Professor André Lemos

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Filosofia do Direito 1
Professor André Lemos
Aulas 1 e 2 – FILOSOFIA DO DIREITO
TEMA: Distinção do objeto do curso de filosofia juridical: distinção entre história da filosofia juridical,
Metaciência do Direito e Filosofia Jurídica.
Bibliografia:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes.
BOSON, Gerson. Filosofia do Direito: interpretação antropológica. Ed. Del Rey.
FOUCALT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Ed. Nau
REALE, Miguel. Filosofia do direito. Ed. Saraiva
Introdução:
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O objeto da ciência filosófica do direito é a idéia do direito, quer dizer, o conceito do direito e sua
realização.
Do que a filosofia se ocupa é de Idéias, não do conceito em sentido restrito; mostra, pelo contrário, que
este é parcial e inadequado, revelando que o verdadeiro conceito (e não o que assim se denomina muitas
vezes e não passa de uma determinação abstrata do intelecto) é o único que possui realidade justamente
porque ele mesmo a assume.
Toda a realidade que não for a realidade assumida pelo próprio conceito é existência passageira,
contingência exterior, opinião, aparência superficial, erro, ilusão etc.
A forma concreta que o conceito a si mesmo se dá ao realizar-se está no conhecimento do próprio
conceito, o segundo momento distinto da sua forma de puro conceito.
A ciência do direito faz parte da filosofia.
O seu objeto é, por conseguinte, desenvolver, a partir do conceito, a Idéia, porquanto esta é a razão do
objeto, ou, o que é o mesmo, observar a evolução imanente própria da matéria.
Como parte da filosofia, tem um ponto de partida definido que é o resultado e a verdade do que precede e
do qual constitui aquilo a que se chama prova.
A construção histórica da Filosofia do Direito
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A disciplina filosofia do direito surgiu em tempo relativamente recente.
O mundo Greco-romano legou reflexões e terminologias de decisiva importância sobre justiça, governo,
ordem social, lei etc.
Após o Cristianismo tais conceitos se reformularam, inclusive através do pensamento patrístico e do
escolástico.
O renascimento ocasionou revisões relevantes, com o estudo erudito dos textos antigos e com a teorização
sobre o Estado – o Estado moderno pensado, sobretudo desde Maquiavel, como um fenômeno peculiar.
O pensamento social de Hobbes, Locke, Montesquieu e Rosseau sobre leis e governo deixou um importante
feixe de questões, cujo desdobramento pressupôs, significativamente, o processo de secularização cultural
do ocidente.
No início do século XIX e do Romantismo temos um pensamento voltado para o Direito e o Estado.
Durante o século XIX se desenvolveram duas coisas díspares, mas historicamente complementares: a) por
um lado a perspectiva evolucionista (e sociológica) sobre o direito; b) por outro, o apuramento técnico dos
conceitos jurídicos, crescentemente reelaborados.
Na idade média e nos séculos iniciais dos tempos chamados modernos, muitos dos problemas que hoje se
atribuem ao “Direito Público” estavam afetos à filosofia política.
Os problemas propriamente jurídicos se encontravam principalmente no Direito Civil e no canônico.
Os juristas eram canonistas ou civilistas.
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A filosofia tratava de leis (sempre o recurso aos clássicos como Platão e Cícero); falava-se do Direito Natural
como tema corrente, que foi corrente em Hobbes e Locke, como em Rosseuau e Kant.
Com as revoluções liberais – ditas burguesas – que expressaram entre outras coisas a secularização da
política, ocorreu a ascensão jurídica e também política do “Direito Público”; e com elas, exemplarmente a
Francesa, deu-se a retomada da milenar dicotomia Direito Público-Direito Privado.
Por outro lado a antiga noção de “uso natural” veio a converter-se ou desdobrar-se na idéia de direitos
naturais, entendidos principalmente como liberdades e defendidos como direitos do homem, inerentes e
inalienáveis.
