “a atitude ética da empresa em todas as suas atividades. Diz respeito à interação da empresa com os funcionários, fornecedores, clientes, acionistas, governo, concorrentes, meio ambiente e comunidade. Os preceitos da responsabilidade social podem balizar, inclusive, todas as atividades políticas empresariais” (GRAJEW, Instituto Ethos, 2001). Discurso publicitário, globalização, valores éticos, responsabilidade social, qual a ligação? Certamente o consumo. Ficou claro que as 2 organizações estão em movimento para se tornarem ícones socialmente responsáveis, partindo dessa afirmação surge o seguinte questionamento: o mundo sempre teve problemas sociais, por que só agora as empresas estão se preocupando com isso? “A cultura do consumo representa a importância crescente da cultura no exercício do poder. O poder de escolha do individuo na esfera do consumo nas sociedades póstradicionais tem sido campo de debate sobre a real liberdade de escolha ou submissão a interesses econômicos maiores que se escondem por trás do marketing e da propaganda.” (BARBOSA, 2004:35) Lívia Barbosa propõe um questionamento interessante, será que o individuo está submisso à publicidade ou a publicidade está submissa aos indivíduos? Organizada de forma diferente das demais mensagens, a publicidade impõe, nas linhas e entrelinhas, valores, mitos, ideais, e outras elaborações simbólicas, utilizando recursos próprios que lhe serve de veículo, sejam eles fonéticos, léxico-semânticos ou morfossintáticos. (CARVALHO, 1996). “Assumindo essa postura as empresas acabam ganhando melhor imagem institucional e isto pode se traduzir em mais consumidores, melhores empregados, melhores fornecedores, mais fácil acesso ao mercado de capitais, entre outras coisas. Uma empresa que é vista como socialmente responsável possui uma vantagem estratégica em relação àquela que não tem essa imagem perante o público”. (DONAIRE, 1999:22) Mais um questionamento importante, vantagem estratégica ou consciência tranqüila? Essas duas afirmações podem ser complementares? Os holofotes da sociedade estão voltados para ações sociais, a publicidade tem o poder de caracterizar isso como mais uma tendência ou infiltrar essa cultura nas ideologias da sociedade. Segundo Fred Tavares (2005), “a publicidade produz e agencia valores, saberes e naturaliza os desejos do consumo, tornando-os necessidades básicas, simbolizando-os por meio da ideologia de aceitação e pertencimento, compartilhada por todos como um ideal de existência” (TAVARES, 2005:126). 3 A publicidade está constantemente incentivando posicionamentos prepotentes nas organizações, dessa forma as mesmas ficam cada vez mais convencidas de que estão perpetuando ações positivas, independente de seus atos. O poder é quem manda. “Ela põe em cena o fato de que a empresa, sabendo gerir todos os aspectos da vida cotidiana, desde os produtos até os programas de televisão, passando pela cultura, pela edição etc., doravante é capaz de assumir a totalidade da experiência”. (QUESSADA, 2003:101) Incentivar idéias positivas, a princípio, parece uma tarefa fácil, contudo, Oliviero Toscani tem outra visão acerca dessa boa vontade por parte dos publicitários. ”Os publicitários, que pretendem possuir a ”nova ciência da comunicação”, declaram-se há trinta anos capazes de transformar a gigantesca mina de ouro dos investidores numa magnífica arte de vender. Na verdade, largamente sustentados por anunciantes eternamente ludibriados, eles continuam a abarrotar o planeta inteiro com o mesmo mundo de imagens bestificante.” (TOSCANI, 2005:23) Com tantas referências fica difícil acreditar na idoneidade dos comunicadores em perpetuarem ações socialmente responsáveis, o fato é temos que cumprir com nossas responsabilidades sociais e, a comunicação como influenciadora de ideologias, precisa cumprir com sua proposta principal: comunicar. Para isso, é de fundamental importância o estudo sobre as origens da sociedade de consumo, pois a partir deles será possível compreender as engrenagens desse modelo ideológico de sociedade, além de compor a fundamentação necessária para uma interpretação do discurso publicitário, e dessa forma, embasar a análise dos elementos presentes em peças publicitárias socialmente responsáveis. 4 CAPITULO 1 – A SOCIEDADE DE CONSUMO Para uma compreensão do conceito de sociedade de consumo, é importante estudar as influências históricas fundamentais para a construção desse modelo contemporâneo de sociedade, uma vez que este é produto de uma gama de acontecimentos sociais relevantes. 1. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A MÁGICA FORDISTA Durante o século XIX, muito foi discutido sobre a capacidade da tecnologia de expandir mercados, gerar mais empregos, e dessa forma aumentar o poder aquisitivo dos consumidores. A grande questão é que esta era alvo de críticas políticas, econômicas e sociais, como afirma Jeremy Rifkin através de suas análises sobre a sociedade norte-americana em “O fim dos empregos”. “Atualmente essa lógica está levando a níveis sem procedentes o desemprego na área tecnológica, acentuando o declínio do poder aquisitivo do consumidor, e acenando com o espectro de uma depressão mundial de magnitude e duração incalculáveis.” (RIFKIN, 2004:15) O surgimento do movimento fordista estimularia novas culturas do trabalho oriundas de relações estabelecidas no espaço fabril, no processo de trabalho. Influenciaria determinadas formas de poder e uma reordenação das forças sociais e políticas em toda a sociedade capitalista, e para isto, precisou combinar o uso da tecnologia (linha de montagem) indissoluvelmente ligada à gerência racional do trabalho. Os aperfeiçoamentos da tecnologia aumentariam a capacidade de produção, interfeririam diretamente na queda nos preços, que por sua vez estimulariam um aumento na demanda, um aumento na produção e por conseqüência, uma queda nos preços. Esse eterno ciclo caracterizava bem a idéia da “Mágica da Tecnologia”, que além de potencializar a produção, incentivaria também o consumo e a geração de novos empregos. 5 A grande crítica acerca dessas inovações tecnológicas, é que cada vez mais os operários seriam substituídos por máquinas que desempenhavam o mesmo trabalho, contudo, com muito mais agilidade e com um custo menor, sendo assim a tecnologia era tida como facilitadora de um colapso empregatício. Essa vertente negativa da “Mágica da Tecnologia” não era aceita por todos, de acordo com RIFKIN (2004), para os neoclássicos seguidores de Jean Baptiste Say1, por mais que os desenvolvimentos tecnológicos influenciassem de forma crescente nos índices de desemprego, estes por sua vez desencadeariam uma redução salarial, entretanto, esses salários menores seriam argumentos interessantes para servir de incentivo à contratação de novos trabalhadores a um custo menor em vez de investir equipamentos com custos elevados, transformando assim a tecnologia destruidora de empregos em uma nova forma de impulsionar o crescimento do mercado assalariado. Essa visão neoclássica acerca do milagre tecnológico gerou uma intriga sociológica, no qual Karl Marx por exemplo, preferiu defender a vertente de que os produtores viviam em uma luta frenética cujo objetivo era o de reduzir os custos de mão-de-obra, mesmo que isso significasse a substituição de trabalhadores por bens capitais. “Os capitalistas não lucram apenas com a maior produtividade, custos reduzidos e maior controle sobre o processo de produção, mas paralelamente, com a criação de um imenso exército de trabalhadores desempregados, cujo poder de trabalho está prontamente disponível para exploração em algum outro lugar da economia.” (RIFKIN, 2004:16) Para Marx, essa reserva de mão-de-obra estaria fadada a uma desvalorização gradativa, onde a força trabalhista seria obrigada a realizar suas funções em troca de remunerações cada vez menores. Essa desvalorização concretizaria uma grande brecha no modelo mágico de desenvolvimento tecnológico, afinal, 1 uma vez que a mão-de-obra é Jean-Baptiste Say (Lyon, 5 de janeiro de 1767 — Paris, 15 de novembro de 1832) foi um economista francês e era defensor da liberdade de produção e de consumo, e convicto de que o capitalismo sempre se ajustaria às crises (para Say nunca poderia haver um crise de superprodução), formulou a Lei de Say - "a oferta cria sua própria demanda" - que foi um dos pilares da economia ortodoxa, até a Grande Depressão de 1930. 6 desvalorizada, esta é forçada a abdicar de seu poder aquisitivo devido à ausência de proventos. Os impactos sociais dessa migração tecnológica puderam ser observados mais claramente com a instituição do modelo Fordista de produção em massa. “Em 1904, eram necessárias 1.300 horas/homem para construir um carro. Em 1932 era possível construí-lo com menos de 19 horas, Aumentos de produtividade semelhantes foram alcançados em várias outras indústrias.” (RIFKIN, 2004:18) O modelo fordista de produção em massa serviu como um catalisador do consumo, justamente pelo fato de que este possibilitou uma defasagem no preço do produto final, destacando-se como um dos principais influenciadores da transformação da sociedade capitalista industrial em uma sociedade de consumo. 