INFECÇÕES E INTOXICAÇÕES DE ORIGEM ALIMENTAR Prof. Dr. Edson Credidio - Médico Nutrólogo, Doutor em Ciências de Alimentos pela FEA – Unicamp, Pesquisador da Unicamp em Alimentos Funcionais, Perito Judicial em Análise de Alimentos, Título de Especialista em “Gestão da Qualidade e Segurança dos Alimentos”Unicamp, Diretor da Associação Brasileira de Nutrologia ,Professor e Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação do INEPA e SbNAF, Coordenador do Sistema NutroSoft, Membro Titular da “ International Colleges for the Advancement of Nutrition” – ICAN – USA, Membro Titular do “American College of Nutrition”- A.C.N. – USA, Membro Titular do – “ Center for Excellence in Surgical Outcomes Duke University ” – CESO – USA, Especialização em Cirurgia Vascular e Torácica, Membro Titular da Academia Latino – Americana de Nutrologia, Autor com dezesseis livros publicados. 1. Introdução Os alimentos de origem animal ou vegetal, frescos ou processados, incluindo a água, podem veicular diversos microrganismos patogênicos, causadores de diversas perturbações fisiológicas nas pessoas que os consomem. Os alimentos que, eventualmente, estejam contaminados por microrganismos causadores de doenças, ao serem ingeridos, permitem que os patógenos ou os seus metabólitos invadam os fluídos ou os tecidos do hospedeiro causando algumas doenças graves, como a tuberculose ou a febre de Malta, também conhecida como febre ondulante, resultantes da ingestão, por exemplo, de leite não pasteurizado ou de queijos, em particular queijos frescos, contaminados por populações bacterianas, de Mycobacterium bovis e Mycobacterium. tubercolosis, ou por Brucella abortus, agentes respectivamente responsáveis pelas doenças referidas. A expressão "doenças de origem alimentar" é vulgar e tradicionalmente utilizada para designar um quadro sintomatológico, caracterizado por um conjunto de perturbações gástricas, envolvendo geralmente vômitos, diarréia, febres e dores abdominais, que podem ocorrer individualmente ou em combinação.As doenças de origem alimentar podem ser provocadas por diversos grupos de microrganismos, incluindo bactérias, bolores, protozoários e vírus. As bactérias, pela sua diversidade e patogenia, constituem, de longe, o grupo microbiano mais importante e mais comumente associado às doenças transmitidas pelos alimentos. Os alimentos podem ser contaminados por bactérias patogênicas para o homem, como resultado de deficientes condições de higiene durante o seu processamento, quer a partir de pessoas ou animais doentes, quer a partir de fezes provenientes de indivíduos infectados. Os alimentos podem, também, constituir um perigo para a saúde pública, devido ao crescimento excessivo de populações bacterianas, à superfície ou no interior dos mesmos, oriundas do meio ambiente capazes de produzir toxinas (exotoxinas), que ao serem ingeridas com o alimento podem causar graves problemas. Embora as estatísticas brasileiras sejam precárias, acredita-se que a incidência de doenças microbianas de origem alimentar em nosso país seja bastante elevada. Mesmo em países desenvolvidos, nos quais o abastecimento de gêneros alimentícios é considerado seguro do ponto de vista de higiene e saúde pública, a ocorrência de doenças desta natureza é significante e vem aumentando, apesar dos avanços tecnológicos nas áreas de produção e controle de alimentos. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que 24 milhões de casos ocorram por ano, afetando, a cada ano, um em cada 10 habitantes (Franco et al., 1996). 2. Classificação dos patógenos de origem alimentar ocasionados por bactérias Ao lado dos microrganismos envolvidos em processo de deterioração, também existem inúmeras espécies patogênicas, que podem contaminar os alimentos e, em algumas situações, encontrar neles um substrato adequado para a sua proliferação; nestas condições, também sob o aspecto de saúde pública os alimentos são de primordial importância. De acordo com dados do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, existem 62 doenças que podem ser transmitidas entre seres humanos ou de animais a seres humanos; destas, 25 podem ser transmitidas através dos alimentos, sendo apenas 5 as mais freqüentes descritas em inquéritos epidemiológicos (Food Processors Institute, 1983) (Leitão et al., 1988). Denominam-se zoonoses às doenças que são naturalmente transmitidas entre animais vertebrados e o homem ou às doenças transmissíveis, comuns ao homem e outros animais. Alimentos de origem animal podem evidenciar a presença do patógeno que infectava inicialmente o animal do qual eles derivaram; no entanto, nenhuma das doenças zoonóticas é transmitida exclusivamente pelos alimentos, apenas ocasionalmente servindo estes como veículo de transmissão, sendo oral apenas uma das várias vias de infecção. Contrastando com essas doenças, existe um segundo grupo denominado de “doenças de origem alimentar” (food borne diseases), nas quais fica implícito que o alimento contaminado se constitui no mais importante veículo do agente patogênico, usualmente servindo de substrato para a multiplicação dos microrganismos responsável pelo processo patológico. Também neste caso, a via oral é a principal ou única via de penetração do patógeno no organismo humano. As doenças de origem alimentar podem ser divididas em duas grandes categorias (BRYAN, 1979; Sack et al.,1980): I.As infecções, causadas pela ingestão de células viáveis do microrganismo patogênico, as quais, uma vez no interior do organismo, colonizam órgãos ou tecidos específicos, com a conseqüente reação dos mesmos à sua presença, desenvolvimento, multiplicação ou toxinas por ventura elaboradas. Dois tipos básicos de processos infecciosos são conhecidos: o primeiro deles é provocado por microrganismos denominados invasivos, que, após a etapa de colonização, penetram e invadem os tecidos, originando um quadro clínico característico. Exemplos: Shigella sp, Salmonella sp, Yersinia enterocolitica, Campylobacter jejuni. O segundo tipo é causado por microrganismos toxigênicos, no qual o quadro clínico é provocado pela formação de toxinas, liberadas quando o microrganismo multiplica-se, esporula ou sofre lise. Exemplos: Escherichia coli, Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Clostridium perfringens. IAs intoxicações provocadas pela ingestão de quantidades variáveis e toxinas, formadas em decorrência da intensa proliferação do microrganismo patogênico no alimento. Embora as bactérias elaboradoras das toxinas também sejam usualmente ingeridas, a expressão da patogenicidade não envolve uma etapa infecciosa “in vivo”. Conseqüentemente, a produção de doses efetivas de toxina, capaz de afetar os seres humanos, depende fundamentalmente da contaminação pelo agente patogênico, seguida de sua multiplicação e produção de toxinas. Exemplos clássicos deste processo são as intoxicações causadas por Clostridium botulinum, Sthaphylococcus aureus e cepas específicas de Bacillus cereus (emética). A grande maioria das infecções bacterianas de origem alimentar é caracterizada por sintomatologia restrita ao trato intestinal, sendo, portanto, definidas como diarréias bacterianas (Sack et al., 1980). Nos processos toxigênicos e, portanto, não invasivos, após a etapa de colonização do intestino, a patologia do processo é conseqüência de liberação de toxinas; esta ocorre quando o microrganismo multiplica-se esporula ou sofre lise no trato intestinal, como, por exemplo, nas infecções provocadas por Vibrio cholerae, Clostridium perfringens e cepas enterotoxigênicas de Escherichia coli (BRYAN, 1979). A evidência de um quadro patológico típico depende de diversos fatores, relacionados tanto com o agente patogênico (espécie ou cepa, número de células ingeridas ou proliferando no alimento), bem como o individuo afetado (idade, estado nutricional, condições gerais de saúde). Dependendo destas variáveis e retringindo-se aos processos de infecção, a ingestão de células viáveis poderá resultar num caso clínico de gastroenterite, ou estas serão destruídas ao longo da passagem pelo trato intestinal, sem originar quaisquer danos ao individuo; ainda poderá ocorrer a eliminação (usualmente pelas fezes) das células viáveis durante períodos variáveis, sem evidência de sintomas de infecção, caracterizando, portanto, a situação de portador assintomático da bactéria (Leitão et al., 1988). 3. Infecções de origem alimentar 3.1. Salmonella sp O gênero Salmonella pertence à família Enterobacteriaceae e compreende bacilos Gram-negativos não produtores de esporos. São anaeróbios facultativos, produzem gás a partir de glicose (exceto S. typhi) e são capazes de utilizar o citrato como única fonte de carbono. A maioria é móvel, através de flagelos peritríquios, exceção feita à S. pullorum e à S. gallinarum, que são imóveis (Franco et al., 1996). A taxonomia do gênero Salmonella é baseada na composição de seus antígenos de superfície, que são os antígenos somáticos (O), os flagelares (H) e os capsulares (Vi) (Franco et al., 1996). O pH ótimo para multiplicação das salmonelas fica próximo de 7,0, sendo que valores superiores a 9,0 e inferiores a 4,0 são bactericidas. Dependendo da natureza do ácido utilizado para a acidificação, o pH mínimo pode subir para 5,5. O ácido acético, o ácido propiônico e o ácido butírico são mais inibitórios do que o ácido clorídrico ou o ácido acético, para um mesmo pH. As salmonelas não toleram concentrações de sal superiores a 9%. O nitrito é inibitório e seu efeito é acentuado pelo pH ácido (Franco et al., 1996). A temperatura ideal para multiplicação de Salmonella é 35-37ºC, sendo a mínima 5ºC e a máxima 47ºC (Franco et al., 1996). Por serem microrganismos anaeróbios facultativos, as salmonelas são pouco afetadas pelas variações do potencial de oxirredução do substrato. Além disso, revelam pouca exigência em nutrientes disponíveis, sendo ainda fracas competidoras na presença de uma microbiota variada no alimento, particularmente bactérias láticas (Bryan et al.,1979). O principal reservatório natural das salmonelas é o trato intestinal do homem e animais, sendo de ocorrência mais freqüente em aves, particularmente perus e galinhas (Bryan, 1968; National Academy of Sciences, 1975; Taylor & McCoy, 1969). No entanto, a bactéria é também muito comum em suínos, bovinos e eqüinos, bem como em animais silvestres, caso de roedores, répteis e anfíbios (Bryan, 1968). Também os insetos, principalmente moscas e baratas, são importantes veículos na disseminação das salmonelas (Leitão et al , 1988). A partir do seu reservatório natural, através de inúmeros veículos, as salmonelas irão contaminar matérias-primas e alimentos processados, tanto de origem vegetal como animal. Dentre