Junto com estes processos, ocorreu a formação do conceito moderno de constituição.
À criação do Estado moderno (Estado propriamente dito para a teoria política que o acompanhou) seguiuse a da constituição, a constituição em sentido moderno como constituição propriamente dita: lei maior,
organizadora do Estado (e de seus poderes), mas especialmente garantidora dos direitos.
Uma nova visão do Direito e de seus correlatos, requereria uma nova filosofia do direito, propriamente
dita.
E também uma filosofia do poder, da política, do homem (e do cidadão) e das leis.
É importante salientar que tudo isso correspondeu ao surgir de uma concepção dessacralizada.
O grande fenômeno, na virada para o mundo dito moderno, foi a queda do feudalismo e das aristocracias
(logo a das monarquias também), ao lado da crise da visão teológica, anteriormente dominante.
No caso do direito, permitiu que se relativizasse o problema da conceitualização, com a compreensão dos
diversos ângulos que fazem ver o fenômeno jurídico como norma, como conduta, como ordem, ou o que
seja.
A expressão Filosofia do Direito, vinda dos dias de Kant e de Hegel, atravessou o século XIX, no meio dos
empirismos e dos positivismos, e no século XX entrou, como quase tudo, em crise.
Surgiu a chamada “Teoria Geral do Direito”, que concebia na segunda metade do século XIX como uma
visão abrangente e empírica do direito, incluía, integrados, diversos ângulos como o histórico, o sociológico
e o comparativo.
Na verdade pode-se registrar o grande contraste entre a riqueza de sugestões e de formulações
epistemológicas e axiológicas produzidas no século XX (em sua primeira parte sobretudo) e a redução
operada pelos “puristas”, empenhados em isolar os temas ditos jurídicos de toda perspectiva que não a
jurista.
A redução normativa, e depois dela a tendência analítica, deram as costas a uma série de obras e de
contribuições ao estudo das coisas humanas que poderiam, e podem, enriquecer a meditação filosóficojurídica.
A filosofia do direito como produto do pensamento ocidental
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O ocidente propriamente dito surgiu no começo da chamada “idade média”.
Surgiu mais ou menos ao final do Império Bizantino, com a confluência de três elementos básicos: o mundo
germânico, a religião cristã e o legado romano.
É, porém, inegável que o mundo antigo, também chamado clássico, deixou, independentemente das
formas romanas (inclusive jurídicas), largos pedaços de saber e de arte aproveitados pelo Ocidente.
A construção histórica de um campo de conhecimentos e de problemas, que se chamaria de Filosofia do
Direito, correspondeu a um processo cultural situado no desdobramento de certos componentes do
pensamento ocidental.
Os gregos, criadores de uma filosofia política muito rica e importante, pouco deixaram, relativamente, no
que tange à terminologia jurídica.
Os romanos criaram essa terminologia criaram conceitos por assim dizer definitivos, mas no plano filosófico
pouco acrescentaram à reflexão grega.
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O saber medieval, quase sempre preso a modelos teológicos, reuniu a linguagem romana com os preceitos
bíblicos, mas deixou os temas do chamado direito público para a filosofia e para a teologia, construindo
porém, com o direito canônico e o civil, um padrão extremamente duradouro.
A filosofia do direito, entretanto, tardaria a construir-se.
Considerar a Filosofia do Direito como um produto do pensamento ocidental significa, portanto, distinguir
entre suas fontes clássicas e sua elaboração acadêmica a partir do século XVIII.
Significa, paralelamente, pensar no compacto trabalho de preservação dos legados, desempenhado, desde
a antiguidade tardia e o medievo, por estudiosos de diferentes talhes1, pensadores de peso e escribas2
modestos.
Filosofia do direito e saber jurídico
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O saber jurídico, mesmo entendido dentro de seus caracteres formais, não pode dispensar o contacto com
a filosofia, ao menos no plano dos fundamentos e dos pressupostos.
