ACESSO À TERRA: DIREITO FUNDAMENTAL E EXERCÍCIO DA

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
CÉLIO VALDEMAR CADONÁ
ACESSO À TERRA:
DIREITO FUNDAMENTAL E EXERCÍCIO DA CIDADANIA
Ijuí, (RS)
2014
1
CÉLIO VALDEMAR CADONÁ
ACESSO À TERRA:
DIREITO FUNDAMENTAL E EXERCÍCIO DA CIDADANIA
Trabalho de Conclusão do Curso de
Graduação em Direito objetivando a
aprovação no componente curricular Trabalho
de Curso - TC.
UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul.
DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci
Ijuí (RS)
2014
2
Agradeço:
Aos Familiares e Amigos;
Meu carinho a Cláudia Piva, companheira solidária de vida;
Ao Movimento dos Pequenos Agricultores do RS, especialmente, lideranças
e famílias dos municípios de Sagrada Família, Redentora, Vale do Sol e
Encruzilhada do Sul.
No âmbito Acadêmico, Agradeço:
Á UNIJUÍ e ao Corpo Docente do Curso de Direito;
Ao Orientador e Amigo, Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci;
Ao integrante da Banca Examinadora, Prof. Ms. Aldemir Berwig;
Aos Companheiros e Companheiras com os quais compartilhei a trajetória
acadêmica do Curso de Direito, especialmente àqueles e àquelas com os
quais mantive laços fraternos, partilhando ideias, sonhos e projetos;
3
“E Deus, falando à multidão anunciou. ‘A partir de hoje chamar-me-eis Justiça.’
E a multidão respondeu-lhe: ‘Justiça nós já a temos e não nos atende’.
‘Sendo assim, tomarei o nome de Direito’.
E a multidão tornou-lhe a responder: ‘Direito já nós o temos e não nos conhece’.
E Deus’: ‘Nesse caso, ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito.’
Disse a multidão: ‘Não necessitamos de caridade, o que queremos é uma Justiça que se cumpra e
um Direito que nos respeite’.”
(José Saramago, Terra,1999)
“Luta pelo Direito. Mas quando encontrares o Direito em
confronto com a Justiça, luta pela Justiça”.
(Eduardo Couture, 1974)
4
RESUMO
CADONÁ, Célio Valdemar. Acesso à Terra: Direito Fundamental e Exercício da Cidadania.
Ijuí, UNIJUÍ, 2014. 71p. (Monografia)
O presente trabalho se propõe a um estudo sobre o acesso à terra como direito fundamental,
tendo como critério a dignidade humana. Para tanto, a partir da formação sócio-histórica do
campesinato, com seu ordenamento fundiário desigual, sinalizar que a busca da terra foi uma
constante, não obstante os diversos conflitos e lutas na conquista pela reforma agrária. A
legislação agrária brasileira é farta, entretanto, o acesso à terra é negado para vastas camadas
do campesinato. Não bastasse a falta da terra, a situação fática, aponta impedimentos práticos
ao acesso e manutenção da posse, com um crescente quadro de irregularidades nos imóveis
particulares, o que tem impedido o exercício da cidadania, excluído os camponeses de
políticas públicas e aumentando a exclusão social. Assim, para além do acesso à terra, aos que
não a tem, o estudo privilegiou a situação do campesinato que tem a terra, mas que diante de
uma situação diversificada, vivem sob o marco legal, sob a condição de irregulares, diante de
um Estado ausente e sem compromisso com os setores populares. Perante tal situação, a
legislação agrária precisa ser lida e efetivada à luz da Constituição Cidadã e da instauração do
Estado Democrático de Direito, fazendo com que a ordem econômica e a propriedade se
submetam aos princípios sociais e a função social. O Estado Democrático de Direito tem
exigências de efetivação da reforma agrária, das políticas fundiárias e política agrícola.
Palavras-Chave: Direito Fundamental. Acesso à Terra. Regularização Fundiária. Cidadania.
5
ABSTRACT
CADONÁ, Célio Valdemar. Land Access: Fundamental Law and Practice of Citizenship. Ijuí
UNIJUÍ, 2014. 71p. (Monograph)
The present work proposes a study on access to land as a fundamental right, with the criterion
of human dignity. To do so, from the social-historical formation of the peasantry, with its
uneven land planning, signal that the search of the land was a constant, notwithstanding the
various conflicts and struggles in the conquest for land reform. Brazilian agrarian law is sick,
however, access to land is denied to vast layers of peasantry. In addition the lack of land, the
factual situation, points out practical impediments to access and maintain possession, with a
growing cadre of irregularities in private homes, which has prevented the exercise of
citizenship, deleted the peasants of public policies and increasing social exclusion. Thus, in
addition to access to land, those who don't have it, the study focused on the situation of the
peasantry that has the Earth, but that faced with a diversified situation, living under the legal
framework, under the irregular condition, before a State missing and without commitment to
the popular sectors. Faced with this situation, agrarian legislation needs to be read and carried
out in the light of the Constitution a citizen and the establishment of the democratic State of
law, causing the economic order and property to submit social principles and social function.
The democratic State of law has effective requirements of agrarian reform, land policy and
agricultural policy.
Keywords: Fundamental Right. Access to land. Agrarian Regularization. Citizenship.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 07
1 FORMAÇÃO FUNDIÁRIA E SÓCIO-HISTÓRICA DO CAMPESINATO ................... 10
1.1 Ordenamento Fundiário Desigual: Origens e Desenvolvimento ............................................ 10
1.2 A Formação Sócio Histórica do Campesinato ........................................................................ 18
1.3 Conflitos no Campo e as Políticas de Reforma Agrária ......................................................... 24
2 ACESSO À TERRA, JUSTIÇA E CIDADANIA ................................................................. 28
2.1 Direitos Fundamentais e o Acesso à Terra ............................................................................. 29
2.1.1 Aterra como Direito Fundamental ....................................................................................... 32
2.2 Instrumentos Jurídicos do Direito Agrário ............................................................................. 34
2.3 A Lei e a Realidade: Posse, Usucapião e Regularização de Terras Particulares .................... 40
2.3.1 Regularização das Terras Particulares ................................................................................. 42
2.3.2 A Lei e a Realidade Fundiária ............................................................................................. 44
2.4 Exigências do Estado Democrático de Direito ....................................................................... 49
2.4.1 A Terra e sua Função Social ................................................................................................ 52
2.4.2 Reforma Agrária, Política Fundiária e Agrícola.................................................................. 55
CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 68
7
INTRODUÇÃO
Este estudo monográfico e seus resultados decorrem da problemática acerca do
acesso à terra e da realidade enfrentada pelos camponeses diante das irregularidades nas
posses, na qual é desenvolvido o projeto de pesquisa intitulado: “ACESSO À TERRA:
DIREITO FUNDAMENTAL E EXERCÍCIO DA CIDADANIA”, trabalho pré-requisito para
a conclusão do Curso de Direito, UNIJUÍ, Ijuí, Rio Grande do Sul.
O título da monografia indica a intenção de resgatar e solidarizar-se com todos os
camponeses sem terra e com terra que hoje se encontram na situação de irregulares, diante dos
ditames legais, do que seja uma propriedade escriturada. Tal situação põe vastos setores à
margem da sociedade, impedindo o exercício da cidadania, à medida que nega os mais
elementares direitos, aumentando a injustiça e a exclusão social.
Tal realidade aponta violações ao direito fundamental à terra. Estas violações deitam
raízes na formação fundiária e histórica brasileira. Os instrumentos jurídicos de nosso
ordenamento, apesar de amplos, não são suficientes para oportunizar o acesso à terra e
resolver problemas das irregularidades nas posses, necessitando de atualizações. Daí a
necessidade em fortalecer o discurso dos direitos fundamentais e humanos ligados aos
problemas dos camponeses, confrontando a prática social com o aparato legal agrário, em
vista da realização da justiça agrária.
A dignidade humana deve ser o critério principal para a elaboração, aplicação e
interpretação dos direitos e garantias conferidos aos seres humanos. É ela que confere
autenticidade ao Estado Democrático de Direito. Com o acesso à terra se confere dignidade
humana. Entretanto, não basta somente o acesso, há de se formular políticas públicas para
manter à terra, proteger, conservar os bens, produzir alimentos.
8
Diante de uma herança e tradição patrimonialista e individualista, onde o domínio se
sobrepõe ao direito de propriedade, ao acesso à terra, aos direitos fundamentais, eis que
precisamos reexaminar os institutos agrários e notariais existentes a luz da Constituição
Cidadã, redimensionando-os em vista dos sérios problemas enfrentados na realidade fundiária
brasileira.
A problemática camponesa do acesso à terra e das irregularidades nos imóveis que
impedem o pleno direito de posse aos camponeses, impedindo o exercício dos direitos, é uma
afronta aos camponeses e sua dignidade humana. Estas questões, de contornos nacionais,
ganham importância à medida que avançam em direção ao campo às diversas políticas
públicas. Neste sentido, o estudo do tema se justifica, pela atualidade, pela relevância social,
pela singularidade em tratar questões pertinentes a realidade de um dos setores indispensáveis
na manutenção da soberania e segurança alimentar neste país.
Procurando responder à problemática apontada, desenvolvemos um itinerário de
análise, em dois capítulos interdependentes, tendo em vista analisar e sistematizar o direito ao
acesso à terra e seus entraves a regularização das posses em terras particulares.
Assim, através do primeiro capítulo, buscamos resgatar as origens da estrutura
fundiária e da formação do campesinato dentro do marco agrário colonialista, delimitando a
resistência e o campo de lutas nas opções históricas da existência camponesa no Brasil.
A formação fundiária está ligada à formação do campesinato; nascemos sem terra,
precisando conquistá-la, pois as políticas agrárias sempre foram submetidas aos interesses dos
latifundiários. Entretanto, embora tragam a marca de alijados dos direitos à terra, perpassa na
história, conquistas imemoráveis e avanços dos movimentos sociais na luta e resistência
camponesa.
No segundo capítulo, a partir da análise do direito ao acesso à terra como direito
fundamental, procuramos analisar a concepção e aplicabilidade dos instrumentos e institutos
jurídicos agrários, sob o influxo do Estado Democrático de Direito.
A legislação agrária brasileira, a importada ou a produzida internamente, ainda que
vasta, carrega fortemente ranço liberal e autoritário, tirando o protagonismo da sociedade em
resolver seus maiores problemas agrários, o acesso à terra, a reforma agrária, com políticas
agrícolas de reprodução e autonomia dos camponeses.
Os estrangulamentos no acesso à terra e à regularização das posses em terras
particulares tiveram tratamento significativo e intenso ao confrontar a realidade fundiária no
sul do país com a legislação agrária existente. Nisso, a realidade fundiária dos camponeses,
9
especificamente do Rio Grande do Sul, foi oportunidade para apresentar uma amostra do que
se pode fazer diante deste quadro de exclusão e ausência do Estado em relação ao acesso e
irregularidades das terras, tendo em vista o exercício da cidadania.
Ao concluir o trabalho, realizamos algumas considerações gerais, apontando, na
esteira da Constituição de 1988, as exigências do Estado Democrático de Direito para o meio
camponês analisado, ou seja, apontamos que é a reforma agrária e o consequente
compromisso em desenvolver as políticas fundiária e agrícola, voltadas aos interesses dos
amplos setores populares do campo, podem trazer a segurança jurídica e a justiça no campo.
Acreditamos que o envolvimento com as questões desta monografia possam ter
acarretado limites na compreensão e na análise. Reconhecemos que o ato de aventurar-se em
realizar uma pesquisa no campo político e social sempre traz reflexos sobre a investigação e a
construção do conhecimento, pois este ato impõe a necessidade de se envolver para conhecer.
10
1 FORMAÇÃO FUNDIÁRIA E SÓCIO-HISTÓRICA DO CAMPESINATO
O presente capítulo tem como objetivo realizar resgate histórico da apropriação da
terra, da formação fundiária e histórica do campesinato brasileiro, transitando pelos conflitos
e lutas sociais pelo acesso à terra e sucessivas tentativas de concretização das políticas de
reforma agrária no Brasil.
Com este resgate das origens da formação fundiária e sócio histórica do campesinato
intencionamos demonstrar que muitas das consequências da estrutura agrária de hoje, deitam
raízes na estrutura de ontem. Ou seja, o acesso à terra e os desafios diante de terras irregulares
não são fenômenos isolados, mas se inserem dentro de um contexto de omissão do Estado, e
que não serão resolvidos com meras decisões administrativas ou produção de mais leis.
Com este olhar retrospectivo, entendendo a estrutura fundiária como importada e a
constituição da identidade do camponês através dos tempos, teremos melhores condições de
realizar confrontamento com a realidade camponesa nos dias de hoje e, assim, nos colocarmos
diante das possiblidades de construção da justiça agrária, com novos instrumentos para o
acesso à terra, à regularização das posses e efetivação da reforma agrária, condições
indispensáveis para exercício da cidadania.
1.1 Ordenamento Fundiário Desigual: Origens e Desenvolvimento
Ao remontar de origens e desenvolvimento fundiário, marcado pela desigualdade,
registra-se que o domínio da terra no Brasil, antes da chegada dos europeus no século 16, era
unicamente marcado pela posse comunal dos territórios pelos povos indígenas. Este cenário
modificou-se paulatinamente até a propriedade se tornar, como nos dias atuais, de controle e
domínio majoritariamente privado, baseado na propriedade privada.
11
Nas origens, destaca-se que a forma de apropriação da terra, bem como a sua
distribuição, decorreram de um sistema econômico implantado e das especificidades
históricas que o desenvolvimento deste sistema assumiu em cada região em particular.
Em linhas gerais, podemos sintetizar que a formação da propriedade brasileira seguiu
as fases pré-colonial, sesmarial, regime de posses, regime das leis de terras, sistema civil do
Código de 1916, sistema legal do Estatuto da Terra e o regime fundiário inaugurado com a
Constituição Federal de 1988.
Inicialmente, as sesmarias1 no Brasil remontam ao sistema vigente em Portugal,
originadas em de 1375. Portugal, exaurido por guerras e estruturas produtivas, exigia medidas
para evitar a fome e a miséria. Então, Dom Fernando I (Lei Dom Fernando I, 1375) antevê no
incremento da produção agrícola a forma de reerguer seu país e suprir suas necessidades.
Disso decorre a sua ordem:
Todos os que tiverem herdades próprias, emprazadas, aforadas, ou por qualquer
outro título, que sobre as mesmas lhes dê direito, sejam constrangidos a lavrá-las e
semeá-las. Se por algum motivo legítimo não puderem lavrar todas, lavrem a parte
que lhes parecer poder comodamente lavrar, a bem vistas e determinação dos que
sobre este objeto tiverem intendência; e as demais façam-nas aproveitar por outrem
pelo modo que lhes parecer mais vantajoso, de modo que todas venham a ser
aproveitadas.
Surgem, então, as sesmarias como sistema legal de propriedade, tendo como objetivo
tornar as terras produtivas (“constrangidas a lavrá-las e semeá-las”), tendo em vista a escassez
de alimentos no país. Estas sesmarias serão aperfeiçoadas, vindo a ser asseguradas nas
ordenações Afonsinas (1446), Manuelinas (1512) e Filipinas (1603).
Observa-se que nas Ordenações Filipinas os portugueses introduzem o Comisso2,
instituto que passou a existir também no Brasil, sendo ordenado:
[...] para que as lavrem ou aproveitem e reparem ditos bens, ou os vendam,
emprazem ou arrendem a quem os possa aproveitar ou lavrar. E se não o fizerem,
passado dito ano, dêem os sesmeiros as ditas sesmarias a quem as lavrem e
aproveitem (ORDENAÇÕES FILIPINAS, Livro IV, Título 43)
Assim, o sistema das ordenações foi introduzido no Brasil, sendo que a ocupação se
realizou sob o manto desta lei, ainda que tivesse objetivos diversos se comparada com a
1
Instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção. No Brasil a
principal função do sistema de sesmarias foi estimular a produção; quando o titular da propriedade não iniciava a
produção dentro dos prazos estabelecidos, seu direito de posse poderia ser cassado.
2
Em Portugal eram porções de terras doadas, geralmente abandonadas, taperas, em ruínas; no Brasil ganha outro
sentido, sendo terra doada aos amigos do rei, os fidalgos que se encontravam quebrados.
12
implantação em Portugal. A ocupação se deu sob os auspícios do Tratado de Tordesilhas3
(1494), sendo que o lucrativo comércio de especiarias nas Índias geraria imenso desinteresse
pela exploração do território brasileiro.
Neste sentido, pode-se dizer que as sesmarias não vêm para o Brasil como sistema
legal de propriedade, com ocupação efetiva, mas visando basicamente a exteriorização do
domínio da coroa, como que marcando a terra, fincando a cruz e dizendo: isto aqui é nosso.
Em outras palavras, o plano de ocupação, inicialmente tinha apenas uma preocupação: a
atividade econômica limitada a exploração da madeira pau-brasil.
Segundo Borges (1984, p. 12), na fase pré-colonial, fase do Escambo4 (1500 a 1530)
não houve distribuição de terras, nem instalação de povoamentos no Brasil. O que havia eram
rapinagem e exploração de mão-de-obra escrava de povos indígenas. Só mais tarde, segundo
Benjamin (2001), o território foi povoado, mas ainda de forma precária e fragmentada, com a
economia organizada de fora para dentro, sem autonomia e sem preocupação com o mercado
interno.
Já na fase colonial, que vai de 1530 a 1822, no Brasil é implantado o regime das
capitanias hereditárias5, sendo dividido o território em enormes faixas de terras e sendo
possibilitada a concessão das sesmarias, que será a base da economia colonial.
Este regime de acesso à terra vai se concretizar com a outorga de terras aos capitães
gerais das capitanias hereditárias, os agraciados pela coroa. Em 1808, por decreto do príncipe
regente, mais tarde imperador D. Pedro I, este regime foi estendido também aos estrangeiros,
ou seja, estes passam a ter o direito de obter sesmarias.
Registra-se que na Europa o regime feudal estava desagregando-se com o surgimento
e desenvolvimento do capitalismo. Entretanto, o novo regime que aportava no Brasil não
conseguia a mesma influência e nem exercia o mesmo papel, tal como no velho continente. E
a doação das terras deixava claro quais eram os objetivos dos colonizadores e o caráter da
colonização: implantar os fundamentos econômicos da ordem de produção feudal, fazer do
Brasil um exportador de gêneros alimentícios e de matérias-primas.
3
Acordo firmado na cidade de Tordesilhas, em 4 de junho de 1494 entre Portugal e Espanha. Pelo acordo se
estabelecia uma linha imaginária a 370 léguas de Cabo Verde; as terras a oeste desta linha ficaram para a
Espanha, enquanto as terras a leste eram de Portugal. Este acordo deixa vigorar em 1750, com a assinatura do
Tratado de Madri, onde as coroas estabeleceram novos limites de divisão territorial para suas colônias na
América do Sul.
