FILOSOFIA NO ENSINO BÁSICO: EDUCAÇÃO PARA O PENSAR FERNANDO FELIPE DUARTE UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UNIRIO) INTRODUÇÃO: Filósofo norte-americano, Matthew Lipman lecionou na Universidade de Columbia, em Nova York, além de ter sido professor na Universidade Estadual de Montclair, em Nova Jersey. Nesta universidade, deu continuidade a seus estudos sobre as possibilidades de se trabalhar filosofia com crianças e jovens. Matthew Lipman fundou e dirigiu o Institute for the Advancement of Philosophy for Children (IAPC). É o criador da proposta filosofia para crianças, programa que atualmente é difundido em diversos países. PROBLEMA / QUESTÕES: Matthew Lipman foi professor de lógica e teoria do conhecimento e em suas aulas percebeu que os alunos traziam dificuldades de raciocínio, as quais Lipman atribuiu à metodologia aplicada nos ensinos fundamental e médio, de pouco questionamento, repetição, memorização e ausência de opinião crítica. Verificou que seus alunos não conseguiam dar um significado aos conceitos que estavam aprendendo e não conseguiam articulá-los com o seu cotidiano. Devido à idade de seus alunos (a maioria com mais de dezoito anos), chegou à conclusão que dificilmente recuperariam adequadamente essa faculdade. Até recentemente, não havia relevantes estudos que abordassem esse problema. Enquanto não houve a diferenciação entre as habilidades primárias de raciocínio e as de ordem superior, parecia não haver necessidade de investigar as possibilidades de que as deficiências no raciocínio tivessem procedência no ensino fundamental. Somente quando foi verificada a distinção entre essas habilidades, é que se começou a reconhecer as habilidades primárias de raciocínio como aparato lógico fundamental dos seres humanos de qualquer idade. Por meio de um teste de múltipla escolha com cinqüenta questões produzidas pela New Jersey Test of Reasoning Skills, baseado numa taxonomia das habilidades primárias de raciocínio, foi possível comparar o desempenho de indivíduos de diferentes idades. O resultado final deste teste nos mostra que, entre a segunda e a sexta séries, há um desenvolvimento gradual das habilidades primárias de raciocínio, mas a partir da oitava série é constatado um declínio dessas habilidades. Quando testados os estudantes que acabaram de ingressar na universidade, constatou-se que, em valores quantitativos, eles atingiam o mesmo porcentual dos alunos da sexta série. Ou seja, tanto os alunos da sexta série como os estudantes que iniciaram o curso superior, conseguiram resolver setenta e seis por cento das questões propostas no teste. Mesmo que isso não demonstre categoricamente que os estudantes do ensino fundamental estejam raciocinando tão bem quanto poderiam, esses dados contribuem para compreendermos porque os universitários encontram dificuldades de acompanhar as discussões ao longo do Ensino Superior. Desta forma, podemos concluir que os alunos começam o curso universitário com habilidades de raciocínio equivalentes as dos estudantes de sexta série. Matthew Lipman considera que os seres humanos contam com um repertório básico dessas habilidades que, se não foram estimuladas adequadamente por um processo educacional, só poderão ser desenvolvidas a partir de atividades que estejam intencionalmente direcionadas para o cultivo do raciocínio. Neste sentido, a filosofia em sala de aula como disciplina adquire um papel fundamental no desenvolvimento e aprimoramento do raciocínio. Propõe então que, quanto mais cedo os indivíduos entrarem em contato com a filosofia, terão mais condições para pensarem e refletirem sobre conceitos e valores, desenvolvendo o seu espírito crítico. Embora eles não compreendam profundamente diversos conteúdos e não estejam preparados para debater determinadas questões, ao menos se empenham em investigar, questionar e descobrir aquilo que está ao seu redor. Através da filosofia, tornam-se capazes de realizarem escolhas adequadas e terem consciência