É inteiramente óbvio que a filosofia jurídica propriamente dita não se confunde com a ciência do direito
stricto sensu.
Na verdade, o modelo epistemológico sobre o qual se estruturou (e vem se renovando) a ciência jurídica, é
um modelo empírico, embora com marca formalista: não precisamente um saber rigoroso, mas
conceitualmente exigente e preso a dados definidos – principalmente os que constam do direito positivo.
A filosofia do direito precisa certamente manter contato com o saber dos juristas, assim como a filosofia da
história e a filosofia política em relação às ciências respectivas.
Esse contato corresponde aos temas e problemas fundamentais, aqueles que concernem aos valores, ou
aos princípios (e às fontes); ou ainda a debates sobre justiça, direitos, unidade ou pluralidade do
ordenamento.
As áreas do Conhecimento Jurídico e a Filosofia do Direito
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Na verdade a Filosofia do Direito não constitui uma das ciências jurídicas, nem se enfileira entre os saberes
concernentes ao Direito; ela possui um sentido especial, que corresponde ao fato de ser uma projeção da
própria filosofia sobre uma temática localizada, mais ou menos como a sociologia jurídica é um debruçar-se
da sociologia geral sobre certos aspectos do direito.
Filosofia e sociologia são no fundo modos de ver, são pontos de vista enfocados sobre as coisas. Não se
submetem a espartilhos metodológicos nem necessitam de recomendações didáticas; não se amoldam
inteiramente aos escaninhos acadêmicos.
Há na verdade duas coisas distintas: uma o saber jurídico em sentido restrito, que corresponde em
princípio a cada um dos ramos do direito positivo – o direito que vale como aplicável - ; outra os pontos de
vista que, correspondendo a outras áreas, ou outros saberes, se dirigem ao direito.
Assim temos a visão histórica do direito, que rastreia permanências e alterações na experiência jurídica;
temos a visão sociológica e a antropológica, e temos a psicologia jurídica.
Óbvio, portanto, que a perspectiva filosófica incide sobre o direito com o caráter abrangente, fundamental
e crítico que toda filosofia que se preze possui.
Feição particular dada à caligrafia.
Doutor da lei, entre os judeus. / .Oficial das antigas chancelarias ou secretarias. / Aquele que tinha por profissão copiar
manuscritos, muitas vezes mediante ditado; copista.
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Sobre as negações da ciência jurídica
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Motivos históricos têm contribuído para a permanência, dentro do pensamento jurídico, de uma constante,
obsessiva e sempre realimentada preocupação epistemo-metodológica. Certo que nas ciências culturais
sempre ocorre a auto-referência (a sociologia reexamina suas origens, a ciência política indaga de seus
limites), mas na teoria do direito encontramos um verdadeiro narcisismo.
Um misto de insegurança, inclusive em face da presumida solidez das ciências ditas positivas, e de modismo
temático (o tema da pergunta pela validade e o das fronteiras metodológicas), vem levando, em certos
casos, o saber jurídico a um incessante questionar-se.
Mas retenhamos que a filosofia jurídica é em substancia uma filosofia: não pode reduzir-se à ênfase sobre o
óbvio, nem comprazer-se em um jogo de paradoxos.
A redução do direito ao seu lado social converte toda visão do jurídico em um capítulo da sociologia.
O mesmo para o caso de sua redução ao político (o direito como função do poder, o que aliás é em parte
verdadeiro).
Mas no outro lado se acham os demorados e intrincados solilóquios3 formalísticos, que com freqüência
transformam a preocupação com o rigor conceitual, em princípio procedente, em um excessivo
esmiuçamento verbal.
Obviamente a epistemologia é sempre necessária, e o método é um componente relevante para todo
pensar; mas nem o método pode ser visto como um fim (em vez de tomado como um meio) nem a
epistemologia pode ocupar todo o espaço da filosofia.