4
Em regra são trocas que se realizaram entre os índios e os europeus, no início do séc. 16. Os próprios escravos
eram adquiridos na África pelo escambo, ou seja, boa parte do fumo plantado no Brasil e da produção de
aguardente destinava-se à obtenção de escravos na África.
5
Forma de administração territorial do império português pela qual a coroa delegou a tarefa de colonização e
exploração de determinadas áreas a particulares, através da doação de lotes de terra.
13
[...] o regime de propriedade da terra no Brasil nasceu de um legado aos nobres e
abastados, nasceu como um sistema de latifundiário que não se forma lentamente,
por gestação histórica, por meio da anexação, antes, ele nasce usurpando as terras
dos indígenas, escravizando povos, em cumprimento ao plano de ocupação traçado
previamente (GUIMARÃES, 1979, p. 298-299).
Neste sentido, Benjamin (2001, p. 2) dirá que o direito agrário surgirá para defender
e consolidar o monopólio da terra, para dissociar a propriedade de ocupação, para legitimar a
desocupação e criminalizar a ocupação. Ou seja, a ocupação da terra, desde o Brasil colônia,
não foi vista como ato gerador de direito; este não se colocou a serviço da organização do uso
do território e segundo as necessidades da sociedade, antes, foi instrumento para a repressão,
tratando como “caso de polícia” os que buscavam a terra para produzir, acobertando a
improdutividade dos latifúndios.
Assim, o acesso legal à propriedade foi barrado, ficando dependente da “bondade” da
Coroa ou através de processos de compra, inviabilizando o acesso aos setores pobres e
marginalizados. E este processo vai marcar profundamente toda a formação da sociedade
brasileira, pois tais raízes estão arraigadas em nosso sistema fundiário e modo de produção.
Deste modo, o regime das sesmarias liga o Brasil ao latifúndio, explorando inicialmente a
cana-de-açúcar, no sistema de monocultura para exportação, formando a sociedade
escravocrata que durou por mais de 400 anos. Neste interim entra também o gado, dando
origem a um segundo latifúndio, o latifúndio das fazendas.
Com o retorno da família real à Portugal (1821) foram suspensas as concessões das
sesmarias, até que se convocasse a Assembleia Nacional Constituinte. Esta foi convocada e
em seguida dissolvida pelo imperador D. Pedro I. Com isso, não surgindo de imediato
nenhuma legislação sobre a posse da terra, passou a existir um sistema extralegal, onde
predominava a simples ocupação, a posse sem título, dando origem a nova fase no
desenvolvimento fundiário nacional.
Este regime das posses, das ocupações primárias, embora sendo extralegal, foi uma
forma lícita e única de apropriação das terras devolutas. Os próprios camponeses, sem
oportunidade de concessão de sesmarias, partiram para a conquista do sonhado pedaço de
terra, espraiando a pequena propriedade. Ou seja, se expandem os pequenos estabelecimentos
sobre terras devolutas ocupadas por antigos escravos, agregados, assalariados, sendo que a
cultura efetiva foi a forma normal de aquisição do domínio da terra e o costume, a fonte
jurídica da posse da propriedade. Tal regime de posse, desordenada, também acaba por criar
conflitos, grande procura, valorização das terras, imensa concentração das terras por
particulares, situação que perdurará até o surgimento da Lei das Terras.
14
O “fim da escravidão” muda os planos dos fazendeiros; se antes era preciso que
investissem na compra de escravos, a partir da Lei de Terras passam a investirem seu capital
na compra de terras. Neste sentido, para José de Souza Martins (1986) “[...] num regime de
terras livres, o trabalho tinha que ser cativo, num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser
cativa”. Assim as condições de acumulação se mantiveram, sem prejuízo nos interesses dos
fazendeiros, tanto no sudeste, no nordeste e em outras regiões do Brasil.
A Lei das Terras vem e tem como objetivo por ordem, encerrando o regime das
posses, visando regular a titulação das terras no Brasil, tendo como fundo ideológico o sentido
napoleônico da propriedade privada. A lei permitia documentar, mediante compra, as posses
legitimamente ocupadas. Ou seja, a Lei de Terras passa a ser marco histórico no que se refere
à forma de aquisição da terra no Brasil; a lei substituirá a concessão das terras pela venda,
dispondo também sobre as posses em conflito, determinando medições, demarcações.
Destaca-se, ainda, a Lei de Terras introduz o Comisso, a devolução de terras à coroa e
proíbe aquisições de terras devolutas (a não ser por compra), objetivando impedir o acesso à
terra por intermédio da posse ou da compra a baixo preço. Nisso, Zarth elucida a real intenção
da lei:
O cativeiro da terra [...] tem como marco a Lei de Terras de 1850, que acabou com o
sistema de posse, através do qual o acesso a terra era fácil em termos jurídicos. A
Lei de Terras, como instrumento de controle da propriedade da terra, através da qual
se pretendia impedir o livre acesso ao solo pelos colonos imigrantes e agricultores
nacionais [...] (ZARTH, 2002, p. 46-47)
Não há dúvidas que a Lei das Terras tinha como um de seus objetivos garantir o
monopólio dos meios de produção através da propriedade latifundiária. A abolição da
escravatura que abala as relações escravistas coloca a questão de onde buscar mão-de-obra e
como produzir para garantir o latifúndio. A Lei das Terras (Lei nº 601/1850) vai dar as
respostas; vendendo terras, mas sem finalidades democráticas, de expandir o acesso à terra, o
que fica estampado no artigo 1º:
Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o
de compra.
Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes estrangeiros em
uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente.
Ora, isso era a forma de excluir os pequenos, negros e índios, dificultando o acesso à
terra; tornava-os farta e barata mão-de-obra para os senhores de posses. E os imigrantes
entram nesta lógica e projeto, tal como lemos no artigo 18:
15
O Governo fica autorizado a mandar vir annualmente á custa do Thesouro certo
numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em
estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração publica,
ou na formação de colonias nos logares em que estas mais convierem; tomando
anticipadamente as medidas necessarias para que taes colonos achem emprego logo
que desembarcarem. Aos colonos assim importados são applicaveis as disposições
do artigo antecedente (Lei nº 601/1850).
Portanto, é neste contexto se insere a questão da imigração do século 19. Os
imigrantes, bem como demais brasileiros natos, não merecedores de sesmarias, passam a
ocupar as terras livres. Com isso se dava inicio a agricultura camponesa, o colonato, o
pequeno agricultor.
José Graziano da Silva (2001, p. 27-28) afirma que a Lei das Terras teve papel
decisivo para a vinda dos imigrantes ao Brasil. Isto porque as terras devolutas, que só
poderiam ser apropriadas mediante a compra ou venda, renderiam dividendos, possibilitando
o financiamento para a vinda dos imigrantes da Europa. Deste modo, “matavam-se dois
coelhos com a mesma cajadada”: restringia-se o acesso às terras aos que não tinham dinheiro
e criavam-se as bases para a organização de um mercado de trabalho livre para substituir os
escravos.
Pelo visto, foi sob a vigência da Lei de Terras que os imigrantes chegaram ao Rio
Grande do Sul, inicialmente oriundos de Portugal e depois de diversas nacionalidades. Paulo
Zarth a propósito afirma, em relação a entrada dos imigrantes no Rio Grande do Sul:
As primeiras ideias de distribuir terras para imigrantes, sob forma de pequenas ou
médias propriedades, decorreram da necessidade de povoar a região para fins
estratégicos. Uma população densa daria garantia de posse do território e forneceria
soldados e alimentos (ZARTH, 2002, p. 69).
O destino destes imigrantes, primeiramente, era a região das Missões, como
substitutos dos povos das reduções, mas devido dificuldades para o transporte, acabaram
ficando perto dos rios e mares, nas proximidades de Porto Alegre e Vale do Rio dos Sinos e
Vale do Taquari, onde se colocam em pequenas glebas de terras.
Estas pequenas propriedades (ZARTH, 2002, p. 72) entram no sul a contragosto dos
estancieiros. E o governo, para não contrariar os estancieiros e nem se dar mal com os
pequenos agricultores, deixa as estâncias para os estancieiros e libera as terras de matas para a
colonização, onde irão proliferar comunidades e a riqueza da economia de subsistência.
Salienta-se que o período da chegada destes imigrantes (1824 e 1920) coincide com a
fase de transição da mão-de-obra escrava para a livre, ou seja, processam-se novas relações de
produção, as relações capitalistas. Estas situações, segundo Rodrigues (2001, p. 22)
condensam condições para que os governos estabeleçam acordos/parcerias migratórias. Para
16
tanto, leis próprias são criadas, a exemplo da Lei das Posses, possibilitando a doação de
pequenas glebas de terra aos imigrantes, com o objetivo de produzir alimentos para o mercado
interno.
Em suma, a chegada dos imigrantes significa a introdução de um novo tipo de
propriedade, de novas relações sociais de produção, de um novo período na história dos
camponeses. De agora em diante, dependendo das particularidades de cada região, das formas
do sistema produtivo, do tipo de relações enfrentadas na sua prática de consumo e de
produção, teremos um tipo de agricultor, o pequeno agricultor, colono, lavrador, camponês,
etc. Todo este processo de ocupação das terras foi tão marcante que suas características
básicas mantêm-se nos dias atuais, influenciando a ocupação do espaço, a densidade
demográfica e a produção de alimentos, as características fundiárias e culturais.
Há que se destacar que paralelamente a esta retrospectiva sócio-histórica,
especialmente, a partir do Brasil Império, a questão da terra e da estrutura fundiária foram
recebendo um trato jurídico no desenvolvimento nas diversas Constituições. E, uma marca
que percebemos em todas, é que elas se inspiraram no conceito napoleônico, dando prioridade
à propriedade privada, individual.
Assim, por exemplo, na Constituição do Império (1824), em seu artigo 179, XXII
consta que:
A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem
por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela
Constituição do Império, pela maneira seguinte: XXII - É garantido o Direito de
Propriedade em toda sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o
uso, e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor
dela. A Lei marcará os casos em que terá lugar essa única exceção, e dará as regras
para determinar a indenização.
Na Constituição Republicana (1891) são mantidos os princípios da Constituição de
1824, sendo que em seu artigo 72, §17 é assegurada a inviolabilidade da propriedade, sendo
que este direito se mantem em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação, mediante
indenização prévia. Com isso se atende os interesses da oligarquia rural brasileira.
Entre a Constituição da República (1891) e a Constituição de 1934 surge o Código
Civil de 1916, trazendo a marca do privado, liberal e individual, não tendo alcance social,
consolidando o sistema jurídico da posse e das propriedades. Por este Código de 1916 a
estrutura fundiária da Lei nº 601/1850 é mantida e com isso continua a monopolização da
terra, baseada no latifúndio, destacando os coronéis como privilegiados.
17
A Constituição de 1934 apresenta alguma novidade, como o usucapião “pro labore”
(artigo 125), introduzindo o conceito de interesse social e coletivo, conforme art. 113, § 17:
A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País, a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 17 - É garantido o direito de
propriedade que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na
forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública
far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização.
Tal sistema fica inalterado com a Constituição de 1937, tratando a propriedade em
seu artigo 122, §14, e inovando apenas em relação à possibilidade de se definir, legalmente,
“o conteúdo e os limites” das indenizações e das desapropriações:
A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 14 o
direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública,
mediante indenização prévia, ou a hipótese prevista no § 2º do art. 166. O seu
conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício.
(Redação da pela Lei Constitucional nº 5, de 1938) (Suspenso pelo Decreto nº
10.358, de 1942).
A Constituição de 1946, após a ditadura do Estado Novo, inova quanto ao uso da
propriedade e mantem o conceito de interesse social em seu artigo 141, § 16 combinado com
o art.147:
A Constituição assegura aos brasileiros e a estrangeiros residentes no País, a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e
à propriedade, nos termos seguintes:
§ 16 - É garantido o direito de propriedade, salvo caso de desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa
indenização em dinheiro.
O uso da propriedade será condicionada ao bem estar social. a lei poderá, com
observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da
propriedade, com igual oportunidade para todos”.
No contexto da Constituição de 1946 é que surge a preocupação com a fixação do
homem no campo, tendo em vista o fenômeno da urbanização, do êxodo rural, das favelas e
da exclusão social, tal como podemos perceber pelo artigo 156: “A lei cuidará da fixação do
homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras
públicas. Para esse fim, serão preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes de zonas
empobrecidas e os desempregados”.
A Emenda Constitucional (EC) nº 10 de 1964, durante o período da ditadura militar,
inova no sistema de indenização por expropriação, antecipando a Lei nº 4.504/64, que traz
como principio fundamental a função social da propriedade.
18
Registra-se que, desde a criação a Lei de Terras (1850), a aquisição da propriedade
da terra transmitiu-se de geração a geração, de forma a manter ou a aprofundar a desigual
configuração fundiária herdada dos tempos coloniais. Mas, não há dúvidas que no que tange
ao caráter político do processo de ocupação e demarcação das terras no Brasil, a criação do
Estatuto da Terra foi um dos acontecimentos maiores, antes da Constituição de 1988.
Entretanto, a questão referente ao acesso à terra através da reforma agrária e da
função social da propriedade ganha espaço nos debates no Brasil um pouco antes do Estatuto
da Terra. E, diga-se de passagem, foram os diversos movimentos camponeses que lutam pelo
acesso à terra que forjam o surgimento do Estatuto da Terra e demais conquistas históricas
para o campesinato e sociedade como um todo.
1.2 A Formação Sócio Histórica do Campesinato
A formação do campesinato se deu com o surgimento da humanidade. Bem antes do
surgimento das classes sociais ele já produzia sua existência (Movimento dos Pequenos
Agricultores - MPA, 2003, p. 9). Nos diversos tipos de sociedade, ele esteve presente,
produzindo alimentos e integrando a população. Em cada momento histórico, e em
determinada sociedade, foi desenvolvido um tipo de luta e de resistência, a partir de
necessidades e de seus interesses; e foram transformando e transformando-se, reproduzindo
seu modo de vida e de produção.
Assim, não se pode dissociar as origens e desenvolvimento da estrutura agrária da
formação histórica do campesinato, uma vez que ambas estão intrinsicamente interligadas.
Neste sentido, podemos afirmar que o campesinato no Brasil é o resultado do enfrentamento
por acesso à terra e, neste processo, ele se faz como classe, se recriando e se reproduzindo nas
suas lutas e resistências.
Em outras palavras, simultaneamente com o desenvolvimento do ordenamento
fundiário, o campesinato brasileiro se constituiu como sujeito social, político, econômico. Foi
do encontro de povos, nos enfrentamentos das crises e conflitos agrários, que se moldou a
identidade, um jeito, o jeito camponês. Nisso, mediante perspectiva histórico-política, nos
propomos compreender a participação deste sujeito através dos diferentes períodos da
sociedade brasileira, nos diversos sistemas fundiários que vão se sucedendo.
Para Lamarche (1993, p. 179) a agricultura camponesa brasileira foi profundamente
marcada pelas suas origens coloniais, caracterizada pela grande propriedade, monocultura,
19
escravidão. Em cada novo momento histórico novas marcas foram sendo introduzidas. E os
camponeses desde o início foram fragilizados, dependentes social e politicamente, além da
mentalidade forjada por relações de senhorio e de vassalagem. Aqui está uma das raízes de
nossos camponeses: o campesinato nasce como uma classe a serviço do modelo colonial, para
suprir as necessidades do setor dominante da economia.
[...] nasceu no Brasil sob o signo da precariedade: precariedade jurídica, econômica
e social do controle dos meios de trabalho e de produção e, especialmente, da terra;
caráter extremamente rudimentar dos sistemas de cultura e das técnicas de
produção; pobreza da população engajada nesta atividade, como demonstra a grande
mobilidade espacial e a dependência ante a grande propriedade (LAMARCHE,
1993, p. 180).
Entretanto, em termos de contribuições culturais e sociais as bases da formação
histórico-camponesa são situadas nos índios, negros, mestiços, imigrantes, que acima
identificamos como “encontro de povos”.
Assim, pela lógica de expansão do capitalismo, os colonizadores invadiram as terras
além-mar. Em nome da “espada e da cruz” escravizam, aculturam e aniquilam os diversos
grupos de povos existentes. O próprio sistema das sesmarias, ao não reconhecer os indígenas
como seres humanos, foi um sistema programado para banir a cultura e a raça indígena. Neste
sentido, os primeiros excluídos do processo de colonização são os índios, escravizados e
expulsos de suas terras.
Depois, outros grupos são excluídos: negros, mestiços, um enorme contingente de
brasileiros, gente sem proteção das elites e do poder, marginalizados do processo de
desenvolvimento econômico e social.
Havia uma interdição racial e religiosa no acesso à terra. Na base, este acesso estava
regulado por critérios baseados na relevância da pureza de sangue e da pureza de fé.
Dessas concepções derivava um direito que era o direito dos vencedores e
dominadores de gentes de outras raças e outros credos. Então, o direito não se
configurava em relação a pessoas que tivessem, por exemplo, como então se dizia,
mácula de sangue, pessoas que não eram brancas de quatro costados, cujos bisavôs
não fossem, também eles, brancos e puros de sangue (MARTINS,1997, p.17).
Assim, com a chegada dos colonizadores, a terra, que era livre e patrimônio coletivo,
passa a ter dono e, os homens e mulheres que eram intimamente ligados à terra livre, passam a
vaguear pelas terras escravas. O que restou foi, posteriormente, dizimado pelos brancos, pela
modernização, pois, na lógica do sistema, “terra é mercadoria”, progresso é obra da
“civilização branca”.
Tratando-se do Rio Grande do Sul, a presença dos indígenas é riquíssima. Com a
colonização viraram presas e vitimas da ganância dos colonizadores. Segundo Zarth (2002, p.
20
50) foram caçados pelos bandeirantes: “O indígena era o único produto do sul realizável no
comércio, no mercado de escravos do sudeste e nordeste do Brasil”, sendo que a última
excursão acontece em 1641, ocasião em que são derrotados pelos indígenas e padres jesuítas.
Um segundo grupo na formação camponesa são os negros, que mesmo submetidos
ao jugo do latifúndio, se tornam elemento constitutivo na formação dos camponeses
brasileiros. Aliás, a escravidão do povo negro foi a base fiadora das oligarquias e do
latifúndio, base do poder dos senhores, pois a estrutura fundiária foi caracterizada e
profundamente marcada pela escravidão, até os primórdios do século 19.