dos motivos que os levam a tal, desmistificando o pensar corrente de que exista um perigo em expor as crianças à filosofia. Para Lipman, o desenvolvimento dessa consciência crítica é fundamental para a sua formação ética. Na ótica deste autor, as crianças são profundamente ativas, curiosas, imaginativas, investigadoras e questionadoras. Desde os seus primeiros anos, estão dispostas a discutir problemas cognoscitivos, éticos, estéticos, políticos, entre outros, de sua própria experiência. Este fato pode ser percebido pela sua fala e através da linguagem que usam durante as discussões em sala de aula. Utilizam palavras como “bem”, “mal”, “bom”, “mau”, “verdade”, “mentira”, “bonito”, “feio”, “justiça” etc., sem ter consciência do que estas palavras podem representar ou significar. Tampouco percebem que elas podem possuir diferentes sentidos, quando focalizadas sob outros pontos de vista. Para Matthew Lipman, é pela filosofia que as crianças são instigadas a pensar. É através desta proposta que são estimuladas a investigarem o significado das palavras que utilizam e o sentido que podem adquirir num contexto determinado. É pela filosofia que as crianças são instigadas a criarem-recriando e a inventar-reinventando as interpretações e teorias que lhes são apresentadas. OBJETIVO: O objetivo deste trabalho, Filosofia no Ensino Básico: Educação para o pensar, é analisar a proposta filosofia para crianças do filósofo norte-americano Matthew Lipman que visa iniciar as crianças e os jovens no estudo da filosofia ainda no ensino fundamental. Pretende-se discutir neste trabalho os desdobramentos da proposta de filosofia para crianças deste autor e oferecer subsídios para o trabalho em sala de aula dos professores que optarem por esta proposta educativa, assim como para outros profissionais que atuam na área da educação. METODOLOGIA: As principais obras de Matthew Lipman são: A Filosofia vai à Escola, 1990; O Pensar na Educação, 1995; Natasha: Diálogos Vygotskianos, 1997; Filosofia na Sala de Aula, 2001, as quais constituem as fontes metodológicas desta pesquisa bibliográfica. Além disso, publicou inúmeros artigos a respeito deste assunto e produziu um material didático específico para desenvolver sua proposta em sala de aula, que foi traduzido pelo Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (CBFC). RESULTADOS: Para tornar viável a sua proposta, produziu um material didático específico como forma de sistematização da metodologia e como auxílio para professores iniciarem a investigação filosófica. O autor é o primeiro a estruturar um método e uma didática educacional-filosófica numa linguagem especificamente dirigida a crianças e adolescentes. Elaborou novelas e romances para que os professores pudessem suscitar e estimular o diálogo filosófico entre os alunos, apresentando através da conversação e peripécias dos personagens, diversos problemas da filosofia. Rebeca, Issao e Guga, Pimpa, A descoberta de Ari dos Telles e Luísa são alguns destes livros. Este material constitui-se de narrativas que trazem em seu bojo, questões filosóficas implícitas nas falas dos personagens e nos acontecimentos vividos por eles. Matthew Lipman criou personagens para que as crianças se identificassem com eles. O autor procura que as relações cênicas se desenvolvam de maneira democrática, ou seja, sem que haja supremacia de um personagem sobre o outro. Esses protagonistas possuem diferentes características: um é analítico, outro cético, outro empirista, outro intuitivo etc. O primeiro livro que escreveu foi Harry Stottlemeier Discovery, em 1969, que foi traduzido para o português como A descoberta de Ari dos Teles, com personagens infantis, empenhados em desenvolver um diálogo filosófico sobre suas inquietações. Por meio deste diálogo, discutem-se questões éticas, estéticas, metafísicas e epistemológicas relacionadas à vida cotidiana das crianças. Com o avanço dos seus estudos, Matthew Lipman ampliou sua proposta inicial e criou outras novelas