De certo modo a questão do método é comparável à da técnica: a técnica, qual dizia Heidegger, consiste
basicamente em um dispositivo – isto é, em algo cuja valia repousa na instrumentalidade.
Esses são problemas que ocorrem no Ocidente moderno: no mundo antigo a maneira de ver a ciência e o
exercício da filosofia tenham outro sentido.
Na Grécia Clássica o termo espitème significou, em Platão, um saber seguro e válido, contraposto à doxa,
conhecimento vulgar e instável.
Usa-se também espitème para designar a dimensão da cultura que consta de conhecimentos científicos e
de idéias em geral.
A partir do Renascimento a noção de ciência ressurgiu com caráter quase emblemático, vinculado ao saber
matematizante de Newton e Galileu, mas também aos afazeres da filologia e das nascentes disciplinas
empíricas, como a biologia e a física.
Com Kant a presença de um factum científico, posto como referência para a análise dos processos
gnosiológicos, revalorizou o saber físico e matemático oriundo dos séculos XVI e XVII.
Com o neokantismo é que veio a renovar-se a reflexão sobre espécies de ciências, admitindo-se a dualidade
entre ciências naturais e ciências culturais.
Ciência jurídica e filosofia do direito
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Pensar sobre a filosofia do direito supõe ou inclui pensar sobre a filosofia em si mesma: teorização
abrangente e crítica, centrada sobre determinados núcleos de problemas.
Tal como vem sendo entendida e cultivada através dos séculos (através de umas tantas constantes e de um
série de alterações), a filosofia aparece na história como um modo de pensar que em princípio pode
projetar-se sobre qualquer tema.
Ela retira de si mesma seu estatuto epistemológico, seu repertório temático e suas relações com o sujeito
humano.
Fala de alguém consigo mesmo; monólogo.
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Ao desdobra-se nas filosofias especiais, o pensar filosófico se mantém ligado à sua auto-imagem
epistemológica, subsistindo como filosofia em qualquer extensão temática a que se volte.
Sempre vale recordar, contudo, a observação, feita já por algum crítico, segundo a qual existem filosofias
jurídicas produzidas por juristas.
Obras como as de Kant e de Hegel ilustram o primeiro caso. No último século predominaram talvez as
filosofias do direito escritas por juristas: constitucionalistas que aprofundam a reflexão sobre o Estado ou
sobre as normas constitucionais, penalistas que buscam bases mais largas para sua ciência (relevante a
relação, principalmente na Alemanha entre direito penal e filosofia.
Ou mesmo tributaristas que tratam da igualdade e recorrem à homonoia grega para repensar o tema.
Uma coisa, porém, é um filosofar que procura o sentido do direito dentro da existência humana e que se
desdobra por conta de questões de axiologia e ontologia; outra, a visão do direito que se move em torno
de problemas internos da ciência jurídica, só que ampliados com a menção a certos itens gerais.
À filosofia do direito cumpre, mesmo detendo-se aqui e ali sobre temas próprios da teoria geral (tais como
fontes, princípios etc), compreender as conexões do chamado mundo jurídico com o humano e com os
demais setores institucionais que ladeiam o direito.
Mais sobre a filosofia do direito
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Uma filosofia do direito se enriquecerá com a convergência entre a história das idéias (ou dos problemas) e
a compreensão do papel do direito no mundo humano.
Uma filosofia do direito que tenha abrangência e calado deverá ser, entre outras coisas, uma reflexão sobre
as situações históricas em que ocorre a experiência jurídica: situações históricas e, o que é quase o mesmo,
contextos culturais.
Mencionar o papel do direito dentro do mundo dos homens – o mundo são os homens – significa incluir, na
reflexão a respeito, o problema do fundamento.