A entrada em cena dos negros no Brasil teve como objetivo colocar à disposição dos
senhores das sesmarias farta mão-de-obra para o trabalho braçal, considerado desprezível e
sem dignidade para os colonizadores. Ou seja, a introdução dessa mão-de-obra deu-se com
vistas ao suprimento das carências nas lidas cotidianas, para abastecer fazendas e vilas e
suprir o mercado europeu, carente de matéria-prima e de produtos de subsistência.
No Rio Grande do Sul (Zarth, 2002, p. 49) a presença dos negros foi pouco marcante
durante os primeiros séculos, devido razões geográficas não propícias aos interesses
mercantis, tais como não ter ouro e prata, não oferecer vantagens para o cultivo de produtos
tropicais, ser distante e não oferecer segurança para aportar navios, além de ser povoado por
povos indígenas. Entretanto, não se pode desconhecer ou minimizar a presença dos negros no
sul; o certo é que negros escravos estiveram presentes nas Reduções Missioneiras, nas
estâncias, como roceiros, encarregados da produção para consumo, campeiros que cuidavam
do gado, domésticos, nas charqueadas e atividades artesanais, como lanceiros na Revolução
Farroupilha, etc.
Na verdade, não há motivos para supor que estancieiros da região missioneira não
utilizassem cativos. Estâncias pastoris, como quaisquer outras, faziam parte de uma
sociedade que adotava um modelo produtivo no qual o uso de escravos era algo
comum (ZARTH, 2002, p.117).
Pelo visto, a escravidão deixa suas marcas; foram quatro séculos de exploração do
trabalho escravo. O homem negro foi feito instrumento de trabalho, pagão, serviçal
considerado sem capacidade de gerenciamento e de desenvolvimento. À custa da exploração,
foram sendo formadas riquezas necessárias para o estabelecimento da coroa e das elites
portuguesas no Brasil.
Entretanto, foram os negros, mesclados com os índios, resultando os caboclos, que se
proliferaram e se dedicaram cada vez mais à agricultura de subsistência, abrindo matas em
busca de nova vida, dilatando as fronteiras do Brasil.
21
Em período mais recentemente, os Imigrantes vêm se juntar como mais um elemento
na formação do campesinato. Segundo Paulo Zarth (2002, p. 69) as primeiras tentativas de
instalar pequenos agricultores no Rio Grande do Sul ocorreram em meados do século 18.
Estes imigrantes chegaram a partir de 1740, vindos da ilha de Açores e com apoio oficial da
Coroa, que tinha como objetivo e fins estratégicos a distribuição de terras e o povoamento da
região.
O destino dos imigrantes, primeiramente, era a região das Missões, como substitutos
dos povos das reduções. Diante das dificuldades com o transporte, os portugueses acabaram
ficando perto dos rios e mares, em Porto Alegre, Vale do Rio dos Sinos e Taquari. Aí
praticaram uma agricultura de subsistência e tendo dificuldades na comercialização do
excedente produtivo, uma vez que cada estância funcionava como uma célula independente.
Por isso, acabaram por se integrar à economia da pecuária a partir de 1780, ligando-se às
charqueadas.
Para Zarth (2002, p. 72) a pequena propriedade entra no sul a contra gosto dos
senhores das estâncias, mas com adeptos nas esferas do governo. A saída encontrada pelo
governo para não desgostar os estancieiros e sair-se bem com os pequenos agricultores foi
deixar as estâncias com os estancieiros e partir para a colonização das terras de matas. Com
isso, a partir do século 19, entre 1824 e 1920, a realidade no Rio Grande do Sul e no Brasil
começa a ser modificada, pois os imigrantes começam a chegar de forma planejada,
provenientes da Itália, Alemanha, Polônia e demais imigrantes europeus.
Em relação à procedência dos imigrantes, Santin (1986, p. 36) dirá que os caminhos
dos imigrantes começaram nas vertentes da pobreza, da insegurança no futuro, muitas vezes
na revolta, sob o peso do trabalho penoso e pouco lucrativo, por vezes, até com a angústia da
fome e da penúria. Entretanto, uma das principais razões foi a questão da expansão do
capitalismo internacional, envolto num processo de convulsão social, com um excedente de
população pauperizada, ameaçando os processos de industrialização e de concentração
fundiária na velha Europa. Na verdade, os imigrantes são as sobras da Europa, um contingente
que não mais encontrava lugar e não mais tinha importância para o capitalismo europeu.
Nisso a Lei das Terras estava em sintonia com a chegada dos imigrantes; realizava-se
de acordo com os interesses internacionais, isto é, abria-se a possibilidade de aliviar a Europa
das “sobras” e, de quebra, impulsionavam-se as colônias, colocando-as nos trilhos do
capitalismo, como nações dependentes, exportadoras de açúcar, café, matéria-prima. E o
22
Brasil, por sua vez, procurava resolver seus problemas internos decorrentes da transição da
mão-de-obra escrava para a livre.
Sandra Jatahy Pesavento (1982) analisa dois momentos distintos neste processo de
chegada dos imigrantes e de colonização: o primeiro, associado à presença dos imigrantes
alemães - o objetivo do governo estava relacionado com o campo político de povoamento e de
colonização das áreas vazias, não produtivas. Com isso, o governo intencionava criar núcleos
de proprietários a fim de neutralizar a oligarquia regional, resolver o problema do
abastecimento do mercado interno, diminuindo as importações de alimentos e auxiliar no
desenvolvimento urbano e na incipiente industrialização recém-iniciada no país; o segundo,
associado à presença dos imigrantes italianos, de 1875 em diante, com o objetivo de desviar
estes contingentes às fazendas de café, como trabalhadores assalariados. Para estes, não se
pensava, em hipótese alguma, na realização do sonho do pedaço de chão para trabalhar.
No entanto, os imigrantes vindos para o sul do país puderam realizar núcleos
coloniais prósperos, que passaram a funcionar como chamariscos para novos imigrantes. Para
estes imigrantes, agricultores pioneiros e desbravadores foram feitas doações de porções de
terras, transformando-os em pequenos proprietários, os “colonos” do sul.
Destaca-se, esta colonização não se deu em terras desocupadas. Aqui viviam
agricultores nacionais: lusos, descendentes dos povoadores de São Paulo, mestiços de negros,
índios e lusos, apoiados na erva-mate e na roça de subsistência. Estes agricultores, caboclos
em sua maioria, foram expulsos e desapropriados, causando o fenômeno chamado dos
“intrusos”, muitos ainda alojados nas costas ribeirinhas dos rios, especialmente o Uruguai.
A importância e papel dos imigrantes ampliam-se com a segunda etapa da
colonização, que segue uma dinâmica própria: desbravamento, fixação dos pioneiros,
produção de produtos para as necessidades básicas, consumo direto, etc. As novas
comunidades vão gerando novos espaços, novas lideranças, criando diferenças sociais,
econômicas, políticas. Em outras palavras, com o esgotamento do solo, o fracionamento das
colônias por herança e outros fatores conjugados, os imigrantes serão deslocados
continuamente para novas buscas. Em decorrência deste processo, os minifúndios crescem em
quantidade e em problemas.
Apesar de inúmeras dificuldades, os imigrantes ocuparam as terras, configuram nova
estrutura fundiária, forçando o Estado e empresas a intervir na configuração da estrutura
agrária e na formulação de “políticas públicas”. Ou seja, a chegada dos imigrantes significa a
23
introdução de um novo tipo de propriedade, de novas relações sociais de produção, de um
novo período na história dos camponeses.
Assim, a bagagem específica de cada cultura (índios, negros, imigrantes, etc.) cindiu
e fundiu novas identidades, isto é, a agricultura que perpassou o período colonizatório até o
período dos migrantes, foi um processo contraditório de autonomia e de submissão, com
progressiva seleção e exclusão, resultando em proprietários e excluídos da terra.
A introdução do paradigma da modernização na agricultura6, manifestado com o
início da crise da agricultura colonial, influenciou de forma decisiva, transformando a
sociedade agrária colonial, os camponeses, seu modo de vida e de produção. Em relação a
esta crise, Brum (1983, p. 87s), destaca alguns fatores, tais como o esgotamento da fertilidade
natural do solo, a utilização de métodos e técnicas que negligenciavam a defesa e a
recuperação da terra, a redução substancial do tamanho das propriedades, etc. Este processo
de decadência culmina no período entre 1950 e 1960, ocasião em que ocorre a corrida dos
“gaúchos” para outros estados, iniciando novo ciclo de exploração agrícola em terras de
matas.
O sistema capitalista internacional acompanha a evolução da decadência da
agricultura colonial, impulsionando o desenvolvimento da “revolução verde” 7, afirmando a
morte da agricultura tradicional, diante da baixa produtividade, do pequeno retorno de renda
aos agricultores.
Para tanto, será incrementada a industrialização do país e depois desta inicia-se a
industrialização da agricultura, com a expansão da grande empresa capitalista na
agropecuária, que provoca a intensificação da produção e a elevação da produtividade do
trabalho. “Essa industrialização da agricultura é exatamente o que se chama comumente de
penetração ou desenvolvimento do capitalismo no campo” (SILVA, 2001, p. 14).
Com o desenvolvimento deste processo, segundo Silva (2001, p. 46), resolve-se a
“questão agrícola” 8, embora se agrave a “questão agrária”, pois a rápida industrialização,
iniciada a partir dos anos sessenta, aumentou a miséria e a exploração de grandes massas
camponesas, fazendo crescer o contingente de sem-terra, excluídos pela concentração da terra,
6
Processo de mudanças nos métodos e técnicas de produção, na utilização de máquinas, equipamentos e
insumos, nas relações sociais de produção.
7
Pacote de medidas com o objetivo de aumentar a produção e combater a fome das populações pobres. A
promessa era acabar com a fome através do emprego de sementes melhoradas, novos cultivares, novas técnicas
de preparo e manejo do solo, plantas e pragas, uso de fertilizantes, pesticidas, mecanização das lavouras, etc.
Hoje, estaríamos vivendo a revolução verde II, fase onde a biotecnologia reatualiza promessas e milagres.
8
A questão agrícola está relacionada com a produção, a liberação de mão-de-obra para a indústria, às matérias
primas, etc. A questão agrícola diz respeito aos aspectos ligados às mudanças na produção em si mesma: o que
se produz, onde se produz e quanto se produz (GRAZIANO DA SILVA, 1980, p. 11).
24
além de serem atraídos a ocupar espaços de trabalho na cidade, constituindo o exército de
reserva de origem camponesa.
Em outras palavras, a origem das grandes cidades e de seus graves problemas tem
suas raízes no modelo de desenvolvimento adotado e na manutenção do latifúndio, que,
explorando os camponeses e contando com privilégios do Estado, cada vez mais enriqueceu e
concentrou terras. Esta oligarquia rural agroexportadora e de origem colonial mesclou seus
interesses entre agricultura, comércio, finanças e indústria. E hoje, constitui um setor sem o
mínimo interesse em realizar transformações nos pilares do poder e na realização da reforma
agrária.
1.3 Conflitos no Campo e as Políticas de Reforma Agrária
Os conflitos e lutas pela existência camponesa são marcas do desenvolvimento e do
processo de ocupação do país, pois em todos os períodos da história, os camponeses lutaram
para entrar na terra, produzir, construir espaços onde fosse possível desenvolver relações
justas, uma sociedade que tivesse como base a cooperação e a solidariedade; lutaram contra o
cativeiro, pela liberdade humana, das mais deferentes formas, construindo organizações
históricas para desenvolverem lutas contra a expropriação.
Bernardo Monçano Fernandes (1999), ao tratar das lutas e resistências camponesas
classifica a história das resistências em quatro fases, a constar: o principio, o entretanto, a
organização e as origens do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
A primeira fase da resistência camponesa é o “Principio”, que corresponde às
contribuições dos índios, negros da ordem escravocrata. Os povos indígenas foram os
primeiros a conhecer este processo, pois território brasileiro tem sido produto da conquista e
destruição dos territórios indígenas. Simultaneamente às lutas dos indígenas nasceram as lutas
dos negros; dessas lutas e das fugas dos escravos nasceram os quilombos, verdadeiras terras
da liberdade e do trabalho de todos.
A segunda fase da resistência camponesa é o “Entretanto”, a partir da segunda
metade do século 19, através da resistência dos homens livres, mas sem-terra, com o avanço
das grilagens, dos coronéis, do latifúndio. Este é o período das lutas da primeira república.
Neste período, os posseiros, parcela de camponeses sem terra lutam contra a expropriação que
os gera e sofrem a violência dos jagunços, cães dos latifundiários e grileiros. Travaram lutas
25
imemoráveis, demonstrando grande capacidade de resistência e de construção social, tais
como as lutas de Canudos, Contestado, Trombas e Formoso, etc.
A terceira fase da resistência camponesa é a da “Organização”, fase das lutas
organizadas, onde os camponeses passam a enfrentar o latifúndio e o Estado.
Especificamente, entre os anos de 1950 a 1960, desenvolvem-se as experiências das Ligas
Camponesas que sacudiram o campo brasileiro. Decorrente destas lutas foi criada a
Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), sendo que no governo Goulart
se iniciou processo de reforma agrária, sendo criada a Superintendência de Política Agrária
(SUPRA). Entretanto, a violência do golpe militar de 64 sufocou o anseio de liberdade dos
camponeses, sendo extinta a SUPRA e criado o Instituto Brasileiro da reforma agrária
(IBRA), órgão sem vontade política em impulsionar a reforma agrária.
A quarta fase da resistência camponesa acontece a partir do surgimento do MST
(1979-1985) e com o surgimento de outros movimentos camponeses como o Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB), Movimento
das Mulheres Camponesas (MMC), que coordenados pela Via Campesina, travam lutas pela
terra, reforma agrária e sobrevivência camponesa. Nesta fase, acampamentos, assentamentos,
políticas públicas, passam a ser novas formas de luta de quem já está na terra, dos que são
expulsos de suas terras ou daqueles que nunca tiveram a terra. Para estes a conquista da terra
se consuma na conquista da democracia, na conquista de sua identidade camponesa, na
conquista da cidadania.
Em outras palavras, todas estas lutas e resistências tiveram sempre como motivação
um pedaço de terra, um pedaço de pão, a luta pelo acesso à terra, o direito de ser camponês.
Tais lutas, hoje, ganham outro caráter, que é o reconhecimento como camponês, a
regularização de suas terras, a soberania alimentar, a agroecologia, etc.
Tais lutas e resistências, as de ontem e as de hoje, são práticas políticas; nasceram
com o latifúndio, com a concentração e exclusão, mas se atualizam nas diversas formas de
lutas pela terra e lutas pela reforma agrária.
A luta pela terra é a prática política desenvolvida pelos camponeses através da história,
com ou sem projetos de reforma agrária, sendo luta específica, desenvolvida pelos sujeitos
interessados. Já a luta pela reforma agrária é mais recente, sendo que o primeiro projeto
remonta à década de 60, com o Estatuto da Terra. Esta faz parte da política pública de caráter
institucional da sociedade, cuja instituição compete ao Estado realizar.
26
Estas duas formas de luta, pela terra e pela reforma agrária, no entanto, são
interativas e complementares, muito embora a luta pela terra possa acontecer sem a luta pela
reforma agrária. Esta distinção é importante, pois pode ajudar a compreender porque ainda
não se implantou a reforma agrária no país, ou seja, a realidade agrária mostra que o momento
é de intensificação da luta pela terra, por meio de diversas formas de lutas e com diversos
atores sociais envolvidos.
Aliás, devemos reconhecer que a marcha histórica da luta pela reforma agrária em
nosso país tem sido movida pela luta por terra. Os setores populares, nos últimos anos, têm se
esforçado, pressionado os governos, garantindo políticas diversas de acesso, democratização,
regularização das terras. Contudo, ainda não há definição clara em relação, não obstante a
Constituição de 1988 tenha dado especial atenção a questão agrária.
Os camponeses aspiram a reforma agrária. Mas não é qualquer reforma agrária.
Trata-se, portanto, de olharmos para qual e por que a reforma agrária. O mais importante é
determinar quem é o sujeito do processo da reforma agrária; se é o campesinato, o capital ou é
o Estado. Ao definirmos o sujeito, os rumos das políticas e da luta pela reforma agrária
também serão determinados em sua direção, ou seja, disso decorrem os encaminhamentos das
políticas de crédito, de produção, de comercialização, de organização, etc.
Na compreensão dos camponeses a reforma agrária a ser implementada não é
distribuição de terras sem que se toque no mais importante que é a estrutura fundiária.
[...] não é pulverização antieconômica da terra; é sim, uma redistribuirão da renda,
do poder e de direitos, aparecendo as formas multifamiliar e cooperativada como
alternativas viáveis para o não fracionamento da propriedade [...] não desejam a
mera distribuição de pequenos lotes, o que apenas os habilitaria a continuarem sendo
uma forma de barateamento de mão-de-obra para as grandes propriedades. Mas
almejam uma mudança na estrutura política e social no campo, sobre a qual se
assenta o poder dos grandes proprietários de terras (SILVA, 2001, p. 54-55).
Ou seja, a reforma agrária passa a ser pensada como uma estratégia política para
romper o monopólio da terra, estratégia esta que segundo Silva (2001, p. 105) aparece como a
única solução democrática possível para a questão agrária.
A reforma agrária é uma política pública necessária e urgente, vista não apenas como
uma distribuição de terras e infraestrutura produtiva, mas ligada a muitos outros fatores e
dimensões, envolvendo educação, cultura, economia, política, inserindo-se num processo de
transformação maior, ou seja, tocando as relações sociais, tendo como objetivo a própria
transformação do sistema, de sua estrutura fundiária e de seus processos produtivos.
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Significa que a reforma agrária é um conjunto de medidas, de políticas. Inicia pela
democratização da terra, dos meios de produção, inclui alterações estruturais no sistema
econômico, reorganizando a produção, exige nova política agrícola, novo modelo tecnológico,
eliminação do analfabetismo rural, escolas públicas com ensino adequado à realidade,
capacitação técnica e ensino superior aos jovens e camponeses, moradia, cultura e lazer, etc.
Mas vai além, significa protagonismo, possibilidades de realização dos sonhos, dando
dignidade ao ser camponês e sua família, rompendo com a exclusão social.
Neste sentido, Paulo Freire (1977, p. 58) afirma que não basta a transformação
latifundista, a mudança da posse, novas tecnologias. Este é um fator indiscutível de mudança
na percepção do mundo dos camponeses, mas é necessário ir além, precisa-se de uma ação
também sobre o quadro cultural. Ou seja, a reforma agrária não pode limitar-se à ação
unilateral no domínio das técnicas de produção, comercialização, antes ela “[...] deve unir este
esforço indispensável a outro igualmente imprescindível: o da transformação cultural,
intencional, sistematizada, programada”.