que seriam divididas de acordo com a faixa etária e ao tema, tendo como objetivo recriar as idéias dos filósofos numa linguagem mais acessível à compreensão dos alunos, sem que prejudicasse a essência do pensamento. Expondo-o de maneira mais simples, pretende que as crianças façam suas descobertas por si mesmas, sem que elas necessitem tanto da ajuda dos professores. A essa capacidade, Matthew Lipman conceitua como “tradução”. As crianças deveriam formar uma “comunidade de pesquisa”, onde cada uma delas pudesse contribuir ativamente para desenvolver o pensar. O material didático da proposta filosófica de Matthew Lipman está destinado a crianças e adolescentes de três a dezessete anos, que envolve todas as etapas dos ensinos fundamental e médio, visando a colocar em prática a filosofia como educação para o pensar. Walter Omar Kohan realiza críticas à filosofia para crianças. Para ele, o professor ao limitar-se em filosofia para crianças a ser um mediador das discussões entre alunos, torna-se um “pastor filosófico”, limitando a criação dos alunos. Na sua ótica, o pensar não pode ser entendido como “asubjetivo”, universal ou geral; não é “dado”, mas depende sempre de uma subjetividade; é imprevisto e impensado. Em filosofia para crianças há filósofos e professores: os primeiros seriam criadores, os outros só aplicadores. Estes seriam desvalorizados, deturpando o sentido do “diálogo” filosófico em sala de aula. CONCLUSÕES: A educação se estabeleceu ao longo dos séculos, perpetuando valores e com acesso restrito a uma pequena parcela da população. Após a Revolução Francesa, a educação passa a ser disseminada em larga escala, com objetivo de consolidar o poder e os valores da classe que ascendia ao poder: a burguesia. Naquele momento, observamos dois métodos distintos na forma de educar, que estariam relacionados com a classe social a que pertencia o educando: a minoria burguesa seria ministrada uma educação para governar e a maior parte da população de proletários, uma educação para a submissão. É importante destacar que, independente da classe social a qual eram dirigidos, estes métodos de ensino praticamente não forneciam aos alunos meios para que refletissem e questionassem os saberes aprendidos. A filosofia que, segundo a proposta de Matthew Lipman, deveria propiciar aos alunos formas de questionamentos, reflexão e crítica, atualmente se tornou uma disciplina acadêmica com acesso limitado a alguns alunos, que estudam sua história de maneira fragmentada. Quando presentes no currículo das escolas, as aulas de filosofia estão predominantemente voltadas para a transmissão do pensamento de filósofos renomados e aqueles que as lecionam não procuram propiciar o confronto de idéias entre os autores estudados. Praticada desta maneira, a filosofia ensinada em sala de aula perde o sentido enfatizado ao longo deste trabalho. A filosofia deve ser repensada, reformulada e pode ser muito útil para o desenvolvimento do raciocínio e a formação geral das crianças e dos adolescentes e é neste sentido que Matthew Lipman apresenta sua proposta de filosofia para crianças. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ISKANDAR, Jamil. Normas da ABNT. Comentadas para trabalhos científicos. 2. ed. Curitiba. Juruá Editora: 2005. JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor: 1990. KOHAN, Walter Omar. Infância. Entre educação e filosofia de Matthew Lipman. Belo Horizonte. Autêntica: 2003. KOHAN, Walter Omar e WUENSCH, Ann Mirian (Orgs.). Filosofia para crianças. A tentativa pioneira de Matthew Lipman. Petrópolis. Vozes: 1999. LIPMAN, Matthew. A filosofia vai à escola. 3. ed. São Paulo. Summus: 1990. _____. Natasha: Diálogos Vygotskianos. Porto Alegre. Artes Médicas: 1997. LIPMAN, Matthew, OSCANYAN, Frederick e SHARP, Ann. Filosofia na sala de aula. São Paulo. Nova Alexandria: 2001. _____. O Pensar na Educação. 3. ed. Petrópolis. Vozes: 1995. MORA, Jose. Diccionário de Filosofia. Buenos Aires. Editorial Sudamericana. 1951.