Fornecimento de dados cadastrais de

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CRISTIANE APARECIDA ÁVILA PAULO
Fornecimento de Dados Cadastrais de Assinantes
pelas Prestadoras do Serviço Telefônico Fixo
Comutado - STFC
CADERNOS CCOM
VOLUME III
CENTRO DE POLÍTICAS, DIREITO, ECONOMIA E
TECNOLOGIAS DAS COMUNICAÇÕES - CCOM
Série: CADERNOS CCOM - VOLUME III
Monografia defendida como requisito de aprovação no V Curso de Especialização em
Regulação de Telecomunicações da UnB.
Orientador: Márcio Nunes Iório Aranha Oliveira
COORDENADOR GERAL
Murilo César Ramos
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB
EDITORA FACULDADE DE TECNOLOGIA - FT
PROJETO GRÁFICO
Campus Universitário Darcy Ribeiro,
Núcleo de Multimídia e Internet – NMI/UnB Asa Norte – Brasília – DF – Brasil
CEP: 70910-900 – Caixa Postal: 04386
EQUIPE EDITORIAL
Fone: +55 (61) 3307-2305 / 3307-2300 Fax:
+55 (61) 3273-8893
Preparação de originais
Daniela Garrossini e Maria do C. Rigon
e-mail: [email protected]
Revisão
Catarina Felix
Editoração Eletrônica
Suhelen Chaves e Luciana Lobato
Capa
Cristiane Arakaki
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Bibliotecária responsável: Catarina Felix dos Santos Soares CRB 514/1ª região)
P324f
Paulo, Cristiane Aparecida Ávila.
Fornecimento de Dados Cadastrais de Assinantes pelas Prestadoras do Serviço Telefônico Fixo
Comutado / Cristiane Aparecida Ávila Paulo; Márcio Nunes Iório Aranha de Oliveira (Orientador).
– Brasília: Faculdade de Tecnologia/UnB, 2008.
57 p.: Il. – (Cadernos CCOM; Volume III).
ISBN:
1. Telecomunicações. 2. Seviço Telefônico Fixo Comuntado (STFC). I. Título. II. Cristiane Aparecida Ávila Paulo. III. Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações
(CCOM). IV. Márcio Nunes Iório Aranha de Oliveira (Orientador).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 5
1. A PROTEÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 ....................................................................................... 7
1.1. Alcance da expressão “dados cadastrais” ............................................ 7
1.2. O direito à intimidade (art. 5º, X) ......................................................... 8
1.3. A inviolabilidade do sigilo de dados (art. 5º, XII) ..............................11
2. A PROTEÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DOS USUÁRIOS DO SERVIÇO
TELEFÔNICO FIXO COMUTADO - STFC NA REGULAMENTAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÕES. ........................................................................................ 17
3. AS PREVISÕES REGULAMENTARES DE FORNECIMENTO DE DADOS
CADASTRAIS DE ASSINANTES DO STFC. ................................................. 21
4. FORNECIMENTO DE DADOS CADASTRAIS DE ASSINANTES DO STFC
DIRETAMENTE A MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E AUTORIDADES
POLICIAIS .................................................................................................... 27
4.1. Exceções à inviolabilidade dos direitos à intimidade e
ao sigilo de dados ....................................................................................... 28
4.2. Quebra do sigilo pelo Ministério Público .......................................... 31
4.3. O posicionamento da Procuradoria Federal Especializada - Anatel 33
4.3.1. Parecer n.º 224/2003/PGF/PFE-VGC/Anatel,
de 26 de maio de 2003 .............................................................................. 33
4.3.2. Parecer n.º 579/2003/PGF/PF-JRP/Anatel,
de 08 de julho de 2003 .............................................................................. 35
4.3.3. Parecer n.º 429/2003/PGF/PF-JRP/Anatel,
de 27 de maio de 2003 .............................................................................. 37
4.3.4. Parecer n.º 669-2003/PGF/PFE-DHMS/Anatel,
de 04 de agosto de 2003 ........................................................................... 38
4.3.5. Ofício n.º 12/2004/PGF/PFE-Anatel,
datado de 30 de março de 2004 ............................................................... 39
4.4. Considerações ...................................................................................... 39
5. JURISPRUDÊNCIA .................................................................................. 41
5.1. Julgados referentes à abrangência das informações cadastrais pelo
sigilo de dados ou direito à intimidade, bem como à necessidade de
autorização judicial para sua violação. .................................................. 41
5.2. Julgados referentes a não abrangência dos dados cadastrais pelo sigilo
ou pelo direito à intimidade, bem como favoráveis à disponibilização de
dados cadastrais diretamente ao Ministério Público. .............................. 48
5.3. Considerações ...................................................................................... 51
CONCLUSÃO ................................................................................................ 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 55
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa analisar a possibilidade de fornecimento de
dados cadastrais de assinantes do Serviço Telefônico Fixo Comutado –
STFC, tanto ao público em geral como a autoridades policiais e membros
do Ministério Público, à luz da Constituição Federal de 1988, da Lei n.º
9.472, de 16 de julho de 1997 – Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e
da regulamentação editada pela Agência Nacional de Telecomunicações
- Anatel, bem como dos contratos de concessão e termos de autorização
firmados com as prestadoras do serviço.
Através da pesquisa, procura-se verificar se todas as informações cadastrais dos assinantes encontram-se no âmbito da proteção constitucional
da intimidade e do sigilo de dados, e quais as possibilidades de disponibilização dos registros detidos pelas concessionárias e autorizadas em
função da relação de consumo estabelecida para a prestação do serviço.
Demonstrar-se-ão, ainda, as hipóteses de atendimento, pelas prestadoras, de pedidos de fornecimento de dados cadastrais dos assinantes
apresentados diretamente por autoridades policiais e membros do Ministério Público, sem autorização judicial, uma vez que os requerimentos baseiam-se na necessidade da obtenção de tais informações para a
consecução das investigações criminais, no direito de consultar bancos
de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública,
conferido aos representantes do Parquet, bem como na prevalência do
interesse público sobre o privado.
Por fim, busca-se identificar de que forma seriam harmonizados os institutos da intimidade e do sigilo de dados, os quais impõem às concessionárias e autorizadas do STFC a responsabilidade pela confidencialidade
dos dados cadastrais de seus assinantes, com as atribuições conferidas
às autoridades policiais e ao Ministério Público, considerando-se, ainda,
que as informações contidas na relação de assinantes (nomes de todos
os assinantes ou usuários, respectivos endereços e códigos de acesso) são
divulgadas através da Listas de Assinantes e de Edição e Distribuição de
Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita – LTOG e serviços de auxílio à
lista.
5
1. A PROTEÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
1.1. Alcance da expressão “dados cadastrais”
Ao solicitar a habilitação de uma linha telefônica, o assinante fornece
à prestadora do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC informações
sobre sua pessoa, tais como: nome completo, filiação, número da carteira
de identidade, Cadastro de Pessoa Física, endereço, dentre outros requeridos para o estabelecimento da relação contratual. Tais informações são
registradas nos sistemas pelas prestadoras e constituem, junto ao código
de acesso atribuído à linha instalada, os chamados dados cadastrais. Os
dados cadastrais nada mais são, portanto, que as informações pessoais
repassadas pelos assinantes às prestadoras do STFC.
Assim, considera-se que as expressões “dados cadastrais” e “dados
pessoais” são sinônimos, uma vez que se referem a informações sobre
determinado indivíduo. Gregório e Paiva (2005) apresentam a seguinte
definição de dados pessoais, constantes das Regras de Herédia:
f. 1) Dados pessoais: Os dados concernentes a uma pessoa física ou moral, identificada ou identificável, capaz de
revelar informação sobre sua personalidade, suas relações
afetivas, sua origem étnica ou racial, ou que se refiram às
características físicas, morais ou emocionais, à sua vida
afetiva e familiar, domicílio físico e eletrônico, número
nacional de identificação de pessoas, número telefônico,
patrimônio, ideologia e opiniões políticas, crenças ou convicções religiosas ou filosóficas, estados de saúde físicos
ou mentais, preferências sexuais ou outras análogas que
afetem sua intimidade ou sua autodeterminação informativa. Esta definição se interpretará no contexto da legislação local sobre a matéria. (GREGORIO; PAIVA, 2005). 1
1 Conforme esclarecem os autores, as Regras de Herédia consistem em recomendações constantes de um documento que estabelece as regras mínimas no sentido da proteção dos direitos
à privacidade e intimidade, a serem adotadas pelos órgãos responsáveis por difusão de informação judicial em internet. O documento foi elaborado em julho de 2003, quando da realização
de reunião entre representantes de diversos países da América Latina, organizada pelo Instituto
de Investigación para la Justicia Argentina, no intuito de discutir o tema “Sistema Judicial e
Internet”, mediante análise das vantagens e desvantagens dos sites dos poderes judiciais na
rede, os programas de transparência e a proteção dos dados pessoais.
7
Caracterizados os dados cadastrais dos assinantes, é mister identificar a
proteção conferida pela Constituição da República Federativa de 1988 às
informações pessoais.
1.2. O direito à intimidade (art. 5º, X)
A Constituição Federal de 1988, ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais (Título II) e Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
(Capítulo I), estabelece no art.5º, inciso X, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. No inciso XII, do
referido artigo, estatui a inviolabilidade do sigilo da correspondência e
das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal2.
Percebe-se, portanto, que o direito à intimidade e à vida privada foi
alçado, pelo constituinte, à categoria dos direitos fundamentais, sem os
quais, nas palavras de Uadi Lammêgo, “os seres humanos não têm a
base normativa para ver realizadas, no plano concreto, suas aspirações e
desejos viáveis de tutela constitucional”.
Uma vez inseridos dentre os direitos e garantias individuais, são classificados como direitos fundamentais de primeira geração, caracterizados
pela limitação do poder estatal, gerando, portanto, um dever de nãofazer por parte do Poder Público3. Ressalte-se, ainda, que tais direitos
2 Art. 5° (omissis);
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
3 Nesse sentido, Bonavides (2002): Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade
têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos
da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos
de resistência ou de oposição perante o Estado.
8
foram elevados à condição de cláusula pétrea, não podendo, portanto,
ser abolidos mediante emenda, conforme disposto no art. 60, §4º, IV, da
Constituição Federal.
Igualmente, como bem ministra Pinho (2003), não basta ao Estado reconhecer formalmente os direitos fundamentais, devendo buscar sua concretização e incorporação no dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes,
assegurando a todos seu exercício.
Embora o constituinte tenha utilizado os termos de forma separada, não
há como distinguir, na prática, intimidade de privacidade, uma vez que
ambas referem-se a um indivíduo, seu modo de vida, seus hábitos, suas
particularidades, etc. Manifestam-se nesse sentido: Bulos (2002)4, Fregadolli (1998) e Moraes (2005)5.