Portanto, o acesso à terra e sua regularização invocam a reflexão sobre um dos
instrumentos indispensáveis no reordenamento fundiário que é a reforma agrária, entendida
como uma política de distribuição e produção de alimentos. Esta opção pela reforma agrária
está relacionada com a dignidade camponesa, uma vez que as pessoas só adquirem condição
digna com acesso à terra, com condições de produzirem e sobreviverem.
28
2 ACESSO À TERRA, JUSTIÇA E CIDADANIA
No presente capitulo, nos propomos analisar o acesso à terra como direito
fundamental, exigência para a realização da justiça e para o exercício da cidadania dos
homens e mulheres camponesas. Acesso à terra que é inerente à dignidade humana; direito
este que historicamente foi negado aos setores populares da sociedade camponesa.
Tendo em vista a proteção da propriedade, a legislação foi sendo criada, em geral, de
cima para baixo, com ranço liberal e autoritário, ganhando pouca efetividade e tirando o
protagonismo do povo camponês. Ou seja, existe vasta legislação agrária, a exemplo dos
diversos institutos agrários que analisaremos, não obstante, os problemas agrários estão a se
agigantar e novos problemas vão eclodindo em nossa realidade.
Dentre estes novos problemas, que a legislação não conseguiu dar resposta eficaz, e
que deitam raízes no colonialismo, se agravando através dos tempos, temos o problema das
irregularidades nas posses, sejam em terras públicas ou de particulares, que se configuram um
dos maiores problemas agrários nos dias de hoje, ao lado da luta pelo acesso à terra, gerando
exclusão social para amplas camadas, pois, à medida que os camponeses estão nas terras
como posseiros, sem titulo dos imóveis, tal situação está lhes acarretando exclusão social,
sendo impedidos em acessar políticas públicas, obstaculizando o exercício da cidadania.
Com a Constituição Federal de 1988 novos princípios passam a iluminar a sociedade
e a questão agrária, sendo que o Estado Democrático de Direito traz junto de si a exigência do
exercício dos direitos fundamentais, o acesso à terra, a dignidade humana, dando à
propriedade a função social. Com isso os institutos agrários ganham nova leitura. E nisso,
urge a realização da reforma agrária, o estabelecimento de uma política fundiária e política
agrícola voltada aos interesses dos setores populares do campo, em vista da segurança e
soberania alimentar.
29
2.1 Direitos Fundamentais e o Acesso à Terra
A noção de direitos fundamentais tem lastro na história; na origem dos direitos
fundamentais encontramos os ideais de religião, filosofia, teologia, que foram sendo passadas
de geração a geração.
Canotilho (2002) afirma que as concepções cristãs de direito natural, ao distinguir
entre “lex divina, lex natura e lex positiva”, abriram caminho para a necessidade de submeter
o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na própria natureza do homem.
Os contratualistas introduziram a ideia de direitos naturais do homem, surgindo as
cartas de direitos, cartas de franquias, assinadas por soberanos, mais precisamente, na
Inglaterra, onde merece destaque a Carta Magna do Rei João Sem-Terra. A propósito, sobre a
Carta, Comparato dirá:
Vislumbra-se que o Rei João da Inglaterra assinou a Magna Carta com o intuito de
amenizar os conflitos que estavam surgindo em face do aumento dos impostos fiscais.
O povo estava insatisfeito com o abuso da progressividade no tocante a esses
aumentos. E com isso, passou a exigir periodicamente, que em troca desses
pagamentos exacerbados, fossem reconhecidos formalmente os seus direitos como
pessoa e como cidadãos portadores desses direitos (COMPARATO, 1999, p. 59).
Embora esta carta, bem como outras que surgiram, não tivessem alcance universal,
passaram a ter importância na evolução dos direitos fundamentais, à medida que apontavam
para direitos dos homens reconhecidos formalmente, impondo limitações ao poder. As
declarações americanas vão incorporar tais direitos e liberdades reconhecidas, sendo que estes
direitos do homem passam a ser recepcionados e positivados como direitos fundamentais
constitucionais.
Dentre as declarações de direitos, a mais significativa é a declaração de direitos da
Revolução Francesa (1789), que se tornou paradigma para a definição de outras declarações
universais. A declaração de 1789, ao menos em termos teóricos, propõe eliminar todas as
desigualdades e privilégios entre indivíduos, grupos sociais, nações. A igualdade, liberdade e
fraternidade foram os eixos condutores deste movimento histórico.
Frisa-se, tanto a declaração americana, como a francesa, tiveram como característica
a inspiração jusnaturalista, reconhecendo aos seres humanos direitos naturais, invioláveis e
imprescritíveis, direitos de todos os homens, que se tornaram universalmente em princípios,
tais como a igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação
política, legalidade, presunção da inocência, etc.
30
No início do século 20, outros documentos surgiram, trazendo marcas sociais, tais
como a Convenção de Genebra (1864), a Constituição Mexicana (1917), a Declaração
Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador (1918), a Constituição de Weimar (1919), a
Convenção de Genebra sobre a Escravatura (1926).
Entretanto, a Carta das Nações Unidas (1942) tornar-se-á o maior marco na definição
dos direitos fundamentais. Sobre ela Sarlet (2002, p. 91) afirma: “A declaração Universal da
ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim,
constituiu o pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia
da isonomia [...]". Deste modo, a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) torna-se
um dos maiores documentos universais de garantia dos direitos fundamentais.
Para a doutrina, os direitos fundamentais, em sua trajetória histórica e evolutiva,
passaram por dimensões (gerações), como as de primeira9, segunda10 e terceira geração11,
sendo que para alguns doutrinadores existe uma quarta12 e quinta13 geração de direitos. Para
Sarlet (2002), as gerações dos direitos surgiram "como direitos dos indivíduos frente ao
Estado, mais especificamente, como direitos de defesa, demarcando uma zona de não
intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face do seu poder". Esses
direitos se constituíram como direitos do povo e para o povo, com a finalidade de impor
limites na esfera de atuação do Estado em relação aos indivíduos.
Não obstante este histórico evolutivo, ainda há certa falta de clareza sobre o que
sejam os direitos fundamentais, sendo que eles se configuram sob os mais diferentes nomes,
tais como, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos naturais,
liberdades fundamentais, etc. Para Sarlet, normalmente, os direitos humanos e direitos
fundamentais são utilizados como sinônimo, precisando ser distinguidos:
O termo "direitos fundamentais" se aplica para aqueles direitos reconhecidos e
positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao
passo que a expressão "direitos humanos" guardaria relação com documentos de
direito internacional por referir-se aquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser
9
Primeira Geração: são os chamados de direitos civis e políticos, que englobam os direitos à vida, à liberdade, a
propriedade, à igualdade formal, as liberdades de expressão coletiva, algumas garantias processuais, etc.
10
Segunda Geração: Essa geração é constituída pelos direitos econômicos, sociais e culturais com a finalidade de
obrigar o Estado a satisfazer as necessidades da coletividade, compreendendo o direito ao trabalho, à habitação, à
saúde, educação e inclusive o lazer.
11
Terceira Geração: são denominados de direitos de solidariedade ou de fraternidade, compondo os direitos que
pertencem a todos os indivíduos, constituindo um interesse difuso e comum, transcendendo a titularidade
coletiva ou difusa, ou seja, tendem a proteger os grupos humanos (Ex.: direito à paz, á autodeterminação dos
povos, ao meio ambiente, qualidade de vida, a utilização e conservação do patrimônio histórico e cultural, etc.).
12
Quarta Geração: seriam os direitos ligados à pesquisa genética, surgida da necessidade de se impor uns
controles a manipulação do genótipo dos seres, em especial o do ser humano.
13
Quinta Geração: seriam os direitos ligados com o avanço da cibernética.
31
humano como tal, independente da sua vinculação com determinada ordem
constitucional, e que, portanto aspiram a validade universal para todos os povos e
tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (SARLET,
2001, p. 31)
Assim, segundo o autor, os direitos humanos estão positivados na esfera do direito
internacional, enquanto que os direitos fundamentais estão reconhecidos, outorgados e
protegidos pelo direito constitucional de cada Estado soberano.
Na esteira, Canotilho (2002) define os direitos fundamentais como: “[...] direitos do
particular perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa". São
caracterizados como individuais, porque pertencem exclusivamente a pessoa, e o Estado como
titular de direitos, com o dever de proteger o cidadão, deve velar pelo seu cumprimento.
Para a Constituição de 1988 os direitos fundamentais se traduzem por meio do
princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III). Isto significa que sem dignidade o
homem não vive, como não existiriam a maioria dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais são disciplinados como bens declaratórios na Constituição,
imprimindo existência legal aos direitos reconhecidos, a exemplo do art. 5º, XXII (“é
garantido o direito de propriedade”). Eles não se confundem com garantias fundamentais, que
são as ferramentas jurídicas e disposições assecuratórias, por meio das quais tais direitos se
exercem, limitando os poderes e arbítrio do Estado, a exemplo do artigo 5°, XXXV, XXVII
(ações de habeas-corpus e habeas-data são gratuitos e atos necessários ao exercício da
cidadania).
Os direitos fundamentais, segundo Bobbio (1992) e doutrina vigente possuem
determinadas características, tais como:
-Historicidade, pois derivaram da evolução, de um contexto delimitado. Nascem e
extinguem-se. Não são obra da natureza, mas das necessidades humanas. Exemplo: direito de
propriedade (art. 5°, XXII, CF/88);
-Universalidade, pois ultrapassam os limites territoriais de um lugar específico para
beneficiar todos os indivíduos. Exemplo: princípio da isonomia (art. 5°, caput, CF/88);
-Cumuláveis ou concorrentes, pois podem ser exercidos ao mesmo tempo. Exemplo:
direito de informação e liberdade de manifestação do pensamento (art. 5°, IV, CF/88);
-Irrenunciáveis, pois podem deixar de ser exercidos, mas nunca renunciados.
Exemplo: não-ajuizamento do mandado de segurança, algo que não o retira da Constituição
(art. 5°, LXIX, CF/88);
-Inalienáveis, pois são indisponíveis, ou seja, os seus titulares não podem vendê-los,
aliená-los, comercializá-los, pois não têm conteúdo econômico. Exemplo: a função social da
32
propriedade não pode ser vendida porque não corresponde a um bem disponível (art. 5°,
XXIII, CF/88);
-Imprescritíveis, pois não prescrevem, uma vez que não apresentam caráter
patrimonial. Exemplo: direito à vida (art. 5°, caput, CF/88);
-Vinculantes, pois a atividade dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário deve
obedecer à força vinculante e suprema das normas constitucionais assecuratórias de liberdades
públicas;
-Relativos, pois nem todo direito ou garantia fundamental pode ser exercido de modo
absoluto e irrestrito, salvo exceções, em que um direito ou garantia fundamental deve ser
exercido de maneira irrestrita, como no caso da proibição à tortura, etc.
Em suma, os direitos fundamentais do homem são aqueles que nascem da própria
condição humana e que são ou estão previstos no ordenamento constitucional. Eles só
ganharam solidez a partir do princípio da dignidade da pessoa humana.
2.1.1 A terra como direito fundamental
O direito de propriedade é um direito fundamental, resultante das conquistas dos
direitos humanos civis. Foi concebido como resultado da luta entre burguesia e senhores
feudais, momento em que as grandes posses foram fragmentadas, ganhando legitimidade pela
produtividade. Originalmente foi compreendido e exercido como direito individual, absoluto,
onde o Estado não tinha poder algum de intervenção.
Napoleão Bonaparte fundamentou sua codificação nestes princípios liberaiseconômicos, ou seja, em um direito individual e absoluto. Sendo assim, a ideologia liberal da
propriedade vinha associada a liberdade individual; por ela o individuo exercia sua liberdade,
a iniciativa, o pluralismo econômico. No rastro do Código Napoleônico segue o Código Civil
Brasileiro de 1916, bem como o de 2002, que ao disciplinar a propriedade privada traz tais
marcas e influências liberais.
Entretanto, a caracterização liberal não é oportuna, pois a propriedade deve cumprir
sua função social, ou seja, os institutos jurídicos devem acompanhar as transformações
sociais, compreendendo a propriedade a luz da Constituição Cidadã. Assim, a partir da
Constituição de 1988, não basta ser proprietário, há que se dar função ao que se tem; há um
ônus social ao proprietário. Só é protegida a propriedade que cumpre a função social, tal como
afirma o art. 184, da Constituição Federal de 1988:
33
Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa
indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real,
resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja
utilização será definida em lei.
Portanto, a redemocratização e o advento da Constituição faz com vejamos o
instituto da propriedade como resultado dos clamores dos camponeses sem terra e carentes de
justiça agrária.
Esta nova concepção de propriedade relativiza o conceito de propriedade como mero
direito individual de caráter privado. E a função social é dentro da finalidade fática e
adequada a que se destina, pois se é propriedade rural, é para produzir alimentos; se é
propriedade urbana, é para moradia. E sendo propriedade rural, para produzir alimentos, ela
ganha novos contornos: a produção é em regime familiar, sem ser terras de negócio. Portanto,
aqui entra uma questão ética: a terra é para produzir, para quem nela trabalha, para viver
decentemente. Fora disso é terra sem legitimidade.
O principio da função social deve ser interpretado em sintonia com o artigo 1º a 4º da
Constituição Federal, ou seja, a função social é exercida com fundamento na cidadania, na
dignidade da pessoa humana, com base nos valores sociais de trabalho. Sendo assim, o
proprietário estará contribuindo com a construção da sociedade querida pela Constituição:
uma sociedade livre, justa e solidária, com desenvolvimento nacional, sem pobreza e
marginalização, reduzindo desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem-estar de
todos, conforme o art. 170, da Constituição Federal. Em outras palavras, passa pela utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis, preservação do meio ambiente, com justas
relações de trabalho, exploração econômica que favoreça o bem estar de todos, qualidade dos
produtos, soberania alimentar, etc.
Entretanto, a terra está cada vez mais se distanciando da sua função primordial, qual
seja, garantir trabalho, alimentação e moradia, e a consequência desse fenômeno na sociedade
é o aumento da desigualdade social.
Observa-se que os Movimentos Sociais14 sempre se fizeram presentes lutando pela
concretização dos direitos fundamentais. A história os aponta como sujeitos de defesa e
promoção dos direitos fundamentais, apesar de que o Estado Nacional foi um projeto
14
Quando falamos de movimentos sociais, estamos fazendo referência aos conflitos que, ao longo da história do
Brasil, se fizeram presentes como formas de resistência do homem do campo em relação às transformações
culturais, tradicionais, materiais, territoriais promovidas pelo modo de produção capitalista. Scherer-Warren
(1996, p. 9) os define: “[...] quando os grupos se organizam na busca de libertação, ou seja, para superar alguma
forma de opressão e para atuar na produção de uma sociedade modificada, podemos falar na existência de um
movimento social”.
34
implantado pelas elites políticas, ou seja, o povo brasileiro não teve uma participação direta
nesse processo de formação do Estado. Por suas lutas e resistências os movimentos sociais
camponeses deram sentido e efetividade aos direitos fundamentais e à cidadania.
Por essa razão os direitos fundamentais não possuem uma natureza jurídica
individual ou subjetiva, como se tem dito comumente, mas decorrem de movimentos sociais
que, em suas lutas reivindicatórias, geraram e continuam gerando os direitos fundamentais,
que adquirem uma natureza coletiva e difusa. De natureza coletiva, esses direitos
fundamentais transformam-se em direitos difusos e, uma vez difundidos, tornaram-se direitos
fundamentais individuais. Esta é a história a ser contada, que não banaliza conquistas
históricas do povo, nem esvazia os direitos humanos em seu significado político e jurídico.
Portanto, quando os direitos fundamentais não decorrem de conquistas sociais e
populares, mas são concedidos, num movimento vertical de normatização, não contando com
a efetiva participação popular no processo, esses direitos ficam letra morta, banalizam as lutas
históricas de um povo.
2.2 Instrumentos Jurídicos do Direito Agrário
O direito agrário, através de seus diversos institutos, oportuniza o debate sobre o
acesso à terra, sobre a justiça no campo, a inclusão de vastos setores de camponeses na vida
nacional, no participar de políticas públicas, no exercício dos mais elementares direitos
fundamentais. Especificamente, os institutos agrários, neste capítulo, ganham relevância em
confronto com a realidade jurídica existente.
Assim, destacamos que neste capítulo objetivamos estabelecer relação entre os
institutos agrários, a justiça no campo e o exercício da cidadania. De modo que ter acesso à
terra e a regularizar as posses se constituem em eixos fundamentais para assegurar a
segurança jurídica, a paz no campo, a condição de inclusão dos setores excluídos do exercício
da cidadania.
Para tanto, apresentaremos a seguir alguns dos instrumentos jurídicos básicos do
acesso e regularização fundiária em nosso ordenamento jurídico. Não é o nosso foco
apresentá-los e analisá-los em exaustão, senão nos ater aos mais usualmente utilizados e que
se aplicam na realidade agrária dos pequenos agricultores.
O itinerário para esta apresentação seguirá a nominação dos principais institutos,
atendo-nos a questão da regularização e acesso a terra. E, a nossa atenção a regularização da
posse, aliada à luta pelo acesso à terra, deve-se ao atual momento histórico da realidade
35
fundiária, onde tais problemas se apresentam como um dos mais importantes instrumentos
para a recomposição do tecido agrário, a conquista do inegável direito à terra e o exercício da
cidadania.
a) Imóvel Rural
De acordo com a doutrina civilista, bens imóveis são aqueles que não se podem
transportar, sem destruição, de um lugar para o outro, ou seja, são os que não podem ser
removidos sem alteração de sua substância. O artigo 79, do Código Civil, por seu turno,
classifica como imóvel o solo e tudo a que lhe incorporar, natural ou artificialmente.
Antes de definirmos o imóvel rural, constatamos a existência de distinção em sua
definição na legislação civil (serviços registrais), na tributária (Imposto Territorial Rural ITR, Receita Federal) e agrária (INCRA)15.
A definição jurídica de imóvel rural está no artigo 4º, I, do Estatuto da Terra, como:
“o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à
exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de
valorização, quer através de iniciativa privada;”. Esta definição é retomada na Lei nº 8.629/93
(artigo 4º) que afirma que "prédio rústico" se situa em qualquer localização, seja urbana ou
rural, tendo como critério a sua destinação.
