Filosofia para crianças e o desenvolvimento das

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FILOSOFIA PARA CRIANÇA E AS HABILIDADES COGNITIVAS
Verônica Pacheco de O. Azeredo
Professora do Centro Universitário do Centro Leste de Minas Gerais
“A Filosofia é investigação conceitual, que é a
investigação na sua forma mais pura e essencial.”
Lipman
O programa de Filosofia Para Criança desenvolvido pelo filósofo e educador Matthew
Lipman possui como objetivo o aprimoramento do pensamento das crianças e dos jovens
através da investigação filosófica. Lipman acredita que se for oferecido às crianças uma
disciplina que investigue e trabalhe com um pensamento criterioso, ela estará sendo
despertada para a investigação, a criticidade, a autonomia e a razoabilidade, assim terá suas
habilidades cognitivas aprimoradas e conseqüentemente estará aperfeiçoando sua forma de
pensar, julgar e agir no mundo.
A filosofia é umas das formas de saber e de conhecimento que os seres humanos produzem
para tentar explicar a realidade da qual fazem parte. É um conjunto de procedimentos da
consciência humana que, ordenados procuram produzir respostas, que não são absolutas, mas
procuram ser as mais garantidas possíveis, para as questões com as quais os seres humanos se
deparam em suas vidas ou para questões que eles se fazem quando se põem a pensar mais
atentamente. Ela é diferente das demais formas de conhecimento, porque trabalha
essencialmente com determinadas questões, que precisam de nos oferecer sentidos, quer
como explicações ou rumos para nossas vidas. E existe uma maneira própria de abordar tais
questões, tendo em vista a produção de respostas que nunca se fecham, porque são
continuamente questionadas, essas definições se renovam ao longo da história humana e
fazem parte da existência-humana-no-mundo.
Lipman destaca o diálogo, ele irá permear todo o programa e o intuito é de inserir a
investigação filosófica na educação desde cedo, permitindo assim que as respostas prontas
oferecidas pela sociedade sejam analisadas, refletidas antes de serem aceitas, que não sejam
impostas como verdades absolutas e recebidas sem significados e sem críticas. Quanto mais
cedo a Filosofia, mais cedo é a participação da criança e do jovem na produção de
significados para suas vidas. Eles poderão avaliar criticamente quaisquer respostas às
questões e poderão participar da produção das respostas. O Programa de Filosofia Para
criança não prioriza apenas a capacidade do desenvolvimento do raciocínio lógico, mas o
julgamento e atuação no espaço social, portanto ele enfatiza que o resultado deve ser o
desenvolvimento da razoabilidade.
É importante compreendermos que ser razoável não significa o uso da racionalidade pura,
mas ser capaz de também fazer julgamentos. A escola deve proporcionar uma educação que
invista na razoabilidade, isto é, que seja acrescentada a ela o julgamento. Deve priorizar o
contexto no qual os alunos aprendam a usar a razão para que possam crescer capazes de
raciocinar, "se fundamentar na razão significa um número maior de futuros pais razoáveis
cidadãos mais razoáveis e fatores mais razoáveis em geral”.(Lipman, 1995, pg 22).
Conceituando e situando o julgamento e pensamento de ordem superior

Julgamentos: É a determinação daquilo que estava previamente não estabelecido,
indeterminado ou problemático. Os bons julgamentos se baseiam na criticidade e
criatividade, mas os que o faz realmente válidos é seu papel na formação da experiência
futura. Quando são julgamentos pelos quais podemos viver, que enriquecem as nossas
vidas e interferem em nossas decisões e condutas.

Relacionamentos: pensar é o processo de descobrir ou fazer associações e disjunções.
Vivemos em um mundo que é feito de complexos como as pessoas, idéias, etc. Enfim
estes complexos estão relacionados a umas coisas e não a outras. Quanto mais
relacionamentos forem inventados, novos significados surgirão e outras ordens ou
sistemas de relacionamentos constituirão em novos corpos de significados.

Relacionamentos e Julgamentos: Julgar é julgar relacionamentos. Comparar e
confrontar, semelhança e diferença, parte-todo, meios-fim, causa-efeito são esquemas de
classificação que determinam relacionamentos formais para entidades empíricas.