Já o autor José Afonso da Silva (2002) prefere utilizar a expressão direito
à privacidade, num sentido genérico e amplo, de modo a abarcar todas
as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade, consagradas no texto constitucional.
Independentemente da terminologia utilizada, importa registrar que
o direito à reserva da intimidade e da vida privada consiste na faculdade do ser humano de impedir a intromissão de estranhos em sua vida
particular, obstando tanto o acesso como a divulgação de informações
relacionadas à sua privacidade. (BASTOS, 2001)
4 Quando se fala em vida privada, termo derivado da expressão ampla privacidade, pretende-se
designar o campo de intimidades do indivíduo, o repositório de suas particularidades de foro
moral e interior, o direito de viver sua própria vida, sem interferências alheias. Logo, ida privada
é a mesma coisa que vida íntima ou vida interior, sendo inviolável nos termos da Constituição. É
contrário de vida exterior. Esta delineia-se quando a vida humana é divulgada para um número
irrestrito de essoas, ocorrendo a pesquisa de acontecimentos familiares e próprios do indivíduo
(BULOS, 2002, p. 105).
5 Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação,
podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra
no âmbito de incidência do segundo. Assim, o conceito de intimidade relaciona-se às relações
subjetivas e de trato íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto
o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos,
tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc. (MORAES, 2005, p.224).
9
Moraes (1998) apresenta os objetos da proteção da privacidade:
Desta forma, a defesa da privacidade deve proteger o
homem contra: (a) a interferência em sua vida privada,
familiar e doméstica; (b) a ingerência em sua integridade
física ou mental, ou em sua liberdade intelectual e moral;
(c) os ataques à sua honra e reputação; (d) a sua colocação em perspectiva falsa; (e) a comunicação de fatos
relevantes e embaraçosos relativos à sua intimidade; (f) o
uso de seu nome, identidade e retrato; (g) a espionagem e
a espreita; (h) a intervenção na correspondência; (i) a má
utilização de informações escritas e orais; (j) a transmissão de informes dados ou recebidos em razão de segredo
profissional. (MORAES, 1998)
Baseando-se em Moacyr de Oliveira, Silva (2002) afirma que a esfera da
inviolabilidade prevista no art. 5, X, é ampla, abrangendo “o modo de
vida doméstico, nas relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábito,
local, nome, imagem, pensamentos, segredo, e bem assim, as origens e
planos futuros do indivíduo.
Convém destacar, ainda, comentário de Sampaio (2008), para quem o
homem tem o direito de controlar a forma pela qual as informações
sobre sua pessoa serão conhecidas pelos outros:
Não se pode restringir o controle informacional apenas
à fase de obtenção de informações, mas alcançá-lo em
seus limites ulteriores de destinação. Falamos aqui de
um direito a controlar o uso de informações pessoais
que não se contém no âmbito do domínio fático dessas
informações, de sua exclusividade, próprios do conceito
de “segredo”, mas vai além; ainda quando as informações
tenham saído desses domínios, a pessoa - de que se trata
- continua a exercer um “controle” sobre sua destinação.
Vale dizer que não poderão ser usadas: armazenadas, processadas, tratadas, comunicadas, transmitidas, divulgadas
ou publicadas - sem que tenha sido inequivocamente dada
autorização para tanto. Mais uma vez estamos falando de
um controle normativo e não, natural. A norma estende
a faculdade do “uso” em toda a extensão permitida pela
vontade do interessado. Se alguém fornece a um banco
seu endereço residencial, com vistas a receber em casa
10
seus extratos de conta corrente, terá seu direito violado
se esse banco revelá-lo a um terceiro. SAMPAIO (1998)
Assim, a intimidade guarda relação com o livre arbítrio do ser humano
em dispor daquilo que é inerente à sua personalidade, ou seja, com sua
vontade em divulgar ou não suas informações pessoais. Cabe somente
ao indivíduo, portanto, decidir quais informações sobre sua vida privada serão compartilhadas com terceiros, definindo os destinatários de
seus dados pessoais, cuja manipulação e divulgação sem o conhecimento
e autorização de seu titular agravam direito personalíssimo, conferido
constitucionalmente6.
Vale dizer que Fregadolli (1998)7 considera que o direito à intimidade tem
como desdobramento o direito à inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das comunicações, ao segredo profissional, ao sigilo bancário e aos dados pessoais. Salienta que a atuação do Público é limitada
no interesse da intimidade, uma vez que a asseguração dos direitos retro
mencionados constituem exigência intocável constitucionalmente8.
Percebe-se, portanto, que os dados pessoais estão estreitamente ligados aos conceitos de intimidade e privacidade, de modo que pode-se
considerar que as informações cadastrais dos indivíduos, dentre eles os
assinantes do STFC, encontram-se protegidas pelo art. 5°, X, da Carta
Magna.
1.3. A inviolabilidade do sigilo de dados (art. 5º, XII)
Em que pese à importância do art. 5°, XII, da Carta Republicana, uma
vez que trata da salvaguarda de direitos fundamentais, o constituinte
originário não foi feliz em sua redação, notadamente no que se refere ao
sigilo de dados. Tal falta de clareza acarretou o surgimento de diversas
6 O enquadramento do direito à intimidade como direito da personalidade fica evidente quando
notamos o caráter essencial de ambos, representando o mínimo capaz de garantir ao homem
sua condição humana (FREGADOLLI, 1998, p. 39).
7 FREGADOLLI, 1998, p. 73.
8 MORAES , 2005, p. 227.
11
interpretações da proteção conferida aos ‘dados’, fazendo-se necessário
demonstrá-las para verificar-se se as informações cadastrais estariam
resguardadas também pelo dispositivo ora analisado.
Defendem alguns que o objeto jurídico protegido é a comunicação de
dados. Bulos (2002) alega que, além do sigilo de correspondência, das
comunicações telegráficas e das comunicações telefônicas, o inciso
XII compreende também o sigilo das comunicações de dados e o sigilo
das comunicações telemáticas. Segundo o autor, “a princípio, os dados
contidos nos bancos de informações também devem permanecer em
segredo, para não violar a privacidade alheia”. Interessante frisar que
Bulos (2002), ao mesmo tempo em que afirma que o “sigilo de dados
antrecruza-se com o segredo das comunicações telefônicas”, referindose aos registros atinentes às chamadas telefônicas, alega que o “sigilo de
dados desdobra-se em duas vertentes: o segredo bancário e o segredo
fiscal, formas relativas do direito à privacidade”.
Na mesma linha, Bastos e Martins (1989) consideram que o sigilo de correspondência estende-se às comunicações telegráficas, de dados e telefônica, asseverando que a proteção trata de uma modalidade tecnológica
recente, que possibilita o uso de satélites artificiais para comunicação de
dados contábeis9.
Amaral (1997), ao tratar do assunto, fala em “dados do sistema telefônico” e “dados informáticos”, Lima Neto (1997)10 acredita que a expressão contida no art. 5º, XII, da CF, refere-se tão somente aos dados de
computador, excluindo-se quaisquer outros.
9 Uma inovação da Constituição foi estender a inviolabilidade aos “dados”. De logo faz-se mister tecer críticas à impropriedade desta linguagem. Ao se tomar muito ao pé da letra, todas as
comunicações seriam invioláveis, uma vez que versam sempre sobre dados. Mas pela inserção
da palavra no inciso vê-se que não se trata propriamente do objeto da comunicação, mas sim
de uma modalidade tecnológica recente que consiste na possibilidade de empresas, sobretudo
financeiras, fazerem uso de satélites artificiais para comunicação de dados contábeis (BASTOS;
MARTINS, 1989, p. 72-73).
10 Nem se alegue, como sustentam alguns, que o objetivo da Constituição seria proteger dados,
entendidos estes como informações pessoais mantidas em sigilo sob a forma escrita apenas.
A adoção de tal ilação importaria na realização de uma distinção não contemplada pela Carta
Constitucional. Ademais, como veremos a seguir, entendemos que a Constituição ao se utilizar
no art. 5º, inciso XII da expressão “dados”, quis se referir tão somente a dados de computador
(LIMA NETO, 1997).
12
Sampaio (1998) define o sigilo de dados como o sigilo de informações
tratadas, de forma automatizada, manual ou mecanográfica. Acrescenta
que, para ter relevância jurídica, tais informações devem possuir caráter
nominativo, isto é, devem possibilitar a identificação direta ou indireta
de determinada pessoa11:
“Dados” não se limita a relações de clientela ou à condição
de solvência ou solvabilidade de alguém, mas inclusive,
com apoio no farto material fornecido pelo Direito Comparado, seus signos distintivos, seu endereço, filiação ou
número de inscrição no Cadastro Geral de Pessoas Físicas
ou de Contribuintes, nominativos, enfim, constantes de
um arquivo automatizado ou não (SAMPAIO, 1998, 554).
Quanto aos dados nominativos, Reinaldo Filho (2002) os define como
aqueles referentes a pessoa física ou jurídica, subdividindo-os em: i)
dados não sensíveis, referentes a “atributos da pessoa (como nome,
estado civil e domicílio) ou a qualquer outra circunstância de sua vida
civil e profissional (como profissão, ocupação, educação, filiação a grupos associativos etc.)”, que podem ser considerados de domínio público,
sendo utilizados sem prejudicar as pessoas a quem se referem, cujos
direitos são limitados “ao controle de sua existência, sua veracidade
e retificação, em caso de erronia”; e ii) dados sensíveis, os quais, por
explicitarem preferências, ideologias, crenças, traços de caráter e personalidade, dentre outros, estão estreitamente ligados à privacidade das
pessoas, podendo, portanto, “ser considerados bens privados, não suscetíveis de apropriação por qualquer outra pessoa que não aquela a que se
referem”, gozando de maior proteção jurídica que os dados não sensíveis,
conferindo-se a seus titulares “não somente o direito de completá-los,
aclará-los e retificá-los, mas mesmo o de proibir o seu uso”.
Gomes e Cervini (1997), para quem a Constituição Federal distinguiu os
dados das comunicações telefônicas, consideram que os registros documentados e armazenados pela companhia telefônica, tais como data da
chamada telefônica, horário, número do telefone chamado, duração do
11 Para o autor, “informação pessoal” não pode ser entendida como “segredo” ou como “informação confidencial”, senão como, literalmente, “informação a respeito de uma pessoa”, o que
pressupõe o seu caráter nominativo (SAMPAIO, 1998, p. 374).
13
uso, valor da chamada, configuram os “dados” escritos que atestam a
existência das ligações pretéritas, já realizadas, e não informação em
forma codificada, no sentido usado pela ciência da informática. Tais
dados, que constam das faturas telefônicas, integram a privacidade da
pessoa, concluindo os autores que “dados pessoais, em conclusão, seja
no momento de uma comunicação (telefônica ou por outra forma), sejam
os armazenados (estanques), não gozam de sigilo absoluto”.