2. A SOCIEDADE DE CONSUMO 2.1 SOCIEDADE OU CULTURA? O termo consumir nem sempre teve o significado conhecido atualmente, que é a conotação de adquirir um bem e usufruir dos benefícios deste. O significado original da palavra denota destruição, saqueamento, subjugamento e já foi usado inclusive para referir-se a tuberculose, uma doença conhecida por sua fatalidade (RIFKIN, 2004). Essa discussão acerca do real significado da palavra consumir vem permeando os diálogos relacionados à busca de uma definição precisa para Sociedade de Consumo. Para autores como Lívia Barbosa, o termo sociedade de consumo é apenas mais um rótulo utilizado por intelectuais para referir-se a sociedade contemporânea. “Ao contrário de termos como sociedade pós-moderna, pós-industrial e pós-iluminista – que sinalizam para o fim ou ultrapassagem de uma época - sociedade de consumo, às semelhança das expressões sociedade da informação, do conhecimento, do espetáculo, de capitalismo desorganizado e de risco, entre outras remete o leitor para uma determinada dimensão, percebida como específica e, portanto, definidora, 7 para alguns, das sociedades contemporâneas.” (BARBOSA, 2004:7) No entanto, o rótulo atribuído a esse modelo de sociedade é bastante contraditório logo que os supostos diferenciais dessa sociedade para as anteriores seria que esta tem o consumo voltado para a satisfação de necessidades básicas e/ou supérfluas, o fator contraditório nessa definição é que isso não é uma exclusividade da sociedade de consumo, mas sim, uma atividade presente em toda e qualquer sociedade humana. Jean Baudrillard propõe em seu livro “A sociedade de consumo”, que a especificidade da sociedade de consumo em relação aos outros modelos de formações sociais, é que esta é moldada por um tipo específico de consumo, o consumo de signo ou commodity sign2. Entendendo o signo como uma unidade de sentido que rege as sociedades contemporâneas, a partir do momento que sociedades inteiras passam a assimilar esses signos, são direcionadas a atividades pré-determinadas pelo sentido conotativo, o consumo. De acordo com BARBOSA (2004), para alguns estudiosos o “consumo de signo” não é suficiente para traçar um perfil sociológico sobre a sociedade de consumo, as características fundamentais da sociedade de consumo são o consumo de massas e para massas, alta taxa de consumo e descarte de mercadorias per capita (individual), presença de moda, sociedade de mercado, sentimento permanente de insaciabilidade e o consumidor como um de seus personagens principais. Por mais que o interesse em encontrar uma definição precisa para sociedade de consumo fosse pertinente, esta certamente não é caracterizada como uma tarefa simples. Para BARBOSA (2004), um parâmetro imprescindível é que haja antes de tudo uma diferenciação entre sociedade de consumo e consumidores de cultura de consumo, uma vez que estes são freqüentemente tidos como sinônimos por caracterizarem realidades conceituais muito próximas. 2 O signo lingüístico consiste em uma combinação de um conceito com uma imagem sonora. Uma imagem sonora é algo mental, visto que é possível a uma pessoa falar consigo própria sem mover os lábios. Mas em geral, as imagens sonoras são usadas para produzir uma elocução. 8 A primeira razão fundamental para que haja essa diferenciação é devido à utilização do termo sociedade de consumo e/ou cultura de consumo como um referencial pertinente a esferas sociais e arranjos institucionais, ou seja, por mais que alguns modelos de sociedades ocidentais tenham o consumo inserido em suas bases sociais, não significa que os estilos de vida destas sejam individuais e arbitrários. “Isto significa que algumas sociedades podem ser sociedades de mercado, terem instituições que privilegiam o consumidor e o seus direitos mas que, do ponto de vista cultural, o consumo não é utilizado como a principal forma de reprodução nem de diferenciação social, e variáveis como sexo, idade, grupo étnico e status ainda desempenham um papel importante naquilo que é usado e consumido.” (BARBOSA, 2004:9) A segunda razão fundamental incentivadora dessa distinção se deve pelo fato de que para alguns autores – como Frederic Jameson, Zygman Bauman, Jean Baudrillard e outros – a cultura do consumo tem características mais específicas por se tratar de um modelo de sociedade pós-moderna. “Ele inclui a relação íntima e quase causal entre o consumo, estilo de vida, reprodução social e identidade, a autonomia da esfera cultura, a estetização e comoditização da realidade, o signo como mercadoria e um conjunto de atributos negativos ao consumo tais como: perda de autenticidade das relações sociais, materialismo e superficialidade, entre outros.” (BARBOSA, 2004:10) Entretanto, outros autores como Don Slater, Daniel Miller, Grant McCracken, Colin Campbell, Pierre Bourdieu e Mary Douglas, preferem uma abordagem de temas não considerados pela discussão pós-moderna e preferem investigar a conexão do consumo com outras esferas da experiência humana de forma a identificar a possibilidade de uma maior compreensão de múltiplos processos sócio-culturais. Aceitar que o consumo é inerente a qualquer sociedade, entretanto apenas a nossa é sociedade de consumo, significa admitir que o consumo deixou de desempenhar apenas a função de satisfação social e passou a ocupar um patamar diferenciado de propensão a análise sócio-cultural devido a sociedade contemporânea. 9 Visando a complexidade em delimitar as fronteiras entre sociedade de consumo e cultura de consumo, BARBOSA (2004) propõe, com base em diversos autores, um quadro sistemático que tem como objetivo relacionar os diferenciais comportamentais entre sociedade de consumo e cultura de consumo. Veja: Sociedade de consumo Cultura de Consumo 1. Sociedade capitalista e de mercado; 1. Ideologia individualista; 2. Acumulação de cultura material sob forma de 2. Valorização da noção de liberdade e mercadorias e serviços escolha individual 3. Compra como principal forma de aquisição de bens e serviços; 4. Consumo de massas e para as massas; 5. Alta taxa de consumo individual; 6. Taxa de descarte das mercadorias quase tão grande quanto a de aquisição 7. Consumo de moda (novidade); 3. Insaciabilidade 4. Consumo como principal forma de reprodução e comunicação social; 5. Cidadania expressa na linguagem do consumidor; 6. Fim da distinção entre alta e baixa cultura 7. Signo como mercadoria 8. Consumidor como agente social legalmente 8. Estetização reconhecido nas transações econômicas; realidade; Quadro 1: criado pela autora a partir dos autores citados. e comoditização da 10 Uma vez que os questionamentos acerca de sociedade de consumo e cultura de consumo foram sanados, é importante agora analisar sistematicamente os indícios do surgimento desse modelo singular de sociedade de consumo com o objetivo enriquecer a compreensão no que diz respeito a esse fenômeno social. 2.2 INDÍCIOS DA SOCIEDADE DE CONSUMO Discussões acerca da temática do quando são bastante complexas por se tratarem de assuntos controversos. De acordo com BARBOSA (2004), alguns historiadores afirmam que a Revolução do Consumo e Comercial precedeu a Revolução Industrial e foi fundamental para o surgimento da modernidade e Modernização Ocidental, logo, estimuladora do modelo consumista de sociedade. “Por exemplo, como a industrialização poderia ter ocorrido em bases capitalistas sem a existência prévia de uma demanda adequada para a produção? Para quem esses industriais iriam vender?” (BARBOSA, 2004:15) Apesar dos diferentes pontos de vista, tanto os produtivistas como os historiadores, compartilhavam de uma lógica pertinente aos hábitos de consumo. BARBOSA (2004) destaca essa lógica como uma aceitação de que as pessoas são, por definição, insaciáveis, ou que existe uma propensão natural a consumir. Sendo que, ambas as possibilidades fariam com que qualquer aumento de renda ou salário fossem destinados ao consumo de bens materiais. Vale ressaltar que as origens dessa insaciabilidade e dessa propensão natural encontravam-se fora da esfera analítica dos economistas, justamente por ser tratarem de aspectos psicológicos, cabendo aos eles apenas a constatação destas. Ao se referir a insaciabilidade, BARBOSA (2004) a define como componente da sociedade de consumo moderna resultante de transformações históricas delineadas nos séculos XVI e XVII, onde, no século XVIII seria seu apogeu e momento de consolidação das transformações, diferentemente da propensão natural ao consumo, que não tem nenhuma constatação empírica. 11 “Essa constatação, contudo, nunca se baseou em qualquer evidência empírica, apenas na preferência cultural ocidental recente em destinar ao consumo de bens e mercadorias todo aumento da renda.” (BARBOSA, 2004:17) Esses indícios, no entanto, serviram para dar margem a uma nova temática de pesquisa pertinente aos aspectos da sociedade de consumo, e esta diz respeito a uma característica ímpar desse modelo de sociedade, que é o estímulo ao consumo de supérfluos. 2.3 O ADVENTO DA NÃO NECESSIDADE A sociedade de consumo é caracterizada por estimular o consumo de novas mercadorias, que até então, não ocupavam um patamar fundamental, os supérfluos. O surgimento dos supérfluos preenche uma parte fundamental na construção da teoria da sociedade de consumo. Com o advento da expansão ocidental, sociedades até então tradicionais começaram a ter contato com itens sem a finalidade de suprir apenas suas necessidades e dessa forma, propiciando os primeiros focos de sociedade de consumo. Esse surgimento se deu de forma gradativa, tendo como característica fundamental a passagem do consumo familiar para o consumo individual, onde o consumo familiar era caracterizado por sua produção voltada a suprir necessidades fisiológicas e sociais familiares instanciadas pelas leis suntuárias. “Esse conjunto de novas mercadorias dificilmente poderia ser considerado de necessidade, pois incluía itens com alfinetes, botões, brinquedos, rendas, fitas, veludos, louça para casa, fivelas de cinto, cadarços, jogos, plantas ornamentais, novos itens de alimentação e bebida e produtos de beleza entre outros.” (BARBOSA, 2004:19) As leis suntuárias, ou seja, do luxo, regiam o modelo tradicional de sociedade onde a posição social era quem definia o estilo de vida de cada um criando assim, um modelo social uniforme. Para BARBOSA (2004), esse modelo social era constituído por grupos com estilo de vida pré-definidos, ou seja, as leis suntuárias regiam as escolhas de roupas, as formas de lazer, os hábitos alimentares e até as manifestações comportamentais. 12 “Estas definiam o que deveria ser consumido por determinados segmentos sociais e o que era proibido para outros. As principais razões destas eram a preocupação moral com o luxo e a demarcação da posição social.” (BARBOSA, 2004:20) O elemento fundamental da transição da sociedade de corte3 para a sociedade de consumo seria a mudança do consumo de pátina para o consumo de moda, que certamente caracterizavam dois modelos de formação sócio-cultural distintos, enquanto na pátina existia uma valorização dos objetos que remetiam diretamente a tradição (status), na moda seria o oposto, a cultura do “novo” predominaria, acompanhando as ou tendências seja, caso o indivíduo contemporâneas, seria não estivesse automaticamente excluído da esfera social a qual pertencia ou tinha anseio de participar. “A moda, que caracteriza o consumo moderno, ao contrário da pátina, é um mecanismo social e expressivo de uma temporalidade de curta duração, pela valorização do novo e do individual.” (BARBOSA, 2004) A lógica do “Todos podem ser qualquer um”, proposta por Stuart Ewen e Elizabeth Ewen em Channels of Desire [Canais do Desejo], caracteriza o marco inicial da sociedade contemporânea, onde laços entre estilo de vida e status passaram a não ter mais valor. Os valores e costumes da sociedade contemporânea assumiram a forma trickle-down, ou seja, de cima para baixo. Com esse novo sistema social, ocorreu uma descentralização das políticas modistas, incentivando assim, o surgimento de várias manifestações paralelas de culturas e costumes. O modelo de sociedade contemporânea individualista, além de erradicar os códigos sociais e morais santuários, estimularia também a autonomia na decisão individual e a liberdade comportamental. A ausência de grupos de referência também estaria diretamente ligada a esse modelo individual, pois uma vez que as leis suntuárias deixassem de ser impostas, as referências dos indivíduos agora não vinham mais de uma forma linear, mas sim, de um esquema lateral de estímulos sociais. 