Racionalidade: é o princípio orientador das práticas que são guiadas por regras e
critérios. Aceita como temporariamente verdadeiro o resultado dos procedimentos de
investigação válida, implicando na adaptação autocorretiva dos meios aos fins.

Criatividade: são práticas sensíveis ao contexto, considera significativos os resultados
dos procedimentos de construção válida e que conduz a julgamentos.

Raciocínio: é determinado por regras que foram aprovadas e pelo julgamento. É orientado
por critérios de tal forma que o julgamento está necessariamente envolvido.
O pensamento de ordem superior necessita estar alicerçado pelas suas próprias suposições e
implicações, e consciente das razões e provas que sustentam esta ou aquela conclusão. Inclui
pensar sobre os procedimentos ao mesmo tempo em que pensa em seu tema principal.
Pensar crítico
Pensar criativo
Pensar complexo
Governado por
critérios
Objetivo é o
julgamento
Autocorretivo
Sensível aos critérios
Sensível ao contexto
Governado pelo contexto
Consideram ambos os aspectos
substantivos e de procedimentos
Objetivo é a resolução de situações
problemáticas
Metacognitivo (investigação dentro
da investigação); objetivo é o
aperfeiçoamento da prática.
Sensível ao contexto
Objetivo é o julgamento
Autotranscendente (ir além
do transcender a si mesmo)
Características do pensar complexo, de ordem superior (Lipman, 1995, pg 43).
Pensar melhor em sala de aula
Pensar melhor em sala de aula implica pensar através da linguagem e ensinar o que seja o
raciocínio. Esse é um aspecto do pensamento que pode ser submetido a critérios de avaliação,
pode haver critérios válidos e não válidos, bem fundamentados, apresentando razões
convincentes, definições defensáveis, organização de explicações, descrições e argumentos
coerentes.
"Os fundamentos da lógica, assim como os fundamentos da sintaxe, formam
uma parte intrínseca da linguagem cotidiana e adquirir habilidade na
linguagem significa ter, ao mesmo tempo, adquiridas a lógica e a sintaxe que
estão dissolvidas nesta linguagem" (Lipman, 1995,:47).
A melhoria na qualidade do pensamento está em ensinar a criança a palavra e o seu
significado, não é possível ensinar somente fragmentos de uma palavra. Se o conhecimento se
dá pelo desvelamento dos significados das palavras, este conhecimento também precisa ser
por inteiro.
"A linguagem é como um enfeitiçamento do mundo, quando tomada de forma
alheia a suas próprias regras. Dizer o desconhecido é lançar sobre o outro
um feitiço, hipnotizá-lo e prendê-lo através do laço de sua ignorância”.
Marlene Torrezan
As habilidades de raciocínio e da investigação desempenham o papel de aquisição de
significado no processo da linguagem. Portanto, é necessário estarmos atentos ao fato de que
as violações das operações de raciocínio resultam diretamente em perdas de sentido para
aquele que escreve ou lê, enquanto as violações das regras sintáticas ou ortográficas não
causam, necessariamente, tais perdas.
Através do cultivo das habilidades de pensamento: investigação, raciocínio, formação de
conceitos e tradução, estaremos proporcionando uma educação que desenvolve o pensamento
de ordem superior. Isto é, pensamento crítico (análise), pensamento criativo (síntese) e
julgamento (avaliação).
As Quatro Principais Variedades de Habilidades Cognitivas
 Habilidade de Investigação
Investigação não é um comportamento habitual, convencional ou tradicional. Mas se na
prática houver a autocorreção, resultará na investigação. Abrange o comportamento do
cientista que explora. Quando se está envolvido em considerar alternativas, construir
hipóteses, testar e outras formas de busca para se chegar a um caminho.
"É basicamente através das habilidades de investigação que as crianças
aprendem a associar suas atuais experiências com aquilo que já aconteceu
em suas vidas e com aquilo que esperam que aconteça. Elas aprendem a
explicar e prever, e a identificar causas e efeitos, meios e fins, e meios e
conseqüências, como também a distinguir estas coisas entre si. Elas
aprendem a formular problemas, estimar, medir e desenvolver as inúmeras
capacidades que formam a prática que se associa ao processo de
investigação”.(Lipman, 1995: 66).
 Habilidades de Raciocínio
O raciocínio permite ampliar nosso conhecimento através de conclusões e inferências. A
partir de um argumento solidamente formulado, onde iniciamos com premissas verdadeiras,
descobrimos uma conclusão igualmente verdadeira que é inferida em conseqüência destas
premissas. Nosso conhecimento baseia-se na experiência de conhecimentos anteriores, é por
meio do raciocínio que aumentamos este conhecimento.