Ao comentar sobre o direito à intimidade, Fregadolli (1998)12 afirma que
a proteção constitucional do art. 5º, XII, da Carta Magna, refere-se a
dados individuais, qualquer que seja a sua origem, forma e finalidade,
esclarecendo que a palavra “dados” compreende informações sobre as
pessoas.
Sobre o assunto, Ferraz Júnior (1993)13 defende que os cadastros de elementos identificadores, tais como nome, endereço, identidade e filiação,
não são protegidos pelo direito à privacidade, ao passo que os cadastros
abrangendo relações de convivência privada, a exemplo de informações sobre o tempo de clientela, interesses peculiares do cliente, dentre
outros, estão sob proteção. Considera que o risco à integridade moral do
indivíduo, objeto do direito à privacidade, está não no nome em si, nem
mesmo nos elementos identificadores que condicionam as relações privadas, mas sim na exploração do nome e na apropriação dessas relações
por terceiros.
12 Afirma ainda a autora que: Entre os “dados” protegidos pelo sigilo no inciso XII, do art. 5º,
da Carta Magna, estão os pessoais, entre os quais: os referentes ao cadastro e à movimentação
de contas bancárias. Assim temos por incluída toda a relação entre o banqueiro e o cliente,
abrangendo, pois, os dados cadastrais e a informação sobre a abertura e a existência da conta
(FREGADOLLI, 1998, p. 116).
13 No que diz respeito à vida privada, é a informação de dados referentes às opções da convivência, como a escolha de amigos, a freqüência de lugares, os relacionamentos civis e comerciais, ou seja, de dados que, embora digam respeito aos outros, não afetam, em princípio, direitos de terceiros (exclusividade da convivência). Pelo sentido inexoravelmente comunicacional
da convivência, a vida privada compõe, porém, um conjunto de situações que, usualmente, são
informadas sem constrangimento. São dados que, embora privativos - como o nome, endereço,
profissão, idade, estado civil, filiação, número de registro público oficial etc, condicionam o
próprio intercâmbio humano em sociedade, pois constituem elementos de identificação que
tornam a comunicação possível, corrente e segura. Por isso, a proteção desses dados em si,
pelo sigilo, não faz sentido. Assim, a inviolabilidade de dados referentes à vida privada só
tem pertinência para aqueles associados aos elementos identificadores usados nas relações de
14
Silva (2002) entende que a Constituição, ao tutelar a privacidade, protege
também os dados pessoais constantes de rede de fichários eletrônicos.
Afirma, ainda, que o art. 5º, XII, garante o sigilo das comunicações de
dados pessoais, no intuito de proteger a esfera íntima do indivíduo. Com
base em uma interpretação literal do inciso supramencionado, verificase a proteção ao sigilo de: a) correspondência; b) comunicações telegráficas; c) dados e d) comunicações telefônicas14.
Ressalte-se que, na enumeração dos bens a serem protegidos, o constituinte, de forma clara, expressamente utilizou a palavra “comunicações”
atrelada a apenas dois adjetivos – telegráficas e telefônicas, dissociandoa de “dados”. Dessa forma, não há que se falar que o referido dispositivo protege o ‘sigilo da comunicação de dados’. Nesse sentido, Sampaio
(1998):
Embora a estrutura do texto se mostre dividida em dois
blocos - sigilo “da correspondência das comunicações
telegráficas (primeiro bloco), de dados e das comunicações telefônicas (segundo bloco)” - a inclusão da palavra
“comunicação” entre os núcleos “dados” e “telefônicas”
quebraria a linha de especialização iniciada com o adjetivo “telegráficas”. Se “de dados” fosse uma das modalidades de comunicação, por que repetir esta palavra antes de
convivência, as quais só dizem respeito aos que convivem. Dito de outro modo, os elementos de
identificação só são protegidos quando compõem relações de convivência privativas: a proteção é para elas, não para eles. Em conseqüência, simples cadastros de elementos identificadores
(nome, endereço, R.G., filiação, etc.) não são protegidos. Mas cadastros que envolvam relações
de convivência privada (por exemplo, nas relações de clientela, desde quando é cliente, se
a relação foi interrompida, as razões pelas quais isto ocorreu, quais os interesses peculiares
do cliente, sua capacidade de satisfazer aqueles interesses, etc) estão sob proteção. Afinal, o
risco à integridade moral do sujeito, objeto do direito à privacidade, não está no nome, mas
na exploração do nome, não está nos elementos de identificação que condicionam as relações
privadas, mas na apropriação dessas relações por terceiros a quem elas não dizem respeito
(FERRAZ JÚNIOR, 1993, p.449-450).
14 Para o autor: Ora, podemos distinguir quatro objetos jurídicos distintos na enumeração
realizada pelo inciso XII acima: a) correspondência; b) comunicações telegráficas; c) dados;
d) comunicações telefônicas. Nos itens “a”, “b” e “c” a vedação é absoluta, ou seja, é terminantemente proibido devassar correspondência, comunicações telegráficas e dados. No que
tange as comunicações telefônicas, a vedação é relativa, ou seja, em determinadas hipóteses,
reguladas em lei, é possível a sua violação (SILVA, 2002, grifo nosso).
15
“telefônica”? No mesmo passo, do ponto de vista teleológico, a proteção tão-somente da comunicação de dados se
apresenta sobremaneira acanhada no corpo de um texto
que ousa elevar o direito de acesso ao pedestal de um writ
(SAMPAIO, 1998).
A redação do referido dispositivo, ao mencionar “de dados e das comunicações telefônicas”, também expressamente dissociou o substantivo
“dados” do adjetivo “telefônicas”, uma vez que este último só se refere
a “comunicações”. Dessa forma, não são apenas os dados relativos às
chamadas telefônicas abrangidos pela proteção constitucional. Quisesse
o constituinte originário proteger apenas dados telefônicos, a redação
seria “de dados e comunicações telefônicos”.
Importa mencionar, ainda, que dentre as várias definições dadas por Ferreira (2004) ao substantivo masculino “dado”, encontramos: “elemento
de informação, ou representação de fatos ou de instruções, em forma
apropriada para armazenamento, processamento ou transmissão por
meios automáticos”. Em outra acepção, define “dado” como “elemento
ou base para a formação dum juízo”. Por fim, ao definir “informação”, considera, dentre outros, que o termo refere-se a “dados acerca de
alguém ou de algo”.
Observa-se que a proteção do sigilo de dados recebeu uma redação
abrangente, de modo que não nos cabe, na interpretação da norma, restringir o que o próprio constituinte não quis restringir. Aliás, é baseada
nessa definição ampla de “dados” que a doutrina e a jurisprudência têm
entendido que a proteção constitucional estende-se ao sigilo bancário
e fiscal15. Não há problema, portanto, em estender-se tal proteção aos
dados pessoais.
Logo, considera-se que os dados cadastrais dos assinantes do STFC estão
protegidos tanto pelo direito à intimidade como pelo direito ao sigilo de
dados, previstos no art. 5°, X e XII, da Constituição Federal.
15 Hoje, considera-se que a matriz constitucional do dever das instituições financeiras de guardarem sigilo em relação aos dados sobre movimentações financeiras de seus clientes repousa
não apenas no art. 5, X, da Constituição, que assegura o direito à intimidade e à vida privada,
com também no art. 5, XII, que prevê a garantia do sigilo de dados (SARMENTO, 2003).
16
2. A PROTEÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DOS USUÁRIOS
DO SERVIÇO TELEFÔNICO FIXO COMUTADO - STFC NA
REGULAMENTAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÕES.
A Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT)
protege: a) a inviolabilidade da comunicação; b) a não divulgação do código de
acesso, se assim requerido pelo usuário; c) a privacidade nos documentos de
cobrança e d) a privacidade na utilização dos dados pessoais do usuário. Assim,
a LGT protege não só o sigilo das comunicações, mas também as informações
relacionadas à utilização do serviço pelo usuário, incluindo o código de acesso e
seus dados pessoais. In verbis:
Art. 3° O usuário de serviços de telecomunicações tem
direito:
(...)
V - à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e
legalmente previstas;
VI - à não divulgação, caso o requeira, de seu código de
acesso;
(...)
IX - ao respeito de sua privacidade nos documentos de
cobrança e na utilização de seus dados pessoais pela prestadora do serviço.
Outrossim, apenas na execução de sua atividade, a prestadora poderá
valer-se de informações relativas à utilização individual do serviço, exigindo-se anuência expressa e específica do usuário para a divulgação de
tais dados. A prestadora poderá divulgar a terceiros informações agregadas sobre o uso de seus serviços, desde que elas não permitam a identificação, direta ou indireta, do usuário, ou a violação de sua intimidade
(art. 72, §§ 1º e 2º).16
16 Cabe mencionar, aqui, a definição dada pela regulamentação a assinante, usuário e código
de acesso. Assinante é a pessoa natural ou jurídica que firma contrato com a prestadora, para
fruição do serviço, ao passo que usuário é qualquer pessoa que utiliza o STFC, independentemente de contrato de prestação de serviço ou inscrição junto à prestadora. Já código de acesso
é o conjunto de caracteres numéricos ou alfanuméricos estabelecido em plano de numeração,
que permite a identificação de assinante, de terminal de uso público ou de serviço a ele vinculado (Regulamento do STFC, art. 3º, IV, VII e XXX).
17
O Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC17, aprovado
pela Resolução n.º 426, de 9 de dezembro de 2005, prevê que o usuário
tem direito à privacidade nos documentos de cobrança e na utilização,
pela prestadora, de seus dados pessoais não constantes da Lista Telefônica
Obrigatória e Gratuita (LTOG), os quais não podem ser compartilhados
com terceiros sem prévia e expressa autorização do usuário, ressalvados
os dados necessários para fins exclusivos de faturamento (art. 11, XI ).
No mais, o usuário tem direito à obtenção gratuita, mediante solicitação encaminhada ao serviço de atendimento de usuários mantido pela
prestadora, da não divulgação do seu código de acesso em relação de
assinantes e no serviço de informação de código de acesso de assinante
do STFC (art. 11, XV).18
Ressalte-se que o Regulamento do STFC confere ao assinante originador
da chamada o direito de opor restrição à sua identificação, inclusive
perante o assinante chamado, exceto se a ligação for destinada aos serviços públicos de emergência (o art. 25, caput e §3º).19
Os direitos do usuário à não divulgação de seu código de acesso, bem
como à privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de seus
dados pessoais pela prestadora também estão previstos nos contratos de
concessão para prestação do STFC na modalidade local, firmados em 22
de dezembro de 2005 (Cláusula 15.1, VI e IX) e nos termos de autorização para a prestação do STFC (Cláusula 8.1, VI e IX)20.