3 Para um maior aprofundamento, ver Sociedade de Corte de Norbet Elias. 13 “O que existe hoje seria uma multiplicidade de grupos, tribos urbanas e indivíduos criando as suas próprias modas. Em vez de olharmos para cima, olharíamos para os lados.” (BARBOSA, 2004:22) Diferentemente das leis suntuárias, que afirmavam o que poderia ser consumido ou não, com essa ausência dos grupos de referência, o fator de acesso ao consumo passaria a ser a escolha individual. Essas escolhas, por sua vez, proporcionariam surgimento de rótulos sociais, estes responsáveis por ditar a esfera social pertinente a cada um. Esses rótulos se difundiram com mais velocidade por terem surgido em um período onde o fluxo de informação e o acesso a estas era mais ágil e dinâmico. Uma vez que o consumo passa a ser individual, os critérios para a aquisição de bens deixam de existir, na verdade, o único critério é a escolha individual. Nasce então à cultura do self, mencionada por BARBOSA (2004), onde cada qual pode criar sua própria moda, sua própria tendência visando uma adequação ao meio mais agradável. “É o império da ética do self, em que cada um de nós se torna o árbitro fundamental de suas próprias opções e possui legitimidade suficiente para criar sua própria moda de acordo com seu senso estético e conforto.” (BARBOSA, 2004:22) Essa cultura de consumo individualista possibilitaria que os indivíduos criassem suas próprias referências, assim como, que estes absorvessem qualquer outra referência que considerassem interessantes. Partindo dessa ótica, os estilos de vida poderiam sofrer mudanças a qualquer momento, o único critério seria o estado de espírito de cada um. Essa constante construção e desconstrução de identidades, acabaria influenciando no surgimento de uma nova corrente, a dos similares. “Todos somos consumidores. Desde que alguém tenha dinheiro para adquirir o bem desejado não há nada que o impeça de fazê-lo.” (BARBOSA, 2004:22) Com o critério para o consumo sendo a escolha, é imprescindível ressaltar que este estaria diretamente ligado ao poder de aquisição. Esse poder certamente seria diferente para cada indivíduo, o que faria com que 14 estes criassem modas similares na tentativa de inclusão em esferas de indivíduos com poder aquisitivo maiores. “Mesmo a renda funciona como uma barreira limitada. Os produtos similares e piratas permitem que estilos de vida sejam construídos e desconstruídos e lançados ao mercado e utilizado por pessoas cujas rendas certamente não são compatíveis com o uso de muitos deles nas suas respectivas versões originais.” (BARBOSA, 2004:22) Observando de uma perspectiva mais analítica, o estímulo ao consumo desenfreado acabou sendo percebido como um transgressor de valores morais, culturais e sociais, justamente pelo fato destes valores terem como foco central o consumo, assinala, Don Slater. “Essa característica permite, no ponto de vista de alguns, descrever a sociedade contemporânea de uma forma negativa, ou seja como uma sociedade materialista, pecuniária, na qual o valor social das pessoas é aferido pelo que elas têm e não pelo que elas são.” (BARBOSA, 2004:32) Apesar dessa perspectiva negativa, o modelo contemporâneo de consumo incentivou valores sociais positivos, justamente pelo fato de ter o consumidor como personagem principal, e dessa forma, os bens de consumo teria características voltadas para o bem estar dos consumidores. É importante então, compreender que características como consumo de signo, estimulo a aquisição de supérfluos e desejo insaciável de consumo, influenciariam posteriormente na formatação social do discurso publicitário, uma vez que este é pautado nas raízes ideológicas da sociedade. 15 CAPÍTULO 2 – O DISCURSO PUBLICITÁRIO. 1. O DISCURSO E O CONSUMO É bastante comum que ao estudarmos o discurso publicitário, quase sempre somos surpreendidos por afirmações que denotam que este é uma forma de manipulação direta4, contudo, iremos observar ao longo de nosso estudo que não é “apenas” isso. O discurso publicitário é composto por recursos estilísticos e argumentativos objetivados a trabalhar melhor as idéias a serem passadas, e dessa forma, alcançar uma forma de comunicação incentivadora, eficaz e que não possua um caráter de manipulação direta e ostensiva. De acordo com TAVARES (2005), a própria fala é um recurso comunicativo que ilustra bem o modelo publicitário de discurso, afinal, através da fala argumentamos idéias e tentamos impor-las. Essa argumentação também está presente em vários outros discursos, como por exemplo, o político, o jurídico, o jornalístico, o médico e o acadêmico. De acordo com TAVARES (2005), independente do discurso, todos estes se utilizam da manipulação da base informativa de acordo com seus objetivos, o que diferencia o discurso publicitário dos demais é basicamente a percepção, ou não percepção, do público-alvo quanto aos recursos utilizados. “A diferença está no grau de consciência quanto aos recursos utilizados e, nesse sentido, a publicidade se caracteriza pela utilização racional de tais instrumentos para convencer, modificar e manter a opinião e a percepção do público-alvo quanto a uma determinada idéia, produto ou marca.” (TAVARES, 2005:11) Para entendermos melhor esses recursos “mágicos” de argumentação publicitária, é importante uma definição adequada ao termo publicidade. Para TAVARES (2005), a publicidade é uma mensagem paga que se utiliza de recursos lingüísticos e estilísticos de ordenação, persuasão e sedução através de apelos racionais e emocionais. Esses recursos seguem a seguinte lógica comunicativa: 4 Para maior aprofundamento, ver Teorias da Comunicação de Milton José Pinto. 16 Emissor: Embora transmita de forma imperativa (ou indicativa), mantém-se oculto; Mídia: Representa os meios de comunicação; Receptor: Também conhecido como consumidor, é o alvo desse processo comunicativo; Segundo SAMPAIO (1999), na língua inglesa, três termos são utilizados para definir publicidade: Advertising: anúncio comercial, propaganda que visa divulgar e promover o consumo de bens (mercadorias e serviços); assim como a propaganda dita de utilidade pública, que objetiva promover comportamentos e ações comunitariamente úteis (não sujar as ruas, respeitar as leis de trânsito, não tomar drogas, etc). Propaganda: propaganda de caráter político, religioso ou ideológico, que tem como objetivo disseminar idéias dessa natureza. Publicity: informação disseminada editorialmente (através de jornal, revista, rádio, TV, cinema ou outro meio de comunicação público) com o objetivo de divulgar informações sobre pessoas, empresas, produtos, entidades, idéias, eventos, etc, sem que para isso o anunciante pague pelo espaço ou tempo utilizado na divulgação da informação. A estrutura persuasiva do texto publicitário está baseada no pensamento retórico aristotélico, que trazendo para a contemporaneidade publicitária, consiste em fazer um apelo à emoção do consumidor, oferecer provas que afirmam os benefícios dos produtos e apelar à credibilidade do anunciante. Esse modelo secular proposto por Aristóteles está fundado sob as retóricas emocional, racional e institucional, possuindo características indicativas e imperativas. Em “Arte Retórica” e “A Poética”, Aristóteles faz um estudo e classifica os diferentes tipos de discurso utilizados na comunicação: Discurso Deliberativo: aconselha para uma ação futura; Discurso Judiciário: a narrativa é feita sobre fatos acontecidos, focada no 17 passado; Discurso Demonstrativo: age no presente, louva, censura, leva em consideração o agora. Para Aristóteles, todo e qualquer discurso que vise convencer, persuadir e modificar alguma opinião com o fim de obter uma reação/resposta do receptor enquadra-se no estilo deliberativo. O texto publicitário, por natureza, é um texto deliberativo. Normalmente é criado com base em tempos verbais imperativos: Abuse e Use, Beba Coca-cola, Faça um test-drive, Experimenta. É importante entender também que o discurso publicitário está pautado sobre um contexto constituído por fatos socioculturais com significados produzidos através do senso comum, isso quer dizer que a concepção do material comunicativo está ligada diretamente aos hábitos comportamentais do receptor. Para TAVARES (2005), elas são elaboradas mediante um senso comum carregado de valores e representações sociais, culturais, estéticas e políticas, que estão em consonância com a capacidade cognitiva interpretativa de um determinado receptor. No entanto, esse jogo de significados está situado em uma lógica foucaultiana5, onde a publicidade exercita-se de forma ardilosa e perversa, onde o receptor é tido como um mero consumidor e os objetos comunicativos são espetacularizados. “Os anúncios publicitários enfatizam, magicamente, o sentido de um poder que se legitima pela ordem de um espetáculo, no qual o receptor tem um papel e um script a seguir, que é o de ser consumidor (identidade) e um contexto de consumo como enunciado de pertencimento, idolatria, controle e aceitação social” (TAVARES, 2005:21) O sujeito é socialmente aceito porque compra, diz TAVARES (2005). De certa forma, as instituições sociais são responsável por produzir essa subjetividade ao firmar o consumo como métrica de aceitação e controle utilizando o discurso publicitário para manipular o indivíduo e o coletivo através 5 Referente às relações de poder propostas por Michel Foucault, onde ele considerava o poder não como algo que o indivíduo cede a um soberano (concepção contratual jurídico-política), mas sim como uma relação de forças. 18 de argumentos fantasiosos provenientes de uma retórica publicitarizada. Esse princípio da retórica publicitarizada pode ser melhor compreendido ao estudar as definições de retórica propostas por JOLY (2005) em seu livro A retórica da imagem. 