estes, as carnes e derivados ocupam posição de destaque (Leitão et al.,1988). Características da Doença As doenças causadas por Salmonella costumam ser subdivididas em três grupos: a febre tifóide, causada por Salmonella typhi, as febres entéricas, causadas por Salmonella paratyphi (A, B e C) e as enterocolites (ou salmoneloses) , causadas pelas demais salmonelas (Franco et al., 1996). A febre tifóide só acomete o homem, e normalmente é transmitida por água e alimentos contaminados com material fecal humano. Os sintomas são muito graves, e incluem septicemia, febre alta, diarréia e vômitos. A infecção se inicia com a penetração nas células epiteliais, invasão da lâmina própria e entrada na corrente sangüínea. Os microrganismos são, então, fagocitados por células de defesa chamadas macrófagos, dentro das quais multiplicam-se. Essa multiplicação causa a destruição dos macrófagos, com a liberação de inúmeras bactérias na corrente circulatória, através da qual podem atingir diversos órgãos, como fígado, baço e vesícula biliar, até estabelecer uma infecção sistêmica. Enquanto está no interior dos macrófagos, S. typhi não é destruída por antibióticos, razão pela qual a antibioticoterapia nem sempre é eficiente em um único tratamento (Franco et al., 1996). O reservatório de S. typhi é o homem. Algumas pessoas se tornam portadoras durante muito tempo, mesmo após a eliminação dos sintomas. Esses portadores costumam ser a principal fonte de contaminação de água e alimentos com S. typhi. Alguns casos de febre tifóide foram associados ao consumo de leite cru, mariscos e vegetais crus (Franco et al., 1996). As febres entéricas são bastante semelhantes à febre tifóide, mas os sintomas clínicos são mais brandos. Geralmente ocorrem septicemia, febre, vômitos e diarréia. Enquanto a febre tifóide pode durar de uma a oito semanas, as febres entéricas duram, no máximo, três semanas. Estas doenças também podem ser causadas por consumo de água e alimentos, especialmente leite cru, vegetais crus, mariscos e ovos (Franco et al., 1996). A febre tifóide e as febres entéricas são normalmente tratadas com cloranfenicol ou ampicilina (Franco et al., 1996). As salmoneloses caracterizam-se por sintomas que incluem diarréia, febre, dores abdominais e vômitos. Os sintomas aparecem, em média, 12 a 36 horas após o contacto com o microrganismo, durando entre um e quatro dias. De modo geral, as enterocolites por Salmonella não necessitam de tratamento com antibióticos (Franco et al., 1996). Mecanismos de Patogenicidade Diversos estudos têm demonstrado que as salmonelas apresentam simultaneamente múltiplos fatores de virulência quando causam doença no homem. Esses fatores podem agir sinergisticamente ou individualmente (Franco et al., 1996). As infecções começam na mucosa do intestino delgado e do cólon. As salmonelas atravessam a camada epitelial intestinal, alcançam a lâmina própria onde proliferam. As salmonelas são fagocitadas pelos monócitos e macrófagos, resultando em resposta inflamatória, decorrente da hiperatividade do sistema reticuloendotelial. Ao contrário do que ocorre na febre tifóide e nas febres entéricas, nas enterocolites a penetração de Salmonella fica limitada a lâmina própria. Nestes casos, raramente se observa septicemia ou infecção sistêmica, ficando a infecção restrita à mucosa intestinal. A resposta inflamatória está relacionada também com a liberação de prostaglandinas, que são estimuladoras de adenilciclase, o que resulta em um aumento de secreção de água e eletrólitos, provocando diarréia aquosa (Franco et al., 1996). Epidemiologia As salmonelas são amplamente distribuídas na natureza, sendo o trato intestinal do homem e de animais o principal reservatório natural. Entre os animais, as aves são o reservatório mais importante. Suínos, bovinos, eqüinos e animais silvestres também apresentam salmonelas. Os animais domésticos podem ser portadores de salmonelas, representando grande risco, principalmente para crianças. As aves têm um papel importante, pois podem ser portadores assintomáticos, excretando continuamente salmonelas pelas fezes. Animais nessas condições podem causar contaminações cruzadas de grande importância nos abatedouros de aves (Franco et al., 1996). Inúmeros surtos de toxinfecção alimentar causados por Salmonella são conhecidos, envolvendo os mais variados tipos de alimentos. Verifica-se, no entanto, que carne de aves e outros tipos de carne são os mais freqüentemente envolvidos. Salmonelose associada à laticínios é, quase sempre, causada por leite cru ou inadequadamente pasteurizado e também queijo. Quanto a produtos derivados de ovos, os mais freqüentemente envolvidos em surtos são as saladas à base de ovos, sorvetes e outras sobremesas de fabricação caseira (Franco et al., 1996). Medidas de Controle A completa prevenção da contaminação dos alimentos, principalmente os de origem animal, é praticamente impossível, em face à ampla distribuição da bactéria no ambiente e a existência freqüente de portadores assintomáticos. No entanto, a adoção de medidas higiênicosanitárias no manuseio e processamento de alimentos, o controle de rações e alimentos para animais, a rígida adoção de práticas higiênicas na criação, transporte e abate de animais, a distinta separação em nível industrial, das operações com matérias-primas daquelas com produtos em processo ou terminados, a rigorosa adoção de programas de limpeza e desinfecção das instalações e equipamentos, a prevenção de contaminações cruzadas, seja por meio de utensílios, equipamentos ou manuseio seriam alguns exemplos de medidas importantes que contribuiriam para a redução dos níveis de contaminação (Leitão et al., 1988). Ao lado da prevenção da contaminação, medidas devem ser adotadas no sentido de se evitar a intensa proliferação das salmonelas ao longo do processamento ou no produto final (Leitão et al., 1988). A este respeito e dependendo da natureza do alimento, medidas de natureza física ou química podem ser empregadas, entre elas o controle da temperatura, desidratação, acidificação, etc (Leitão et al., 1988). Ao lado de todas essas práticas, é fundamental evitar riscos de recontaminação ou contaminação pós-processamento dos alimentos, o que pode ser alcançado por meio das seguintes medidas (Leitão et al., 1988): Supervisão da higiene pessoal e manuseio dos alimentos; Limpeza e desinfecção rigorosa de equipamentos ou utensílios mantidos em contacto com matérias-primas antes de seu contacto com alimentos processados; Usar equipamentos distintos para matérias-primas e alimentos cozidos; Separar fisicamente áreas em contacto com matérias-primas daquelas em que se manuseiam alimentos submetidos à cocção; Controle microbiológico de qualidade do ambiente, alimento em processamento e produto final. 3.2. Listeria monocytogenes Listeria é um microrganismo Gram positivo, na forma de bastonetes curtos, anaeróbio facultativo, não formador de esporos, catalase positivo, oxidase negativo, móvel a 25°C e imóvel a 35°C (ICMSF, 1996; Farber & Peterkin, 1991). Listeria monocytogenes apresenta crescimento na faixa de 2,5ºC a 44ºC, embora existem relatos sobre o crescimento a OºC. Este microrganismo suporta repetidos congelamentos e descongelamentos. O tempo de geração a 35ºC varia conforme o meio em que se encontra (Franco et al., 1996). Embora o pH ótimo para o crescimento desta bactéria esteja entre seis e oito, ela pode crescer em uma faixa maior, entre cinco e nove. Em meios de cultura, no entanto, já se verificou seu crescimento em pH 9,5. (Franco et al., 1996). Durante a década passada, a listeriose emergiu como uma das principais doenças de origem alimentar. Sua evolução, segundo Rocourt & Cossart (1997), é resultante da interação de vários fatores relacionados com mudanças nos padrões sociais, incluindo: a) progresso da medicina e conseqüente transição demográfica, determinante do aumento da população imunocomprometida e idosa, b) mudanças na produção primária de alimentos, tais como a produção de matéria-prima em grande escala, modificações na tecnologia de processamento de alimentos, expansão da indústria agroalimentar e desenvolvimento de sistemas de armazenamento refrigerado, c) mudanças nos hábitos alimentares, com aumento da demanda por alimentos refrigerados ou congelados prontos para o consumo e alimentos de fácil preparo, que necessitam de um aquecimento brando antes do consumo, e mudanças nas práticas de manipulação e preparo de alimentos. Listeria monocytogenes é uma bactéria que se encontra amplamente disseminada na natureza, motivo pelo qual é isolada freqüentemente de solo, água e vegetação (Brackett, 1988; Comi et al., 1992; Fenlon et al., 1996; Rocourt & Cossart, 1997). Características da Doença O intestino humano é o ponto de entrada de Listeria monocytogenes no organismo, através das células epiteliais do ápice das microvilosidades. Elas difundem-se, então, não só pelo interior desta célula como também de uma célula para outra. Na fase seguinte, são ingeridas por macrófagos, mas tal fato não induz a uma resposta inflamatória significante. Na verdade, as células de Listeria monocytogenes, uma vez dentro dos macrófagos, encontram-se protegidas dos leucócitos polimorfonucleares (Franco et al., 1996). Já foi verificado em animais experimentais que cepas virulentas são capazes de se multiplicar em macrófagos, rompendo estas células e produzindo septicemia. Quando isto ocorre, os microrganismos podem atingir outras áreas do organismo, podendo envolver o sistema nervoso central, o coração ou outros locais. Em mulheres grávidas, pode haver a invasão do feto e, dependendo do estágio em que a gravidez se encontra, pode ocorrer aborto, parto prematuro, nascimento de natimorto ou haver septicemia neonatal. Quando um recém-nascido é infectado no momento do parto, os sintomas típicos de listeriose são de meningite. Essa sintomatologia tem início de uma a quatro semanas após o nascimento, havendo relatos, no entanto, de período de quatro dias (Franco et al., 1996). O sintoma mais comum de listeriose é febre, mas estes pacientes queixam-se, também, de fadiga, mal-estar, podendo haver ou não presença de náusea, vômitos, dores abdominais e diarréia. O índice de mortalidade é de 30% entre os imunodeprimidos, debilitados ou recémnascidos. O período de incubação da doença varia de um dia a algumas semanas (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade Listeria monocytogenes, após entrar no organismo hospedeiro pela via oral, atinge o trato intestinal aderindo e invadindo a mucosa. Em seguida, a célula bacteriana é fagocitada por macrófagos. Após a lise da membrana fagocítica, é liberada no citoplasma da célula do hospedeiro, onde se multiplica