17 Vale esclarecer que o antigo Regulamento do STFC, aprovado pela Resolução n. 85, de 31 de
dezembro de 1998, e revogado pela Resolução n. 426, de 9 de dezembro de 2005, relacionava,
dentre os direitos dos usuários, a privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de
seus dados pessoais pela Prestadora (art. 12, X) e a obtenção gratuita da não divulgação ou
informação do seu Código de Acesso em Relação de Assinantes ou para o terminal chamado,
mediante solicitação encaminhada ao serviço de atendimento de Usuários mantido pela prestadora (art. 12, XIV).
18 O Regulamento do STFC (art. 11, XXIV) prevê ainda o direito do assinante à comunicação
prévia da inclusão de seu nome em cadastros, bancos de dados, fichas ou registros de inadimplentes, condicionado à manutenção de seu cadastro atualizado junto à prestadora.
19 A identificação do terminal chamador pelo terminal chamado, e a utilização da facilidade
de Restrição da Identidade do Assinante Chamador são tratadas no art. 9º do Regulamento da
Interface Usuário-Rede e de Terminais do Serviço Telefônico Fixo Comutado, aprovado pela
Resolução da ANATEL nº 392, de 21 de fevereiro de 2005.
18
Conforme previsto nos parágrafos 1º e 2º das referidas cláusulas contratuais, a prestadora tem o dever de zelar estritamente pelo sigilo inerente
ao serviço telefônico e pela confidencialidade quanto aos dados e informações, empregando meios e tecnologias que assegurem este direito dos
usuários.
20 Assim dispunham os Contratos de Concessão aprovados pela Resolução n.º 26, de 27 de maio
de 1998, vigentes até 31 de dezembro de 2005:
Cláusula 14.1. - Respeitadas as regras e parâmetros constantes deste Contrato, constituem
direitos dos usuários do serviço objeto da presente concessão:
[...]
VI - obter, gratuitamente, mediante solicitação encaminhada ao serviço de atendimento dos
usuários mantido pela Concessionária, a não divulgação do seu código de acesso;
[...]
IX - a privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de seus dados pessoais pela
Concessionária;
§ 1º - A Concessionária observará o dever de zelar estritamente pelo sigilo inerente ao serviço
telefônico e pela confidencialidade quanto aos dados e informações, empregando meios e tecnologias que assegurem este direito dos usuários.
§ 2º - A Concessionária tornará disponíveis os recursos tecnológicos necessários à suspensão
de sigilo de telecomunicações determinada por autoridade judiciária, na forma da regulamentação.
19
3. AS PREVISÕES REGULAMENTARES DE FORNECIMENTO DE
DADOS CADASTRAIS DE ASSINANTES DO STFC.
O artigo 213 da Lei n° 9.472/97 (LGT) estabelece que será livre a qualquer interessado a divulgação, por qualquer meio, de listas de assinantes
do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em
geral21. Referido artigo disciplina em seu parágrafo 1º que as prestadoras
do STFC serão obrigadas a fornecer, em prazos e preços razoáveis e de
forma não discriminatória, a relação de seus assinantes22 a quem queira
divulgá-la. Frise-se que a prestadora deve observar o direito do usuário à
não divulgação de seu código de acesso, bem como o ao respeito de sua
privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de seus dados
pessoais (artigo 3º, VI e IX, LGT).
Nessa linha, o contrato de concessão para prestação do STFC na modalidade local, em vigor desde 1º de janeiro de 2006, estabelece na Cláusula
16.1, XV e XVI, que a prestadora tem o dever de divulgar, diretamente
ou por meio de terceiros, o código de acesso dos seus assinantes e dos
demais assinantes de prestadores do STFC, em regime público e privado,
na área de concessão, com exclusão daqueles que requererem expressamente a omissão dos seus dados pessoais, devendo fornecer, em prazos
e a preços razoáveis e de forma não discriminatória, a relação de seus
assinantes para efeito de divulgação de listas telefônicas23.
21 Nesse sentido, o Regulamento sobre Divulgação de Listas de Assinantes e de Edição e Distribuição de Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita - LTOG, aprovado pela Resolução n° 66, de 9
de novembro de 1998, dispõe no art. 3º que será livre a qualquer interessado a divulgação, por
qualquer meio, de listas de assinantes do STFC-LO.
22 Conforme definido no Regulamento sobre Divulgação de Listas de Assinantes e de Edição e
Distribuição de Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita - LTOG, a lista de assinantes é um conjunto de informações contendo, no mínimo, a relação de assinantes. Já a relação de assinantes
é o conjunto de informações que associa os nomes de todos os assinantes ou usuários indicados
do STFC na modalidade local aos respectivos endereços e códigos de acesso de determinada
localidade, respeitadas as manifestações de não divulgação de seus códigos de acesso (art. 2º,
XI e XXIII).
23 Nesse sentido, o art. 4º, caput, do Regulamento sobre Divulgação de Listas de Assinantes e
de Edição e Distribuição de Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita - LTOG.
21
O termo de autorização para prestação do STFC na modalidade local
também prevê, na cláusula 9.1, VIII, a obrigação de divulgação de códigos de acesso de seus assinantes, com exclusão daqueles que requererem
expressamente a omissão de seus dados pessoais24.
De acordo com a Resolução n.º 343, de 17 de julho de 2003, que incluiu
o artigo 27 no Regulamento de Serviços de Telecomunicações, aprovado
pela Resolução 73/98, a prestadora de serviços de telecomunicações de
interesse coletivo, quando solicitada, deve fornecer e assegurar a atualização de informações das bases de dados cadastrais de todos os seus
assinantes ou usuários às prestadoras de serviços de interesse coletivo
com as quais possua interconexão de redes, em condições isonômicas,
justas e razoáveis, para fins de faturamento e cumprimento de obrigações impostas pela regulamentação (art. 27,I).
As regras e condições aplicáveis ao fornecimento da relação de assinantes a divulgadoras estão dispostas no Regulamento sobre Fornecimento
da Relação de Assinantes pelas Prestadoras do STFC na Modalidade de
Serviço Local, aprovado pela Resolução n.º 345, de 18 de julho de 2003,
o qual prevê que a obrigatoriedade do fornecimento restringe-se às
informações constantes no cadastro da prestadora e de sua atualização
sistemática (art 4º, parágrafo único). Além disso, o art. 10, §2º, impõe à
prestadora o dever de excluir da Relação de Assinantes os assinantes que
tenham se manifestado pela não-divulgação de seu código de acesso.
O Regulamento sobre Divulgação de Listas de Assinantes e de Edição e
Distribuição de Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita - LTOG, aprovado
pela Resolução n° 66, de 9 de novembro de 1998, determina no artigo
5º que a utilização da relação de assinantes fornecida pela prestadora
visará, exclusivamente, a precípua divulgação de listas de assinantes.
Ressalte-se que a prestadora pode prestar outras informações além
daquelas constantes da relação de assinantes, desde que autorizada pelo
titular da linha (artigo 4º, § 1º).25
24 Tal obrigação encontrava-se também prevista nos contratos de concessão para prestação do
STFC aprovados pela Resolução n. 26/98. Cláusula 15.1. - Além das outras obrigações decorrentes deste Contrato e inerentes à prestação do serviço, incumbirá à Concessionária: XIV - divulgar, diretamente ou através de terceiros, o código de acesso dos seus assinantes e dos demais
assinantes de prestadores do Serviço Telefônico Fixo Comutado, em regime público e privado,
na área de concessão, com exclusão daqueles que requererem expressamente a omissão dos
seus dados pessoais.
22
Em observância ao direito previsto no artigo 3º, VI, da Lei nº 9.472/97,
o Regulamento sobre a LTOG protege o código de acesso não figurante,
ou seja, aquele que não deve constar da relação de assinantes, mediante
solicitação. Outrossim, a prestadora é responsável por garantir o respeito
à privacidade do assinante do serviço na utilização de dados pessoais
não autorizados, constantes de seu cadastro (art. 4º, §§ 2º e 3º)26.
A Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita deverá conter, no mínimo, a
relação de assinantes de todas as prestadoras do STFC na modalidade
local na área geográfica de sua abrangência (art. 8º), devendo ser divulgada por intermédio dos meios impresso e eletrônico, bem como disponibilizada gratuitamente no “site” da prestadora na internet (art. 7º,
caput e parágrafo único).
A disponibilização da lista telefônica em meio eletrônico será efetuada sob a forma de CD-Rom, disquete ou outras formas assemelhadas,
ficando a opção a critério de qualquer assinante ou usuário indicado da
área de abrangência da prestadora (art. 23 do Regulamento da LTOG).
Convém registrar, ainda, que o Regulamento sobre as Condições de
Acesso e Fruição dos Serviços de Utilidade Pública e de Apoio ao STFC,
aprovado pela Resolução n.º 357, de 15 de março de 2004, define o Serviço de Informação de Código de Acesso de Assinante do STFC como um
serviço de auxílio à Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita - LTOG, com
objetivo de prestar informações aos usuários em geral sobre o Código de
Acesso de Assinantes (art. 4º, II) - Serviço 102.
25 Referido Regulamento prevê ainda a possibilidade de o assinante indicar determinado usuário para figurar na lista telefônica. Art. 2 °XXVIII - Usuário indicado é a pessoa física ou
jurídica, inclusive firma individual, que o assinante do serviço, titular ou temporário, indica, em
substituição ao seu nome, para inserção na relação de assinantes.
26 Art. 4º A prestadora do serviço será obrigada a fornecer, em prazos e a preços razoáveis e de
forma não discriminatória, a sua relação de assinantes a quem queira divulgá-la.
§1º Na relação a ser fornecida à divulgadora, a prestadora do STFC-LO poderá, desde que autorizada pelo assinante, prestar outras informações, além das mencionadas no inciso XXIII do
Art. 2º.
§ 2º É vedada à prestadora do STFC-LO a inclusão de dados, mesmo que parciais, de assinante
do STFC-LO que tenha requerido a não divulgação do seu código de acesso.
§ 3º A prestadora do STFC-LO é responsável por garantir o respeito à privacidade do assinante
do serviço na utilização de dados pessoais constantes de seu cadastro, não autorizados, nos
termos deste artigo e de seu § 1º.
23
Referida Resolução determina que o acesso ao serviço será gratuito, ou
seja, o usuário não pagará pela ligação efetuada. Entretanto, a informação prestada ao usuário não será cobrada somente nos casos em que o
código de acesso do assinante do STFC não figurar na Lista Telefônica
Obrigatória e Gratuita - LTOG e que a solicitação de informação for originada em terminal de acesso de uso coletivo (art. 13, § 1º, a e b). O art.