2. A RETÓRICA PUBLICITARIZADA Antes de apresentar os conceitos da retórica publicitarizada, é importante compreender primordialmente análises propostas por JOLY (2005) sobre o que Roland Barthes e seus sucessores entendem por “retórica” e, em seguida, retórica da imagem ou retórica publicitarizada 2.1 A RETÓRICA CLÁSSICA A retórica clássica pode ser interpretada como a arte (técnica) de falar em público. Para os antigos oradores gregos, mestres da eloqüência, esta teria como objetivos convencer e persuadir o auditório através da boa fala e, posteriormente, da boa escrita. No entanto, o conceito de “boa” não está ligado a valores morais, mas sim, a estimativas de eficácia. Para JOLY (2005), o critério de validação da argumentação, não está relacionado diretamente com a verdade, mas sim a verossimilhança, que consiste em um atributo que denote intuitivamente a algo que se assemelhe a verdade, ou seja, o que é atribuído a uma realidade aparente ou de uma probabilidade de verdade. Diferentemente do verdadeiro, o argumento verossímil não tem nenhuma relação com o real, mas sim ao que a maioria das pessoas acredita ser o real. No entanto, essa lógica da utilização de argumentos que “parecem” reais com a finalidade de conduzir ao Verdadeiro e ao Bem, para Sócrates é traduzida como “a arte de fingir”, já Aristóteles, em sua poética, a defende como arte útil quando tem a função “de agradar e tocar”. 2.2 A RETÓRICA DA IMAGEM Partindo dos 1960, período de efeverscência intelectual lingüística graças à renovação da teoria literária, a descoberta na França do formalismo 19 russo e, depois, do estruturalismo, o escritor, sociólogo, semiólogo e filósofo francês Roland Barthes propõe algumas reflexões sobre o mecanismo de funcionamento da imagem em termos de retórica. De acordo com JOLY (2005), Barthes pauta suas reflexões pertinentes a retórica e conotação (imagem) sobre duas acepções: inventio6 e elocutio7, sendo que, o primeiro refere-se ao modo de persuasão e argumentação e o segundo relativo às figuras. Na retórica como inventio, Barthes identifica o modelo de retórica da conotação, onde uma significação segunda (significado) é provocada a partir de uma significação primeira (significante). Tal modelo é ilustrado através do seguinte diagrama: Significante Significante Significado Significado Quadro 1: diagrama criado pelo autor para ilustrar o processo de significação. A partir desse diagrama, Barthes conceituou a leitura simbólica da imagem publicitária, assim como defendeu que o processo de conotação seria pertinente a qualquer imagem, uma vez que deduz que uma imagem sempre pretende dizer algo diferente do que denota. “Para ele, esse processo de conotação é constitutivo de qualquer imagem, mesmo das mais “neutralizantes”, como a fotografia, por exemplo, pois não existe imagem “adâmica”¹. Que o motor dessa leitura segunda, ou interpretação, seja a ideologia, para uma sociedade e história determinadas, em nada invalida o fato de que, para Barthes, uma imagem pretende sempre dizer algo diferente do que representa no primeiro grau, isto é, no nível da denotação.” (JOLY, 2005:83) Uma vez entendendo esse sistema de signos, é possível constituir uma análise sobre a apropriação do discurso publicitário da retórica da imagem em seu modelo persuasivo de argumentação publicitária. Para tal, os estudos sobre retórica e publicidade de Jacques Durand são completamente 6 Inventio, ou “invenção”, consiste em procurar os temas, os argumentos, os lugares e as técnicas de ampliação e de persuasão relacionadas ao tema ou à causa escolhida. 7 Elocutio, ou “estilo”, diz respeito à escolha das palavras e da organização interior da frase, isto é, à utilização das figuras de estilo: sintagma e paradigma. 20 pertinentes, uma vez que, em sua análise de mais de mil anúncios, constatou a apropriação publicitária de figuras de retórica que até então eram reservadas a linguagem falada, tais como figuras de sintagma e figuras de paradigma. Para ilustrar essa afirmação, Durand cita como exemplo as metáforas visuais encontradas na mensagem publicitária, e para tal, utiliza como exemplo a publicidade da Marlboro, que ao substituir em seu anúncio um maço de cigarros por um rádio de automóvel, atribui implicitamente ao seu produto qualidades dos objetos ausentes (energia, diversão, descontração etc.). É bastante lógico que ninguém vá fumar um rádio de automóvel, contudo, é exatamente nesse ponto que consiste a mensagem publicitária, evidentemente a literalidade desse anúncio é inaceitável, o que força com que o receptor seja forçado a interpretar este em segunda instância, a de conotação. Para Jaques Durand, os conceitos provenientes dessa metáfora não são apenas mentiras, são também transgressões de leis sociais, físicas, de linguagem etc.; sendo estas, sustentadas por figuras de retórica tais como metáforas, hipérboles, elipses, acumulações, anacolutos etc. “Assim, encontram-se na publicidade todos os exemplos de liberdades com respeito a uma grande quantidade de normas: a ortografia e a linguagem (Axion por ação)*, o peso (cigarros light representados em suspensão), a sexualidade (o erotismo do corpo feminino que acompanha todos os tipos de produto), o fantástico (a irrupção dos elementos irreais no real, como a autonomia ou desproporção dos objetos, um refrigerador abrindo-se para um palácio indiano, uma barra de chocolate crocante que provoca o desabamento do cenário) e assim por diante.” (JOLY, 2005:86) Essas transgressões são apoiadas não no verdadeiro, mas sim, no verossímil, e dessa forma, essas transgressões são propostas aceitas sem provocar uma censura real, pois por serem fingidas, permanecem impunes. Partindo dessa lógica, Durand conclui que a função das figuras de retórica na imagem publicitária é provocar o prazer do espectador poupandolhe de inibições e repressões e permitindo que este sonhe com um mundo onde tudo é possível. Para JOY (2005), essas transgressões fingidas e não punidas propõe considerar a retórica da imagem publicitária como uma retórica da busca do prazer. 21 Analisando o discurso como política social, é importante entender a apropriação pela retórica publicitária da ideologia e hegemonia, onde estas se referem às significações e construções da realidade física, social e de identidades sociais das práticas discursivas, e embora haja em uma formação social mais de uma ideologia, a dominante estará ligada diretamente ao conjunto de idéias da classe dominante (hegemonia). 3. IDEOLOGIAS PUBLICITÁRIAS É justamente nessa lógica que a publicidade atua, uma vez que esta é reflexo e expressão da ideologia dominante através da sua axiologia de valores que sublima a idéia de saber e organização social, vide consumo. (TAVARES, 2005) Essa visão hegemônica de publicidade a coloca em um patamar de produção e agenciamento de valores, saberes e naturaliza os desejos de consumo (aceitação da ideologia), estimulando assim políticas de aceitação e pertencimento como necessidades básicas. Para “ser” é preciso ter; consumir o que a publicidade afirma que é certo (TAVARES, 2005). Para a publicidade, estimular valores da busca por um mundo melhor são fundamentais, pois a partir disso, incentiva desejos de busca, que inclusive, só podem ser possíveis se for por intermédio da publicidade. Para TAVARES (2005), a publicidade domina o imaginário com o discurso de que o consumo insere socialmente o sujeito, mas quem não o tem (e não pode) é marginalizado. A pasteurização da felicidade, enfatizada por TAVARES (2005) apresenta o discurso hegemônico publicitário como um forte influenciador na cultura de consumo e que atua como um modelo totalitário produtor de relações sociais de manipulação ideológica. Dessa forma, elevando a publicidade a um patamar de solucionadora de problemas da vida, estimulando valores sociais de consumo e aceitação. 22 Para “solucionar” os problemas da vida, a publicidade impõe como meio as empresas – e suas marcas comerciais – uma vez que estas são posicionadas como exemplo de moral a ser seguido, como uma fórmula única para descobrir o caminho para o mundo melhor. Para ilustrar esse modelo de imposição da ideologia, utilizaremos uma citação do Economista Quessada, que em seu livro O poder da publicidade na sociedade consumida pelas marcas, discorre a respeito dessa imprecisão entre noções de público e privado provocadas pela publicidade: “Integrando-se a vida cotidiana, a publicidade promove a empresa como lugar de poder. Ela afirma que a empresa está em condições de fazer tudo com o poder, simplesmente porque ela é o poder. A publicidade mostra que a empresa é boa porque se ocupa de nós e espalha o bem ao seu redor. Ela põe em cena o fato de que a empresa, sabendo gerir todos os aspectos da vida cotidiana desde os produtos até os programas de televisão, passando pela cultura, pela edição etc., doravante é capaz de assumir totalidade da experiência (QUESSADA apud TAVARES, 2005:26).” Aceitando o principio de que toda sociedade possui uma ideologia, para se entender uma sociedade, bastaria compreender sua ideologia, e esta, faz parte da produção simbólica de sentido onde sonhos, desejos e frustrações presentes no imaginário coletivo, são socialmente instituídos (TAVARES, 2005), e é partindo de atributos do imaginário coletivo que a publicidade alicerça suas bases comunicativas, trabalhando o discurso através de elementos já presentes na percepção do público de forma a encurtar e facilitar a comunicação com os consumidores. E para isso é importante compreender o conceito de intertextualidade. Para TAVARES (2005), a intertextualidade, segundo Mikhail Bakhtin8, se faz mediante a presença de outros textos. Ou seja, todos os enunciados são povoados e, na verdade, constituídos por pedaços de enunciados de outros, mais ou menos explícitos ou completos (Fairclough apud Tavares, 2005). “O conceito de intertextualidade aponta para a produtividade dos textos, para como os textos podem transformar os textos anteriores e reestruturar as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar novos textos. Mas 8 Mikhail Bakhtin é um filósofo da linguagem e sua lingüística é considerada uma "trans-lingüística" porque ela ultrapassa a visão de língua como sistema. 