Em outras palavras, para o direito agrário o que importa é a atividade exercida pelo
homem na terra, sua destinação. As características e os elementos legais da definição de
imóvel rural são prédio rústico, área continua, em qualquer localização e com destinação
voltada para atividades agrárias.
b) Módulo Rural
No direito agrário, este instituto do módulo rural é entendido como medida de
avaliação de grandeza do prédio rústico, tendo por base a noção de propriedade familiar e
como objetivo fixar o mínimo, evitando a fragmentação dos imóveis, ou seja, não dividir
áreas inferiores ao módulo, conforme orientação do caput do artigo 65 do Estatuto da Terra:
15
Para a legislação civil, seguindo a Lei nº 9.393/1996, “considera-se imóvel rural a área contínua, formada de
uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município.”; para a legislação tributária (ITR), a Lei
nº 9393/1996, em seu artigo1º, §2º afirma: “Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua,
formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município.”; Para a legislação Agrária,
Lei nº 8.629/1993 o imóvel rural é “o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja sua localização, que se
destina ou possa se destinar à exploração agrícola”.
36
“O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de
propriedade rural”.
Assim, a ideia é a de modulação, conforme a realidade do solo, clima, cultura,
práticas de cultivo, distância, etc. Isso faz com que os imóveis tenham dimensões variáveis,
ficando dependente da possibilidade de exploração econômica eficaz, tal como consta no
Decreto nº 55.891/65 (art. 11º e 14º)16. Ou seja, o módulo rural pode ser classificado em
módulo de exploração hortigranjeira, de lavoura permanente, de lavoura temporária, de
exploração pecuária e de exploração florestal.
Registra-se que o Decreto nº 62.504/68 estabelece a indivisibilidade do imóvel rural
em áreas inferiores ao módulo rural, sendo que a Lei nº 5.868/72 cria a figura da parcela
mínima de fracionamento.
Em suma, suas características principais são: é uma medida de área fixada para a
propriedade familiar, varia de acordo com a região do país onde se situe o imóvel rural e de
acordo com o tipo de produção, implica um mínimo de renda a ser obtido, pois a renda deve
proporcionar ao agricultor e sua família não apenas a subsistência, mas ainda o progresso
econômico e social.
c) Módulo Fiscal
Ele é um elemento constitutivo de fixação do ITR, bem como elemento constitutivo
de fixação de contribuição parafiscal, conforme se depreende do artigo 21 do Decreto nº
84.685/80:
A contribuição de que trata o art. 5º do Decreto-lei nº 1.146, de 31 de dezembro de
1970, será calculada na base de 1% (um por cento) do Valor de Referência Regional,
vigente em 1º de janeiro de cada ano, multiplicado por 12 (doze), para cada módulo
fiscal atribuído ao imóvel rural de acordo com o art. 5º deste Decreto.
Parágrafo único. A contribuição referida neste artigo não incidirá: a) sobre imóveis
rurais abrangidos por imunidade constitucional ou não sujeitos ao Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural na forma deste Decreto; b) sobre os imóveis rurais de
tamanho até 3 (três) módulos fiscais, que apresentarem grau de utilização da terra
igual ou superior a 30% (trinta por cento), calculado na forma da alínea a do art. 8º; c)
sobre os imóveis rurais classificados como minifúndio ou empresa rural, na forma do
art. 22.
O módulo fiscal estabelece o critério de classificação do imóvel rural em minifúndio,
propriedade familiar, empresa rural, latifúndio por dimensão e por exploração, pequena
propriedade e média propriedade. Entretanto,
16
toda
regra
tem
exceção,
assim
sua
O decreto vai dimensionar o tamanho, criando zonas típicas de módulos, ou seja, estabelecendo uma unidade
de medida que exprima a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma
e condições do seu aproveitamento econômico.
37
indivisibilidade poderá se dar nos casos de desmembramentos decorrentes de desapropriação
por necessidade ou utilidade pública ou interesse social (artigo 1.228, § 3º, Código Civil), nos
desmembramentos de iniciativa particular que visem atender a interesses de ordem pública na
zona rural (postos de abastecimento de combustíveis, hotéis, silos, etc.).
d) Propriedade Familiar
O Estatuto da Terra, em seu artigo 4º, II, dirá que a propriedade familiar é a
exploração da gleba feita direta e pessoalmente pelo agricultor e sua família, sendo permitida
eventualmente o auxílio de terceiros, em casos de plantio, colheita, limpeza, etc.
Para os efeitos desta Lei, definem-se:
II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo
agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a
subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada
região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
Assim, a condição é trabalho e exploração direta e pessoalmente pelo agricultor e sua
família, sendo eventualmente com a participação de terceiros. Cadoná (2002, p. 73s) dirá este
trabalho diferencia-se da organização do trabalho assalariado, muito embora até possa haver
trabalho temporário de assalariamento, sendo que ele pode se organizar de formas diversas,
indo do associativismo, cooperativismo, rumo ao coletivismo. Entretanto, sua marca
característica é a relação com a natureza; ele cuida da terra, pois é a natureza que lhe dá
comida, água, ar. Esta relação é forte e por ela podemos entender as resistências: a ausência
ou a insuficiência da terra significa não existir mais possibilidade de sobrevivência.
Conforme disciplina o Estatuto da Terra, a propriedade familiar terá o tamanho de
um módulo rural, porém o tamanho exato da área de cada propriedade será definido variando
da concepção de cada município, ou seja, deve ser do tamanho que possibilite a família extrair
o suficiente para sua subsistência e progresso social econômico.
A propriedade familiar é diretamente ligada aos institutos básicos do direito agrário,
estando presente desde seus conceitos e história, sendo sujeito ativo nas lutas e vitórias no
campo.
e) Minifúndio
Designa-se minifúndio o imóvel com áreas e possibilidades inferiores da propriedade
familiar (art. 4º, IV, do Estatuto da Terra), ou seja, são áreas inferiores às da propriedade
38
familiar, com menos de um módulo rural, que não permitem a subsistência, nem contribuem
para o progresso um econômico e social.
O minifúndio é reputado como impossibilitado de cumprir a função social, pois o
cultivo dessa área não seria capaz de garantir a subsistência de uma família. Decorre disso que
é corrente a posição de que a manutenção de minifúndios deve ser repelida pela legislação,
pois sua existência é antieconômica, o que impede a elevação da qualidade de vida de seu
proprietário e família.
Contribui nesta posição a lei do parcelamento, que vem proibir a propriedade com
extensão menor que um módulo rural. Este é uma questão a ser debatida e conferida, pois a
realidade em muitas ocasiões é mais rica do a lei.
O certo é que, mesmo sendo propriedade fundiária de dimensão mínima, ela pode ter
grande produção, sendo plenamente viável economicamente e socialmente, a exemplo das
atividades no desenvolvimento de hortaliças, apicultura, criação de aves, piscicultura,
fruticultura e qualquer atividade que dependa de pouco espaço e mão de obra familiar. É por
estes minifúndios que sai grande parte da alimentação do brasileiro.
f) Latifúndio
É a maior herança maldita desde a colonização. Trata-se de grandes extensões de
terra que não são cultivadas, ou que são cultivadas de forma precária, deficiente, com
tecnologias arcaicas, que proporcionam baixa produtividade.
Na legislação agrária é considerado latifúndio a área que detenha mais de 600 vezes
o módulo rural, entretanto, há, também, área inferior que poderá ser compreendida como
latifúndio, em virtude do não aproveitamento sustentável da terra, do descumprindo da função
social, etc. Estes latifúndios são passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária.
O artigo 4º, V, do Estatuto da Terra, conceitua o latifúndio por dimensão e por
exploração, sendo que o artigo 46, § 1º vai determinar as zonas e as formas de exploração.
O latifúndio por extensão é aquele em que a área do imóvel rural extrapola os limites
dimensionais estabelecidos em lei, e o latifúndio por exploração é aquele em que não ocorre
exploração ou exploração inadequada de área maior ou igual a um módulo rural.
g) Empresa Rural
Na forma do artigo 4º, VI, do Estatuto da Terra, empresa rural é o empreendimento
de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explora econômica e racionalmente o
39
imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico da região em que se situe e que
explora área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente,
pelo Poder Executivo.
Para esse fim, equiparam-se a empresas rurais, às áreas cultivadas, as pastagens, as
matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias.
Na empresa rural o empresário nem sempre é o proprietário da terra. Assim, é
atividade agrícola organizada que visa lucro, sendo que seu responsável é o empresário rural,
o qual não é, necessariamente, o dono do imóvel, podendo ser, por exemplo, um arrendatário.
Deste modo, empresa rural consiste em unidade de produção de bens ou serviços
dentro do âmbito rural, com fins econômicos. Enquadra-se no conceito de agronegócio, tendo
o produtor rural como sujeito. Ao passo que a propriedade familiar e camponesa volta-se para
a produção para suprir suas necessidades e de sua família, eventualmente, vendendo o
excedente da produção, mas mantendo autonomia, ou seja, não se submetendo as regras do
capital ou sendo instrumento de exploração.
h) Propriedade Produtiva
Encontramos a conceituação deste instituto no artigo 6º da Lei nº 8.629/93 como
sendo “[...] aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus
de utilização da terra e da eficiência na exploração, segundo índices fixados por órgão federal
competente”.
O INCRA é o órgão competente para aferir a produtividade dos imóveis rurais no
Brasil. Para tanto, foram criados os índices17de Grau de Utilização da Terra (GUT) e o Grau
de Eficiência na Exploração da Terra (GEE).
A propriedade que não alcança os índices de produção e produtividade estabelecidos
em lei, independente do tamanho (pequena, média ou grande propriedade) é classificada como
improdutiva. Tendo acima de 15 módulos fiscais, classifica-se como grande propriedade
improdutiva, passível de desapropriação para fins de reforma agrária.
i) Contratos Agrários
Segundo Wellington Pacheco Barros (2002, p. 107s) o Estatuto da Terra, além de
trazer uma proposta de mudança na estrutura fundiária, procurou regrar as relações contratuais
17
Sendo propriedade que, ultrapassando as dimensões de 15 módulos fiscais e tendo grau de utilização (GUT)
de, no mínimo, 80%, e o grau de eficiência na exploração (GEE) no mínimo de 100%, é classificada como
grande propriedade produtiva, nos termos do disposto no artigo 6º e parágrafos da Lei nº 8.629/93.
40
advindas com o uso ou posse das terras. A autonomia de vontade, que regia as relações do
Código Civil de 1916, foi substituída pelo dirigismo estatal, tendo em vista desigualar a
desigualdade, dando mais proteção às partes desprotegidas.
Coube ao Decreto n.º 59.566/66, em seus artigos 3º e 4º, conceituar e regulamentar
os diversos contratos, tais como o de arrendamento e o da parceria rural, sejam de terras
particulares ou públicas.
Os contratos agrários podem ser divididos em contratos nominados (típicos) ou
contratos inominados (atípicos). São típicos ou nominados os contratos que englobam o
contrato de arrendamento e parceria. Enquanto que são atípicos ou inominados os contratos de
comodato, empreitada, entre outros.
O conceito de contrato de arrendamento rural, uma das modalidades de contrato
agrário, está prevista no artigo 3º do Decreto nº 59.566/66:
Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à
outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do
mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo
de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial,
extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites
percentuais da Lei.
Veja-se que o uso e gozo da terra compreende o livre exercício de qualquer atividade
agrária licita, devendo ser observadas, no entanto, a legislação do uso do solo.
Em relação à Parceria, sua definição consta no artigo 4º do Decreto nº 59.566/66:
Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por
tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de partes do mesmo,
incluído ou não benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser
exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal
ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração
de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos de caso fortuito e da
força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas
proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei.
Em suma, todos os contratos agrários reger-se-ão a partir do Decreto nº 59.566/66,
que aplicará obrigatoriamente em todo território nacional, de forma irrenunciável, os direitos
e vantagens nele instituídos.
2.3. A Lei e a Realidade: Posse, Usucapião e Regularização de Terras Particulares
Com este item trazemos à análise, a partir da compreensão dos institutos agrários, um
confrontamento com a realidade fundiária real. Para tanto, iniciamos com o instituto da posse,
41
passando pela usucapião especial rural e nos atendo a questão da regularização das terras dos
camponeses, instrumento indispensável no exercício da cidadania.
Em relação a Posse, existem duas teorias que o definem: a teoria de Savigny e a de
Ihering.
A teoria de Savigny, também chamada de subjetiva, afirma que para se caracterizar a
posse é necessário que o possuidor tenha o "corpus", a coisa em seu poder, e o "animus", ou
seja, a vontade de ter a coisa como sua. Se tiver somente o "corpus" não será considerado
possuidor e sim detentor, não tendo com isto a proteção possessória.
Já, a teoria de Ihering, também designada de objetiva, afirma que para se configurar a
posse há necessidade de se comprovar apenas o "corpus", dispensando-se o "animus", pois
este se encontra inserido naquele.
O Código Civil Brasileiro (2002) adotou a teoria objetiva de Ihering, pois não trouxe
como requisito para a configuração da posse a apreensão física da coisa ou a vontade de ser
dono dela. Exige-se tão somente a conduta de proprietário. Neste sentido, o artigo 1.196 do
Código Civil é um exemplo: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
Em sua classificação, a posse pode ser direta, ou seja, exercida mediante contato
pessoal com o bem ou indireta, exercida à distância ou através de terceiro, nos casos dos
desmembramentos possíveis em relações reais ou negociais, tais como no usufruto, no uso, na
locação, no comodato. As posses direta e indireta coexistem, não colidem e nem se excluem,
sendo ambas tuteladas legitimamente.
A posse exige sujeito capaz, seja ele pessoa física ou jurídica, tendo efetivamente
condições de desenvolver a atividade agrária. Isso significa que a simples manutenção de uma
ou algumas benfeitorias, sem atividade agrária, meramente para conservar a coisa ou mesmo
mantendo inerte a terra, não configura elementos suficientes para assegurar a posse.
Os principais efeitos da posse agrária são a aquisição do imóvel rural, seja ele
público ou particular, nas formas de indenização por benfeitorias, retenção da coisa e defesa
possessória.
Destacamos ainda os direitos do possuidor em ser mantido na posse em caso de
turbação ou haver a coisa restituída em caso de esbulho.
Dentre estes direitos o de ter garantia jurídica no caso de violência iminente ou se
tiver justo receio de ser molestado; o de manter-se ou restituir-se na posse por sua própria
força, mas contanto que o faça logo, e desde que esses seus atos de defesa ou de esforço,
42
sejam ponderados e apenas empregados para a concretização do seu propósito; o de que não
será obstaculizado à sua manutenção ou reintegração na posse, pela simples alegação de
propriedade, ou de outro direito sobre a coisa; o de poder escolher entre intentar ação de
esbulho ou ação de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que
o era, ou seja, terceiro de má-fé.
Em relação à aquisição da posse, ela se dá desde o momento em que se torna possível
o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. A posse pode
ser na forma originária, onde ela ocorre sem qualquer vinculação com o possuidor anterior e,
portanto, despida de vícios, prevalecendo unicamente a vontade do adquirente e, na sua forma
derivada, através de um ato ou negócio jurídico, bilateral, decorrendo de transmissão da posse
de um titular ao outro.
Vai perder a posse o possuidor que, em face do esbulho, deixou de exteriorizar o seu
poder que detinha sobre a coisa, mesmo se contra a sua vontade, não o presenciou, se manteve
inerte ou foi repelido violentamente.
Interligado ao instituto da posse, temos a usucapião agrária, que tem por base a
posse, pois visa favorecer o posseiro. A usucapião agrário recebe também a designação de
usucapião constitucional, especial rural ou “pro labore”, este fundamentado na posse-trabalho,
ou seja, é caracterizado pela utilização econômica do bem possuído, através do trabalho. Este
usucapião somente pode ser adquirida em imóvel de zona rural, com o máximo de 50
hectares, mediante posse direta, pessoal, ininterrupta.
Sua regulamentação consta no artigo 1º da Lei nº 6.969/1981, no artigo 191 da
Constituição Federal e no artigo 1.239 do Código Civil, onde constam seus aspectos materiais
e processuais. Destaca-se que para fazer jus a modalidade de usucapião, a atividade
desenvolvida pode ser qualquer uma, desde a lavoura, pecuária, extração de minerais, etc.
Enfatiza-se, a usucapião não ocorrerá nas áreas indispensáveis à segurança nacional,
nas terras indígenas, nem nas áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas
biológicas, florestais, parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo
Poder Executivo.
2.3.1 Regularização das Terras Particulares
A irregularidade na estrutura fundiária brasileira resulta da consolidação de distintos
processos de ocupação do território ocorridos ao longo da história, que contaram com
ausência de políticas públicas.
43
A regularização tem como objetivo eliminar a indefinição dominial, estabelecendo
com precisão de quem é a posse da terra para depois legitimá-la ou regularizá-la, garantindo
segurança social e jurídica para os ocupantes, desde que os mesmos preencham os requisitos
legais. Sendo assim, a regularização fundiária é entendida como instrumento indispensável
para ordenar o espaço fundiário, para a segurança jurídica, democratizar o acesso à terra.
Diante da realidade, para além das posses em terras públicas, os maiores problemas
na regularização se dão em terras particulares. A variedade de irregularidades18, que serão
analisadas em sequencia, geram conflitos sociais e se constituem em entraves ao
desenvolvimento, tais como, a concentração da propriedade, insegurança da posse,
assentamento precário, exclusão sócio espacial, degradação ambiental, exclusão social.
Neste contexto, de imóveis destituídos de registro imobiliário ou precários, é gerada
grande insegurança jurídica quanto aos direitos e ônus a ele referentes. Ademais, a falta de
registro, acompanhada da falta de cadastro, gera deficiência no exercício do poder de polícia
quanto à fiscalização e à responsabilização.
Para as terras devolutas já existem leis e políticas públicas em andamento para a
regularização e legitimação. Por exemplo, a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), a Lei nº
11.952/2009 (Regularização Fundiária na Amazônia Legal), a Lei nº 11.977/2009 (Programa
Minha Casa Minha Vida e Regularização fundiária de áreas urbanas). Tais leis, hoje,
possibilitam efetivar os direitos fundamentais de propriedade a milhares de imóveis e
famílias, em cumprimento da sua função social.
É inegável que a regularização fundiária traz benefícios para as famílias e para a
sociedade como um todo; além da segurança na posse, oportuniza o acesso aos serviços
públicos essenciais, aos financiamentos habitacionais, de custeio de lavoura, compra de
equipamentos agrícolas, etc.
A regularização fundiária constitui fator essencial para a democratização das relações
sociais, na conquista da cidadania, com a diminuição da exclusão social. Ou seja, os
problemas de regularização fundiária são fatores de instabilidade e insegurança para os
agricultores, impedindo investimentos produtivos nas áreas, além de dificultar o acesso às
políticas públicas, aumentando a exclusão social.
18
As causas de irregularidades são muitas. A pesquisa MPA, em parceria com o INCRA\RS resultou em
Relatório, instrumento de trabalho, apontando como maiores causas a negligência fiscalizatória por parte da
administração pública, a irresponsabilidade dos parceladores, a ausência de sanção a ser impostos aos infratores,
desconhecimento do interesse dos compradores, burocracias e custos excessivos do processo de legalização.