rapidamente. Ocorre também a polimerização de filamentos de actina da célula do hospedeiro formando longas caudas em uma das extremidades da célula bacteriana. Esses filamentos causam o deslocamento da bactéria no citoplasma, permitindo a invasão das células adjacentes, dando início a um novo ciclo de infecção (Franco et al., 1996). Epidemiologia Listeria monocytogenes encontra-se amplamente disseminada na natureza. Tanto o homem como os animais e o ambiente servem como reservatório desta bactéria. No homem, o seu isolamento de indivíduos assintomáticos, provavelmente, é conseqüência da colonização do trato intestinal (Franco et al., 1996). A bactéria já foi isolada de uma grande variedade de animais, entre eles carneiros, gado bovino, cabras, porcos, cavalos, gansos, gaivotas, patos, pombas, perus, galinhas, cachorros e lebres. Também já foi isolada de peixes, artrópodes, larvas de insetos e rãs (Franco et al., 1996). Listeria monocytogenes tem sido isolada de diferentes alimentos, tais como leite cru e pasteurizado, queijos, carne bovina, suína, de aves, peixes, embutidos, carne moída de diferentes animais, produtos cárneos crus e termoprocessados, além de produtos de origem vegetal, de origem marinha e refeições preparadas. Estes isolamentos têm sido realizados não só em outros países como também no Brasil. Medidas de Controle Com a finalidade de prevenir infecções de origem alimentar por Listeria monocytogenes é necessário que haja um controle de processamento do alimento. Uma vez que esta bactéria é encontrada distribuída amplamente na natureza – no solo, água, animais, insetos, seres humanos, que pode desenvolver-se em ampla faixa de temperatura e de pH, além de ser uma das células vegetativas de maior resistência térmica, deve-se prevenir sua entrada no ambiente da indústria de alimentos. Para tanto, deve-se fazer o controle do microrganismo nos pontos de origem da matéria-prima através de medidas que minimizem as chances de contaminação (Franco et al., 1996). Outras medidas a serem tomadas no local de produção são: limpeza e sanificação dos equipamentos; construção da indústria de maneira a impedir a entrada de animais, poeira e insetos; evitar o contato do produto final com a matériaprima, evitando, assim, a contaminação cruzada; apresentação pela indústria de um setor de controle de qualidade que se aplique não somente aos parâmetros de processamento, mas também ao controle do ambiente, inclusive do pessoal (Franco et al., 1996). 3.3. Campylobacter jejuni O gênero Campylobacter contém diversas espécies patogênicas para o homem. São células Gram negativas na forma de víbrios (células encurvadas com uma torção) com flagelo polar. A maioria, incluindo Campylobacter jejuni , tem um flagelo único em uma ou em ambas as extremidades da célula (Pelczar et al.,1996). A característica fisiológica mais importante das campilobactérias é que elas são microaerófilas embora utilizem o oxigênio, elas não podem crescer na tensão normal de oxigênio presente no ar (21% de oxigênio) (Pelczar et al.,1996). Campylobacter jejuni cresce em faixa bastante estreita de temperatura, que varia entre 30ºC e 47ºC, com um ótimo de 42ºC. Essa bactéria é altamente sensível ao sal, sendo essa sensibilidade variável em função da temperatura. Assim, não se multiplicam meios contendo 2% de NaCl, quando mantidos a 30ºC ou 35ºC. São também bastante sensíveis ao pH ácido e à desidratação (Franco et al., 1996). Características da Doença A infecção por Campylobacter jejuni pode manifestar-se de várias formas, sendo a enterocolite a mais comum. A sintomatologia da campilobacteriose é clinicamente semelhante à causada por diversos outros patógenos entéricos. O período de incubação varia normalmente de dois a cinco dias, podendo se estender até 10 dias. A doença caracteriza-se por causar diarréia acompanhada de febre baixa e dores abdominais. Em alguns casos, a febre pode ser alta e as fezes podem conter sangue, leucócitos e muco. Vômitos são raros. A fase aguda da diarréia dura dois a três dias, mas as dores abdominais podem persistir por até três semanas (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade O mecanismo pelo qual Campylobacter jejuni causa doença ainda não está suficientemente esclarecido. A adesão à mucosa intestinal é indispensável. Epidemiologia Campylobacter jejuni é um microrganismo comensal do trato gastrintestinal de uma grande variedade de animais domésticos e silvestres. São isolados de bovinos, suínos, gatos, cães, roedores e, principalmente, de aves (Franco et al., 1996). Além da transmissão através do contato direto com animais contaminados também pode ser transmitido por portadores com infecções ativas. A transmissão pode ser indireta através da ingestão de água e alimentos contaminados. A maioria dos surtos já descritos foi associada ao consumo de leite cru, proveniente tanto de bovinos quanto de outros animais. Acredita-se que a contaminação do leite seja decorrente de contaminação com fezes, devido a condições precárias de higiene durante a ordenha dos animais. Mastite bovina por Campylobacter sp também pode ser causa de contaminação de leite cru. Carnes de aves e de outros animais, inadequadamente preparadas, têm sido incriminadas também (Franco et al., 1996). Medidas de Controle Em nível industrial, o controle de Campylobacter é efetivado pela rigorosa higiene no processamento e manuseio dos alimentos, refrigeração adequada e tratamento térmico dos produtos (Leitão et al., 1988). 3.4. Escherichia coli patogênica Escherichia coli é a espécie predominante entre os diversos microrganismos anaeróbio facultativos que fazem parte da microbiota intestinal de animais de sangue quente. Esse microrganismo pertence à família Enterobacteriaceae e entre suas principais características destacam-se: bacilos Gram negativos, não esporulados, capazes de fermentar glicose com produção de ácido e gás. A maioria fermenta também a lactose, com produção de ácido e gás, embora alguns sejam anaerogênicos. Apresentam antígenos somáticos O, relacionados com polissacarídeos da membrana externa; antígenos flagelares H, relacionados com proteínas dos flagelos, e ainda, antígenos K, relacionados com polissacarídeos capsulares (Franco et al., 1996). O significado da presença de Escherichia coli em um alimento deve ser avaliado sob dois ângulos. Inicialmente, Escherichia coli, pode ser uma enterobactéria, uma vez detectada no alimento, indica que esse alimento tem uma contaminação microbiana de origem fecal e portanto está em condições higiênicas insatisfatórias. Outro aspecto a ser colocado é que diversas linhagens de Escherichia coli são comprovadamente patogênicas para o homem e para os animais (Franco et al., 1996). Com base nos fatores de virulência, manifestações clínicas e epidemiologia, as linhagens de Escherichia coli consideradas patogênicas são, atualmente, agrupadas em cinco classes (Franco et al., 1996): EPEC (E. coli enteropatogênica clássica), EIEC (E. coli enteroinvasora), ETEC (E. coli enterotoxigênica), EHEC (E. coli entero-hemorrágica), EaggEC (E. coli enteroagregativa). 3.4.1. Escherichia coli enteropatogênica clássica (EPEC) As EPEC são sorotipos de Escherichia coli capazes de causar diarréia em crianças, com menos de um ano de idade (diarréia infantil). A existência destas bactérias foi descoberta em 1945 implicadas em diarréia. Até então, Escherichia coli era considerada bactéria de microbiota normal, embora alguns pediatras discordassem (Trabulsi et al., 1999). Características da Doença Os recém-nascidos e os lactantes jovens são os mais susceptíveis à infecção por EPEC (Franco et al., 1996). A diarréia provocada por EPEC é, clinicamente, mais grave do que aquelas provocadas por outros patógenos. A diarréia é, geralmente, acompanhada de dores abdominais, vômitos e febre. A duração da doença varia de seis horas a três dias, com período de incubação variando entre 17 e 72 horas (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade A virulência desse patógeno está associada à capacidade de adesão à mucosa do intestino das microvilosidades das células epiteliais intestinais. Essa adesão é mediada por um plasmídeo, responsável pela síntese de um fator de enteroaderência. Esse fator corresponde a uma proteína, e promove um tipo de adesão ao enterócito denominada localizada, que é característico de EPEC, uma vez que outras cepas de Escherichia coli, quando aderem ao enterócito, tem modelo de adesão chamada difusa (Franco et al., 1996). Epidemiologia Atualmente, em países desenvolvidos, EPEC é isolada em surtos esporádicos e com freqüência muito baixa em casos de diarréia endêmica. Entretanto, em países menos desenvolvidos, principalmente naqueles localizados em zona tropical, EPEC está entre os principais agentes enteropatogênicos, em especial na diarréia do lactante, com índices de mortalidade bastante altos (Franco et al., 1996). 3.4.2. Escherichia coli enteroinvasiva (EIEC) As cepas de EIEC são capazes de penetrar em células epiteliais e causar manifestações clínicas semelhantes às infecções causadas por Shigella (Franco et al., 1996). A maioria das cepas de EIEC apresenta diversas características bioquímicas que as tornam diferentes das demais cepas de Escherichia coli, mas a tornam bastante semelhantes a Shigella. Entre essas características especiais estão a incapacidade de descarboxilar a lisina, a não fermentação ou fermentação tardia da lactose e a ausência de flagelos (Franco et al., 1996). Características da Doença A gastrenterite provocada por EIEC é bastante semelhante àquela provocada por Shigella. Os sintomas característicos da doença são: disenteria, cólicas abdominais, febre e mal-estar geral, com eliminação de sangue e muco com as fezes. O período de incubação varia entre oito e 24 horas (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade O processo de invasão inicia-se com a internalização de EIEC pelo enterócito (endocitose), que tem seu citoesqueleto modificado para que esse processo seja eficiente. Uma vez internalizada, EIEC rompe a célula, multiplica-se e invade as células vizinhas. No local da invasão celular ocorre um acúmulo de actina e um desarranjo da estrutura celular, levando à sua morte. À luz dos conhecimentos atuais, sabe-se que existem proteínas, denominadas IPA, diretamente relacionadas com a aproximação de EIEC ao enterócito e com invasão. A síntese dessas proteínas é mediada por um plasmídeo cuja expressão é regulada por genes cromossômicos (Franco et al., 1996). Epidemiologia EIEC acomete mais comumente crianças maiores e adultos, mas o seu isolamento de pacientes com diarréia não é freqüente. Alguns estudos têm apontado surtos relacionados com a ingestão de água e/ou alimentos contaminados com EIEC. Entretanto, acredita-se que a via de transmissão mais comum seja o contacto interpessoal. 