18 dispõe ainda que a prestadora de STFC na Modalidade Local oferecerá
gratuitamente, a partir de 1º de janeiro de 2006, o Serviço de Informação
de Código de Acesso de Assinante do STFC27.
À vista dos dispositivos supramencionados, depreende-se que a regulamentação de telecomunicações prevê as seguintes possibilidades de
fornecimento, pela prestadora do STFC na modalidade local, dos dados
constantes da relação de assinantes, os quais limitam-se aos nomes,
endereços e códigos de acesso dos assinantes ou usuários de determinada localidade, exceto nos casos em que o assinante autoriza a divulgação de outros dados: i) a qualquer pessoa física ou jurídica interessada
na divulgação de listas de assinantes (divulgadora); ii) às prestadoras
de serviços de interesse coletivo com as quais possua interconexão de
redes; iii) aos assinantes ou usuários, através da distribuição gratuita da
LTOG na forma impressa ou disponibilização em meio eletrônico, além
do serviço de auxílio à lista.
27 Foi disponibilizada para manifestações da sociedade, através da Consulta Pública n.º 657,
realizada no período entre 20 de dezembro de 2005 e 16 de janeiro de 2006, Proposta de
Alteração do texto do artigo 18 do Regulamento sobre as Condições de Acesso e Fruição dos
Serviços de Utilidade Pública e de Apoio ao STFC. Referida proposta, que se encontra em fase de
análise das contribuições recebidas, contempla as seguintes alterações:
Art. 18. A prestadora de STFC na modalidade local se obriga a fornecer a seus assinantes, diretamente ou por intermédio de terceiros, de forma gratuita, listas telefônicas dos assinantes de
todas as prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado, em sua área de prestação, observada
a regulamentação.
§ 1º Considerar-se-á adimplida a obrigação prevista no caput por meio da prestação gratuita
do serviço de informação de código de acesso de assinante, observados os termos da regulamentação.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, é obrigatório o fornecimento de Lista
Telefônica Obrigatória e Gratuita – LTOG impressa, quando solicitado pelo assinante.
§3º As disposições dos parágrafos anteriores começam a viger a partir de 1º de janeiro de
2006.
24
Ressalte-se que a regulamentação de telecomunicações menciona, de
forma expressa, as hipóteses de fornecimento de dados cadastrais dos
assinantes do STFC, assegurando, sempre, a privacidade de todas as
informações pessoais do titular da linha telefônica, que tem o direito de
obstar a sua divulgação.
Além disso, as possibilidades de disponibilização dos dados cadastrais
restringem- se ao nome, endereço e código de acesso do assinante, a não
ser que exista autorização expressa para divulgação de outras informações pessoais28.
28 Conforme estabelecido no Regulamento sobre Divulgação de Listas de Assinantes e de Edição e Distribuição de Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita – LTOG (art. 2º, XXIII e 4º, § 1º).
25
4. FORNECIMENTO DE DADOS CADASTRAIS DE ASSINANTES DO
STFC DIRETAMENTE A MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E
AUTORIDADES POLICIAIS
Autoridades policiais e membros do Ministério Público têm solicitado às
prestadoras do STFC informações sobre os dados cadastrais de assinantes
do serviço. Tais pedidos são, na maioria das vezes, rejeitados pelas prestadoras, sob o argumento de necessidade de autorização judicial, com
vistas a garantir a privacidade do seu cliente.
As autoridades policiais alegam que o fornecimento de informações
relativas a titulares de linha telefônica não afrontam os incisos X e XII
do art. 5° da Constituição Federal, uma vez que limitam-se tão somente
a dados de qualificação e residência para o encontro de pessoas para
fins de intimação e demais procedimentos típicos de polícia judiciária.
Muitos argumentam, ainda, que o acesso da polícia aos cadastros das
prestadoras não invade a privacidade dos assinantes, e que não procede
a alegação das empresas de que o pedido viola os direitos e garantias
individuais ao sigilo de dados ou intimidade, porque o interesse público
se sobrepõe ao privado.
Já os representantes do Parquet fundamentam seus requerimentos no
art. 80 da Lei n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, bem como no art.
8, II, IV e VIII e § 2°, da Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de
1993.29
29 Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração
Pública direta ou indireta;
[...]
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
[...]
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a
serviço de relevância pública.
27
Em novembro de 2005, membros do Ministério Público de Minas Gerais
pleitearam, junto à Anatel, a abertura dos bancos de dados das operadoras de telefonia, sob o argumento de que tais informações (endereço,
CPF, filiação, data de nascimento etc.) são relevantes para o desempenho
das atribuições institucionais do Parquet, por possibilitarem a localização de indiciados, de réus, de vítimas e de testemunhas. Em reunião,
onde foi discutido o limite do direito ao sigilo do cadastro por parte
dos usuários, deliberou-se que a Procuradoria Federal Especializada da
Anatel elaboraria parecer normativo sobre a matéria, para apreciação do
Conselho diretor da Agência30.
Embora o referido parecer normativo não tenha sido elaborado, é possível
identificar o posicionamento da Procuradoria da Agência em pareceres
e ofícios elaborados nos anos de 2003 e 2004, os quais serão analisados
mais adiante.
Entretanto, antes de buscar o entendimento da Procuradoria, convém
verificar a posição da doutrina quanto à violação dos direitos previstos
constitucionalmente no art. 5°, X e XII, bem como a possibilidade de
quebra do sigilo pelo Ministério Público.
4.1. Exceções à inviolabilidade dos direitos à intimidade e ao sigilo de
dados
Como bem ministram Moraes (2005) e Bulos (2002), os direitos e garantias fundamentais não são ilimitados, pois encontram limites nos demais
direitos igualmente consagrados pela Constituição Federal, não podendo
ser invocados para alegações contrárias ao ordenamento jurídico ou servir de salvaguarda de práticas ilícitas31.
30 Serviu de base para esta discussão o entendimento de que “a supremacia do interesse
público sobre o interesse privado é um princípio da essência de qualquer Estado, que se revela
na superioridade do interesse da coletividade em relação ao interesse particular”. (TEIA – Telejornal Interno Anatel, ano 5, n. 1725, Brasília, DF, 25 de novembro de 2005)
31 Nesse sentido: RHC n. 2777-0/RJ, STF – Sexta Turma, Rel. Min. Pedro Acioli.
28
Partilhando o mesmo pensamento, Sampaio (1998) pondera que “o direito
à intimidade não é, na prática, absoluto, encontrando suas fronteiras em
outros direitos ou bens constitucionais”.
Dessa feita, deve ser reconhecido o caráter relativo ao direito citado, de
forma a viabilizar a convivência entre liberdades públicas, observado o
critério da proporcionalidade (MORAES, 1998). Em certas circunstâncias,
portanto, pode o interesse coletivo justificar uma restrição proporcional
a direitos fundamentais, sendo necessário verificar as hipóteses concretas e as especificidades de cada caso, utilizando-se a ponderação de
interesses32.
Seguindo tal raciocínio, o sigilo de dados, por encontrar-se também
dentre os direitos fundamentais, não seria absoluto. Tal entendimento,
entretanto, não é pacífico na doutrina. Lima Neto (1997) considera que a
vedação concernente à inviolabilidade dos dados é de natureza absoluta.
Na mesma linha, Cintra, Dinamarco e Grinover (1998), ao tratar das
garantias do devido processo legal, asseveram que o sigilo das comunicações em geral e de dados é garantido como inviolável pela Carta
Magna, considerando que apenas as comunicações telefônicas podem
ser interceptadas.
Importante transcrever comentário feito por Grinover (1997), acerca do
texto do art. 5°, inciso XII, aprovado pela Assembléia Nacional Constituinte:
O certo é que a Assembléia Nacional Constituinte aprovou texto diverso do que veio afinal a ser promulgado. A
redação aprovada em segundo turno, no plenário, foi a
seguinte:
É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações de dados, telegráficas e telefônicas, salvo por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer,
para fins de investigação criminal ou instrução proces-
32 Para o autor: Na verdade, o princípio da proporcionalidade visa, em última análise, a contenção do arbítrio do poder, em favor da proteção dos direitos do cidadão. Nesse sentido, ele tem
sido utilizado no Direito Comparado e, mais recentemente, também no Brasil, como poderosa
ferramenta para aferição da conformidade das leis e dos atos administrativos com os ditames
da razão e da justiça (SARMENTO, 2003, p. 77).
29
sual. Foi a Comissão de Redação que, exorbitando de seus
poderes, acrescentou ao texto as palavras “comunicações”,
“no último caso” e “penal”, limitando consideravelmente
o alcance da norma constitucional legitimamente aprovada em plenário. Esta, da forma como o fora, permitia a
quebra do sigilo - observadas a ordem judicial e a reserva
legal - não apenas com relação às comunicações telefônicas, mas também às telegráficas e de dados, bem como
quanto ao sigilo da correspondência; e, ademais, não restringia o objeto da prova ao processo penal, possibilitando fosse ela produzida em processos não penais.
No meu sentir, a redação restritiva do inc.XII do art.5º da
Constituição é formalmente inconstitucional, por vício de
competência e afronta ao processo legislativo.
Mas é preciso advertir que o próprio texto do art.5º, XII,
da Constituição dá margem a outras interpretações: há
quem afirme que cuida ele somente de duas situações de
sigilo: de um lado, a da correspondência; do outro, a
das “comunicações telegráficas, de dados e telefônicas”,
de modo que a possibilidade de quebra, “no último caso”,
abrangeria todo o segundo grupo. Para rechaçar essa
posição, todavia, basta observar que a reiteração da palavra “comunicações”, antes de “telefônicas”, indica exatamente que a exceção constitucional só a estas se refere.
É essa a única explicação para a repetição (e por isso a
Comissão de Redação a introduziu), pois se a ressalva
se referisse a todo o segundo grupo, teria sido suficiente
dizer “comunicações telegráficas, de dados e telefônicas”
(GRINOVER, 1997).
Por outro lado, o Ministro Marco Aurélio, voto vencido no julgamento
da Pet-577/DF (25/03/1992), considera a existência de não quatro, mas
apenas dois casos contemplados pelo dispositivo constitucional; o primeiro, abrangendo a “correspondência” e as “comunicações telegráficas”,
e o segundo, a envolver “dados” e “comunicações telefônicas”, motivo
pelo qual rechaça a possibilidade de se ter o sigilo de dados como inafastável33.