23 essa produtividade na prática não está disponível para pessoas como um espaço ilimitado para inovação textual e para jogos verbais; ela é socialmente limitada, restringida e condicional conforme as relações de poder (Fairclough apud Tavares, 2005:29).” No entanto, o discurso publicitário pode apresentar duas formas de intertextualidade: a manifesta, ou seja, explícita e sugerida por traços na superfície do texto, como aspas, por exemplo. E outra forma é a intertextualidade constitutiva, onde há uma incorporação involuntária (implícita) de convenções discursivas. (Fairclough apud Tavares, 2005) Para TAVARES (2005), na prática a intertextualidade manifesta é apresentada por meio de metáforas, expressões populares, letras de música, apropriação de frases ou palavras ditas por personalidades construídas pelo imaginário coletivo, já o modelo constitutivo, caracteriza a essência da narrativa publicitária, onde artifícios lingüísticos de produção são dirigidos ao consumo como estratégia de pertencimento, aceitação e valorização. De certa forma, a linguagem publicitária é conotação pura, e o discurso é sempre alegórico (BAUDRILLARD, 2005). Essa conotatividade do discurso está relacionada à intertextualidade, uma vez que esse modelo ambivalente propõe uma sutileza que funciona como um argumento de venda interessante. Essa “alegorização” serve basicamente como adequação do discurso publicitário de forma que este fique compatível com a ideologia de aceitação social (TAVARES, 2005). Uma estratégia de intertextualidade bastante comum é a utilização da comodificação nas mensagens publicitárias, onde signos sociais sem valor econômico de produção são transformados em mercadorias. “A comodificação é o processo pelo qual os domínios e as instituições sociais, cujo propósito não seja produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para venda, vêm não obstante a ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias (Fairclough apud Tavares, 2005:31).” Com a lexicalização (apropriação da linguagem) de pessoas, idéias, valores e atitudes, a publicidade transformou estes em mercadorias que servem como argumentos de venda, em outras palavras, tudo está à venda, inclusive o consumidor é tido como mercadoria (TAVARES, 2005). No universo 24 do discurso publicitário, todos devem falar a mesma língua por estarem sujeitos à ordem da manipulação e “colonização do discurso” sob a afirmação do signo de hegemonia. Nesse universo onde o consumo funciona como passaporte social, aquele que não consume é visto como diferente, o marginal, o esquizofrênico (TAVARES, 2005). A única escolha pertinente é a de consumir para integrar-se socialmente. “A comodificação pasteuriza de tal maneira os discursos (não só o publicitário) que o próprio sujeito passa a ter sentido na vida por intermédio da lógica de consumo, que é cotidianizada pela publicidade como uma retórica que penetra no imaginário simbolizando o seguinte léxico contíguo: Seja diferente. Se destaque: compre-me. Seja alguém (TAVARES, 2005:31)”. Esse estímulo ao consumo de massa não ocorreu de forma espontânea, muito menos foi subproduto da insaciabilidade humana (RIFKIN, 2004). Para uma compreensão melhor sobre o “estopim” desse estímulo ao consumo desenfreado de supérfluo, as análises de Rifkin referentes ao período fordista, especificamente no que diz respeito à instituição do evangelho do consumo na sociedade norte-americana, serão bastante esclarecedoras. 4. O CONSUMIDOR INSATISFEITO De acordo com RIFKIN (2004), para os economistas, no início do século XX a maioria das pessoas se contentava em suprir “apenas” suas necessidades básicas, pois preferiam ter mais tempo livre para lazer a horas adicionais de trabalho para angariar mais proventos e dedicar estes ao consumo de supérfluos, o que certamente tornou-se uma preocupação crítica e a ruína de empresários que tinham suas fábricas e armazéns com estoques acumulados de produtos, uma vez que estes eram produzidos em larga escala e não tinham consumidores. “Com um crescente número de trabalhadores sendo dispensados pelas novas tecnologias de racionalização de trabalho e com o elevado nível de produção, a comunidade empresarial procurou desesperadamente novas maneiras de redirecionar a psicologia dos trabalhadores, convertendo-os para o que Edward Cowdrick, consultor de relações industriais da época, chamou de “O novo evangelho econômico do consumo (RIFKIN, 2004:20)” 25 No entanto, “converter” os norte-americanos que tinham como referências parcimônia9 e poupança não seria uma tarefa fácil, já que a virtude do auto-sacrifício (poupar para ter uma qualidade de vida melhor) prevalecia sobre a tentação da gratificação imediata (compre agora!) no mercado de consumo, em outras palavras, transformar os trabalhadores americanos de investidores no futuro em consumidores do presente (RIFKIN, 2004). O ponto de partida crucial para essa mudança foi quando os líderes empresariais perceberam que para fazer as pessoas “desejarem” coisas que não faziam parte de suas listas de prioridades, precisariam criar um novo tipo de consumidor, o “consumidor insatisfeito”. A partir dessa percepção, a General Motors (GM) já havia começado a introduzir mudanças anuais nos modelos de seus automóveis e lançara uma campanha com a finalidade de deixar os consumidores descontentes com o carro que já possuíam (RIFKIN, 2004). Da noite para o dia, a cultura do produtor transformava-se na cultura do consumidor (RIFKIN, 2004). Partindo dessa nova lógica, ferramentas como o Marketing, que até então tinha um grau de importância secundário nos negócios, passou a ter uma função primordial, justamente por este conscientizar a comunidade empresarial sobre a importância do consumidor na manutenção do sistema econômico. “O historiador Frederick Lewis Allen resumiu a emergente conscientização: “Os negócios aprenderam, como jamais haviam aprendido antes, a importância do consumidor final.” A não ser que pudesse ser persuadido a comprar, e comprar prodigamente, a sucessão de carros de seis cilindros, cigarros, batons e refrigeradores elétricos estaria encalhada nos seus pontos de venda (RIFKIN, 2004:21)” Percebendo essa nova possibilidade, os anunciantes voltaram seus argumentos de venda, que até então eram relacionados a informações descritivas e utilitárias, a apelos emocionais ao status e diferenciação social (RIFKIN, 2004). 9 Parcimônia significa a mesma coisa que realizar algo com precaução, cuidado, moderação. 26 O consumidor era bombardeado por informações que o conduzia a tomar como exemplo de sucesso pessoas com elevado poder aquisitivo e, desta forma, era pressionado socialmente a adotar valores e costumes que até então eram restritos a aristocracia empresarial e a elite social, é importante ressaltar que nem sempre o consumidor contava com poder aquisitivo suficiente para adentrar nessa esfera social. Entretanto, esse processo de transformação do trabalhador americano em um consumidor preocupado com o status não se daria do dia para a noite, visto que a maioria destes ainda produzia seus produtos em casa, e foi justamente entendendo esse posicionamento que os anunciantes resolveram utilizar métodos para denegrir os produtos que eram feitos em casa e dessa forma, promover os itens “comprados na loja” e “fabricados” (RIFKIN, 2004). Como alvo principal, os anunciantes escolheram o nicho social mais preocupado com inclusão social e aceitação, os jovens. As mensagens publicitárias eram objetivadas a fazer com que estes sentissem vergonha de utilizar produtos feitos em casa. Para Harry Braverman, especialista em trabalho, a fonte de status não é mais a capacidade de produzir coisas, mas de comprá-las. Fica clara então, a passagem histórica pertinente ao surgimento do consumidor insatisfeito, elemento fundamental na construção teórica do discurso publicitário. Entendidas as bases sociológicas do discurso publicitário, é pertinente agora abordar os recursos utilizados na construção da argumentação publicitária. 5. RECURSOS DO DISCURSO PUBLICITÁRIO 5.1 IMPERATIVO, INDICATIVO E PAPAI NOEL Para TAVARES (2005) é indispensável compreender as características do indicativo e do imperativo publicitários, e da lógica do Papai Noel. A análise desses objetos do discurso publicitário possibilita traçar panorama sobre a 27 abordagem da mensagem publicitária mediante o paradigma do consumo proposto por Baudrillard. O imperativo publicitário se destaca por apresentar as características do produto (aspectos racionais), assim como fornecimento de provas através de uma retórica persuasiva. Bons exemplos desse “objeto lingüístico” são: “Beba Coca-Cola”, “Abuse e Use C&A” (TAVARES, 2005). Entretanto, é perceptível a substituição do discurso publicitário imperativo racional por um modelo indicativo lúdico, onde o discurso é implicitamente representado na forma de sonho, desejo de poder e que apresenta uma capacidade de manipulação e influência maior justamente por inserir a mensagem da marca utilizando-se de artifícios culturais de forma cotidianizada. “Se resistirmos cada vez mais ao imperativo publicitário, tornamonos ao contrário cada vez mais sensíveis ao indicativo da publicidade, isto é, à sua própria existência enquanto segundo produto de consumo e manifestação de uma cultura. É nesta medida que nela “acreditamos”; o que consumimos nela é o luxo de uma sociedade de bens que é “superada” em uma cultura. Somos investidos ao mesmo tempo de uma autoridade e de sua imagem (BAUDRILLARD, 2005:175)” Ainda recorrendo ao repertório discursivo publicitário, é imprescindível discorrer sobre a retórica da ilusão e da fantasia que é representada pela lógica do papai Noel proposta por Baudrillard: “Todavia, sem “crer” nesse produto, creio na publicidade que me faz crer nele. É a velha história do Papai Noel: as crianças não mais interrogam sobre sua existência e jamais a relacionam com os brinquedos que recebem como causa e efeito – a crença do Papai Noel é uma fabulação que permite preservar na segunda infância a miraculosa relação de gratificação pelos pais (mais precisamente pela mãe) que caracteriza as relações da primeira infância (BAUDRILLARD, 2005:176)” O Papai Noel não tem importância e a criança só acredita nele porque no fundo não importa. O que ela consome dessa imagem, desta ficção, que acreditará mesmo quando deixar de crer, é o jogo propiciado pelos pais e os cuidados que estes assumem em serem cúmplices dessa fábula. 28 A mensagem publicitária age da mesma maneira. Nem o discurso retórico, nem mesmo o discurso informativo sobre as virtudes do produto tem efeito decisivo sobre o comprador. De fato, ele não acredita na publicidade mais do que a criança no Papai Noel. O que não o impede de aderir da mesma maneira a uma situação infantil interiorizada e de se comportar de acordo com ela. O Papai Noel é representa apenas o álibi que inibe a repressão por acreditar em algo verossímil. 