3.4.3. Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC) As ETEC são amostras de Escherichia coli que produzem as chamadas enterotoxinas LT (termolábil) e ST (termoestável). Algumas amostras produzem as duas toxinas, enquanto outras produzem somente uma delas (Trabulsi et al., 1999). Características da Doença A doença provocada por ETEC caracteriza-se pela diarréia aquosa, normalmente acompanhada de febre baixa, dores abdominais e náuseas. Em sua forma mais severa, essa doença assemelha-se bastante à cólera: fezes aquosas (“água de arroz”) que levam à desidratação. O período de incubação varia de oito a 44 horas (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade Cepas de ETEC são capazes de aderir à mucosa do intestino delgado e produzir toxinas, cujos efeitos resultam no desenvolvimento de diarréia aquosa. A adesão e colonização da mucosa intestinal são mediadas por estruturas protéicas (fímbrias), denominadas fatores de colonização, presentes na superfície das células bacterianas, e codificadas por plasmídeos (Franco et al., 1996). Epidemiologia As bactérias pertencentes a esse grupo são importantes causas de diarréia em países subdesenvolvidos. Nas regiões endêmicas, onde as condições de saneamento são precárias, principalmente nos trópicos, a doença atinge pessoas de todas as faixas etárias. Além disso, ETEC é considerada um dos principais agentes etiológicos da chamada “diarréia do viajante”, acometendo indivíduos que se locomovem de áreas desenvolvidas para regiões com problemas com saneamento básico (Franco et al., 1996). 3.4.4. Escherichia coli entero-hemorrágica (EHEC) A designação de EHEC foi inicialmente empregada para cepas de Escherichia coli pertencentes ao sorotipo O157:H7, implicadas como agente etiológico da colite hemorrágica. Mais recentemente, foi proposta a inclusão do sorotipo O26:H11 (Franco et al., 1996). É importante ressaltar que as cepas de EHEC têm algumas propriedades que as diferenciam das demais cepas de Escherichia coli: não são capazes de utilizar sorbitol, são β-glucuronidase negativas e têm dificuldades de se multiplicar ou não se multiplicam nas temperaturas normalmente empregadas para pesquisa de Escherichia coli em alimentos (44,5°C/ 45,5°C) (Franco et al., 1996). Características da Doença A colite hemorrágica é caracterizada clinicamente por dores abdominais severas e diarréia aguda, seguida de diarréia sanguinolenta, diferindo das manifestações clínicas causadas por outros agentes invasores, pela grande quantidade de sangue nas fezes e ausência de febre. O período de incubação varia de três a nove dias. A duração da doença varia de dois a nove dias. A enterocolite pode evoluir para uma doença grave chamada síndrome hemolítica urêmica (SHU) (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade As Escherichia coli enterohemorrágicas produzem duas potentes citotoxinas, codificadas por bacteriófagos lisogênicos e ativas contra células Vero e HeLa: Shigalike toxin I e II (SLT-I e SLT-II) ou verotoxinas I e II (VT-I e VT-II). O papel destas citotoxinas na indução de diarréia ainda não está comprovado, inclusive porque estudos em modelos animais mostram que a formação da lesão A/E é necessária e suficiente para causar diarréia. Por outro lado, a produção destas citotoxinas poderia explicar a capacidade destas amostras de causarem síndrome urêmica. Epidemiologia A Escherichia coli 0157:H7 tem seu habitat no solo, água contaminada e material em decomposição. Seu reservatório principal é o trato gastrintestinal de bovinos, embora já tenha sido isolada do intestino de aves (MARKS & ROBERTS, 1993; MENG et al, 1994). A transmissão de Escherichia coli 0157:H7 ao homem pode ocorrer por contato direto (contato com gado infectado ou suas fezes, contato pessoa-pessoa) ou indireto, através do consumo de água ou alimentos contaminados (USDA, 1994). A contaminação dos alimentos se dá principalmente por contato com material fecal de animais infectados ou contato com superfícies sujas, contaminados com a bactéria. Já foram incriminados em surtos os seguintes tipos de alimentos: carne bovina mal cozida e outros produtos à base de carne (rosbifes, hambúrgueres, salsichas tipo "hot-dog"), leite cru, vegetais (especialmente aqueles consumidos crus); molhos preparados para saladas, maionese, cidra de maça. Dentre os alimentos citados, a carne bovina é uma das principais fontes potenciais de Escherichia coli 0157:H7, uma vez que o trato gastrointestinal de bovinos é reservatório intermediário desses microrganismos (KNIGHT, 1993). A contaminação (cruzada), se dá na hora do abate, se houver contato das vísceras com a carne e superfícies da planta de processamento (USDA, 1994). 3.4.5. Escherichia coli enteroagregativa (EaggEC) Escherichia coli enteroagregativa é uma linhagem patogênica recentemente descrita, sendo poucos os dados disponíveis a respeito desses microrganismos. A patogenicidade parece estar relacionada com adesão à mucosa intestinal, sendo que o modelo de adesão é diferente daquele apresentado por EHEC, EPEC ou EIEC. A adesão ocorre principalmente no cólon, não sendo observada no íleo ou no duodeno, e é manose resistente. A adesão é mediada por fímbrias que são, na verdade, conjunto de microfibrilas associadas em feixes, chamadas BFB, que são diferentes das outras fímbrias de adesão (Franco et al., 1996). As cepas de EaggEC parecem estar associadas com casos crônicos de diarréia (diarréia protraída). Sua ocorrência em alimentos ou em casos de surtos de origem alimentar ainda não foi relatada (Franco et al., 1996). 3.5. Vibrio cholera O gênero Vibrio pertence à família Vibrionaceae, com seus membros sendo caracterizados como bacilos Gram negativos, retos ou curvos; são móveis devido à presença de um único flagelo polar; produzem oxidase e catalase e fermentam glicose sem produção de gás (Franco et al., 1996). Vibrio cholera se desenvolve melhor em ambiente ligeiramente alcalinos, com ótimo na faixa de pH 7,6 – 8,6, apresentando crescimento no intervalo de 6,0 a 9,6; em relação à tolerância ao sal, há crescimento no intervalo de 0 a 6%, sendo inibido em concentração de NaCl de 8%. A bactéria é mesófila, multiplicando-se entre 15° e 42°C, com ótimo no intervalo 30° - 35°C (Leitão et al., 1988). A resistência térmica da bactéria é baixa, sendo destruída pelo aquecimento a 55°C durante 15 minutos, sendo ainda bastante sensível à desidratação (Leitão et al., 1988). Características da Doença O período de incubação da cólera varia de seis horas a cinco dias. As pessoas infectadas com o vibrião podem ou não apresentar sintomatologia ou, ainda, apresentar diarréia moderada ou diarréia aquosa profunda. Nos casos mais severos pode haver perda de mais de 1 litro de fezes por hora, levando à perda rápida de líquido, colapso circulatório e à morte, quando na ausência de terapia (Franco et al., 1996). A terapia indicada é a reposição de fluidos, através da injeção intravenosa de solução de lactato de Ringer ou outra solução semelhante. Nos casos moderados, usa-se a reidratação oral. O antibiótico de escolha é a tetraciclina (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade A patogenia de Vibrio cholera já foi bastante estudada, sendo fundamental para sua expressão a ingestão de números elevados de células viáveis; a bactéria coloniza o intestino delgado, multiplica-se e produz uma enterotoxina, que estimula as células da mucosa a secretarem grandes quantidades de fluidos isotônicos, ou então aumenta a permeabilidade do endotélio vascular (Leitão et al., 1988). Uma vez que Vibrio cholera é extremamente sensível a ambientes ácidos, é provável que a instalação do agente infeccioso no intestino delgado deva ser precedida de neutralização transitória ou diluição do suco gástrico, seja pela ingestão de alimentos ou de grandes volumes líquidos (Leitão et al., 1988). Epidemiologia A cólera não se transmite facilmente pelo contacto direto, sendo a água e alimentos altamente contaminados os veículos usuais da bactéria. Os alimentos podem ser contaminados de várias maneiras (ICMSF, 1978): Pelo emprego de esgotos ou esterco como fertilizantes de vegetais, principalmente hortaliças, consumidas sem cocção prévia; Pelo uso de águas contaminadas no preparo de refrescos e de alimentos não cozidos; Pelo uso de águas contaminadas na lavagem de frutas e hortaliças, consumidas sem prévia cocção; Pela captura de peixes e moluscos em águas contaminadas; Pelo armazenamento de alimentos em recipientes contaminados; Pelo contacto dos alimentos com moscas ou outros insetos; Pelo manuseio dos alimentos sob condições higiênicas inadequadas. Existem inúmeros surtos relatados na literatura, nos quais há evidências epidemiológicas incriminando alimentos, como peixes, moluscos, hortaliças, frutas, etc mas dificilmente o Vibrio cholera é isolado do alimento suspeito (ICMSF, 1978). A cólera é uma infecção restrita quase que exclusivamente a áreas densamente povoadas, pobres em recursos econômicos, deficientes em saneamento básico e condições higiênicas precárias da população (Leitão et al., 1988). Medidas de Controle O controle da disseminação da bactéria em alimentos deve ser fundamentado em rigorosa observação da qualidade microbiológica das águas utilizadas na irrigação ou processamento dos alimentos, com obrigatoriedade de sua cloração, ao lado de higiene rigorosa no manuseio e processamento. É evidente que o tratamento térmico dos alimentos destrói a bactéria, sendo a refrigeração e congelamento auxiliares valiosos na minimização de sua proliferação (Leitão et al., 1988). Os indivíduos altamente suscetíveis, como aqueles com doenças hepáticas ou que estejam em tratamento com drogas imunossupressoras ou quimioterapia, devem evitar o consumo de alimentos marinhos crus e águas recreacionais, onde os víbrios fazem parte da microbiota normal (Franco et al., 1996). 