44
2.3.2 A Lei e a Realidade Fundiária
Atualmente há um descompasso entre o que a lei aponta e o que se vive na realidade
fundiária. E isto fica visível através do levantamento realizado pelo MPA\RS sobre a situação
dos imóveis rurais, em famílias que possuem até 04 módulos rurais de terra. Os resultados
deste levantamento é que nos oportunizam um confrontamento com a lei, indicando
possiblidades a serem trabalhadas na regularização e acesso à terra.
Historicamente, a forma de apropriação da terra e sua distribuição entre os
agricultores decorrem do sistema econômico implantado e das especificidades históricas que o
desenvolvimento assumiu em cada região. Este processo de ocupação das terras foi tão
marcante, que suas características básicas, mantêm-se nos dias atuais, influenciando a
ocupação do espaço, a densidade demográfica, a produção de alimentos.
A modernização tecnológica e a capitalização da agricultura, também, assumiram um
papel de destaque nas alterações estruturais, uma vez que as grandes propriedades, com
condições favoráveis para mecanização, apresentaram vantagens comparativas às demais na
absorção e incorporação dos progressos tecnológicos, diante dos estímulos de políticas
econômicas, levando a uma tendência de absorção, desprestígio ou eliminação das pequenas
propriedades.
Todo este processo levou vastos setores camponeses a ocuparem terras, apossando-se
das mesmas, sem registro algum da terra. Por outro lado, por exemplo, os camponeses que já
tinham a terra e com idade avançada, foram repassando suas terras aos herdeiros e estes a seus
sucessores. E neste repasse a titulação não foi contemplada como algo importante. Desta
forma, há muitas propriedades onde quem ocupa a terra é um herdeiro, sem ter documento da
terra em seu nome.
Para além da posse e questão da herança, por ocasião da elaboração de projeto e no
levantamento das hipóteses, foram demarcados alguns dos problemas da realidade fundiária19.
Tais hipóteses acabaram por se confirmar em sua totalidade.
A pergunta principal do levantamento se referia ao instituto da regularização, onde
era perguntado: “Os imóveis estão regularizados?” Não estando regularizados, passava-se às
razões das tais situações irregulares.
19
Posses em terras públicas, passíveis de concessão de título público; posses em terras privadas sem contestação,
passíveis de usucapião; posses em terras herdadas cujos inventários não foram realizados por vários motivos,
entre eles, processo burocrático complexo e custo da transmissão de herança incompatível com a capacidade de
pagamento dos herdeiros, gerando nova situação de irregularidade fundiária, em escala cada vez maior e sem
perspectiva de solução, bloqueando acesso a políticas públicas, tais como, crédito, previdência social, tarifa
social de energia elétrica, habitação rural, entre outros a identificar; posse em terras adquiridas através de
contratos particulares de compra e venda cuja escrituração não ocorreu e o vendedor faleceu antes de realizá-lo.
45
A figura a seguir (nº 01) indica que 36% dos imóveis se encontram em situação
irregular, sendo que os motivos principais para a irregularidade são o não encaminhamento de
inventários, arrendamentos de terras, por morar com os pais, por ter comprado direito, por ter
ocupado, ser posseiro, etc.
Figura N.º 01: MPA\INCRA, 2013.
Observa-se que todas estas situações dos imóveis são tidas como irregulares diante
do marco legal da documentação vigente no país. Entretanto, “não são irregulares” do ponto
de vista da posse, a medida que são posses justas, pacificas, ou seja, estes imóveis não se
caracterizam como posses violentas, clandestinas ou precárias, conforme dita o artigo 1.200
do Código Civil. Deste modo, estes imóveis foram adquiridos às claras, sem abuso de
confiança e sem o uso de atos de violência.
Daí decorre a necessidade, diante das exigências legais, em dar um passo a mais,
buscando os atos do Registro de Imóveis20, que nada mais são do que ato jurídico que decorre
da vontade das partes e onde o ato administrativo passa a ser condição de eficácia do negócio
jurídico.
Não custa lembrar que até a sanção da Lei n° 10.267/2001 as questões de
regularização ainda não ensejavam maiores preocupações e não tinham grande precisão; o que
valia era o dito no ato da coleta das informações cadastrais, não havendo nenhuma norma que
20
A Lei nº 6.015/73 (artigos 227 a 235) afirma que a matrícula é a existência do imóvel no cartório; é seu
número de inscrição, seu número de ordem. A partir da matrícula se identifica quem é o proprietário, se o imóvel
é urbano ou rural, se é público ou particular. A matrícula está vinculada ao princípio da unitariedade (cada
imóvel tem apenas uma matrícula e cada matrícula se refere a apenas um imóvel). Logo após a matrícula vem o
ato do registro, que está regulado nos artigos 1.227 a 1.245 do Código Civil/2002 e nos artigos 167, I e 236 a 245
da Lei nº 6.015/73. Este ato de registrar consiste em realizar a descrição de todas as situações referentes ao
imóvel, ou seja, traduz as situações jurídicas relacionadas ao imóvel, inclusive com as averbações (informações
referentes a apresentação de outros documentos e que é feito à margem do registro).
46
estabelecesse rigor posicional (métrico ou geodésico) a ser seguido para realizar o registro do
imóvel.
Tal situação fez do meio rural um ambiente propício para a existência de
propriedades com registros imobiliários diferentes da sua real situação, imóveis rurais
apresentando mais área do que o registrado, áreas com sobreposição de matrículas,
proprietários que na realidade não eram proprietários, mas que apenas detinham a posse da
área, sem a necessária matrícula e regularização junto ao INCRA. Foi a partir deste novo
marco legal e considerando a crescente oferta de políticas públicas voltadas ao campo, que o
reconhecimento do acesso à terra, o direito de propriedade e a regularização das posses
passaram a ocupar a pauta e o debate público.
Portanto, esta situação de irregularidades, diante das exigências legais, têm causado
grandes dificuldades aos camponeses e a sociedade; a não delimitação dos imóveis rurais tem
impossibilitado a inserção dos camponeses em políticas públicas de desenvolvimento agrário,
trazendo sérias consequências para a sua sobrevivência econômica, sua reprodução
sociocultural. E é por isso que a regularização fundiária passa a ser condição para a inclusão
social, para o ordenamento do território e para o desenvolvimento emancipatório do campo.
Mas porque não se regulariza tais imóveis? Para tal pergunta, o levantamento destaca
algumas das principais motivações, como podemos ver pela figura logo a seguir.
Figura nº 02: MPA\INCRA-RS, 2013
Pela Figura sobressai o “contrato de compra e venda não concluídos” (29%). Este
instituto, também é conhecido sob outras denominações, como promessa de compra e venda,
47
contrato preliminar de compra e venda, promessa bilateral de compra e venda, etc. O Código
Civil designa promessa de compra e venda, conforme o seu artigo 1.417.
No compromisso de compra e venda, sob o aspecto contratual, há um acordo de
vontades, de cunho preliminar, por meio do qual uma parte compromete-se a efetuar em favor
de outra, em certo prazo, um contrato de venda definitivo, mediante o pagamento do preço e
cumprimento das demais cláusulas. Tecnicamente, o contrato preliminar objetiva a conclusão
de um contrato principal e definitivo, possuindo todas as características de contrato, ou seja,
no contrato preliminar, pré-contrato ou promessa de contratar já existem todos os requisitos
de um contrato.
No compromisso de compra e venda não concluído resultante do levantamento,
torna-se claro que a intenção das partes não é precipuamente a conclusão de outro contrato,
mas a compra e venda do imóvel de forma definitiva. Destarte, afasta-se esse compromisso da
noção que poderá existir em outros contratos preliminares, pré-contratos propriamente ditos,
ou mera carta de intenções ou acordo de cavalheiros. O nexo contratual de alienação da coisa
é o aspecto primordial desse compromisso.
Outro instituto em destaque é a questão dos inventários em andamento ou não
encaminhados. Há, em relação a isso, muitos herdeiros que vendem seu pretenso quinhão,
com inventário em andamento; trata-se na verdade de pretensos donos que poderão ou não ser
homologados como legitimamente constituídos. Diga-se de passagem, que tratando de bens
imóveis, só haverá a transmissão de propriedade se na matrícula do imóvel a venda para o
novo proprietário for registrada e passar a constar o comprador como sendo o novo
proprietário deste bem, pois a propriedade não se transfere por mera tradição.
Portanto, em termos legais, a transferência de bens imóveis só pode ocorrer mediante
instrumento público, neste sentido, cabe salientar que meros contratos particulares de compra
e venda não transfere a propriedade de um imóvel por si só; podem significar uma promessa
de compra e venda, no máximo. Outras situações relacionadas a este instituto ligam-se aos
custos para encaminhamentos dos inventários, ficando então morando com os pais,
delimitando internamente o quinhão em que podem plantar, construir, considerar-se como
proprietários.
Em relação ao instituto do “arrendamento” (artigo 3º, Decreto nº 59.566/66), ele é
um contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou
não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens,
benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração
48
agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel,
observados os limites percentuais da lei. Os imóveis pesquisados que se encontram nesta
situação, em sua maioria, assim se enquadram, estando também presentes contratos verbais,
muitos não renovados, outros em conflito com os proprietários.
Em relação à “compra de direitos”, na verdade são como contratos de gaveta, sendo
estabelecidos por acordos particulares entre partes, onde se observa a transferência do imóvel
de forma irrestrita. Nisso se juntam os imóveis, inclusive adquiridos pelo Banco da Terra,
assentamentos de reforma agrária, etc. Assim, esta compra de direito é uma forma encontrada
para a celebração do acesso à terra, por meio de um instrumento particular, de um
compromisso de compra e venda, que não pode ser registrado devido à discordância formal
com as leis vigentes. Esta compra de direito equivale a adquirir um imóvel como simples
posseiro, com todos os riscos evidentes, onde o comprador não registra o seu título, portanto,
não se torna proprietário do imóvel.
Em relação ao instituto da “doação”, há que se dizer que ela é reconhecida como um
contrato, respeitando a disposição prevista no artigo 538 do CC que dispõe: “Considera-se
doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou
vantagens para o de outra”. Veja-se que, pelo conceito, sobressaem alguns elementos
importantes, tai como: é um contrato onde intervém duas ou mais partes, a liberalidade, a
transferência de bens e aceitação do donatário.
A previsão contida no artigo 218 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973)
estabelece que para o registro dos atos de liberalidade deve haver prova de aceitação do
beneficiado. Esta situação para ser formalizada por meio de escritura pública exige do notário
cuidados especiais relativos aos limites impostos pelo legislador à liberalidade praticada em
favor do donatário, tais como, à capacidade ativa e passiva das partes, à vedação imposta ao
doador de transferir a integralidade de seu patrimônio ao donatário, à necessidade de
preservação da legítima dos herdeiros necessários, às particularidades do regime patrimonial
dos doadores e donatários, a outorga uxória marital, etc.
A inobservância dessas restrições e cláusulas específicas pode gerar defeitos jurídicos
relevantes com o desvirtuamento do negócio jurídico e até mesmo o desfazimento completo
do ato, pela presença de vícios insanáveis que poderiam ter sido evitados.
Fenômeno que despertou a atenção foi o elevado número de pequenas propriedades
abandonadas. Situação tipificada como “tapera”, em que a casa, os galpões, as cercas, os
pomares, as hortas, o poço de água, etc. são as testemunhas materiais que atestam que ali
49
morou e viveu uma família camponesa. O abandono da antiga residência está patente pelo
mau estado de conservação das benfeitorias que durante anos foram o lar dos seus moradores.
A não mais existência dos moradores é um indicativo das transformações econômicas que se
efetivam na realidade, na situação fundiária.
Este fenômeno das “taperas” indicam fatores como o envelhecimento da população
rural, que nos coloca outro problema, o da sucessão familiar. Aliás, a sucessão familiar entre
as famílias camponesas empurrou para fora a maior parte dos filhos, seja porque houve a
modernização do campo, seja porque as oportunidades da cidade foram sedutoras.
Evidentemente, este esvaziamento também foi favorecido pelo sistema de educação escolar,
onde se transportou crianças e jovens para a cidade, que acabam não mais retornando para a
propriedade familiar. Deste modo, este fluxo de saída dos filhos e mesmo de famílias
camponesas vai esvaziando as comunidades rurais e envelhecendo a população que
permanece.
Mas, as taperas, também, são consequência das falências dos sistemas agrários, estão
ligadas ao fenômeno da crise e decadência dos sistemas agrários concentradores, tornando-se
um sistema agressivo aos pequenos agricultores, expulsando-os da terra, ou através políticas
capitalistas industriais, que capturam os pequenos, submetendo-os à produção, tirando a sua
autonomia, mantendo-os como apêndices de suas agriculturas voltadas à exportação.
Assim, diante de nós, cada vez mais campos desertos, dando lugar ao capim, aos
pinus illiotis, ao gado vacum, a soja, etc. E o povo, que do campo foi expulso, ficou com as
perdas e as tragédias. Lugares que foram tudo ontem e que hoje não são nada, ou como diz
Lobato (1995): “Ali tudo foi, nada é”. Resta para estes lugares a conjugação dos verbos no
pretérito: “lá tinha!”, pouco presente e futuro se vislumbram.
Diante deste quadro pintado não se trata de chorar as perdas sociais destas “cidades
mortas”, tal como diz Lobato. As tarefas históricas se colocam diante de nós a começar por
compreender a realidade fundiária real, intervindo politicamente e tecnicamente, em vista da
garantia dos direitos fundamentais, da regularização e do acesso à terra.
2.4 Exigências do Estado Democrático de Direito
Para podermos entender os direitos fundamentais, entre eles o do acesso à terra e ao
exercício da cidadania, no contexto do Estado Democrático de Direito, faz-se necessário
transitar pelas origens e evolução, através das transformações pelo qual passou o Estado.
50
Neste sentido, realizamos, suscintamente um caminhar do Estado Liberal ao Estado
Democrático de Direito, para depois nos atermos a algumas exigências que possam efetivar o
exercício da cidadania.
Primeiramente, nos reportarmos ao Estado Liberal. Diante do regime absolutista a
burguesia clamou por transformações. Havia necessidade de afastar um Estado interventor,
que desrespeitava a liberalidade contratual, que descumpria as regras de efetivação dos
princípios de promoção humana. Assim, o Estado Liberal emergiu das revoluções burguesas,
tendo como preocupação dar aos detentores do poder econômico ampla liberdade de exercer
suas atividades.
Com o Estado Liberal, a discrepante relação entre público e privado fora substituída
pela total liberalidade do particular. Nesse sentido, tal período histórico se caracteriza pela
gerência do privado sobre o público, a liberalidade contratual e a observância dos contratos de
forma absoluta, bem como o afastamento do Estado da tutela das relações privadas. Ou seja,
exaltavam as liberdades individuais como forma de desafio e limite ao poder político do
Estado.
Os liberais, com a exacerbação da atividade econômica acabaram por gerar uma
sociedade desigual, desumana, injusta. Foi então que o descontentamento popular engendrou
a reformulação do Estado, principalmente no que se refere à satisfação das necessidades mais
básicas do cidadão. Nesse novo momento, o Estado torna-se principal personagem na
atividade pública na realização dos anseios sociais. O bem-estar social, por sua vez, torna-se
realidade nas funções do Estado.
Deste modo, as demandas por mudanças determinaram a emergência de uma nova
forma de pensar o Estado, um Estado com traços mais sociais. Segundo Bonavides este novo
Estado:
Resultava dos danos sociais causados pela industrialização que oprimia o quarto
estado, produzindo lastimáveis condições de trabalho, exacerbando as desigualdades
econômicas fundados na própria igualdade jurídica entre o empregado e o empregador
em nome de teses liberais, gerando, em suma, uma consciência de revolta fixada sobre
a necessidade impreterível de rever os fundamentos da sociedade ou conjurar os
excessos do sistema capitalista, provocador de injustiças capitais perpetradas contra a
classe operária, em todos os países imersos na era da industrialização (BONAVIDES,
1981, p. 67)
Neste ambiente nasce o Estado Social. De agora em diante, por pressão dos setores
populares, o Estado estende sua influência também aos domínios que eram restritos à
iniciativa individual. Ou seja, para além das liberdades individuais, o Estado passa a intervir
nas áreas econômicas, sociais, etc.
51
Nisso Bobbio ilumina, ao apresentar tal transformação pelo qual passa o Estado:
Primeiro liberal, no qual os indivíduos que reivindicam o poder soberano são apenas
uma parte da sociedade; depois democrático, no qual são potencialmente todos a fazer
tal reivindicação; e, finalmente, social, no qual os indivíduos, todos transformados em
soberanos sem distinções de classe, reivindicam – além dos direitos de liberdade –
também os direitos sociais, que são igualmente direitos do indivíduo: o Estado dos
cidadãos, que não são mais somente os burgueses, nem os cidadãos de que fala
Aristóteles no início do Livro III da Política, definidos como aqueles que podem ter
acesso aos cargos públicos, e que, quando excluídos os escravos e estrangeiros,
mesmo numa democracia, são uma minoria (BOBBIO, 1992, p. 100).
Em relação ao Estado contemporâneo, sua marca é a intervenção estatal na ordem
econômica e social, onde deixa de ser mero espectador da atividade econômica e social e
passa a agir, saindo de garantidor das relações sociais, própria do Estado Social, para de
promotor de novas relações sociais.
As próprias constituições modernas passam a ter este conteúdo fortemente
intervencionista, promovendo os direitos sociais, a exemplo da Constituição Mexicana
(1917), a de Weimar (1919), de modo que o Estado adquire uma função social, tal como nos
diz Araújo (1998, p.31), indo além da tutela das garantias fundamentais e realizando justiça
social.
Em relação ao Estado Democrático de Direito, a Constituição de 1988, em seu artigo
inaugural, afirma que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático
de Direito. Este é um compromisso em construção de toda a sociedade. Este Estado só se
realizará quando os direitos políticos e todos os direitos fundamentais se converterem em
direitos humanos difusos, verdadeiros direitos de todos.
Neste Estado a democracia social deve ser vista como um princípio estrutural,
tomando decisões que o encaminhe na busca da justiça social, com participação de todos os
cidadãos, nos diversos níveis de desenvolvimento econômico, político, social, cultural da
sociedade. Ou seja, o Estado Democrático de Direito impõe como condição a inclusão, em
oposição ao modelo liberal, marcadamente sem compromisso social, gerador de exclusão e
injustiça social.
Em outras palavras, com este Estado, os direitos atravessam a fronteira daqueles
enunciados como sendo meramente de caráter individual e político, indo mais além, atingindo
os inscritos na ordem econômica e social e submetendo-os ao princípio da justiça social, o que
demonstra estar a democracia social ao lado da democracia política. Deste modo, o Estado
agirá como fomentador e ampliador da participação efetiva dos cidadãos, que como coautores
52
do Estado, produzem, conquistam e exigem políticas públicas para a solução dos problemas
das condições materiais de existência do povo.