5.2 APRESENTAR, INFORMAR E INDUZIR Os conceitos de mostração, interação e sedução apresentados por Milton José Pinto em seu livro Comunicação e Discurso, irão servir como base analítica sobre a linguagem verbal e outros sistemas semióticos (como imagens) presentes na mensagem publicitária. “(...) construir o referente ou universo do discurso ou mundo do qual seu texto fala (função de mostração), estabelecer os vínculos socioculturais necessários para dirigirse ao seu interlocutor (função de interação) e distribuir os afetos positivos e negativos cuja hegemonia reconhece e/ou quer ver reconhecida (função de sedução) (PINTO, 2002:65)” Onde a função de mostração consiste em construir o referente ou universo do qual o texto fala (PINTO, 2002), contextualizando o receptor mediante um processo de senso comum, como operação de enunciação produzindo efeito de sentido (BAUDRILLARD, 2005). Já o conceito de interação consiste em estabelecer vínculos socioculturais para se dirigir ao receptor, na tentativa de cooptá-lo e de agir sobre ele ou sobre o mundo por seu intermédio (PINTO, 2002). A terceira função é a de sedução, que tem a função de marcar as pessoas, coisas e acontecimentos referidos com valores positivos ou eufóricos e negativos ou disfóricos, a fim de reforçar os valores hegemônicos vigentes, contudo, a decodificação por parte do receptor para assimilar esse conceito da idéia é fundamental (PINTO, 2002). PINTO (2002) utiliza como exemplo para ilustrar a decodificação da função de sedução, a foto publicitária. “A contribuição do receptor na interpretação dos valores expressivos é também importante no caso das 29 imagens, cujas conotações são sugeridas por meio de técnicas de manipulação dos retratados e do cenário, enquadramento, iluminação, profundidade do foco, utilização de recursos de edição, como a diagramação (PINTO, 2002:69).” A estratégia de sedução assemelha-se ao paradigma da lógica do Papai Noel, justamente por ambas fabularem uma idéia de simulacro, em que a propaganda precisa utilizar-se da fabulação lúdica para que o consumidor acredite nela. Uma vez que foram apresentados os elementos constituintes da sociedade de consumo e os recursos lingüísticos e semânticos do discurso publicitário, é possível afirmar que já temos os argumentos necessários para elaborar uma análise discursiva acerca da publicidade inserida no contexto de responsabilidade social. 30 CAPÍTULO 3 – A COMUNICAÇÃO E SUAS RESPONSABILIDADES SOCIAIS A idéia primordial desse capítulo é apresentar os conceitos básicos de responsabilidade social, identificar as vantagens e desvantagens mercadológicas em se ter valores socialmente responsáveis agregados a marca e posteriormente, identificar possíveis motivos para a adequação do discurso publicitário inconseqüente a um modelo discursivo socialmente responsável. 1. ÉTICA, MORAL E RESPONSABILIDADE SOCIAL Para discorrer sobre essa temática, as fundamentações na ética e na explicação de princípios e valores proposta no livro Ética e responsabilidade social nos negócios coordenado por Patrícia Almeida Ashley são perfeitamente pertinentes, pois justificam e fundamentam o conceito de responsabilidade social de forma a propor uma visão mais holística sobre a atuação destes conceitos no ambiente empresarial. Para ASHLEY (2003), é visível que hoje em dia as organizações precisam voltar seus olhares não só para suas responsabilidades econômicas e legais, mas também suas responsabilidades éticas, morais e sociais. As responsabilidades éticas estão ligadas a atividades, práticas, políticas e comportamentos esperados (positivamente) ou proibidos (no sentido negativo) por membros da sociedade (ASHLEY, 2003). No entanto, essas responsabilidades éticas são oriundas de valores morais específicos, onde estes correspondem a formações pertinentes ao repertório pessoal sobre comportamentos eticamente corretos ou incorretos no que diz respeito ao próprio individuo ou a relação aos outros. Já a moral, corresponde a um conjunto de valores e regras que as nações, grupos sociais ou organizações adotam por julgarem corretos e desejáveis, podendo esta, variar de acordo com o âmbito aplicado por ter um grau de rigidez menor que o da sistematização ética. “Em outras palavras, os valores morais de um grupo ou organização definem o que é ser ético para si e a partir daí, elaboram-se rígidos códigos éticos que precisam ser seguidos 31 sob pena de ferirem os valores morais preestabelecidos (ASHLEY, 2003:6)” Para uma definição do termo Responsabilidade Social, é importante levar em consideração que contexto social empresarial é bastante dinâmico, logo, para compreender o significado deve-se levar em consideração que este está em constante mudança. O termo "responsabilidade social" denota a idéia de obrigação a cumprir, ou seja, alguém deve justificar a própria atuação perante outra. Durante muito tempo, este foi entendido, como sendo a obrigação do administrador de prestar contas dos bens recebidos por ele. Ou seja, economicamente, a empresa é vista como uma entidade instituída pelos investidores e acionistas, com objetivo único de gerar lucros. ASHLEY (2003) cita o exemplo do “credo” elaborado pela Johnson & Johnson para ilustrar o discurso empresarial acerca da abordagem da responsabilidade social, abrangendo desde acionistas, passando pelos clientes, fornecedores e distribuidores, empregados e suas famílias, comunidade local e mundial e meio ambiente. Credo da Johnson & Johnson: • Cremos que nossa primeira responsabilidade é para com os médicos, enfermeiras e pacientes, para com as mães e todos os demais que usam nossos produtos e serviços. Para atender as suas necessidades, tudo o que fizermos deve ser de alta qualidade. • Devemos constantemente nos esforçar para reduzir nossos custos, a fim de manter preços razoáveis. Os pedidos de nossos clientes devem ser pronta e corretamente atendidos. Nossos fornecedores e distribuidores devem ter a oportunidade de auferir um lucro justo. • Somos responsáveis com nossos empregados, homens e mulheres que conosco trabalham em todo o mundo. Cada um deve ser considerado em sua individualidade. Devemos respeitar sua dignidade e reconhecer seus méritos. Eles devem se sentir seguros 32 em seus empregos. A remuneração deve ser justa e adequada e o ambiente de trabalho limpo, ordenado e seguro. Devemos ter em mente maneiras de ajudar nossos empregados a atender as suas responsabilidades familiares. • Os empregados devem sentir-se livres para fazer sugestões e reclamações. Deve haver igual oportunidade de emprego, desenvolvimento e progresso para os qualificados. Devemos ter uma administração competente, e suas ações devem ser justas e éticas. • Somos responsáveis perante às comunidades nas quais vivemos e trabalhamos, bem como perante a comunidade mundial. Devemos ser bons cidadãos – apoiar boas obras sociais e de caridade e arcar com a nossa justa parcela de impostos. Devemos encorajar o desenvolvimento do civismo e a melhoria da saúde e da educação. Devemos manter em boa ordem as propriedades que temos o privilégio de usar, protegendo o meio ambiente e os recursos naturais. • Nossa responsabilidade final é para com os nossos acionistas. Os negócios devem proporcionar lucros adequados. Devemos experimentar novas idéias. Pesquisas devem ser levadas adiante, programas inovadores desenvolvidos e erros reparados. Nossos equipamentos devem ser adquiridos, novas fábricas construídas e novos produtos lançados. Reservas devem ser criadas para enfrentar tempos adversos. Ao operarmos de acordo com estes princípios, os nossos acionistas devem receber justa recompensa. Oded Grajew (2001), presidente do Instituto Ethos, uma das principais instituições responsáveis pela difusão do conceito de responsabilidade social na sociedade brasileira, define o conceito como: "(...) a atitude ética da empresa em todas as suas atividades. Diz respeito às interações da empresa com funcionários, fornecedores, clientes, acionistas, governo, concorrentes, meio ambiente e comunidade. Os preceitos da responsabilidade social podem balizar, inclusive, todas as atividades políticas empresariais." (GRAJEW, Instituto Ethos, 2001). 33 Atualmente, a intervenção de políticas sociais humanistas exige das organizações uma nova postura, alicerçada em valores éticos que promovam o desenvolvimento sustentável da sociedade como um todo. Estas idéias são reforçadas pelo Instituto Ethos, que ao definir a responsabilidade social afirma que a questão da responsabilidade social vai, portanto, além da postura legal da empresa, da prática filantrópica ou do apoio à comunidade. Significa mudança de atitude, numa perspectiva de gestão empresarial com foco na qualidade das relações e na geração de valor para todos (GRAJEW, Instituto Ethos, 2001). Entretanto, para Richard Daft (1999), o conceito de responsabilidade social, assim como o da ética, é fácil de definir, o complicado está na transformação do conceito em ação, pois esbarra em crenças individuais, questões ambíguas de certo ou errado, considerações morais, legais e econômicas que fazem do comportamento socialmente responsável difícil de definir. “A definição formal de responsabilidade social é a obrigação da administração de tomar decisões e ações que irão contribuir para o bem-estar e os interesses da sociedade e da organização”. (DAFT, 1999, p. 88) E foi justamente partindo dessa lógica, que a revista Exame, em seu “Guia de Boa cidadania Corporativa” (GUIA, 2001), utiliza os seguintes indicadores de avaliação, que foram construídos em parceria com o Instituto Ethos, para classificar as melhores práticas empresariais: • Valores e transparência: adoção e abrangência de práticas como divulgação de crenças, valores e compromissos éticos, transparência e publicação de balanço social; • Funcionários e público interno: avaliação de benefícios, gestão participativa, posicionamento em relação ao trabalho diversidade, treinamento e desenvolvimento, segurança e saúde; infantil, 34 • Meio ambiente: aspectos como gerenciamento do impacto e o desenvolvimento de programas de educação ambiental para funcionários e comunidade; • Fornecedores: critérios de contratação e gerenciamento de acordo com as exigências da legislação trabalhista, não utilização de mão de obra infantil e relacionamento com funcionários terceirizados; • Consumidores/Clientes: grau de respeito e o tratamento dado aos que compram os produtos e serviços; • Comunidade: o relacionamento da empresa com o mundo exterior, filantropia, envolvimento com o terceiro setor e incentivo ao trabalho voluntário dos funcionários; • Governo e sociedade: inclui a ética no relacionamento com o Estado e a posição de liderança da empresa dentro do próprio setor. Uma vez que a intenção desse capítulo é apresentar o momento em que o discurso publicitário começou a adequar-se a um modelo socialmente responsável, é pertinente primeiro destacar os possíveis motivadores dessa mudança discursiva. 