3.6. Vibrio parahaemolyticus É um bacilo reto ou curvo, Gram negativo, não formador de esporo, apresentando um flagelo polar, pertencente à família Vibrionaceae. No entanto, desenvolve flagelos laterais quando cresce em meio sólido. É uma bactéria anaeróbia facultativa com metabolismo tanto respiratório com fermentativo (Franco et al., 1996). A temperatura ótima de crescimento de Vibrio parahaemolyticus, em meio de cultura, é de 37°C. No entanto, esta bactéria cresce na faixa de 5°C a 43°C, dependendo do pH do meio de cultura (Franco et al., 1996). O pH mínimo de crescimento a 5°C em caldo tripticase-soja com 3% de NaCl é de 7,3, mas este valor eleva-se para 7,6 na concentração salina de 7%. O crescimento ocorre em uma ampla faixa de pH: de 5 a 11, sendo ótimo entre 7,5 – 8,5. A presença de NaCl é imprescindível para o crescimento desta bactéria, sendo 0,5% a concentração limitante nos substratos. A concentração de 3%, correspondente a uma atividade de água de 0,992, propicia excelente crescimento desta bactéria (Franco et al., 1996). É um microrganismo relativamente frágil, sendo muito sensível á desidratação e ao calor. Essa bactéria é halófila facultativa, isolada de águas litorâneas e alimentos de origem marinha (Franco et al., 1996). Características da Doença O consumo de peixes, crustáceos e moluscos contaminados com Vibrio parahaemolyticus, na maioria das vezes, provoca no ser humano gastrenterite branda, com duração de dois a três dias. Nestes casos, temos os seguintes sintomas: diarréia, cãibras abdominais, náusea, vômito, dor de cabeça, febre baixa e calafrios. Nos casos mais severos, em vez de diarréia, ocorre disenteria com fezes mucóides e sanguinolenta. O uso de antibiótico tetraciclina aliado a uma terapia de suporte com reidratação é recomendado (Franco et al., 1996). Epidemiologia Vários são os relatos sobre o isolamento dessa bactéria a partir de amostras de água e estuários, peixes e frutos do mar. Raros são aqueles sobre seu isolamento a partir de águas doces e peixes de água doce, concluindo-se que o teor salino destas amostras provavelmente era alto. A freqüência de isolamento é maior durante os meses de verão, quando a temperatura da água é mais elevada (Franco et al., 1996). Em relação aos surtos, a maioria resultou do consumo de alimentos marinhos crus ou parcialmente cozidos. Entre eles podem ser citados os alimentos de origem japonesa como sushi, caranguejo, camarão e moluscos (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade O mecanismo do processo infeccioso ainda não esta completamente esclarecido. Pesquisas têm revelado que as cepas de Vibrio parahaemolyticus, isoladas de casos humanos de gastroenterite, produzem uma hemolisina característica, capaz de provocar β-hemólise do sangue humano em um meio apropriado agar de Wagatsuma, num processo denominado reação de Kanagawa. Não se sabe ao certo se Vibrio parahaemolyticus produz uma toxina similar à de Vibrio cholera ou se a patogenicidade é devida a uma toxina, ou à invasão de tecidos, ou a ambos os processos, mas é bastante provável que a hemolisina de Kanagawa tenha participação na expressão da patogenicidade (Leitão et al., 1987). Medidas de Controle As medidas de controle para Vibrio parahaemolyticus aplicáveis exclusivamente a produtos de origem marinha, baseiam-se na cocção adequada dos alimentos, na refrigeração e congelamento, para impedir a proliferação excessiva e a acidificação dos produtos; é fundamental evitar contaminações cruzadas, reinfecção de alimentos ou pratos preparados, previamente submetidos à cocção, razão pela qual a higiene e sanificação no manuseio e nos cuidados com os equipamentos e utensílios são de importância primordial (Leitão et al., 1987). 4. Intoxicações de origem alimentar 4.1. Bacillus cereus Bacillus cereus, incluída na família Bacillaceae, é um bacilo Gram positivo grande, aeróbio, mesófilo, com flagelos peritríquios, e produtor de esporos, são catalase positivos e oxidase variável (Franco et al., 1996). Bacillus cereus multiplica-se bem entre 10°C e 48°C, apresentando um ótimo de temperatura entre 28°C e 35°C. A atividade de água mínima necessária para seu crescimento é 0,95, sendo o crescimento bastante reduzido quando a concentração de NaCl do meio é 7,5%. A faixa de pH em que ocorre multiplicação varia de 4,9 a 9,3 (Franco et al., 1996). Características da Doença A patogenia de Bacillus cereus é manifestada sob duas formas bastante diversas: a- Algumas cepas de Bacillus cereus causam um quadro clínico descrito com síndrome diarréica, representando a forma clássica de patogenia desta bactéria. Neste processo, apresentando um período de incubação de 8-16 horas, os sintomas predominantes são dores abdominais, diarréia intensa, tenesmos retais, raramente ocorrendo náuseas e vômito; a duração média do processo é de 1224 horas, sendo o quadro clínico muito semelhante ao provocado por Clostridium perfringens. Os alimentos mais comumentes envolvidos nestes processos são as carnes preparadas e assadas, tortas, molhos, sopas, etc (Banwart, 1979; ICMSF, 1978; Kramer et al.,1982). b- Outra cepa, descrita mais recentemente, causa um processo denominada síndrome emética, com período de incubação muito curto, ao redor de 1 a 5 horas e com sintomas típicos de gastroenterite aguda, com náuseas e vômitos muito intensos, embora também possam ocorrer diarréia e dores abdominais. Os sintomas persistem durante 6 – 24 horas, com um quadro geral muito próximo daquele provocado por Staphylococcus aureus. Todos os casos descritos foram atribuídos ao consumo de arroz frito ou fervendo a alguns macarrões, geralmente preparados em restaurantes chineses (Kramer et al., 1982; Gilbert, 1979). Mecanismo de Patogenicidade A maioria das cepas de Bacillus cereus é capaz de produzir uma série grande de metabólitos extracelulares, dos quais alguns estão relacionados com seu mecanismo de virulência. Entre esse metabólitos, destacam-se a toxina diarréica e a toxina emética, responsáveis pelas síndromes anteriormente descritas (Franco et al., 1996). Epidemiologia Bacillus cereus é largamente distribuído na natureza, sendo o solo o seu reservatório natural. Por esta razão, contamina facilmente alimentos como vegetais, cereais, condimentos, etc. Dentre os vegetais, destaca-se o arroz, que tem sido o alimento mais freqüentemente envolvido em surtos de origem alimentar (Franco et al., 1996).Bacillus cereus é também encontrado na superfície de carne bovina, suína e de frango, certamente devido à contaminação com o solo. Este patógeno é um problema sério também em laticínios (queijos e sorvetes), sendo seus esporos muito comum em leite em pó (Franco et al., 1996). Medidas de Controle O controle de Bacillus cereus em alimentos fundamenta-se na prevenção de seu desenvolvimento, uma vez que é difícil, senão, impossível, impedir-se por completo a sua presença nas matérias-primas. Nestas condições, é fundamental que, particularmente nos alimentos preparados e prontos para o consumo, a multiplicação intensa da bactéria seja inibida, quer pela refrigeração adequada ou pela manutenção dos alimentos em temperaturas acima de 55°C (Leitão et al., 1987). Nenhum produto que ofereça condições para a proliferação deste patógeno deverá ser mantido por períodos superiores a 2 – 3 horas em temperaturas na faixa de 15° a 60°C, que propiciam condições de desenvolvimento. Os alimentos de baixa acidez, submetidos à esterilização comercial, não oferecem riscos quanto à presença desta bactéria, uma vez que a resistência térmica de seus esporos é relativamente baixa (Leitão et al., 1987). 4.2. Staphylococcus aureus As bactérias do gênero Staphylococcus são cocos Gram positivos, pertencentes à família Micrococcaceae. São facultativos anaeróbios, com maior crescimento sob condições aeróbios, quando, então, produzem catalase (Franco et al., 1996). Os estafilococos são bactérias mesófilas apresentando temperatura de crescimento na faixa de 7°C a 47,8°C. As bactérias deste gênero são tolerantes a concentrações de 10% a 20% de NaCl e a nitratos, o que torna os alimentos curados veículos potenciais para as mesmas. Em relação ao pH, crescem na faixa de 4 a 9,8, com ótimo entre 6 e 7 (Franco et al., 1996). Considerando a Aa, os estafilococos são únicos em sua capacidade de crescerem em valores inferiores aos normalmente considerados mínimos para as bactérias nãohalófilas. O valor mínimo da Aa considerado, atualmente, é de 0,86 apesar de, sob condições ideais, esta bactéria já ter se desenvolvido em Aa de 0,83 (Franco et al., 1996). Características da Doença Staphylococcus aureus causa intoxicação provocada pela ingestão do alimento que apresenta a toxina pré-formada. Portanto, o agente causal não é a bactéria, mas várias toxinas produzidas por esta bactéria, conhecidas como enterotoxinas (Franco et al., 1996). O período de incubação de um surto varia, geralmente, de 30 minutos a oito horas, sendo a média de duas a quatro horas, após a ingestão do alimento contaminado. Os sintomas variam com o grau de suscetibilidade do indivíduo, concentração da enterotoxina no alimento e a quantidade do alimento (Franco et al., 1996). Os principais sintomas são náusea, vômitos, cãibras abdominais geralmente bem dolorosas, diarréia e sudorese. Podem ocorrer ainda dores de cabeça, calafrios, queda de pressão arterial e, raríssimas vezes, febre, quando a quantidade de toxina ingerida é grande (Franco et al., 1996). Epidemiologia O homem e os animais são os principais reservatórios de Staphylococcus aureus. A cavidade nasal é o principal hábitat dos estafilococos no homem e, a partir deste foco, atingem tanto a epiderme e feridas como o ar, água, solo, leite, esgoto e qualquer superfície ou objeto que tenha entrado em contato com o homem (Franco et al., 1996). Os portadores nasais e os manipuladores de alimentos com mãos e braços que apresentem feridas infectadas com Staphylococus aureus são importantes fontes de contaminação do alimento (Franco et al., 1996). Além do homem, a maioria dos animais domésticos também é portadora ou apresenta-se contaminada pela bactéria. Exemplo típico é a mastite estafilocócica do gado leiteiro. Caso o leite infectado seja consumido ou utilizado no preparo de queijos, haverá chances de ocorrer intoxicação (Franco et al., 1996). São agentes comuns da intoxicação estafilocócica o leite, creme, tortas recheadas com creme, saladas de batata, atum, frango e presunto, presunto cozido e outras carnes cozidas (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade O mecanismo do processo patológico ainda não está suficientemente esclarecido. A enterotoxina não parece ser absorvida no intestino, causando a resposta emética devido a um estímulo neural iniciado no trato intestinal; a enterotoxina mostra uma afinidade pelas paredes estomacal e intestinal, causando sua inflamação e irritação, provavelmente estimulando a secreção de sódio e cloretos. A enterotoxina causa um processo de enterocolite, sendo sua intensidade diretamente proporcional à quantidade de toxina ingerida (Leitão et al., 1987). As enterotoxinas são termorresistentes. Tal fator é especialmente importante para a indústria de alimentos, porque a maioria dos alimentos processados sofre algum tratamento térmico durante o processamento. Por exemplo, a pasteurização do leite destruirá o microrganismo (Staphylococcus aureus) mas não inativará a toxina, caso esteja presente (Franco et al., 1996). Medidas de Controle A prevenção da intoxicação estafilocócica em alimentos pode ser alcançada pelo controle da sua contaminação, mediante práticas adequadas de higiene e sanificação industrial, principalmente no que concerne à manipulação dos produtos. Além disso, pela refrigeração adequada dos alimentos suscetíveis à contaminação e proliferação de Staphylococcus aureus, consegue manter as populações em níveis reduzidos, minimizando-se, portanto, os riscos de intoxicações. Finalmente, pelo aquecimento dos alimentos, a bactéria é facilmente destruída, embora a enterotoxina, porventura presente, não seja sensivelmente afetada em temperaturas abaixo de 100°C (Leitão et al., 1987). 