33 A íntegra do voto é apresentada no item 6 do presente trabalho..
30
Moraes (2005) entende que poderão ser estabelecidas, excepcionalmente,
hipóteses de quebra das inviolabilidades da correspondência, das comunicações telegráficas e de dados, com vistas a salvaguardar o interesse
público e impedir que a consagração das liberdades públicas sirvam de
incentivo à pratica de atividades ilícitas. Também Sampaio (2003), acertadamente, considera que a garantia do sigilo de dados não se encontra
sob o reino do absoluto.34
4.2. Quebra do sigilo pelo Ministério Público
Moraes (1998) entende que a Constituição permite não só a quebra do
sigilo de dados (sigilo bancário e fiscal)35 pela autoridade judicial, mas
também pelo Ministério Público. O autor baseia-se no fato de que a
Constituição Federal, ao dispor que o Ministério Público tem a função
institucional de expedir notificações nos procedimentos administrativos
de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-las, somente limitou esta possibilidade à forma estabelecida na lei
complementar (art. 129, VI) e, tendo em vista o previsto no art. 8º, § 2º,
da Lei Complementar 75/93, é vedado que se alegue a exceção do sigilo,
para que se negue o atendimento do pedido do Parquet.
O TRF da 2ª Região, no julgamento do HC 96.02.98460-9/RJ, de 196-97, considerou que inexiste violação da intimidade e à vida privada,
tendo em vista que o art. 8º da Lei Complementar n° 75/93 confere ao
34 Desde que atendido o princípio da proporcionalidade em sentido amplo e não haja vedação constitucional expressa, poderá o legislador estabelecer restrições àquelas garantias, sem
incorrer em atentado à Lei Fundamental. O exercício da concordância prática de direitos fundamentais não é prerrogativa exclusiva do Judiciário, muito embora seja ele quem, em última
instância, dê a palavra definitiva sobre a sua legitimidade e correção. Não vai aí nenhuma
disponibilidade de conteúdo arbitrária de um direito fundamental ou uma diminuição do índice
democrático do Estado de Direito, mas uma exigência da vida em comunidade, que supera, sem
negar, o sentido individual da existência humana e de seus interesses, além de reduzir os riscos
de ruptura e desequilíbrio sistêmico que um apego exagerado à forma pode patrocinar.
35 Utilizaremos, aqui, posicionamentos relativos aos dados bancários, os quais estão, para muitos, inseridos no conceito amplo de “dados”, sendo protegidos pelo art. 5°, XII da Constituição
Federal.
31
Ministério Público o acesso a informes bancários, impondo-lhes o dever
legal de utilizar os dados obtidos para os fins a que se destinam, resguardado-se, ainda, o seu caráter sigiloso através da responsabilização
no caso de uso indevido das informações requeridas.
De forma diversa, Bulos (2002), Fregadolli (1998) e Sarmento (2003)
consideram que o Ministério Público não é competente para determinar
a ruptura do sigilo dos dados. Segundo Fregadolli (1998), os direitos e
garantias previstos no art. 5º da Constituição Federal prevalecem sobre
os direitos de fiscalização do Ministério Público.
Afirma Bulos (2002) que o controle dos atos ligados à privacidade é
missão conferida ao Judiciário e, uma vez que a Constituição considerou
como privativos os dados pessoais, estes podem sofrer ruptura apenas
por meio de autorização judicial. Defende, portanto, que o princípio da
reserva de jurisdição incide no rompimento do sigilo, ressaltando ainda
que “nem mesmo a publicidade dos atos governamentais (art. 37, caput),
ou a requisição de informações e documentos (art. 129, VI), autorizam a
quebra do segredo pelo Parquet.
Sarmento (2003), ao tratar sobre a quebra do sigilo bancário, também
entende que a ponderação de interesses deve ser realizada pelo Judiciário, que atua como órgão imparcial, e não pelo Ministério Público, em
razão de uma provável falta de isenção, uma vez que está comprometido
com um dos interesses, qual seja, a apuração do ilícito.
Cumpre salientar que a Constituição Federal, ao prever a possibilidade de
violação do sigilo das comunicações telefônicas (art. 5°, XII), expressamente menciona a necessidade de ordem judicial. Assim, o constituinte
originário reservou ao Poder Judiciário, cuja atuação é fundamentada
na inércia, imparcialidade e isenção, a faculdade de permitir a violação
dos direitos e garantias individuais36. Conseqüentemente, a autorização
do Judiciário deve ser exigida para a violação do sigilo à intimidade e de
dados, vez que ela é admitida excepcionalmente, adotando-se os princípios da proporcionalidade e da ponderação de interesses.
36 Ressalte-se que a Carta Magna conferiu às Comissões Parlamentares de Inquérito poderes
de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, §3°).
32
Em que pesem as alegações dos que defendem a competência do Ministério Público para a decretação do sigilo, os poderes a eles conferidos
pela lei complementar não são suficientes para permitir-lhe acesso direto
a informações para cuja violação do sigilo a própria Constituição Federal
exige autorização judicial. Desse modo, a Lei Complementar n° 75/93,
a que se refere o art. 129 da Carta Magna, não pode ser interpretada
de modo a extrapolar o limite constitucional às atividades do Poder
Público.
Assim sendo, tem-se que o Ministério Público e, da mesma forma, as
autoridades policiais, não têm o poder de determinar a quebra dos sigilos
constitucionalmente previstos, sendo necessário, sempre, a obtenção de
ordem judicial, a não ser que o titular dos direitos protegidos expressamente autorize sua disponibilização aos interessados.
4.3. O posicionamento da Procuradoria Federal Especializada - Anatel
Em virtude dos vários pedidos de informações sobre os dados cadastrais de assinantes, apresentados por autoridades policiais e membros
do Ministério Público, a Procuradoria Federal Especializada da Anatel
manifestou-se sobre a necessidade ou não de autorização judicial para o
atendimento das solicitações. Ressalte-se que o posicionamento da Procuradoria sobre o assunto modificou-se ao longo do tempo, conforme
será demonstrado a seguir.
4.3.1. Parecer n.º 224/2003/PGF/PFE-VGC/Anatel, de 26 de maio de
2003
Assunto: Consulta destinada a verificar a necessidade
ou não de ordem judicial para o fornecimento de dados
cadastrais e permissão de rastreamento de chamadas
de usuários dos serviços telefônicos para o Ministério
Público e a Polícia Judiciária.
33
Ementa: Pela necessidade de autorização judicial, em
conformidade com o disposto no art. 5º, X a XII, da Constituição Federal e art. 3º, VI e IX, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n.º 9.472/97)
A consulta decorreu de pedido de esclarecimentos da Juíza Corregedora
Ivana David Boriero sobre o não cumprimento da legislação pela Anatel,
tendo em vista os poderes investigatórios das autoridades policiais e do
Ministério Público, os quais permitem o acesso aos dados cadastrais dos
usuários e o rastreamento das chamadas, desde que não haja violação ao
conteúdo das ligações, sem necessidade de autorização judicial.
Segundo a Procuradoria, o legislador relacionou no rol de direitos e
garantias individuais (CF art. 5º, X e XII) a inviolabilidade da intimidade
e do sigilo telefônico, que deve ser respeitada por toda a coletividade,
assim como pelos poderes constituídos.
Afirma que, apesar de os direitos protegidos não serem absolutos, a própria Constituição delimita as hipóteses em que essas garantias poderiam não prevalecer em face de um interesse maior. Assim, exige-se
a autorização judicial e que seja para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal, inexistindo possibilidade de que a legislação
infraconstitucional modifique tais garantias.
Por conseguinte, toda e qualquer prerrogativa conferida
ao Ministério Público e às Polícias Judiciárias deverá ser
interpretada de modo a não violar dispositivos constitucionais. Não se discute o poder investigatório das autoridades policiais e do MP. Contudo, entendemos que devem
ser observados os limites dispostos na CF e na legislação
em vigor.
Acrescenta que “mesmo que se entenda que os dados cadastrais não
estão abrangidos no conceito de sigilo telefônico, é inegável que possuem proteção constitucional por se enquadrarem no art. 5º, X, da CF
(direito à intimidade)”, utilizando como exemplo a inclusão dos nomes
dos assinantes nas listas telefônicas, que pode ser obstada por aqueles
que não desejam que as informações sejam divulgadas, sob pena de
violação à intimidade.
34
Ainda segundo a Procuradoria, os poderes conferidos pela Lei Complementar n° 75/93, bem como normas processuais que conferem
amplos poderes de investigação às autoridades policiais, não pode prevalecer quando houver conflito com norma de hierarquia constitucional,
pois esta é prevalecente. “Não cabe, portanto, a justificativa de que a
existência de interesse público é suficiente para violar garantias constitucionalmente previstas.”
Conclui que “o fornecimento de dados cadastrais e o rastreamento de
chamadas, requisitados pelo MP e pela Polícia Judiciária, necessitam de
autorização judicial, em consonância com o disposto no artigo 5º, X e
XX, da CF e art. 3º, VI e IX, da LGT.”
4.3.2. Parecer n.º 579/2003/PGF/PF-JRP/Anatel, de 08 de julho de
2003
Assunto: Fornecimento de Dados Cadastrais para a Polícia
Civil (STFC)
Ementa:
(a) os dados cadastrais dos assinantes (renda pessoal
ou familiar, conta bancária, possíveis inadimplências) e
aqueles referentes à origem e o recebimento de chamadas
estão protegidos pelo direito à intimidade e da vida privada (inciso X, do art. 5º, da CF e IX, art. 3º, da LGT);
(b) cabe ao Estado definir se as informações limitadas ao
nome, endereço e código de acesso do usuário podem ou
não ser consideradas exceções aos direitos supra-estatais
de privacidade. A comunicação dessas informações seria
sempre efetivada mediante requerimento da autoridade
policial, para fins de instrução criminal, e em conformidade com os PRINCÍPIOS DO INTERESSE PÚBLICO e
DEFESA DA ORDEM SOCIAL;
(c) cumpre lembrar que a própria lista telefônica obrigatória já contém tais dados (denominada “figurações padronizadas”);
(d) diverso deve ser o tratamento concernente à renda pessoal ou familiar, conta bancária, idade, possíveis inadim35
plências, etc. cuja quebra é induvidosamente privativa da
Autoridade Judicial;
(e) o fato de o usuário solicitar que seu nome não conste
da lista para evitar chamadas de terceiros indesejáveis
não pode, no entanto, servir para dificultar a investigação
policial. Este ainda não é, porém, o pensamento prevalecente da doutrina e da jurisprudência nacional, dependendo de definição pelo Estado de exceção aos direitos
supra-estatais de privacidade.
O parecer em questão refere-se a pedido da Diretoria-Geral da Polícia
Civil - Centro de Inteligência da Polícia Civil, do Estado de Goiás, que
solicitou a definição e abrangência do termo quebra do sigilo telefônico
e quebra do sigilo de dados telefônicos.
Para a Procuradoria, os incisos X e XII do art. 5°, da Constituição Federal,
cujos princípios foram incorporados pela Lei Geral de Telecomunicações,
resguardam a inviolabilidade das pessoas, embora sob aspectos diversos.