2. VANTAGENS MERCADOLÓGICAS Adotar posturas éticas e compromissos sociais com a comunidade pode ser um diferencial competitivo e um indicador de rentabilidade e sustentabilidade. Para Idalberto Chiavenato (1999), Ph.D em Administração pela City University of Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos, entre uma empresa que assume uma postura de integração e contribuição social e outra voltada para si, a tendência do consumidor é dar preferência a socialmente responsável e além disso, acredita-se que ao atuar de forma ética e preocupada com o meio, a empresa desenvolve valores e práticas positivas sobre sua cadeia produtiva e seus colaboradores, gerando melhores resultados. 35 Essa preferência dos consumidores foi identificada por executivos de grandes corporações como sendo uma possibilidade de potencialização da lucratividade. Em 2002, foi divulgado no Fórum Econômico Mundial, Nova York, uma pesquisa de opinião realizada pela empresa de consultoria Price Water House Coopers, que ouviu 1.161 executivos-chefes de corporações na Europa, Ásia e Américas. Os resultados dessa pesquisa constataram o crescimento constante do interesse em responsabilidade social entre as correntes empresariais: "(...) 68% concordam que a responsabilidade social das empresas é vital para a lucratividade de todas elas (...) 60% dos executivos não acreditam que a responsabilidade social corporativa deva assumir uma prioridade menor no atual clima econômico." (PASSOS, 2002:5) No Brasil, especialmente nos últimos cinco anos, a participação de iniciativas privadas em questões públicas tem tido uma visibilidade maior, inclusive, algumas empresas já começaram a encontrar formas de disseminar a responsabilidade social empresarial, ou seja, a atuação social da empresa perante a sociedade. Em 2001, o IPEA (2001) realizou junto a 1.752 empresas do sudeste brasileiro, a pesquisa Ação Social nas Empresas, visando traçar parâmetros sobre a ação social destas para com a sociedade. A pesquisa foi baseada na atuação social das empresas, suas motivações, os procedimentos adotados e resultados obtidos. Os dados coletados a partir dessa pesquisa foram os seguintes: • Dois terços do universo das empresas pesquisadas realizam algum tipo de ação social para a comunidade e apenas 16% não executam nenhuma espécie de ação social; • As empresas comerciais e industriais são as mais atuantes: 70% e 68%, respectivamente; • O eixo de atuação mais freqüente entre as empresas foi o de assistência social e de alimentação, 57% realizaram ou apoiaram ações assistenciais e 40% atenderam as comunidades por meio de ajuda alimentar. Segurança aparece em terceiro lugar com 17% e educação 36 em quinto com 14%; • 63% das entrevistadas dá preferência a ações voltadas para crianças e a preocupação com a questão do gênero ainda não foi incluída na agenda de prioridades, pois apenas 7% das empresas realizam projetos de apoio à mulher; • 81% das empresas declararam que realizam ações sociais por “motivos humanitários”, o que demonstra que ainda, o grande motor da participação social das empresas, acontece via filantropia. Mas para 61% das grandes empresas, o que as mobiliza é o atendimento a comunidades vizinhas e preferem fazer a ação através de doação de recursos às organizações (48%) e não diretamente aos beneficiários (44%). • Apenas 1% do total das empresas declarou possuir algum tipo de entidade criada para executar diretamente seu atendimento social, e são os donos da empresa (86%) os principais responsáveis pelas atividades sociais realizadas; • Avaliação e divulgação são fatores que quase não aparecem como importantes. Somente 12% avaliam suas atividades e apenas 2% utilizam algum tipo de comunicação para divulgar sua atuação social. • A satisfação pessoal e as melhorias nas condições de vida da comunidade são as principais motivadoras da realização de ações sociais. Em média 70% das empresas apontaram esta como sendo a principal motivação. Apenas 22% afirmaram sobre a preocupação das ações sociais recaírem em uma melhoria na imagem institucional da empresa. “No geral, em que pesem os riscos de extrair generalizações a partir de informações relativas a um universo difuso, multifacetado e influenciado pelo tamanho, localização e atividade econômica da empresa, é possível destacar as seguintes características que marcam a ação social do setor privado: o envolvimento é, essencialmente, de cunho filantrópico e distante dos interesses mercantis. Trata-se de um processo desordenado e pulverizado, motivado por pressões oriundas de demandas dos mais carentes que batem às portas das empresas e que terminam por pautar o atendimento 37 realizado. Uma minoria percebe resultados econômicos dessa atuação: a própria imagem ou o aumento na lucratividade. O retorno, em geral é percebido no campo das gratificações emocionais e da melhoria nas condições de vida das comunidades. No entanto, essas percepções são impressionistas, pois os empresários, em geral não avaliam os resultados das atividades desenvolvidas”. (IPEA, 2001, p.30) No entanto, a constatação mais recente da pesquisa Ação Social das Empresas, apresentada pelo IPEA em 2006, aponta um crescimento significativo, entre 2000 e 2004, na proporção de empresas privadas brasileiras que realizaram ações sociais em benefício das comunidades. Neste período, a participação empresarial na área social aumentou 10 pontos percentuais, passando de 59% para 69%. São aproximadamente 600 mil empresas que atuam voluntariamente. É nítido que os investimentos em políticas de responsabilidade social são crescentes, entretanto, por mais que nos estudos do IPEA (2001) tenha sido constatado que a maioria dos empresários não avalia os resultados obtidos, é válido afirmar esse período de crescimento da participação empresarial coincidiu com o período em que as empresas começaram a comunicar suas ações socialmente responsáveis. Uma série de fatores pode ter influenciado as empresas a comunicarem suas ações, entre estes fatores, podem ser considerados os resultados obtidos através da pesquisa Responsabilidade social das empresas, realizada pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social em 2002, onde, ao serem analisadas as atitudes de uma empresa que fariam com que o consumidor consultado jamais voltasse a adquirir seus produtos e/ou serviços, 43% dos entrevistados afirmaram que “cortariam” os laços com a empresa caso esta veiculasse algum tipo de propaganda enganosa. Nos últimos três anos do estudo, propaganda enganosa sempre se mostrou o maior fator de rejeição a uma empresa. Certamente, estes dados mostram o papel fundamental que a publicidade desempenha na manutenção da imagem institucional de uma empresa, uma vez que a utilização indevida desta pode ser causa de rejeição por parte do consumidor. Dos entrevistados, 22% citaram o fato de uma 38 empresa cuidar para que suas campanhas publicitárias não coloquem em situações constrangedoras, preconceituosas ou abusivas crianças, idosos, mulheres, negros ou outros grupos minoritários como um estímulo a comprar mais os produtos desta empresa e a recomendar aos seus amigos. A pesquisa também indica que há predisposição por parte dos consumidores a receber informações sobre as atitudes socialmente responsáveis das empresas, embora a publicidade não seja abordada diretamente nesse caso, 75% dos consumidores concordam com a afirmação “Estou muito interessado em conhecer os meios que algumas empresas estão utilizando para serem socialmente responsáveis” (ETHOS, 2002, p. 17), logo, é possível afirmar que a publicidade deve ter um papel importante na responsabilidade social das empresas, uma vez que os consumidores buscam ouvir, conhecer e identificar empresas quem correspondem às suas expectativas. Uma série de fatores pode ter influenciado as empresas a comunicarem suas ações, e entre estes fatores podem ser considerados os resultados obtidos através da pesquisa Percepções do Consumido, realizada pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e pela Indicator Pesquisa de Mercado, mostrando que 31% dos consumidores brasileiros estão dispostos a punir uma empresa com práticas socialmente inadequadas. Por outro lado, a mesma pesquisa demonstra que não somente a percepção do que é negativo é punido. Os consumidores não querem somente punir quem não toma atitudes socialmente responsáveis, eles também querem valorizar as que tomam. Dentre os entrevistados, 30% estão dispostos a prestigiar uma empresa socialmente responsável, comprando seus produtos ou falando bem da empresa para outras pessoas. Sendo que 16% dos entrevistados efetivamente prestigiaram uma empresa desta forma. Através desses índices é possível observar que existe uma cobrança dos consumidores por uma postura ética e socialmente responsável das empresas e que, além disso, foi comprovado que existe uma necessidade deste em estar informado sobre estas políticas. É justamente a partir dessa 39 segunda informação, que iremos basear nosso estudo acerca do discurso publicitário aplicado a comunicação de ações socialmente responsáveis. 40 CAPÍTULO 4 – ANÁLISE COMPARATIVA COCA-COLA COMPANY A esfera publicitária cria certamente um novo sistema de valores, onde a mensagem publicitária de renascimento, insaciabilidade e crescimento social é potencializada pelas inovações tecnológicas. Esse novo sistema de valores tem como fator-chave a diferenciação ou inclusão como forma de aceitação social. Com um discurso pautado em sedução e persuasão, a publicidade substitui cada vez mais a objetividade imperativa por um universo indicativo, onde o parâmetro mínimo de felicidade é o consumo. Com sua argumentação alicerçada em um sistema de signos, a publicidade insere o consumidor em um ambiente de dupla interpretação, onde este pode ser persuadido a um consumo consciente (denotação) ou inconsciente (conotação), onde a estratégia pertinente para conquistar o receptor (público) é por meio da projeção e da identificação, esta que depende do registro da linguagem, isto é, o texto e a imagem da mensagem publicitária devem estar adequados ao segmento ideológico a que se destina. São justamente nesses parâmetros que iremos basear nosso estudo comparativo entre as peças publicitárias impressas da coca-cola na década de 30 e as peças publicitárias da coca-cola relacionadas à responsabilidade social veiculadas em maio 2008, com o propósito de comprovar que os elementos de argumentação e persuasão utilizados nas campanhas da década de 1930, são os mesmos utilizados nas de 2008, e dessa forma, mostrar que a publicidade segue os anseios da sociedade. 