4.3. Clostridium botulinum São bacilos Gram-positivos, apresentam flagelos peritríquios e são formadores de esporos. São anaeróbios estritos, capazes de produzir toxinas, de natureza protéica, sendo conhecidas às toxinas A, B, C1, C2, D, E, F e G. As cepas de Clostridium botulinum são classificadas em quatro grupos, I, II, III e IV, de acordo com o tipo de toxina que produzem e a atividade sobre proteínas e açúcares (Franco et al., 1996). Os limites mínimos de temperatura de multiplicação são 10°C para as cepas do grupo I e 3,5°C para as cepas do grupo II, e os limites máximos são 4550°C e 40-45°C para os grupos I e II respectivamente. O pH mínimo para multiplicação das cepas do grupo I varia entre 4,6 e 4,8 e para os demais grupo é 5,0. A Aa mínima para multiplicação é 0,94 e 0,97 para as cepas dos grupos I e II, respectivamente (Franco et al., 1996). Características da Doença A patologia de Clostridium botulinum pode ser expressa de 3 maneiras diversas (Leitão et.al.,1987): 1- Botulismo por lesões: de ocorrência relativamente rara, normalmente associado com casos de lesões ou feridas nos pacientes, ocorridos no campo ou em fazendas, normalmente constatando-se a presença dos tipos A e B. Os sintomas são semelhantes aos do botulismo clássico, de origem alimentar, embora diarréia, vômitos e outros sintomas gastrointestinais nunca tenham sido observados; 2- Botulismo Infantil: é devido à produção de toxina botulínica “in vivo”, após multiplicação da bactéria no trato intestinal. Todos os casos diagnosticados ocorreram em crianças com menos de 6 meses de idade. A sintomatologia consiste em prisão de ventre, inapetência, letargia, fraqueza geral e choro fraco ou alterado, com perda de controle do soerguimento da cabeça, há excreção de esporos e toxina nas fezes, mas esta última não é detectada nos soro; 3- Botulismo de origem alimentar ou botulismo clássico: este é, sem dúvida, o mais grave processo de doença de origem alimentar, sendo tipicamente uma intoxicação, provocada pela ingestão de toxina pré-elaborada no alimento. Os sintomas do botulismo normalmente desenvolvem-se de 12 a 48 h após a ingestão do alimento contaminado, embora, em alguns extremos, o intervalo varie de 2 h a 14 dias, dependendo da quantidade e tipo de toxina ingerida, a resistência individual e tipo de alimento contaminado. Antes do desenvolvimento de sintomas neurológicos, perturbações gastrointestinais ocorrem, tais como náuseas, vômito, diarréia, dores na região subexternal, distensão abdominal, seguidas por vezes, de prisão de ventre. Após o surgimento destes sintomas inespecíficos, ou mesmo na total ausência deles, os sintomas neurológicos ocorrem invariavelmente, sendo caracterizados por fraqueza, lassidão, tonturas ou vertigens, seguidos de sintomas oftálmicos, com visão embaçada, diplopia, pupilas dilatadas e fixas e reflexos deficientes à luz; ptose das pálpebras e fraqueza dos músculos faciais. Mecanismo de Patogenicidade O botulismo é uma intoxicação causada pela ingestão de toxinas pré-formadas nos alimentos. A produção da toxina ocorre durante a multiplicação bacteriana, mas apenas pequena quantidade de toxina é liberada para o ambiente nesta fase. A liberação ocorre em massa quando se inicia o processo de lise da célula bacteriana (Franco et al., 1996). Exceto nos casos de botulismo infantil e por lesões, a toxina pré-formada nos alimentos é ingerida, devendo inicialmente atravessar a barreira do trato gastrointestinal e ser transportada ao sistema nervoso; o alimento consumido juntamente com a toxina pode protege-la do efeito deletério dos ácidos, durante a passagem pelo estômago; o ponto de máxima absorção da toxina é o intestino delgado, penetrando inicialmente no sistema linfático e posteriormente alcançando a corrente sangüínea. A seguir, ela é transportada pelo sistema vascular ao nervos; nestes, a toxina liga-se aos terminais pré-sinápticos dos nervos colinérgicos, interferindo com a liberação da acetilcolina nas junções mioneurais (Leitão et.al.,1987). Epidemiologia Clostridium botulinum encontra-se amplamente distribuído no ambiente natural, sendo o solo seu principal habitat e reservatório, sendo ainda constatado em alimentos, rações e no ambiente aquático (Leitão et.al.,1987; Franco et al., 1996). Os principais produtos envolvidos em surto de Clostridium botulinum são: produtos cárneos, conservas vegetais de preparação caseira, mel, hortaliças, leite e derivados, frutas, peixes e pescado e picles (Leitão et.al.,1987; Franco et al., 1996). Medidas de Controle A nível industrial, o controle de Clostridium botulinum é assegurado pelo tratamento térmico adequado dos alimentos, de forma a assegurar a completa destruição dos esporos, ou então pelo uso de métodos químicos ou físicos (acidificação, redução da atividade de água, etc.) que garantam a total inibição do desenvolvimento desta bactéria (Leitão et.al.,1987). 4.4. Clostridium perfringens Clostridium perfringens é um bacilo Gram positivo, anaeróbio, esporulado, apresenta cápsula e é imóvel, e tem intensa atividade metabólica em alimentos (Franco et al., 1996). Uma das características mais importantes de Clostridium perfringens é sua capacidade de multiplicação em temperatura alta, estando ótima entre 40°C e 45°C. O pH ideal para sua multiplicação está entre 6,0 e 7,0; e não são muito tolerantes em atividade de água baixa (Franco et al., 1996). Características da Doença Clostridium perfringens é responsável por dois tipos diferentes de toxinfecção alimentar. Cepas do tipo A causam a intoxicação alimentar na forma clássica e as do tipo C causam a enterite necrótica (Franco et al., 1996). Os sintomas da intoxicação alimentar por Clostridium perfringens do tipo A são dores abdominais agudas, diarréia com náuseas e febre, sendo vômitos raros. Os sintomas aparecem mais freqüentemente entre oito a 12 horas após a ingestão de alimentos contaminados e a duração dos sintomas é de 12 a 24 horas (Franco et al., 1996). A enterite necrótica, causada por Clostridium perfringens tipo C, é rara. Os sintomas são dores abdominais agudas muito intensas, diarréia sanguinolenta, algumas vezes vômitos, e inflamação necrótica do intestino delgado, sendo freqüentemente letal. Os casos descritos na literatura têm sido associados ao consumo de carne de porco mal cozida (Franco et al., 1996). Mecanismo de Patogenicidade A intoxicação alimentar é causada por uma enterotoxina que aparece quando se forma o esporo de Clostridium perfringens. A enterotoxina é formada durante o processo de esporulação e está pode ocorrer excepcionalmente no alimento mas este fenômeno ocorre principalmente no intestino (Franco et al., 1996). Epidemiologia Clostridium perfringens faz parte da microbiota do solo, especialmente as cepas do tipo A, sendo também comum no conteúdo intestinal do homem e de muitos animais (Franco et al., 1996). Esse microrganismo é facilmente isolado de alimentos, tanto crus quanto processados, e seu envolvimento em casos de doenças de origem alimentar é bastante grande. Alimentos à base de carne bovina e de carne de frango têm sido os principais causadores de intoxicação alimentar. A maioria dos surtos relatados é associada à alimentação em estabelecimentos institucionais (restaurantes, hospitais, fábrica, escolas, etc) (Franco et al., 1996). Medidas de Controle A principal medida de controle para minimizar problemas de infecção por Clostridium perfringens é baseada na prevenção da multiplicação da bactéria, pela refrigeração adequada de alimentos preparados, lembrando que abaixo de 15°C o crescimento já é bastante inibido (Franco et al., 1996). 5.Doenças infecciosas na América do Sul O relatório sistemático das doenças infecciosas da América latina e do Caribe foi lançado em 1994 quando a PAHO (Pan American Health Organization) e WHO (World Health Organization) implanta o sistema de informação de vigilância de surtos regionais chamado SIRVEETA (Sistema Regional de Información para la Vigilancia de lãs Enfermidades Transmitidas por los alimentos) (INPPAZ, 2001) citado por Franco et al., 2002. Até então os dados sobre surtos estavam espalhados em vários documentos de difícil acesso, tais como: revistas, jornais, procedimentos de reuniões ou congressos. Os principais objetivos do SIRVE-ETA são acumular e disseminar os dados sobre episódios de doenças infecciosas na América Latina e no Caribe. Este sistema regional faz parte do plano de ação do programa regional e cooperação técnica da proteção dos alimentos, e fundada pela PAHO/WHO em 1986, cujas metas principais são obter alimentos seguros, reduzir a morbidade e a mortalidade na região e reduzir os impactos econômicos destas doenças. O Plano de Ação e o SIRVE-ETA são coordenados pelo Instituto Pan Americano de Proteção aos Alimentos e Zoonoses – INPPAZ (Instituto Panamericano de Protección de Alimentos y Zoonosis), localizado em Buenos Aires, Argentina (INPPAZ, 1999) citado por Franco et al., 2002. 