Nas grandes filosofias a relação entre metafísica e ética, ou entre ontologia e epistemologia, tem a ver com
busca de um apoio: o valor se apóia no ser, o conhecer e o ser se interligam, o crescimento interno da
reflexão geral (como sistema ou não) revela a necessidade de uma fundamentação.
Logos, substantia, Sein, sempre ocorre um termo em torno do qual, em certa época, se estruturam os
outros.
Obviamente as filosofias especiais recorrem aos dados da filosofia geral para fundamentar-se: nesses dados
buscam a confirmação de conceitos centrais (o do direito, o do poder, ou outros).
Aplica-se às filosofias do direito aquilo que alguém já escreveu sobre as teorias filosóficas em geral: umas
dão destaque maior à epistemologia (e a metodologia), outras enfatizam a praxis e os valores.
Certamente há ai um esquematismo exagerante e simplificador.
Mas de qualquer sorte é verdade que algumas teorias tendem a reduzir a visão do jurídico à análise da
linguagem, ou ao estudo do conhecimento jurídico; outras se voltam para a compreensão dos contextos e
para a problemática dos valores.
De tudo isso decorre uma conclusão aparentemente banal: a filosofia do direito deve elaborar-se como
uma reflexão fundamentada e diversificada.
Deve estar referida a um certo conjunto de informações e de questões, que devem ser levadas em conta e
que incluem categorias filosóficas; e deve desenvolver-se por distintas áreas, não se reduzindo a uma
filosofia social nem permanecendo nas indagações epistemológicas.
O direito como realidade humana ocorre obviamente na convivência e se situa no plano institucional das
sociedades: pensar filosoficamente sobre seu significado é pensar sobre estruturas, valores, preceitos,
conceitos.
Problemas gerais. Compreender e conceituar
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Pensar sobre o direito significa tomá-lo como um objeto. Isto é evidente, e é uma concessão que cabe fazer
aos formalistas e à fenomenologia.
Pensar sobre um objeto implica distinguí-lo dos demais – outra obviedade e outra concessão análoga.
No caso do direito, o que importa é acentuar que os outros objetos, dos quais ele se distingue são os outros
setores ou áreas da vida social, que são estudadas por ciências específicas, como a economia, a educação
etc.
Distinguem-se do direito justamente por serem, como ele, partes do viver social, porções
institucionalizadas da ordem social geral.
Pensar no direito envolve uma noção do fenômeno jurídico, mas a referencia a esta noção supõe por sua
vez uma distinção (pelo menos implícita) entre o direito e cada um dos setores que preenchem a ordem
social geral.
Evidentemente esta ordem geral é um denominar comum para a conceitualização daqueles setores: nela se
situam a organização econômica, o sistema educacional, a religião, a estrutura familiar.
Ao entender o direito dentro desse denominador comum, compreendem-se as relações entre a ordem
jurídica e os outros setores que ocupam e movimentam o sistema social.
Daí que possa falar no direito como resultante da economia, como produto do poder político ou coisa
autônoma.
No problema da conceitualização do direito (como em todo problema de conceituação nas ciências sociais),
caberá distinguir dois aspectos, o lógico e o ontológico.
Toda lógica tem sentido basicamente instrumental: o que ela delineia, ou articula, com o fim de tornar
inteligível ou mesmo convincente o que se formula, é realmente algo já pensado por um pensamento que
sabe, antes de expressa-lo, o que vem a ser o objeto conceituado.
Na medida, porém, em que se confere à lógica um sentido ontológico, atribuindo ao ser contido nas
proposições uma ressonância relativa ao real (os homens que habitam o silogismo clássico equivalem aos
que moram aqui ao lado), o conceito concernente a tal ou qual objeto alude de alguma forma à substância
desse objeto. Sua substancia ou sua condição existencial.
Diferença/relação entre o ser e o pensar
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Quando pensamos na diferença/relação entre a parte de lógica nas definições e a parte de ontologia,
temos que falar da diferença/relação entre o ser o pensar.