4.1 A PAUSA QUE REFRESCA Para começar, um anúncio publicado em 1930 destinado a imigrantes, que dizia a estes para não se preocuparem com nada, afinal, ao chegarem à América encontrariam Coca-Cola gelada. 41 Figura 1: 1930 - O lar americano descobre a pausa que refresca. Nesse período, os EUA, atraíam os imigrantes por conta principalmente da abundância de terras disponíveis (região das planícies centrais), da corrida do ouro10 (Califórnia) e pelo expressivo crescimento industrial (região Nordeste e sul dos Grandes Lagos). Nesse anúncio a função de mostração (TAVARES, 2005) é evidenciada ao construir o universo do qual o texto fala através da contextualização histórica pertinente a imigração. A função de interação é observada através dos vínculos socioculturais criados através representação gráfica das vestimentas nitidamente heterogenias dos personagens no anúncio, que recorrem ao repertório cultural do receptor. A sedução do anúncio fica por conta do título que ao expressar “O lar americano descobre a pausa que refresca”, eleva a 10 Corrida do ouro na Califórnia (1848–1855) começou em 24 de janeiro de 1848, quando foi encontrado ouro em Sutter's Mill. Quando as notícias da descoberta se espalharam, cerca de 300.000 pessoas, oriundas do restante dos Estados Unidos e do exterior, acorreram à Califórnia. 42 Coca-Cola a um patamar de anfitriã dos imigrantes, onde não importa a nacionalidade do indivíduo, o que importa é que a Coca-Cola irá recebê-lo de braços abertos. Significante do anúncio: Coca-cola em toda a América; Significado do anúncio: A Coca-cola não te discrimina; Já em 1932, a Coca-cola procurou reproduzir graficamente sua prepotência comparando uma de suas garrafas com um raio de sol e dessa forma, denotar todo o seu esplendor. É importante ressaltar, que ao mostrar uma mão segurando a garrafa brilhante, o anúncio deseja passar a idéia de vitória, pois faz menção ao gesto de receber um troféu, onde o congratulado o ergue para cima em direção ao sol. Figura 2: 1932 – Pura como o radio de sol. Significante do anúncio: Coca-cola em todo o seu esplendor; Significado do anúncio: A Coca-cola faz de você um vencedor; 43 Através do anúncio publicado em 1935, a Coca-Cola trabalhou mais nitidamente o ideal de inclusão, onde até mesmo um “caipira” faz uma pausa em sua pescaria para consumir Coca-cola. Figura 3: 1935 – Caipira e Coca-cola Significante do anúncio: Todos consomem Coca-Cola; Significado do anúncio: Até um caipira consume coca-cola. Você vai ficar fora dessa? Ainda em 1935, é veiculado um anúncio onde é possível observar nitidamente elementos da intertextualidade publicitária (TAVARES, 2005), onde “o-o-oh” é uma onomatopéia utilizada para fazer referência a mulheres esnobes (dondocas) da época, estas que viviam em salões de beleza, preocupadas constantemente com sua aparência estética 44 Figura 4: 1935 – O-o-oh para a pausa que refresca. Significante do anúncio: Coca-cola refresca sua beleza; Significado do anúncio: Todas as mulheres belas tomam coca-cola; Os anúncios a seguir foram publicados em 1935, 1936 e 1939, respectivamente, ilustram mais claramente o conceito de comoditização (TAVARES) onde valores presentes nas esferas familiares, tais como a representação icônica da boa filha, o respeito aos mais velhos e a representação da união entre pai e filho são transformados em argumentos de venda. Ao indicar (TAVARES, 2005) que o consumidor aproveite uma pausa refrescante em casa, o anúncio faz referência expressões provenientes do senso comum, onde a boa filha, ao tentar agradar a mãe, oferece a ela uma Coca-cola. 45 Figura 5: 1935 – Por que não aproveitar uma pausa que refresca em casa. Significante do anúncio: Você que é mãe, merece uma coca-cola; Significado do anúncio: Estreite os laços com sua filha através de uma Coca-cola bem gelada; Já ao afirmar que a Coca-cola existe desde 1886, o anúncio quer dizer figurativamente que ela está presente na sua vida desde 1886, realizando assim, um apelo à credibilidade do anunciante (TAVARES, 2005) através da utilização da imagem da criança frente a um senhor de idade, apelando assim aos valores familiares onde o mais jovem deve seguir os conselhos do mais velho para obter êxito em sua vida. 46 Figura 6: 1936 – Através de todos os anos desde 1886. Significante do anúncio: Coca-cola existe desde 1886; Significado do anúncio: Todas as mulheres belas tomam coca-cola; Por fim, um anúncio de 1939 onde a Coca-cola para apresentar o funcionamento de sua nova máquina utiliza a representação social de união entre pai e filho. Ou seja, graças a Coca-Cola pai e filho estão desfrutando de um belíssimo momento de alegria (vide sorrisos) juntos. 47 Figura 7: 1939 – Bateu a sede, nada mais. Significante do anúncio: Sacie sua sede com Coca-Cola; Significado do anúncio: Mantenha sua família unida com Coca-Cola; 4.2 SUA SEDE VAI REFRESCAR O MUNDO Após apresentar as vantagens mercadológicas em se trabalhar com ações socialmente responsáveis (ASHLEY, 2003) e os recursos persuasão e sedução do discurso publicitário (TAVARES, 2005), será realizada agora uma análises crítica da campanha de Responsabilidade Social da Coca-cola buscando as similaridades entre esse discurso e os das peças publicitárias de incentivo ao consumo da década de 1930. Em uma notícia disponível no site oficial da coca-cola, é possível encontrar a seguinte passagem referente ao projeto: “O Sistema Coca-Cola Brasil realiza este mês a segunda edição de sua iniciativa pioneira para alavancar recursos voltados à responsabilidade social.” 48 Levando em consideração que já existem instituições preocupadas em estimular praticas sociais empresariais desde 1997 (vide Instituto Ethos), para uma empresa que existe desde 1886, ter sua segunda ação voltada para responsabilidade social apenas em 2008 pode ser bastante embaraçoso. Em relato oficial, o diretor-superintendente do Instituto Coca-Cola Brasil e diretor de Comunicação da Coca-Cola Brasil, Marco Simões, explica a ideologia da nova campanha: “O otimismo faz parte do DNA do nosso Sistema. Vamos usá-lo para transformar o mundo. Queremos mobilizar os consumidores para que juntos possamos construir um pais melhor!” Eis as palavras-chave para a análise: consumidores e pais melhor. É um tanto contraditório e egoísta para uma empresa afirmar querer que apenas os consumidores salvem o país, e aqueles que não são consumidores, estão isentos de suas obrigações sociais? A sistemática da campanha “Otimismo que transforma” era que a cada embalagem vendida entre 18 e 24 de maio, 2,3 centavos serão revertidos para o Instituto Coca-Cola Brasil. Os anúncios publicitários foram os seguintes: 49 Figura 8: 2008 – JUNTE A SEDE COM A VONTADE DE AJUDAR. A função de mostração (TAVARES, 2005) pode ser observada através da utilização da metáfora visual onde o planeta é cercado por produtos CocaCola, denotando que os produtos têm alguma relação com o planeta terra. A função de interação desse anúncio é observada pela utilização dos símbolos sociais dos valores positivos, tais como corações, estrelas, flores, plantas em crescimento etc. Os elementos responsáveis pela indução são provenientes da relação entre a representação visual do planeta terra, os produtos coca-cola e os símbolos dos valores positivos, que compõe uma referência simbólica cujo significado (BAUDRILLARD, 2005) é que “Através da Coca-cola, o mundo vai ser melhor.” 50 Figura 9: 2008 – OTIMISMO QUE TRANSFORMA. 51 Figura 10: 2008 – SUA SEDE VAI REFRESCAR O MUNDO. A argumentação básica dessas peças é que a responsabilidade de mudar o mundo é do consumidor da Coca-cola, afinal, é a sede dele que vai refrescar o mundo, inclusive, essa é a mesma argumentação indicativa das peças de 1930, que tem o consumidor como personagem principal (BARBOSA, 2005), incentivando este de forma deliberada a alcançar a real felicidade e viver em um mundo melhor. (TAVARES, 2005). 52 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pautado na hipótese de que a comunicação da Coca-Cola veiculada em 2008 não passava de uma adequação do discurso publicitário para ter uma maior aceitabilidade, surgiu o seguinte questionamento: Amostra genuína ou adequação? Enquanto na década de 1930, as peças publicitárias da Coca-Cola comunicavam que ao consumir seu refrigerante o indivíduo seria socialmente reconhecido, a publicidade socialmente responsável da Coca-Cola de 2008 indicava que o consumidor deveria cumprir com suas responsabilidades sociais para viver em um mundo melhor, onde todos têm direito a felicidade. Um argumento deveras interessante, contudo, quer seja na publicidade de 1930, quer seja na de 2008, a discursiva de que o consumidor ao seguir as indicações propostas pela Coca-Cola será aceito socialmente, e conseqüentemente, um individuo feliz, é evidentemente idêntica. Esta monografia, através deste comparativo, permitiu o aprofundamento de uma análise que sugere estudos complementares e ampliados relativos à utilização do discurso publicitário como ferramenta de comunicação de políticas socialmente responsáveis. Assim, este trabalho é finalizado com sugestões de estudos futuros a serem desenvolvidos a partir dos seguintes questionamentos: até que instância o discurso publicitário é capaz de persuadir o indivíduo? O discurso publicitário pode ir contra os anseios sociais? Caso a sociedade não dê mais importância ás questões socialmente responsáveis, a publicidade irá abdicar de suas obrigações sociais? Ficam então as sugestões para os acadêmicos e pesquisadores busquem essas respostas e outras considerações a partir de novas experiências relacionadas ao discurso publicitário. 53 BIBLIOGRAFIA ASHLEY, Patrícia Almeida. (Coord). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2003. BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. 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