5.1. Estimativas das taxas das doenças Considerando que o SIRVE-ETA está em fase de implantação e que há uma alta percentagem de surtos não informados, o tamanho exato do problema relacionado com as doenças infecciosas na Região permanece desconhecido. De acordo com o INPPAZ (Tabela 01), 5.283 surtos ocorreram na América Latina e no Caribe entre 1995 a 2001, afetando 174.976 pessoas e causando 275 mortes. Entre estes, 1.358 surtos, 35.924 casos e 123 mortes ocorridas nos países do sul incluídos neste texto (INPPAZ, 2002) citado por Franco et al., 2002. Estes números indicam os valore médios de surtos por ano na América Latina e no Caribe era 754,7 e nos países do sul 194,0. Os valores médios de casos por ano nesta Região eram de 24.997 e 5.132 nos países no sul. Os valores médios de mortes por ano nesta região eram de 39,3 e 17,6 nos países do sul. A estimativa populacional da América Latina e do Caribe em 2000 era de 520 milhões de habitantes (ESA, 2002) citado por Franco et al., 2002, assim o índice estimado de doenças destes países em 1995 – 2001 pode ser calculado em 1,45 surtos/milhão/ano, 48,18 casos/milhão/ano e 0,078 mortes/milhão/ano. Considerando apenas os países do sul, onde a estimativa populacional em 2000 era de 270 milhões (ESA, 2002) citado por Franco et al., 2002, o índice de doenças neste mesmo período pode ter sido 0,72 surtos/milhão/ano, 19,0 casos/milhão/ano e 0,034 mortes/ milhão/ano. Porém, pode ser considerado que o número de surtos de doenças infecciosas informado pelo INPPAZ represente apenas uma parte daquilo que realmente aconteceu. As doenças infecciosas não relatadas ocorrem porque as pessoas doentes não procuram cuidados médicos quando os sintomas surgem e os laboratórios não oficiais não relatam essas doenças. Em alguns países como o Brasil, as doenças infecciosas são de notificação mandatória (Saúde, 1999) citado por Franco et al., 2002. Usualmente, alguns episódios afetando um grande número de pessoas são espontaneamente notificados. Muitas doenças infecciosas são causadas por patógenos e não podem ser identificadas e diagnosticadas. Nos Estados Unidos, as doenças infecciosas foram calculadas de 6 milhões a 81 milhões de doenças a cada ano (CDC, 2002) citado por Franco et al., 2002. A vigilância para surtos notificou nos Estados Unidos entre 1988 a 1992 uma média de 15.475 casos a cada ano (Bean et al.,1997) citado por Franco et al., 2002, que corresponde a 0,26% da mais baixa estimativa. É quase a mesma estimativa que a da América Latina e do Caribe entre 1995 a 2001 (24.997), o real número de casos por ano pode ser calculado em pelo menos 10 milhões. Considerando apenas os países da América do Sul, onde a média de casos por ano era de 5.132 esta estimativa poderá ser ao redor de 2 milhões. 5.2. Doenças informadas Um total de 5.283 surtos de doenças infecciosas, 174.976 casos e 275 mortes foram relatadas pelo INPPAZ entre 1995 a 2001, na América Latina e no Caribe (Tabela 01). Os países da América do Sul contribuem com 25,7% destes surtos, 20,5% dos casos e 44,7% das mortes. Entre estes surtos, 38,1% ocorreram no Brasil, 24,8% no Chile, 11,1% na Argentina, 8,3% no Peru, 8,2% no Uruguai, 6,3% no Paraguai e 3,2% no Equador. Estes dados devem ser interpretados muito cuidadosamente porque a vigilância epidemiológica em alguns destes países pode não existir e nesse caso pode não refletir a realidade. Por exemplo, de acordo com o INPPAZ não havia nenhum surto no Brasil no período de 1995, 1997 e 2001. Entretanto, de acordo com o Departamento de Saúde do Estado do Paraná, ocorreram 200, 156 e 164 surtos de doenças infecciosas neste estado nos anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente, com um total de 15.203 casos estimados (Camargo et al.,1999) citado por Franco et al., 2002. Na Tabela 02 é apresentada a etiologia dos surtos das doenças infecciosas ocorridas nos países da América do Sul entre 1995 e 2001. O agente etiológico não pode ser determinado entre os 38,5% dos episódios. O número de casos unido a eles representa 26,3% dos casos totais e 14,6% dos indivíduos que morreram. De acordo com os dados ilustrados na Tabela 02 as bactérias foram as causas mais freqüentes dentre os surtos (86,2%) e casos (94,8%) de episódios onde o agente etiológico pode ser determinado. As toxinas causaram o segundo maior número de surtos seguidos por substâncias químicas, parasitas e vírus. Entretanto, o maior número de mortes foi por intoxicações por substâncias químicas (2,2 mortes/surtos), especialmente por metanol e pesticidas. O número de pessoas afetadas por surtos de doenças infecciosas causado por bactérias é maior do que os outros agentes (34,9 casos/surtos), por parasitas (29,3 casos/surtos) enquanto os vírus representam 20 casos por episódio. Observando-se a Tabela 02, verificase que Salmonella sp (incluindo Salmonella enteritidis e Salmonella typhi) é o agente mais freqüente, sendo responsável por 58,1% dos surtos e 66,2% dos casos. O segundo do ranking é o Staphylococcus sp com 21,6% dos surtos e 11,4% dos casos. Clostridium perfringens com 4,2% dos surtos e 4,1% dos casos. Outros microrganismos foram envolvidos em 16,8% dos episódios. É interessante notar que os casos de surtos de episódios causados por Shigella sp e Salmonella sp eram mais altos (114,0 e 3,8 pessoas, respectivamente) do que eles relacionados a outros patógenos. Clostridium botulinum foi o agente que causou maiores números de fatalidade (8,3%) seguido pelo Vibrio cholerae (1,7%) e por Salmonella sp (0,06%). Os dados oficiais do INPPAZ sobre cólera nos países da América do Sul em 1995 – 2001 (INPPAZ, 2002) citado por Franco et al., 2002 devem ser analisados com precaução. Em janeiro de 1991, a sétima pandemia de cólera chegou à América Latina vinda da costa do Peru e caminhou pela América do Sul afetando quase todos os países. De 1991 a 1995, a América Latina relatou 1 milhão de casos de cólera incluindo mais do que 11.000 mortes. Em 1995, relatou-se um declínio dos casos de cólera continuando sendo observado a cada ano desde 1991 (PAHO, 1999) citado por Franco et al., 2002. Entretanto, em 1998, WHO relatou um grande aumento de casos de cólera no Peru. Nas primeiras 4 semanas de 1998, o total de casos foi de 2.863 com 16 mortes comparadas com apenas 174 casos com uma morte no período correspondente de 1997. Estes casos aconteceram em áreas onde nenhum caso ou muitos poucos casos tinham sido previamente informados (WHO, 1995) citado por Franco et al., 2002. Momen (1998) citado por Franco et al., 2002 relatou que esta doença surgiu na Amazônia em 1997, causando mais de 5.000 casos (2.600 confirmados). WHO também relatou muitos surtos no período entre 1996 – 1999: 1 no Equador em 1996 com 416 casos e 4 mortes (WHO, 1996) citado por Franco et al., 2002; 2 casos na Bolívia em 1997 com 723 casos (metade confirmados) e sem saber o número de mortes (WHO, 1997) citado por Franco et al., 2002; 1 caso no Chile em 1998 com 33 casos (12 confirmados) (WHO, 1998) citado por Franco et al., 2002; e 2 casos no Brasil no período de 1998 e 1999. Os surtos brasileiros, em 1998, ocorridos em partes das cidades do nordeste foram de 376 casos em uma semana. A provável contaminação foi pela água do rio que a população consumia (WHO, 1998) citado por Franco et al., 2002. Os surtos ocorridos no sul em 1999 foram de 235 casos (205 confirmados) com 3 mortes, causados pela ingestão de frutos do mar (WHO, 1999) citado por Franco et al., 2002. Em 1995 – 2001, as toxinas foram as maiores responsáveis por surtos (40,0%) causados por agentes etiológicos diferentes de bactérias. Por outro lado o caso por taxa de surtos era baixo (5,2 pessoas por surto). As substâncias químicas estão envolvidas em 31,3% dos surtos de doenças infecciosas causadas por diferentes origens menos as bactérias. O metanol está relacionado a 47,2% dos surtos causados por substâncias químicas, com 24,5% de casos e 67,1% de mortes. O metanol também possui o maior índice de fatalidade (37,3%) causado por estes agentes. Os pesticidas estão relacionados 36,1% dos surtos devido a substâncias químicas, e com 62,6% de casos neste grupo. Eles também são responsáveis por 25 mortes. Os parasitas e vírus causaram surtos (15 e 2, respectivamente), mas o índice de mortalidade é alto: 29,3 e 20,0 casos/surtos, respectivamente. 6.3. Freqüência, alimentos relacionados e local de contaminação Na Tabela 03, são mostrados os principais veículos associados com os surtos de doenças infecciosas relatados pelo INPPAZ, 1995 – 2001, que são ovos e maionese (17,8%). Entretanto, o número de surtos de origem desconhecida são similares (17,3%). Maionese e ovos são responsáveis por 21,5% de surtos de origem conhecida, e com a maior percentagem de casos (31,8%). A taxa de fatalidade unida ao consumo deste grupo de alimentos foi extremamente baixa. Surtos causados por mais do que um tipo de alimento estão em segundo lugar (14,5%). Eles são responsáveis por 17,5% dos episódios com veículo transmissor identificado. Farinha de trigo conta com 42 dos surtos com 2250 casos. A média de casos/surtos (53,6) para este grupo de alimento está 20% maior do que água a qual ocupa o 2° lugar com 44,1 casos/surtos. Alimentos de origem animal são a principal causa de surtos de doenças infecciosas relatadas pelo INPPAZ (861/1358; 63,4%). As bebidas apresentaram a maior taxa de fatalidade entre todas as fontes identificadas (13,35%). Na Tabela 03, constata-se que o consumo de metanol é a principal razão por este índice, que é significativamente mais alto pois é a segunda causa mais freqüente de mortes, representados por derivados do leite (0,99%). A associação entre o veículo e o agente etiológico poderá ser interessante fonte de informação. Não obstante, estes dados não estão disponíveis pelo INPPAZ para os países da América do Sul. De acordo com os dados apresentados na Tabela 04, verifica-se que 31,2% dos surtos de doenças infecciosas ocorridos devido ao mau preparo de alimentos nas casas, vindo depois salas de jantares (21,0%) e hotéis e restaurantes (9,1%). Devido a episódios de consumo de alimentos em salas de jantares de qualquer modo é o maior número de casos com 38,8%, vindo depois casas com 18,6% e hotéis e restaurantes com 12,5%. Por outro lado, o maior número de mortes (46,3%) ocorridos por mau preparo de alimentos em diferentes lugares listados. Surtos devido a alimentos mau preparados nos lugares acima mencionado também foram responsáveis pela taxa de morbidade mais alta. 5.4. Avaliação de risco De acordo com a Comissão do Codex Alimentarius, a avaliação de risco é cientificamente baseada num processo que consiste em 4 etapas: identificação de perigo, caracterização do perigo, avaliação de comprometimento e caracterização de risco (Codex Alimentarius, 1998) citado por Franco et al., 2002. Para uma apropriada avaliação de risco, a identificação do perigo baseada na data da incidência dos surtos e agentes prevalentes é um importante passo. Apesar da subestimativa do número de surtos em países da América Latina, os perigos prevalecentes são bem conhecidos. Dentre as bactérias, as mais comuns são Salmonella e Staphylococcus sp (Tabela 02) mas há um número significante de microrganismos desconhecidos e outros agentes associados a doenças transmitidas por alimentos. As toxinas desempenham uma importante função, assim como as substâncias químicas, os parasitas e os vírus, considerando as doenças com etiologia conhecida, os riscos bacterianos foram responsáveis por 86,2% delas (94,8% dos casos e 21% com casos fatais); as toxinas foram responsáveis por 7,4% (1,2% e 1,5%, respectivamente), as substâncias químicas por 4,3% (2,2% e 75,2%, respectivamente), os parasitas por 1,8% (1,7% e 2,9%, respectivamente) e os vírus por 0,2% (0,2% e 0%, respectivamente). A caracterização do perigo e a avaliação