Afirma que o art. 5º, XII da CF protege a manifestação do pensamento
enquanto encaminhada por correspondência ou transmissão de sinais
por meio eletromagnético salvo radiodifusão, ou seja, “manifestação realizada por telegrama, dados ou telefonia”, enquanto o inciso X protege a
pessoa em si na sua privacidade, determinando a “omissão por parte de
terceiros de se intrometer na intimidade de qualquer indivíduo”.
Afirma que a inviolabilidade dos dados (art. 5°,XII), entendido como
a “informação sistematizada codificada eletronicamente, especialmente
destinada a processamento por computador e demais máquinas de tratamento racional e automático da informação” (Dec. Nº 97.057/88), não
deve ser confundida com a palavra ‘dado’, relativa a informação fixada
sob qualquer outro suporte físico, tal como o papel, ligado à intimidade
e vida privada (art. 5°, X).
Considera ainda que “o fato de ser facultado ao usuário solicitar que seu
nome não conste da lista de assinantes (art. 72, §§ 1º e 2º da LGT) não
pode servir de argumento para dificultar a investigação policial face a
necessidade de defesa da ordem social”, afirmando, ainda, que o requerimento da autoridade é necessário devido à contínua alteração dos dados
relativos aos assinantes, a exemplo da mudança de endereço, o que torna
a lista telefônica progressivamente defasada. Acrescenta:
36
(ii) cabe ao Estado definir se as informações, desde que
limitadas ao nome, endereço e o código de acesso do usuário (denominadas “figurações padronizadas”), seriam ou
não exceções aos direitos supra-estatais de privacidade.
Se considerada exceção, as informações seriam fornecidas, caso a caso, à autoridade policial, desde que para
fins de instrução criminal e defesa da ordem social,
mediante requerimento. Cumpre lembrar que a própria
lista telefônica obrigatória já fornece tais dados. Diverso
deve ser o tratamento concernente a informações sobre
renda pessoal ou familiar, conta bancária, idade, eventual inadimplência, documentos de cobrança (art. 39,
par. único, da LGT), etc., necessariamente confidenciais,
cuja quebra privativa da Autoridade Judicial.
Conclui que a quebra do sigilo telefônico (interceptação ou escuta) só
pode ocorrer mediante prévia autorização da Autoridade Judicial, nos
termos da Lei nº 9.296/96 e do inciso XII, art. 5º CF, a qual também é
necessária para quebra dos dados telefônicos (documentos de cobrança
e histórico das chamadas solicitadas e recebidas).
Quanto à obtenção de informações limitadas ao nome, endereço e
código de acesso do usuário, tradicionalmente divulgados por meio da
lista obrigatória, considera que cabe à entidade interessada “requerer
uma declaração de exceção aos direitos supra- estatais concernentes
à privacidade do Supremo Tribunal Federal”.
4.3.3. Parecer n.º 429/2003/PGF/PF-JRP/Anatel, de 27 de maio de
2003
Assunto: Fornecimento de dados cadastrais para a polícia
judiciária e Ministério Público
Ementa:
a) a entrega dos dados cadastrais dos assinantes a pedido
da Polícia Judiciária ou do Ministério Público, somente
deverá ser fornecida para fins de investigação criminal e
mediante prévia autorização judicial;
37
b) tal fato também ocorre com os dados relativos à origem
e recebimento de chamadas pelo assinante;
c) a informação relativa a rastreamento do aparelho do
usuário capaz de identificar a área geográfica do assinante, por meio de coordenadas geográficas, mapas ou
cartas digitais sem os requisitos do item (a) supra mencionado configuraria violação do sigilo das telecomunicações e o direito a privacidade.
O parecer atende a solicitação da Americel, que questiona o posicionamento adotado perante o Poder Judiciário em relação ao repasse de
informações cadastrais dos usuários das operadoras de Serviço Móvel
Celular - SMC e Serviço Móvel Pessoal - SMP, requisitados pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária.
Conclui a Procuradoria que os dados cadastrais dos assinantes e aqueles
referentes à origem e recebimento de chamadas estão protegidos pelo
direito à intimidade e à vida privada (CF, art. 5º, X), enquanto o rastreamento do aparelho móvel pessoal somente pode ser permitido para fins
de investigação criminal e mediante prévia autorização judicial (art. 5º ,
XII, CF), sob pena de violação do sigilo das telecomunicações.
4.3.4. Parecer n.º 669-2003/PGF/PFE-DHMS/Anatel, de 04 de agosto
de 2003
Assunto: Ofícios de juízes cíveis para liberação de cadastro.
Ementa: Ofícios de juízes - Controvérsia jurisprudencial
- Resistência à ordem é apenas das partes - ANATEL Impossibilidade processual de resistência - Necessidade
do cumprimento do pedido pela Anatel.
O parecer em tela atendeu a solicitação da Superintendência de Serviços
Públicos, que questionava a legalidade de ofícios de juízes cíveis que
requerem que a Anatel promova, junto às prestadoras, o fornecimento de
dados cadastrais para fins, em regra, de localização de réus em processo
de execução.
A Procuradoria enfatiza que os juízos exeqüendos de primeiro grau que
expedem ofícios a órgãos públicos, atendendo a pleitos dos credores,
38
não incorrem em ilegalidade, uma vez que o Judiciário não atua, nesses
casos, como mero assessor da parte, “mas como órgão encarregado de
compor a lide, que, no caso, diz com a satisfação coativa de um indissimulável interesse jurídico”.
Conclui que não há razão para que se resista ao pedido formulado pelos
juízes, uma vez que não cabe à Anatel obstar a atividade judicante, e que
o cumprimento integral das requisições não acarretaria quaisquer tipos
de ônus ou riscos à Agência.
4.3.5. Ofício n.º 12/2004/PGF/PFE-Anatel, datado de 30 de março de
2004
Em resposta a solicitação do Ministério Público do Estado de São Paulo,
a Procuradoria registra que “não há impedimento em que a concessionária ou prestadora de serviços de telecomunicações forneça ao Ministério
Público dados cadastrais de assinantes, até porque, na forma do art. 213
da Lei n.º 9.472/1997, se é lícito a qualquer interessado veicular a lista de
assinantes, com muito maior razão ao Ministério Público assiste o direito
ao cadastro (nome e endereço de instalação), exceção feita à hipótese
em que o assinante peça para não figurar na lista.”
4.4. Considerações
Através da análise dos documentos supracitados, nota-se que a Procuradoria Federal Especializada da Anatel, em princípio, somente admitia
o fornecimento de dados cadastrais de usuários do STFC mediante autorização judicial, independentemente dos fins propostos, ou seja, tanto
para instrução processual penal ou civil.
No entanto, evoluiu seu posicionamento no sentido de possibilitar o fornecimento, diretamente a autoridades policiais e ao Ministério Público,
dos dados cadastrais de assinantes já divulgados na lista telefônica,
ressalvando-se o sigilo das informações daqueles que requerem a não
divulgação de seu código de acesso.
39
A mudança de posicionamento da Procuradoria refletiu, também, na
redação dada ao novo Regulamento do STFC, aprovado pela Resolução n.º 426, de 9 de dezembro de 2005, que prevê o direito do
usuário à privacidade nos documentos de cobrança e na utilização,
pela prestadora, de seus dados pessoais não constantes da Lista
Telefônica Obrigatória e Gratuita (art. 11, XI).
40
5. JURISPRUDÊNCIA
5.1. Julgados referentes à abrangência das informações cadastrais pelo
sigilo de dados ou direito à intimidade, bem como à necessidade de
autorização judicial para sua violação.
Em que pesem as divergências acerca da proteção conferida ao direito à
intimidade ao sigilo de dados, os tribunais superiores têm entendido pela
possibilidade de sua violação, desde que mediante autorização judicial.
Sobre o assunto, vale reproduzir trecho do voto da Desembargadora Aparecida Fernandes, relatora do Mandado de Segurança 2000.00.2.0016925 TJDF, no qual observa que o objetivo do art. 5º, XII, da Constituição
Federal é garantir, da forma mais ampla possível, o direito à intimidade
e ao sigilo das comunicações telefônicas.
DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA.
LEI 9.296/96. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO AFRONTA
AO DIREITO À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE. ORDEM
LIMITAÇÃO DO ALCANCE DA CONCEDIDA. SENTENÇA
HOSTILIZADA. DECISÃO UNÂNIME.
- Por malferir preceito constitucional inerente ao direito
à intimidade e à privacidade, impende seja desconstituída em parte a sentença hostilizada, especificamente no
tocante aos seus efeitos genéricos. - Ordem concedida
à unanimidade. (Tribunal Federal 3ª Região - Mandado
de Segurança - MSG 2000.00.2.001692-5 TJDF - Relatora
Desª. Aparecida Fernandes - Brasília (DF), 09 de agosto
de 2000).
Segue trecho do voto da Senhora Relatora:
“O argumento principal sobre o qual se funda o decisum
guerreado, portanto, é o de que o caso vertente não se
enquadra na vedação constitucional mencionada, pois a
Autoridade Policial não pretendia, com sua representação,
a “interceptação de comunicações telefônicas”, consoante
regulamentação da Lei nº 9.296, de 24/07/96, o que configuraria a denominada quebra do sigilo telefônico, mas,
sim, tão-somente, as informações constantes dos extratos das ligações efetivadas e recebidas, assim como dos
41
números dos telefones instalados em nome dos representados, que não constituiriam os “dados” mencionados no
multicitado inciso XII, do artigo 5º da Carta Política. Não
comungo de tal assertiva, posto que, a meu sentir, são os
registros constantes dos extratos das ligações efetivadas
ou recebidas, assim como aqueles constantes das contas
telefônicas, partes integrantes do complexo conceitual
que o legislador constituinte quis atribuir ao vocábulo
“dados”, estando, por isso, inseridos na proibição constante do dispositivo em comento, uma vez que o objetivo
buscado foi o de garantir, da forma mais ampla possível,
o direito à intimidade e ao sigilo das comunicações telefônicas.”
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança
23.452, ponderou que os direitos e garantias individuais não têm caráter
absoluto, não podendo ser exercidos em detrimento da ordem pública
ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros:
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos
ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo
porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades
legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por
parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados
os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o
regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado
o substrato ético que as informa - permite que sobre elas
incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um
lado, a proteger a integridade do interesse social e, de
outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido
em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos
direitos e garantias de terceiros. (STF, MS 23.452, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ 12/05/00)
42
Cabe transcrever o voto do Ministro Marco Aurélio, vencido no julgamento da Pet-QO 577/DF, no qual considera que o sigilo relativo a
“dados” pode ser afastado mediante ordem judicial, conforme previsto
na parte final do art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal.