Um tema milenar vindo de Parmênides retomado por alguns pensadores modernos, principalmente por
Hegel, que em sua teoria da essência buscou reunir o ser e o conceito, vinculados por um movimento
interno do ser.
Ao tratar do direito, teremos o ser na sua própria realidade empírica (decisões, conduta etc) e também em
sua estrutura, onde entram conteúdos verbais, portanto formas de pensar.
Um pensar que expressa um ser, e que ao mesmo tempo o altera e conduz: doutrinas, conceitos,
argumentação.
O direito envolvendo uma autoconsciência, a dos conceitos que são críticos de si mesmos, e também um
constante reexame que é uma das tarefas da hermenêutica.
Na verdade a hermenêutica, ao refazer constantemente o entendimento dos núcleos normativos da ordem
jurídica, instaura um nexo entre ser e pensar.
Julgar-se-á, aí, que a hermenêutica se acha no lado do pensar, não no do ser, mas a idéia de lados
empobrece a relação entre pensar e ser, representando uma separação didática que pode desfigurar o
problema (o pensar, onticamente, inclui a referência ao ser, e por seu turno a hermenêutica tem de estar
referida a um objeto).
Entendendo-se o direito como ordem, como conduta ou como norma, ele será de qualquer sorte visto
como parte da vida social, e ao mesmo tempo como realidade, setor ou dimensão específica dentro dessa
vida.
Daí a importância da questão da UNIVERSALIDADE para o direito.
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Tal questão corresponderia, a utilizarmos a antropologia cultural da primeira metade do século vinte, a
uma pergunta sobre se o direito constitui um dos universais da cultura, tal como o poder, as crenças, a
linguagem, a ordem econômica, a forma de parentesco.
No fundo a idéia de uma universalidade do direito é um produto do racionalismo moderno, que passa pelo
iluminismo e pelo pós-kantismo.
O afã conceituador do racionalismo pede uma imagem do direito capaz de transcender as fronteiras
culturais e também as cronologias: o direito, como o Estado, como a liberdade, como o homem, todas estas
coisas vistas como entidades incondionadas, independentes de contextos, como se fossem figuras
geométricas, como se fossem atemporais.
O direito enquanto ordem e enquanto hermenêutica, se situa desde logo como realidade histórica – tanto
quanto a política e a religião.
O que existe (ou vem existindo) são os direitos, ordenamentos jurídicos, assim como as formas políticas
concretas (polis, reinos, repúblicas) e as religiões efetivas.
A compreensão dessas realidades implica uma hermenêutica, e dentro de cada uma delas ocorrem formas
de hermenêutica.
Na realidade o direito é um fenômeno complexo, como o é a política, na qual se encontram também
diferentes elementos.
A conceituação do direito como puramente norma parte de um suposto negativo, o de que ele não é o
poder, nem a ordem, nem está nos valores.
À ênfase sobre a norma pode-se contudo antepor a indagação: qual norma? A resposta é: a jurídica.
Normas religiosas, éticas e jurídicas incidem sobre condutas, é claro; e carregam conteúdos éticos,
econômicos, sociais.
A norma se coloca entre pressupostos materiais (que o formalismo não considera jurídicos) e objetivos ou
finalidades, que têm o que ver com a vida humana em algum de seus aspectos.
Isolar a norma, separando-a dos pressupostos e dos objetivos, supõe um método que se diz jurídico: um
método para descrever a norma jurídica.
Para certos autores, o direito seria mais ou menos isto: um sistema de normas que se realizam com base
em uma interpretação. Mas o mesmo cabe dizer da religião, senão também da educação.
O que ocorre no direito é a presença de um poder oficial (o Estado), que impõe a ordem, indo da norma à
sentença.
Não significa um “estatalismo” no sentido do positivismo doutrinário: significa que a parte da
interpretação, que é indispensável (e que inclui o plano dos valores e dos princípios) completa a do Estado
e da respectiva ordem.
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