de exposição baseiam-se na informação sobre a dimensão da população suscetível, a distribuição dos riscos na comida, as condições de produção, armazenamento e uso de comidas, e os hábitos alimentares dos consumidores. Na América Latina, muitas destas perguntas não têm respostas claras. Não há dados quantitativos sobre os riscos associados a um determinado alimento. Na tabela 3, observa-se que ovos e maionese são veículos significantes em epidemias de doenças transmitidas por alimentos no Sul da América do Sul. Carne vermelha, laticínios, aves, água e frutos do mar também são veículos a serem considerados nas prioridades de direção. A tabela 4 indica que alimentos maus preparados aparecem como principal causa de doenças que ocorreram ao sul da América do Sul de 1995 a 2001. O armazenamento inapropriado e/ou hábitos alimentares contabilizaram 38,3% das doenças e 18,6% dos casos. Contudo, salas de jantares, escolas, hotel/restaurantes e vendedores foram responsáveis por 45,5% das doenças e 58,5% dos casos neste período. Estes resultados indicam que as pessoas envolvidas em doenças são aquelas que comem fora de suas casas. Não há dados sobre idade e/ou condições de saúde das pessoas afetadas. Embora prevaleçam, bactérias causaram menos fatalidade do que os agentes químicos. O metanol causou o maior número de mortes por doenças no Peru, por isso estas substâncias químicas deveria ser uma prioridade às autoridades da saúde pública e administradores de riscos neste país. Não há nada suficiente sobre o número e a distribuição de agentes etiológicos em alimentos e o padrão de hábitos alimentares do consumidor em cada sub-população na região. O consumo de frutos do mar é mais comum na costa pacífica da América Latina do que em outras áreas. PAHO relatou que a proporção desigual para desenvolver diarréia em virtude do consumo de comida na rua em La Paz (Bolívia), Bogotá (Venezuela), Quito (Equador), Lima (Peru), Santo Domingo (República Dominicana), Guatemala (Nicarágua), Cidade do México e Culliacan (México) varia de 1,0 a 1,17%, dependendo do número de refeições ao dia. Até agora, não há informação específica suficiente sobre interações de consumidores de comida patogênica para propriamente estimas os riscos de epidemia de doenças transmitidas por alimentos no Sul da América do Sul. Assim, a avaliação de risco microbiológico continua um grande desafio para os processadores de alimentos, administradores de risco, autoridades da saúde pública do sul das nações da América do Sul. Muitas tentativas para uma melhor compreensão destes conceitos têm sido realizada em muitos países recentemente. 5.5. Ações e medidas propostas para redução de doenças transmitidas por alimentos A primeira medida efetiva acerca da redução de doenças transmitidas por alimentos na América Latina e no Caribe foi a criação do Plano de Ação do Programa Regional de Cooperação Técnica para Proteção do Alimento, estabelecida em 1986 pela Organização de Saúde Pan-Americana (PAHO/WHO). O funcionamento deste Programa Regional depende da implementação de um sistema de vigilância efetivo devido à necessidade de dados confiáveis na ocorrência de doenças. Neste momento, o Guia para Estabelecimento de Sistemas de Vigilância de Doenças Transmitidas por Alimentos e Investigação de Epidemias causadas por alimentos é a ferramenta mais significante para a investigação de epidemias de doenças transmitidas por alimentos na região e para capacitação pessoal também (INPPAZ, 1999) citado por Franco et al., 2002. Os principais objetivos deste guia são: Coletar e organizar informações sobre as epidemias; Reunir e interpretar dados de freqüência, distribuição e rigor de casos, agentes etiológicos, veículos, fontes de contaminação, população alvo, pontos de controle crítico e outros importantes fatores; Disseminar a informação coletada; Estimular a investigação e notificação de epidemias de doença transmitidas por alimentos; Prover orientação para medidas de controle e prevenção; Investigar novos problemas e prever as novas tendências na ocorrência de epidemias de doenças transmitidas por alimentos. Baseado no GUIA-VETA, PAHO/WHO começou em 1994 o sistema de informação regional para a vigilância de doenças (SIRVE-ETA). As responsabilidades do PAHO/WHO e países membros para a implementação de SIRVE-ETA foram fixados no documento “Orientações para a Implementação de Sistema de Vigilância Regional na Ocorrência de Epidemias de Doenças Transmitidas por Alimentos”. Este documento proporciona todas as formas necessárias para a informação periódica de epidemias de doença transmitida por alimentos ocorridas no período.O sistema de vigilância de epidemias de doença transmitida por doenças em cada país é parte do sistema geral de vigilância da PAHO/WHO. Em cada país, pessoas treinadas relatam periodicamente ao INPPAZ os dados sobre o número de doenças, agentes etiológicos, comidas envolvidas, localizações, idade das pessoas afetadas e etc. A informação vinda dos países participantes é coletada e organizada pelo INPPAZ, o que dá a regeneração através de um boletim (Boletim INPPAZ nas Américas) e também através do site (www.inppaz.org.ar). Este é um sistema de vigilância passivo que se baseia no relatório de doenças para os departamentos de saúde local provincial e nacional, que se torna um relatório para o INPPAZ. Embora as doenças transmitidas por alimentos sejam comuns, somente uma fração delas são habitualmente reportadas. Os resultados de uma inspeção feita pela PAHO em 14 países da América Latina, incluindo sete dos oito países pertencentes à região sul, indicam que as principais razões para esta pouca informação são: Em muitos países, o relatório das epidemias ou casos para as autoridades sanitárias não é obrigatório; As doenças reportadas às autoridades sanitárias nacionais são repassadas ao INPPAZ; Na maioria dos países os departamentos de saúde agem em três níveis (local, estadual ou provincial e nacional) e qualquer quebra na comunicação entre eles resulta em casos não reportados; Pessoas insuficientemente treinadas, deficiência dos recursos humanos e falta de uma rede efetiva de laboratórios da saúde pública para realizar análises de comidas usando metodologias apropriadas, implementação completa do SIRVE-ETA. 5.6. Efeitos estimados destas medidas O Programa Regional de Cooperação Técnica para Proteção dos Alimentos, implementado pela PAHO/WHO, está ajudando os países da região a reconstruir seus sistemas de vigilância nacional, apesar do grande número de doenças não reportadas. A informação colhida pelo INPPAZ é muito útil para os programas nacionais de segurança alimentar, desde que indique que as doenças transmitidas por alimentos sejam importante problemas de saúde pública. Ela também indica que microrganismos patogênicos são a principal causa de doenças transmitidas por alimentos na América Latina, sendo as infecções causadas por Salmonella sp e as intoxicações por Staphylococcus sp o mais freqüente. Alimentos de origem animal são os principais veículos de doenças, por isso estratégias para segurança alimentar deveriam focar-se nestes patógenos e nestes tipos de alimentos. O conhecimento que resulta dos sistemas nacionais e do SIRVE-ETA é muito para o estabelecimento de medidas de controle e prevenção pelas autoridades sanitárias local que podem promover a aplicação de tecnologias efetivas no preparo de alimentos. Este conhecimento é também necessário à correta aplicação dos programas de GMP/BPF e HACCP/APPCC. Considerando que a maioria das epidemias reportada na região ocorreu por má preparação de alimentos, programas educacionais destinados às comunidades são obrigatórios. A população deve ser alertada sobre as condições de perigo que os afeta e devem ser estimulados a se preocuparem com o estoque de comida. O dado coletado pelo SIRVE-ETA é útil no preparo de materiais educacionais sobre os perigos das doenças transmitidas por alimentos e as medidas preventivas para serem usadas habitualmente no preparo de refeição caseira. Programas educacionais especiais podem ser alvejadas nos grupos de risco como as crianças, idosos, mulheres, grávidas. Devido à falta de dados do anos anteriores e por causa do SIRVE-ETA ainda estar sendo implementado não pode se estabelecer que número de doenças está diminuindo no Sul da América do Sul. Apesar do aumento da implementação de GMP e HACCP em muitos países nos últimos anos, é cedo demais para calcular seus benefícios na segurança alimentar. Mais refinamentos de doenças transmitidas por alimentos estimam que será necessária uma vigilância ativa contínua e melhorada. 6.Conclusão Dos aspectos abordados nesta monografia ressalta-se de imediato a enorme diversidade, quer de agentes microbianos, quer das variadas toxinas, que podem afetar negativamente o consumidor de alimentos. No entanto, apesar da grande diversidade, quer de alimentos, quer de microrganismos patogênicos capazes de os contaminar, teremos que admitir, que os riscos de infecções ou de intoxicações alimentares estão “diminuindo” devido a vários fatores, tais como: HACCP, GMP, PPHO, etc. Ás vezes não temos uma dimensão exata dos surtos de doenças infecciosas alimentares devido à falta de informação, ou seja, os dados podem ser perder no caminho e também não é sempre que a população procura um médico para relatar os sintomas já que eles são tão corriqueiros. Portanto não temos a dimensão exata das doenças alimentares. O conhecimento que hoje se tem das características dos microrganismos e dos métodos ou processos de controle microbiano permite, se rigorosamente aplicado, produzir alimentos com grande qualidade microbiológica e portanto seguros, do ponto de vista sanitário, para os consumidores. Os incidentes que, eventualmente, ocorram serão resultado de uma deficiente aplicação das normas de higiene e sanitização dos alimentos, ou da deficiente aplicação dos métodos de controle microbiano, ou, por ventura, de deficientes condições de armazenamento ou conservação dos alimentos. 6.Referências bibliográficas 1-BANWART, G. J. Basic Food Microbiology, AVI Publ. Company Westport, Conn. USA, 1979. 2-BRACKET, R. E. Prsence and persistence of Listeria monocytogenes in food and water. Food Technology, Chicago, v.42, n.4, p. 162-164, 178, Apr., 1988. 3-BRYAN, F. L. Epidemiology of food-borne disease, in: Food-Borne Infections and Intoxications. 2ºedição. New York, Academic Press, 1979. 4-BRYAN, F.L. What the sanitarian should know about staphylococci and salmonellae in non dairy products II – Salmonellae. Journal Milk Foof Technology , 32:381 – 389, 1968. 5-CAMARGO, N.J.; SOUSA, L.L.; PUZYNA, A. PESTANA. Surtos de 1978 a 1997. 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