Em suma, o Estado Democrático de Direito trouxe a defesa da cidadania, da
democracia, da dignidade da pessoa humana como meio de se efetivar o bem-estar social.
Neste sentido, questões como a função social da terra, reforma agrária, política agrícola,
exercício da cidadania, etc. passam a ser exigências fundamentais que devem ser debatidas e
efetivadas, atendendo os interesses do povo, em consonância aos princípios do Estado
Democrático de Direito.
2.4.1 Terra e sua Função Social
Com a inauguração do Estado Democrático de Direito, muitos conceitos, tal como os
de propriedade, função social, etc. passam a ser modificados. A propriedade, instituto que já
vinha se modificando no decorrer da história, retirando a marca excessivamente
individualista, de domínio absoluto, agora, modifica-se mais, colocando como primazia a
questão social. E a função social vai dar novo sentido á propriedade; da visão extremamente
individual, do domínio absoluto sobre a coisa, passa-se a uma visão que leva em conta o
interesse de terceiros, impondo limites ao exercício da propriedade.
Esta discussão sobre a função social, entretanto, tem antecedentes históricos; ela
entra no Brasil com a Constituição de 1934 (artigo 113), onde se garante o direito de
propriedade, desde que não seja exercido contra o interesse social ou coletivo. Depois é
retomada com a Constituição de 1946 (artigos 114 e 141), manifestando a possibilidade de
desapropriação pelo interesse social e condicionando-a ao bem-estar social. Nas Constituições
de 1967 e 1969, tempos da ditadura militar, apesar da linguagem normativa evoluir, o
processo de acesso à terra é barrado, com as organizações camponesas exterminadas ou
colocadas na clandestinidade.
Especificamente, no direito agrário, a função social fundamenta-se no Estatuto da
Terra (artigo 2º), que tem como princípio básico ordenador a função social da propriedade.
Nisso a mensagem encaminhada ao congresso é reveladora:
Impossível é dissociar-se o baixo nível de produtividade agrícola do País do sistema
de propriedade, posse e uso da terra. Às relações de trabalho ligam-se, como não
poderia deixar de ser, às condições em que ele se exerce. Não havendo estímulos
especiais para o aumento da produtividade, não recebendo o trabalhador agrário, via
de regra, retribuição proporcional ao acréscimo da lucratividade, o desestímulo é
consequência inevitável. A propriedade da terra, ao invés de se ligar à sua exploração
agrícola, à sua utilização, converte-se na apropriação com intuito especulativo
(ESTATUTO DA TERRA. l981).
53
O fim especulativo se dá pela aquisição de propriedades, improdutivas ou mal
aproveitadas, a espera de valorização, impedindo o desenvolvimento econômico e social, o
acesso dos camponeses que querem viver e produzir.
Assim, a Lei nº 4.504/1964 recoloca a questão sobre a função social da propriedade,
tal como indica Fernando Pereira Sodero:
O Estatuto da Terra, como o Direito Agrário brasileiro, fundamenta-se na doutrina da
função social da propriedade, pela qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade
social e econômica, e quem a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da
comunidade em que vive. No caso da terra rural, da terra com finalidade de
exploração agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativa, esta mesma finalidade está
clara e patente, pois, pelos novos conceitos de direito Agrário, a terra é um bem de
produção (SODERO, 1982, p. 25).
Para Sodero (1982, p.25s), a propriedade deve produzir não apenas visando a
alimentação do ser humano, mas o seu bem estar, atendendo as necessidades da comunidade.
E arremata o autor, “a terra não poder ficar improdutiva, nem o homem poder possuir área
superior àquela que normalmente, dentro de suas possiblidades econômicas possa utilizar”.
Com a Constituição de 1988 a teoria da função social da propriedade passa a ser mais
elaborada. A propriedade deve ser pensada em função do interesse da coletividade, da
sociedade. A propósito, a Constituição Federal de 1988, em seu Título VII, em especial no I
capítulo, artigo 170, destaca o princípio da propriedade privada, acrescido da função social.
Mas a doutrina vai além. Neste sentido Ribeiro afirma:
[...] a autêntica função social da propriedade está em aceitar que ela, em si,
desempenhe uma função social. O acesso à propriedade, consequentemente, deve
abrir-se para incluir os não-proprietários, pois, entre a concentração da propriedade e a
função que esta deve ser, existe uma profunda antinomia. É neste sentido que evolui a
doutrina jurídica moderna, ao ponto de reconhecer que a função social se manifesta na
própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente
como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e
utilização dos bens (RIBEIRO, 1987, p. 84).
Pelo visto, a concentração de propriedade nas mãos de poucos, atenta contra a noção
de função social, tornando-se um princípio ético na ordenação do espaço agrário.
Esta qualificação de função social dada à propriedade é uma exigência do Estado
Democrático de Direito, sendo que foi acatada com a Constituição, mas que precisa ser mais
bem apropriada por todos. Nisso ilumina Barros:
Durante muito tempo, pairou na estrutura do direito pátrio a verdade de que a
propriedade imóvel atingia seu ponto ótimo apenas satisfazendo o proprietário. O
dogma, assim estabelecido, tinha como pressuposto originário a sustentação filosófica
e política de que ela se inseria no direito natural do homem, e dessa forma, apenas
nele se exauria. É o que se podia chamar de função individual ou privada da
propriedade imóvel. Em decorrência disso, surgiu uma aceitação genérica no sentido
54
de que o homem proprietário e a sua coisa, chamada terra, mantinham uma estreiteza
de laços, tão fortes, que esta última parecia ter vida pela transposição de sentimentos
que aquele dedicava. Tamanha foi essa simbiose, que surgiu, ainda no campo do
direito, a figura da legítima defesa da propriedade, e que bem poderia ser retratada
nesta metáfora: o meu é tão meu, que se alguém tentar dele se apossar, eu revido,
lesionando ou até matando, e me arvoro em ação legítima nesse agir (BARROS, 2002,
p. 41).
Este sentimento de que “isto aqui é meu”, “não entre, propriedade privada”
permanece muito forte no meio rural, dificultando a compreensão de que a terra tem, mais do
que donos, tem seus administradores. Nestes termos a propriedade passa a ser vista como um
elemento de transformação social.
Por fim, o atendimento da função social da propriedade, princípio da ordem
econômica e exigência do Estado Democrático de Direito, atinge de forma decisiva a
propriedade, tanto é assim, que o instituto da reforma agrária é reafirmado, atingindo as
propriedades que não cumprem o que demanda o artigo 186 da Constituição Federal de 1988.
A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I- aproveitamento racional e adequado; II- utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente; III- observância das disposições que
regulam as relações de trabalho; IV- exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores.
E vejam, aqui há uma exigência constitucional que obriga a propriedade rural a
cumprir a função social, atendendo a todos estes elementos simultaneamente. Assim, não é o
fato de uma propriedade ser produtiva que comprovará o cumprimento da função social.
Nisso José Afonso da Silva, esclarece:
A produtividade é um elemento da função social da propriedade rural. Não basta,
porém, ser produtiva para que ela seja tida como cumpridora do princípio. Se ela
produz, de modo irracional, inadequado, descumprindo a legislação trabalhista em
relação a seus trabalhadores, evidentemente que está longe de atender a sua função
social (SILVA, 1990, p. 688).
Observa-se nisso a importância na preservação do meio ambiente, na produção de
alimentos sadios, na conservação da terra, rios, espécies em extinção, vegetais ou animais, dos
biomas, das relações trabalhistas não escravas, etc. É um campo amplo no cuidado da
natureza, da vida, perpassando por questionamentos sobre o grau de envenenamento
(inseticidas, pesticidas) de quem produz e de quem consome, passando pela preocupação com
os recursos finitos e de interesse das comunidades, que se colocam na preservação do
patrimônio da humanidade, as sementes, a água, contra os transgênicos.
55
2.4.2 Reforma Agrária, Política Fundiária e Agrícola
A questão agrária recebe na Constituição de 1988 uma atenção especial. No Título
VII, o Capítulo III trata da política agrícola, fundiária e da reforma agrária, que se constituem
em exigências decorrentes do Estado Democrático de Direito.
A reforma agrária é mais uma das exigências do Estado Democrático de Direito. Ela
visa a modificação da estrutura fundiária, ou seja, é o processo pelo qual o Estado modifica o
direito sobre a propriedade e a posse, sobre os bens agrícolas, a partir da transformação
fundiária e da reformulação das medidas de assistência em todo o país, com vista de obter
maior oferta de gêneros alimentícios e eliminar as desigualdades no campo.
Em outras palavras, reforma agrária é um ato do poder público que visa modificar a
estrutura fundiária vigente, um "status quo", o que implica dizer, mudar as relações de poder
no campo. É este o espírito da Lei nº 4.504/64 (artigo 1º, §1) que afirma: “considera-se
reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra,
mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de
justiça social e ao aumento de produtividade”.
Assim, a reforma agrária deve ser pensada a partir dos princípios da justiça social e,
sobretudo, tal como disse o Papa Francisco recentemente (outubro de 2014) em encontro com
mais de 200 movimentos sociais, ela é “[...] além de uma necessidade política, uma obrigação
moral".
Os objetivos da reforma agrária nos são dados pelo artigo 16, do Estatuto da Terra,
bem como pelo artigo 1º, I, do Decreto nº 55.891/1965.
Art. 16 da Lei nº 4.504\64: A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de
relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a
justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento
econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.
Art. 1º do Decreto nº 55.891/1965: A Reforma Agrária a ser executada e a Política
Agrícola a ser promovida, de acôrdo com os direitos e obrigações concernentes aos
bens imóveis rurais, na forma estabelecida na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de
1964, Estatuto da Terra, terão por objetivos primordiais:
I - A Reforma Agrária: a melhor distribuição da terra e o estabelecimento de um
sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, que atendam
aos princípios da justiça social e ao aumento da produtividade, garantindo o
progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento do País, com a
gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.
II - A Política Agrícola: a promoção das providências de amparo à propriedade rural,
que se destinem a orientar, nos interêsses da economia rural, as atividades
agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de
harmonizá-las com o processo de industrialização do País.
56
Mas tais objetivos não são taxativos, pois são mais abrangentes, visando também o
aumento do número de proprietários rurais, reduzindo os níveis de concentração da terra,
estancando o êxodo rural, aumentando o nível de emprego, etc.
Em vista de evitar o desvirtuamento dos objetivos da reforma agrária, o artigo 189 da
Constituição Federal determina que “os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela
reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo
de 10 anos”.
A Constituição de 1988 traz avanços significativos na questão agrária. O texto
constitucional garante o direito de propriedade, porém, este direito encontra-se mitigado, na
medida em que a propriedade terá que atender a sua função social (artigo 5º, XXIII), sob pena
de o proprietário ficar sujeito à desapropriação para fins de reforma agrária. Além disso, a
propriedade volta a ser incluída entre os princípios da ordem econômica, que têm por fim
”assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (artigo 170, III).
O artigo 184 da Constituição Federal de 1988 determina que a sanção para o imóvel
rural que não esteja cumprindo sua função social é a desapropriação por interesse social, para
fins de reforma agrária, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do
segundo ano de sua emissão, em percentual proporcional ao prazo, de acordo com os critérios
estabelecidos nos incisos I a V, § 3º, do artigo 5º da Lei nº 8.629/93.
A reforma agrária descentraliza e democratiza as terras, favorecendo as massas e
beneficiando o conjunto da sociedade. É um imperativo da realidade social, exigência do
Estado Democrático de Direito. Entretanto, reforma agrária não consiste apenas na entrega da
terra a quem não a tem e a quer; simultaneamente ela vem acoplada à política fundiária e à
política agrícola, que responda aos anseios dos camponeses.
Em relação à Política Fundiária, seus objetivos são o reconhecimento e a
regularização da dominialidade e da posse das terras. Essa política compreende a resolução de
conflitos sobre a propriedade de terras, inclusive os originados da luta pelo acesso à terra.
É o INCRA, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) que é o
responsável pela execução destas políticas fundiárias. Sua atuação envolve o cadastro
fundiário, a desapropriação para fins de reforma agrária, o reconhecimento fundiário de
comunidades quilombolas, ribeirinhas, bem como a estruturação de projetos de regularização
e legitimação de terras públicas e de particulares, bem como de assentamentos de reforma
agrária.
57
É notório que a regularização e legitimação da posse de um imóvel é condição
essencial para estabelecer a segurança jurídica nas relações de propriedade. O INCRA tem
oportunizado o georreferenciamento dos imóveis a nível nacional; trabalho técnico que
delimita, com segurança, a extensão de uma propriedade.
A Lei Federal nº 10.267/2001, regulamentada pelo Decreto Federal nº 4.449/2002
firmou o poder público como responsável por realizar gratuitamente o georreferenciamento
das propriedades até quatro módulos fiscais. Isso acabou por oferecer condição para que os
camponeses, historicamente marginalizados e descapitalizados, possam ter seus direitos
reconhecidos para a manutenção de suas atividades produtivas. No rastro desta lei, o MPA/RS
encaminhou projeto de “Levantamento Fundiário” em parceria com o INCRA/RS, recolhendo
dados de 4.243 questionários e analisando os maiores problemas na regularização dos
imóveis, questões estas já tratadas em item anterior (2.3.2, p. 44).
Ressalvam-se, as metas de redução da pobreza e das desigualdades sociais por meio
das ações das políticas públicas fundiárias e de reforma agrária trarão resultados positivos em
um contexto econômico favorável à produção camponesa, da agricultura familiar. È neste
sentido, que os programas de reforma agrária, política fundiária e crédito fundiário devem se
preocupar, apresentando ações para a assistência técnica, instalação de infraestrutura
produtiva, habitação nas propriedades rurais, etc. Os camponeses precisam gostar de seu
meio, sem olhar para a cidade como o ideal.
Por fim, a política agrícola, que não se confunde com reforma agrária, ainda que
ande conjuntamente com a política agrária.
[...] trata de como produzir, o que produzir, quais incentivos dados pelo governo à
produção via instrumentos creditícios e fiscais, o incentivo à melhoria de produção
pela introdução de novas técnicas, enfim, trata do planejamento da produção agropecuária brasileira, que é da responsabilidade do governo federal (ARAÚJO, 1998, p.
156).
Assim, em sentido geral, ela orienta, no interesse da economia rural, a atividade
agropecuária, traçando planos, onde se contempla o processo de industrialização do país, a
utilização da terra, a produção, planos e programas de ação governamental, a qualidade de
vida no meio rural.
É uma política que deve ser planejada e executada na forma da lei, exigindo
participação efetiva do setor produtivo, envolvendo agricultores, comercialização,
armazenamento e transportes. Deverá levar em conta os instrumentos creditícios e fiscais,
preços, assistência técnica e a extensão rural, seguro agrícola, cooperativismo, eletrificação,
58
irrigação, habitação. É este o espirito do artigo 178 da Constituição de 1988: A política
agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de
produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de
comercialização, de armazenamento e de transportes.
A Lei n° 8.171/91 trata especificamente sobre a política agrícola. Por ela o Estado é
colocado como gestor das políticas de desenvolvimento, um desenvolvimento que deve ser do
ponto de vista dos camponeses, emancipatório, voltado ao mercado interno, produzindo
alimentos sadios para a nação.
Em seu artigo 3º ela vai apontar uma diversidade de objetivos, reconhecendo que o
Estado tem grande responsabilidade, de modo que, sem o Estado não se atinge a soberania
alimentar. É o Estado que deve agir para garantir tanto a produção como o abastecimento.
Neste sentido, o artigo 4º trata da responsabilidade do Estado em gerir todas as
etapas a produção:
Art. 4º - As ações e instrumentos de política agrícola referem-se: I - planejamento
agrícola; II - pesquisa agrícola tecnológica III - assistência técnica e extensão rural;
IV - proteção do meio ambiente, conservação e recuperação dos recursos naturais; V
- defesa da agropecuária; VI - informação agrícola; VII - produção, comercialização,
abastecimento e armazenagem; VIII - associativismo e cooperativismo; IX formação profissional e educação rural; X - investimentos públicos e privados; XI crédito rural; XII - garantia da atividade agropecuária; XIII - seguro agrícola; XIV tributação e incentivos fiscais; XV - irrigação e drenagem; XVI - habitação rural;
XVII - eletrificação rural; XVIII - mecanização agrícola; XIX - crédito fundiário.
Entretanto, seu planejamento (artigo 8º) deverá ser feito em consonância com o
artigo 174 da Constituição de 1988, ou seja, de forma democrática e participativa, através de
planos nacionais de desenvolvimento agrícola plurianuais, planos de safras e planos
operativos anuais.
Outros aspectos também são contemplados pela política agrícola. Dentre eles
destacamos a preocupação com o meio ambiente e a conservação dos recursos naturais (uso
do solo e água, fauna e flora, zoneamentos agroecológicos, programas de educação ambiental,
etc.).
Assim, a política agrícola preocupa-se essencialmente com a agricultura familiar e
camponesa, aportando recursos anuais para o financiamento deste setor responsável por 70%
da produção de alimentos. Aqui entra o Programa Nacional de Amparo à Agricultura Familiar
(PRONAF), que objetiva promover o desenvolvimento sustentável dos agricultores
familiares, possuidores de área de até quatro módulos fiscais.
59
Contemplando as três exigências colocadas pelo Estado Democrático de Direito os
movimentos sociais camponeses do Brasil tem analisado a situação fundiária e reafirmado
alguns compromissos21 diante das irregularidades nos imóveis em terras públicas ou
particulares, diante dos descaminhos com a reforma agrária e com a política agrícola:
1) Ampliar e fortalecer as ações de reforma agrária para garantir o assentamento de
todas as famílias sem terra e com pouca terra e promover o desenvolvimento sustentável das
áreas reformadas;
2) No processo de regularização fundiária e titulação dos imóveis rurais, definir e
implementar critérios e condicionantes de interesse público para que seja assegurado o
cumprimento da função social das propriedades e garantida a soberania territorial e alimentar
do país. Tais critérios e condicionantes devem ser incorporados também para a revisão de
títulos que tenham sido concedidos pelos Estados ou governo Federal de forma irregular;
3) Construir um processo de articulação política com os cartórios visando a
unificação de procedimentos para o registro dos imóveis das propriedades familiares e
camponesas;
4) Definir procedimentos para que os sistemas de registro de informações adotem
apenas “uma porta de entrada” onde o agricultor e agricultora registre suas informações e
proceda à regularização fundiária, ambiental, tributária, etc. de seus imóveis rurais;
5) Assegurar as condições para que os movimentos sociais participem, efetivamente,
dos processos de cadastramento e regularização ambiental das propriedades;
6) Garantir transparência nas informações e o acesso dos movimentos sociais aos
dados cadastrais dos imóveis rurais registrados nos órgãos públicas federais, estaduais e
municipais;
7) Aprofundar estudos e elaborações visando a construção e implementação de
políticas públicas para a regularização fundiária das propriedades familiares e camponesas,
não localizadas em áreas públicas e devolutas;
8) Assegurar a participação dos movimentos sociais do campo na composição do GT
interministerial sobre Governança Fundiária;
9) Realizar uma reunião envolvendo os Ministros do MDA e do Meio Ambiente, o
INCRA, SRA e demais secretarias do MDA e do MMA para apresentar e encaminhar as
definições deste Seminário;
21
Referendadas durante Seminário Nacional de Regularização Fundiária, realizado na Bahia (Salvador, 03 a 06
de Dezembro de 2013), como forma conclusiva dos debates e da situação vivida pelo Brasil, entregaram
propostas concretas ao MDA, que ainda hoje aguardam encaminhamentos.