Habilidades de Formação de Conceitos
Para haver a eficiência cognitiva é necessário ser capaz de organizar as informações que
recebemos em unidades ou grupos significativos. Estes agrupamentos conceituais são redes de
relações e, considerando que cada relação é uma unidade de significado, cada um dos grupos
ou redes alternativos representa uma teia de significados. A formação de conceitos implica
organização de informações
para grupos relacionais para poder analisar e esclarecer,
facilitando sua utilização na compreensão e julgamento. Identificar os seus componentes,
perceber as suas relações, aproximar conceitos semelhantes, distanciar os diferentes faz com
que os conceitos adquiram sentido e tornem-se instrumentos de compreensão, pois, com eles,
poderemos identificar as coisas, os fatos, as situações.
 Habilidade de Tradução
Toda tradução implica um elemento de interpretação dos discursos falados ou escritos,
permitindo aos ouvintes ou leitores a dizerem com suas próprias palavras o que ouvirem ou
leram sem perder o significado. A habilidade de tradução possibilita transitar entre línguas, e
isto talvez seja de igual importância quanto descobrir ou construir significados dentro de uma
determinada linguagem.
Uma das utilidades de se aprender lógica formal é que ela exige que se aprendam as regras
para a padronização da linguagem do dia-a-dia de modo que as complexidades do discurso
comum possam ser reduzidos às simplicidades da linguagem lógica.
O raciocínio é a forma de pensamento que preserva a verdade através da mudança e a
tradução é a forma que preserva o significado através da mudança.
Através das habilidades cognitivas: raciocínio, investigação, formação de conceitos e tradução
a educação estará estimulando as crianças a pensarem melhor. No diálogo disciplinado, as
pessoas envolvidas estarão raciocinando juntas, desafiando o pensar sobre conceitos
significantes e desenvolvem a capacidade de pensarem por si mesmas para que possam pensar
original e responsavelmente quando confrontadas. Pensando criticamente não permanecerão
indefesos diante dos esforços em doutriná-los.
Lipman coloca que o objetivo da filosofia é o de cultivar a excelência no pensamento, e os
filósofos fazem isso examinando o que é pensar historicamente, musicalmente,
matematicamente que é pensar excelentemente nas disciplinas. A filosofia para criança pode
oferecer um sentido intelectual no qual a criança poderá participar do diálogo investigativo,
onde se procura buscar respostas e se aprende a julgar e avaliar com maior segurança e
maior significado.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
DANIEL, Marie-France. A Filosofia e as Crianças. Trad. Luciano Vieira Machado. São
Paulo: Nova Alexandria, 2000.
LIPMAN, Matthew et al. Filosofia na sala de aula. Trad. Ana Luiza F. Falcone.2ªed. São
Paulo:Nova Alexandria, 1997.
LIPMAN, Matthew.Filosofia vai à escola. Trad. Maria Elice de Brzezinski e Lúcia Maria S.
Kremer. São Paulo: Summus, 1990.
LIPMAN, Matthew.O pensar na educação. Trad. Ann Mary Fighiera Perpétuo. 2ªed. São
Paulo: Nova Alexandria, 1997.
LORIERI, Marco Antonio. Filosofia: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
TORREZAN, Marlene. Wittgenstein E Os “Jogos De Linguagem”: Novas Perspectivas
Para O Conceito De Educação. Anped. Caxambu,1999.
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