60
10) Realizar novos Encontros envolvendo os vários setores dos governos Federal e
Estaduais vinculados aos temas fundiário e ambiental, e os movimentos sociais do campo, das
águas e das florestas, para aprofundar os debates e encaminhamentos deste Seminário.
Especificamente, realizar um encontro para discutir os processos de regularização,
reconhecimento e desintrusão das terras dos povos e comunidades tradicionais.
Mais concretamente, o MPA\RS tem se empenhado em levar adiante esta discussão
propondo ao menos três eixos de ações de imediato a serem realizadas em parceria com os
entes públicos, sindicatos, defensorias públicas, INCRA: primeiro, levar informações como
caminho para inclusão (o que é ter propriedade regularizada, porque não ter escritura exclui,
impede o acesso a muitas políticas públicas, quais as ações necessárias, etc.); segundo, a
necessidade de revisão da legislação fundiária e dos altos custos para a documentação; por
fim, a realização de mutirões nos municípios para sensibilização e informação sobre este
tema.
Para concluir, constatamos que o problema da terra continua um problema não
resolvido no Brasil, sendo um dos fatores estruturais que mais determinam as desigualdades
sociais no campo, excluído, aumentando os níveis de pobreza, impedindo o exercício da
cidadania pelo participar nas politicas públicas.
Em meio a vastas áreas de terras há milhares de famílias sem terra, na esperança de
que seus direitos fundamentais e a sua dignidade sejam assegurados. Ao lado destes setores
sem terra eis que surge outro problema de grandes dimensões e de graves consequências, a
posse irregular das terras. Urge resolver tais problemas, pois por eles alcançaremos o
desenvolvimento humano, o desenvolvimento nacional, o bem estar na sociedade.
61
CONCLUSÃO
A preocupação que orientou este estudo foi resgatar e o pensamento sobre a questão
agrária, a partir da histórica negação ao acesso à terra e, mais especificamente, na modalidade
de regularização das posses em terras particulares.
O estudo oportunizou a compreensão de que os institutos agrários existentes no
Brasil precisam ser atualizados, diante de uma realidade onde o Estado está ausente. As
questões levantadas, em relação ao direito fundamental à terra, com as contribuições relativas
a função da terra a partir da Constituição Federal de 1988, com as exigências impostas pelo
Estado Democrático de Direito, atualizaram os temas da reforma agrária, da política fundiária,
bem como o da imperiosa política agrícola voltada aos interesses do povo camponês.
O resultado desta discussão não tem a pretensão de ser algo extensivo e conclusivo,
senão o de apresentar uma situação e um ponto de vista, diante de problemas que não são de
hoje, remontando aos tempos da colonização e sendo cristalizados pela revolução verde e
penetração do capitalismo no campo.
Primeiramente, reconhecemos que para cada processo de subordinação a classe
camponesa dá uma resposta histórica, organizando-se, manifestando-se de forma diferente,
elevando seus níveis de organização e de consciência a outros patamares, com novas e
criativas respostas. Foi o que intencionamos através da análise do 1º capítulo. Ou seja, para
cada momento histórico, há uma correspondente forma de luta e resistência; as resistências
vão se sucedendo de diversos modos, decorrentes das diversas análises que vão sendo
construídas e encaminhadas, decorrentes dos diversos processos, conjunturas e condições
dadas pela sociedade. Isto é significativo e destaca a construção democrática em que são
construídas e conduzidas as lutas em seus diversos espaços.
62
A questão central, aliada ao acesso à terra, foi a preocupação em como dar uma
resposta satisfatória aos problemas fundiários das irregularidades encontradas nos imóveis
rurais de terras particulares, que estão a impedir o exercício da cidadania a grandes setores de
camponeses familiares. Após as reflexões e análises, observamos que o instituto da
regularização é um instrumento governamental por excelência para definir e consolidar a
ocupação de terras, de agricultores familiares que não têm títulos ou estão em situação
dominial e possessória irregular.
A regularização dos imóveis dos camponeses contribuirá com Reforma Agrária e
para o reordenamento fundiário brasileiro. Ou seja, é urgente e necessário o desenvolvimento
de uma política de regularização fundiária, aliada a participação efetiva dos camponeses e
suas organizações na execução dos programas. Esta política é vital não só para adequá-las as
expectativas da população, mas também para que os ocupantes destas terras exercitem a sua
cidadania.
Além do mais, os problemas decorrentes da falta de regularização fundiária, são
fatores de instabilidade e insegurança para aos camponeses, impedindo investimentos
produtivos nas áreas, dificultando o acesso às políticas públicas e aos recursos dos programas
de governo, aumentando a exclusão social.
A Regularização Fundiária, deste modo, além de um dever do Estado, significa
inclusão social e possibilidade de desenvolvimento sustentável do campo. Não há dúvida que
a concentração, a exagerada fragmentação das propriedades rurais, a existência de
camponeses ocupando terras públicas ou privadas sem titulação, a presença de formas
tradicionais de ocupação territorial e uso da terra, sem o adequado tratamento fundiário pelo
Estado, são obstáculos à superação das desigualdades sociais e regionais e ao exercício da
cidadania.
Assim, urge que a política fundiária encontre no reordenamento fundiário o núcleo
de um conjunto de programas e ações, provocando alterações significativas na estrutura
fundiária, na politica agrícola e no acesso à terra.
Diante
desta
realidade,
apontamos
a
necessidade
de
se
acelerar
o
georreferenciamento dos imóveis, pois ele é a primeira fase do processo de regularização
fundiária, gerando dados e informações de uso multifuncional para o cadastro de imóveis
rurais, para o zoneamento ecológico-econômico e para o plano estadual de cartografia,
facilitando e potencializando a gestão governamental da estrutura fundiária.
63
Além do mais, o georreferenciamento gera importantes informações a partir da sua
utilização na demarcação de terras; a definição física e ocupacional dos imóveis
georreferenciados fornece a base para o adequado tratamento jurídico voltado à titulação, cujo
impacto social resulta na inserção dos agricultores que têm suas terras regularizadas, nas
políticas agrícolas de crédito, previdenciárias, fiscais, etc.
Os movimentos sociais estão fazendo a sua parte neste processo. Destacamos como
exemplo o “Levantamento” realizado pelo MPA/RS em parceria com o INCRA/RS, que
resultou em surpreendente constatação quanto ao grande número de unidades produtivas com
irregularidades (em torno de 40%), com uma variada situação impeditiva à regularização.
Estes problemas identificados à regularização, no geral, deitam suas raízes na cultura
colonialista, no ranço de leis feitas de cima para baixo, na indiferença com os setores
camponeses, com a concentração de terras e políticas que acobertam o latifúndio improdutivo.
Mas a maior responsabilidade, do ponto de vista legal formal, situa-se na ausência do
Estado. Tal ausência do Estado refere-se a fiscalização, que é ineficiente, pois o Estado,
costumeiramente, sempre age sobre o formal, ou seja, sua preocupação é se o imóvel está em
conformidade com a lei, através de atos formais e corretos. Aos que não procuram a estrutura
administrativa do Estado, a pena é ficarem a margem dos programas e políticas públicas do
Estado, fato que só agora passa ter relevância social e política.
Evidentemente, os proprietários e posseiros tem suas responsabilidades; há uma
ausência de consciência cidadã, o que proporciona a informalidade, existência de contratos
particulares de compra e venda, de cessão de direitos e direitos sucessórios, posse de
herdeiros e, doações, sem a devida forma legal, além de ocupações suscetíveis de
enquadramento como usucapião especial. Nisso se faz necessário programas de
esclarecimentos e conscientização cidadã, tais como os que apontamos no desenvolver desta
conclusão, acrescidos de iniciativas de educação popular, organização para a produção e
comercialização em associações e cooperativas, etc.
Assim, esta realidade deve ser enfrentada, pois fica evidente o desconforto social que
ela proporciona, além da insegurança e questões de ordem legal, como sonegação tributária e
o parcelamento irregular do solo, situações que proporcionam fraudes e prejuízos aos mais
necessitados e que praticamente os excluem das políticas públicas, como financiamentos para
produção, insumos, programas como “Minha Casa Minha Vida Rural”, etc.
As soluções são impreteríveis. Poderiam ser adotadas medidas gerais como as já
utilizadas no meio urbano, amparadas pelo Estatuto das Cidades. Além do mais, ações do
64
Ministério Público, das Defensorias, Sindicatos, Cooperativas, Movimentos Sociais, INCRA e
demais órgãos públicos, poderiam realizar grandes mutirões de discussões nos municípios,
viabilizando alternativas concretas em cada local.
Diante da realidade analisada neste trabalho monográfico, especialmente nas tratadas
no item 2.3.2 (p. 44s) apontamos algumas sugestões para a situação de irregularidades, no
intuito de fomentar o exercício dos direitos fundamentais e da cidadania camponesa.
Primeiramente, diante das posses constituídas através de contratos de arrendamentos,
comodato, cessão de uso, contrato oneroso, etc. deve, em tese, ser considerados regulares do
pondo de vista da legalidade formal, pois independente da regularidade da documentação, não
tem conflitos de propriedades e, portanto, não justificam ação específica na busca de
regularizações, não havendo ânimos de ter como suas as terras.
Em relação às posses por atos administrativos, que tem origem em reassentamento,
Banco da Terra, assentamento, etc., estas propriedades dependem de regularização através de
atos dos próprios, realizados por entes públicos, nas respectivas esferas; bastam agilidade e
vontade política.
O grande problema são os casos onde a falta de registro tem origem na aquisição
através de doações, contratos de compra e venda não concluídos, ocupante, compra de direito,
e ainda pela condição de herdeiro. Estas irregularidades indicam que houve alguma forma de
transação, sem observância do rito legal, normalmente ferindo a legislação que regulamenta o
Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/79), sonegação tributária, etc.
Uma situação verificada em muitos dos casos levantados é a não observância do
módulo mínimo rural, estabelecido pela Lei nº 4.504/64 e suas alterações. Em alguns casos
configurando-se o conceito legal de minifúndio, o que legalmente demandaria a
desapropriação, questão este que embora seja legal, deve ser analisada, pois tem propriedades
consideradas minifúndio, mas com produção, sustentabilidade e segurança alimentar superior
as chamadas médias e grandes propriedades.
Assim, há soluções para as situações apontadas; para grande maioria das
irregularidades a maneira legal seria uma regularização da propriedade através de uma ação
de usucapião, ou por retificação de área. Mas para efetivar isso precisa da contrapartida do
Estado, nomeando peritos, custeando pela assistência gratuita, ou seja, subsidiando ou
dispensado custas, viabilizando os mapas, a identificação de divisas, o memorial descritivo.
etc.
65
Uma experiência bem sucedida é o projeto “Gleba Legal”, destinado a promover a
regularização de parcelas de imóveis rurais registradas em condomínio, em situação “pro
diviso”, no Estado do Rio Grande do Sul, instituído em 2005, através da Consolidação
Normativa Notarial e Registral da Corregedoria-Geral de Justiça do RS, Provimento nº
32/2006-CGJ-RS.
Essa modalidade de regularização fundiária contempla a autorização, pela autoridade
judiciária, da regularização de frações, em condomínios rurais “pro diviso” que apresentem
situação consolidada e localizada, mediante a abertura de matrícula autônoma, respeitada a
fração mínima de parcelamento, mediante anuência dos confrontantes das parcelas a serem
extremadas.
A instrumentalização do ato, para fins de localização da parcela, é feita mediante
escritura pública declaratória, na qual é obrigatória a intervenção de todos os confrontantes da
gleba a localizar, sejam ou não condôminos na área maior. Tratando-se de simples localização
de parcela, sem necessidade de retificação na descrição do imóvel, será dispensada a
apresentação de planta, memorial ou outro documento, bastando a apresentação do
Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e a prova de quitação do Imposto Territorial
Rural (ITR), que deverão ser consignados na escritura.
Assim, é um mecanismo simples, tendo um rito rápido, sendo que bastaria juntar a
documentação mínima que contenha descrição fiel do imóvel, nome de seus lindeiros,
inscrição no INCRA e recolhimento de tributos. Tal empreitada, os movimentos sociais,
sindicatos, cooperativas, serviços registrais, justiça, etc. poderiam fazer sem grandes
dispêndios, oportunizando para milhares de famílias dias melhores.
Nos dias de hoje em que se fala muito de “mudanças”, urge saber para que lado se
quer ir. Neste processo de mudanças, o Judiciário precisará dar respostas positivas, diante das
impunidades e desobediência às leis agrárias. Por isso, a evolução da questão agrária passa
pela transformação da mentalidade agrarista em termos jurídicos. Significa uma mudança na
cultura brasileira na elaboração legislativa, uma nova para o direito agrário, onde se
compreenda a terra de forma mais humanista, vista como um espaço de construção da
dignidade do ser humano e de sua cidadania.
Assim, o exercício pleno da cidadania reclama mais justiça no campo, e esta passa,
necessariamente, pela correção das distorções que ainda perduram na estrutura fundiária
brasileira.
66
Na Constituição Federal de 1988 (artigo 126) já consta dispositivo permitindo a
criação de varas agrárias nos Estados. Cabe aos Tribunais nos Estados implantar as varas
agrárias para dirimir as contendas agrárias. Para tanto, necessita-se de juízes agraristas,
acessíveis, embebidos na realidade, visitando em loco a origem dos problemas. Também,
processos precisam ganhar maior agilidade, primar pela informalidade, simplicidade,
publicidade, pela uniformização, oralidade e pela concentração dos atos processuais.
Para tanto, faz-se imperioso que os tribunais agrários sejam independentes, com
juízes competentes, integrados a realidade agrária, compromissados com a justiça. Para tanto,
é importante exigir dos futuros bacharéis do direito, uma educação e formação que seja
crítica, transformadora, com maior visão humanista, habilitada para organizar a participação
popular para que o Estado instrumentalize políticas públicas em vista da ampliação dos
espaços para o exercício da cidadania.
Em relação ao acesso à terra, no contexto dos direitos fundamentais e do exercício da
cidadania, o compromisso maior é com a luta pela realização da reforma agrária e por uma
política agrícola voltada aos interesses dos camponeses. É sabido que a terra é um dos direitos
que condicionam os demais a sua existência; de modo que sem a terra, não há alimentos, não
há saúde, não a vida, ou seja, a satisfação dos direitos fundamentais passa pelo acesso e
distribuição da terra. Por isso deve-se reafirmar: o acesso à terra integra o conteúdo dos
direitos humanos fundamentais, na medida em que depende da terra o direito humano à
alimentação e à moradia, etc. direitos estes consubstanciados na Constituição (artigo 6º).
A Constituição de 1988 (artigo 1º, II) coloca a cidadania como fundamento da
República, constituída em Estado Democrático de Direito. Em sequencia (inciso III) põe em
relevo outro fundamento que é a dignidade da pessoa humana. Significa que não é possível
conceber a dignidade da pessoa humana sem os elementares direitos à alimentação, habitação,
etc. ligados ao direito de acesso à terra. De modo que não se pode dissociar o direito de acesso
à terra da condição de cidadania.
O acesso à terra é condição de cidadania, na medida em que a satisfação das
necessidades vitais do ser humano passa necessariamente pelo uso da terra. Contudo, este
direito tem sido postergado em função da ausência e omissão do Estado, por termos uma
poder político comprometido com o latifúndio e por termos um sistema judiciário amarrado
ao entulho liberal, arraigados num sistema judicial em profunda crise. A isso se soma a
cultura de nosso povo e organizações, que age equivocadamente, acreditando que o título
dominial se sobrepõe ao exercício da posse agrária.
67
É prevalente a opinião doutrinária de que a função social que se exige para a garantia
constitucional do direito da propriedade da terra tem endereço certo para os que não têm terra.
Neste sentido, Jacques Alfonsin (2003) diz que [...] A função social da propriedade
corresponde a um interesse difuso dos não proprietários, aí compreendidos, evidentemente, os
necessitados de terra para se alimentar e para morar.
A exigência do cumprimento da função social se dirige à satisfação de interesses
coletivos, na medida em que propicia o acesso a maior número de famílias, uma vez retirada
do domínio privado para esse fim. Neste contexto, as regularizações dos imóveis de milhares
de camponeses, os assentamentos, a fixação dos agricultores em suas terras, tem a virtude de
reduzir o desemprego, estancar o êxodo rural, garantir dignidade humana aos povos
camponeses, responsáveis pela produção de alimentos, o que possibilita
segurança e
soberania alimentar ao país.
A questão agrária no Brasil está longe de ser resolvida, enquanto for tratada como
políticas compensatórias. A estrutura fundiária permanece concentrada, cresce o número de
sem-terra e é imenso o número de famílias que se encontram com suas terras em situação
irregular perante as leis. A isso se soma que as políticas de acesso a terra no Brasil não
conseguem promover um pacto político de sustentação para um projeto de redistribuição de
terras, causando frustração no meio camponês.
A reforma agrária significa quebrar pelas raízes o problema agrário brasileiro. Ela é
uma proposta que representa igualdade social, justiça no campo e desenvolvimento
econômico, sob controle dos camponeses. Esta é uma “luta de todos”: construir a reforma
agrária.
Neste sentido, invocamos Freire (1979, p. 19): “Se não há encharcamento o
compromisso não é verdadeiro”. Isto significa que devemos rechaçar a neutralidade diante dos
conflitos. Exige uma postura de engajamento sócio-política, uma prática social libertadora,
detentora de sensibilidade para perceber as possibilidades da ação social e cultural na luta pela
transformação das estruturas opressivas. Exige mergulho na realidade, ciente de que o maior
compromisso é a solidariedade e o gesto amoroso com os oprimidos, desumanizados,
explorados.
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