Pet-QO 577/DF, Tribunal Pleno, Min. CARLOS VELLOSO,
Julgamento: 25/03/1992, Publicação: DJ 23-04-1993 PP06918.
Ementa
CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. SIGILO
BANCARIO: QUEBRA. LEI N. 4.595, DE 1964, ART. 38. I. INEXISTENTES OS ELEMENTOS DE PROVA MINIMOS DE
AUTORIA DE DELITO, EM INQUERITO REGULARMENTE
INSTAURADO, INDEFERE-SE O PEDIDO DE REQUISIÇÃO
DE INFORMAÇÕES QUE IMPLICA QUEBRA DO SIGILO
BANCARIO. LEI 4.595, DE 1967, ART. 38. II. - PEDIDO
INDEFERIDO, SEM PREJUIZO DE SUA REITERAÇÃO.
Decisão
Por maioria de votos, o Tribunal rejeitou questão preliminar de conversão do julgamento em diligência, suscitada
pelo Ministro Néri da Silveira, vencidos Sua Excelência,
nesse ponto, e o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, ainda por
maioria, indeferiu o pedido de quebra de sigilo bancário,
por considerá-lo insuficientemente fundamentado e não
instruído, ressalvando à autoridade policial a renovação
do pedido, adequadamente formulado, vencido o Ministro
Marco Aurélio, que o deferiu, desde logo. Votou o Presidente. Plenário, 25.03.92.
Voto
O Senhor Ministro Marco Aurélio
(...)
Senhor Presidente, fosse este o teor do inciso XII do artigo
5º, não teria a menor dúvida em reconhecer a existência
de quatro casos contemplados na norma. O primeiro, alusivo à “correspondência’; o segundo, referente às “comunicações telegráficas”; o terceiro, aos “dados” e o quarto
às “comunicações telefônicas”. A ressalva à preservação
do sigilo estaria, sob essa óptica, ligada apenas ao último
caso, ao atinente às comunicações telefônicas. No tre43
cho, vejo o emprego de dois conectivos “e” a revelar que
temos, na verdade, não quatro casos, mas apenas dois:
o primeiro, abrangendo a “correspondência” e as “comunicações telegráficas”: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas”; o segundo, a
envolver “dados” e “comunicações telefônicas”. Se estou
certo neste enfoque, rechaço a possibilidade de se ter o
sigilo relativo a “dados” como inafastável. O sigilo, a meu
ver, pode ser afastado mediante a aplicação do que se
contém na parte final do preceito, conforme a expressão:
“salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses
e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal (...)”
Superada a questão da possibilidade de violação do direito à intimidade e do sigilo de dados, encontram-se diversas decisões no sentido
de necessidade de autorização judicial para a quebra. Nesse sentido, as
decisões do Supremo Tribunal Federal no Mandado de segurança 21.729
- 4 e na Ação Cautelar 415-MC:
A inviolabilidade do sigilo de dados, tal como proclamada
pela Carta Política em seu art. 5º, XII, torna essencial que
as exceções derrogatórias à prevalência desse postulado
só possam emanar de órgãos estatais - os órgãos do Poder
Judiciário - aos quais a própria Constituição Federal
outorgou essa especial prerrogativa de ordem jurídica.
(Supremo Tribunal Federal. Min. Celso de Mello, MS
21.729 - 4 - DF, DJ 30/05/95)
“A discussão atinente à quebra de sigilo bancário pela
autoridade administrativa, sem a participação da autoridade judiciária, já foi ventilada por esta Corte, pelo
menos, nos seguintes julgamentos: MS nº 21.729-4, Rel.
Min. Marco Aurélio, DJ de 19/10/2001; MS nº 23.851, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ de 21/06/2002; PET n° 2790
AgR, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 11/04/2003, e RE
n° 215.301, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28/05/1999.
Em todos, assentou-se que a proteção aos dados bancários configura manifestação do direito à intimidade e ao
sigilo de dados, garantido nos incs. X e XII do art. 5º da
Constituição Federal, só podendo cair à força de ordem
judicial ou decisão de Comissão Parlamentar de Inquérito,
ambas com suficiente fundamentação. A exceção deu-se
44
no julgamento do MS n° 21.729, em que se admitiu que
o Ministério Público obtivesse diretamente os dados, por
tratar-se de empresa com participação do erário (patrimônio e interesse público).” (Supremo Tribunal Federal,
AC 415-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 20/09/04). No
mesmo sentido: RE 261.278, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
01/07/03.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, partilhando a
mesma opinião, entende que o direito à privacidade somente pode
ser violado mediante ordem judicial:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO
DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR INTEMPESTIVIDADE
REJEITADA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E TELEFÔNICO PLEITEADO EM AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA
DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES
DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL. ILICITUDE. ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AGRAVO PROVIDO.
O sigilo de dados contemplado pela norma constitucional
art. 5º, XII, CF, sendo correlato ao direito fundamental à
privacidade, não pode ser violado, salvo por ordem judicial, nas hipóteses de investigação criminal e instrução
processual penal.” (TJDF, AGI 8998/97. Rel. Des. Nívio
Gonçalves, julgado em 30.3.98).
Em vários julgados encontra-se ainda o entendimento de que as informações cadastrais possuem proteção constitucional, sendo abrangidos
pelo direito à intimidade ou ao sigilo de dados, os quais somente podem
ser violados com o crivo do Poder Judiciário:
CONSTITUCIONAL. INFORMAÇÕES CADASTRAIS DE
CARÁTER SIGILOSO. RECEITA FEDERAL, TELEBRASÍLIA E OUTROS. FUNÇÃO DO
PODER JUDICIÁRIO. 1.
Nenhuma lei autoriza que se obrigue a Receita Federal,
a Telebrasília ou quem quer que seja a fornecer os dados
cadastrais de que dispõem acerca de terceiros e que não
queiram ou não possam, sponte propria, divulgar. E a
garantia constitucional é no sentido de que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma senão em
virtude de lei. 2. Apenas por intermédio de um procedi45
mento próprio, onde reste demonstrada a necessidade e a
utilidade da prestação jurisdicional, de modo a evitar-se a
ameaça ou a lesão a direito da parte, por ato que esta não
deu causa, será lícito vencer-se a resistência dos detentores de informações indispensáveis à instrução processual. Não cabe ao Poder Judiciário assessorar quaisquer
das partes litigantes, mas apenas decidir a questão que
lhe for trazida. Agravo improvido. Unânime. (TJDF, AGI
736896-DF, 1ª Turma Cível, Rel. Des. Valter Xavier, DJ
18/06/97, pág. 13.134).
HABEAS CORPUS - AMEAÇA DE PRISÃO POR CRIME
DE DESOBEDIÊNCIA - EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES - REQUISIÇÃO DIRETA DO MP PARA QUEBRA
DE CADASTRAIS: COMPETÊNCIA SIGILO: DO DADOS
PODER JUDICIÁRIO - ORDEM CONCEDIDA. 1. O sigilo
dos dados cadastrais das empresas de telecomunicações,
como o sigilo bancário, tem proteção constitucional, só
podendo ser quebrado, para fins de investigação criminal,
por ordem expedida pelo Poder Judiciário. 2. Precedentes.
3. Habeas Corpus Concedido. 4. Peças liberadas pelo Relator em 17/09/2002 para publicação do acórdão. (Primeira
Região HC 01000289161 - DJ 26.09.2002 PG 178, Des.
Federal LUCIANO TOLENTINO AMARAL - TRF Primeira
Região)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CADASTRO DE
TELEFONIA MÓVEL. INFORMAÇÕES SOLICITADAS PELA
POLÍCIA MILITAR. SIGILO, ART. 5º, X A XII, DA CF/88.
ALCANCE. PRECEDENTES DO STJ. 1. É incontroverso
que os dados cadastrais dos usuários das operadoras estão
protegidos pela garantia do sigilo, nos termos do art. 5º,
X a XII, da CF/88 e 3º, VI e IX, da Lei 9.472/97, sigilo
esse que somente pode ser quebrado mediante intervenção judicial, nas hipóteses cabíveis. - Ora, a entrega dos
cadastros de todos os usuários dos apelantes ao Estado
de Santa Catarina, que os repassará à sua Polícia Militar,
implicará, por óbvio, a quebra do sigilo. - Realmente, essa
é a melhor exegese do art. 5º, X e XII da CF/88, a que
melhor atende à sua finalidade e ao próprio espírito da
Constituição, o que não deve ser desprezado pelo intér46
prete. (Tribunal Regional Federal da Quarta Região - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - MAS - 81758
Processo 2001170000360047 PR- Terceira Turma - DJU
05.02.2003, pág. 281 - Juiz Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz).
RHC - CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL PENAL - INFORMAÇÕES CADASTRAIS - SIGILO - Quando uma pessoa
celebra contrato especificamente com uma empresa e
fornece dados cadastrais, a idade, o salário, endereço. É
evidente que o faz a fim de atender às exigências do contratante. Contrata-se voluntariamente. Ninguém é compelido, é obrigado a ter aparelho telefônico tradicional ou
celular. Entretanto, aquelas informações são reservadas,
e aquilo que parece ou aparentemente é algo meramente
formal pode ter conseqüências seriíssimas; digamos, uma
pessoa, um homem, resolva presentear uma moça com
linha telefônica que esteja no seu nome. Não deseja,
principalmente se for casado, que isto venha a público.
Daí, é o próprio sistema da telefonia tradicional, quando
a pessoa celebra contrato, estabelece, como regra, que o
seu nome, seu endereço e o número constarão no catálogo; entretanto, se disser que não o deseja, a companhia
não pode, de modo algum, fornecer tais dados. Da mesma
maneira, temos cadastro nos bancos, entretanto, de uso
confidencial para aquela instituição, e não para ser levado
a conhecimento de terceiros. (STJ - Recurso Ordinário em
Habeas Corpus - RHC 8493 Processo 1999/0024439-7
SP - Sexta Turma - DJ 02.08.1999 - Relator Min. Luiz
Vicente Cernicchiaro).
4. Note-se que “(...) o sigilo bancário não se deve restringir às movimentações financeiras dos correntistas, mas
a todas as informações obtidas pelas instituições financeiras concernentes à sua atividade profissional ou à sua
vida pessoal. Destarte, o não atendimento pela paciente
da ordem emanada do Ministério Público encontra respaldo não só constitucional, com também no art. 38 da
Lei 4.595/64. Caso fosse sufragada posição no sentido
de que essas informações cadastrais não são alcançadas
pelo sigilo bancário, não se poderia esquecer que esta47
riam compreendidas na esfera da intimidade, afastando
qualquer devassa não autorizada pelo Poder Judiciário.”
(TRF1, HC 2000.01.00.017469-0/MT)
5.2. Julgados referentes a não abrangência dos dados cadastrais pelo
sigilo ou pelo direito à intimidade, bem como favoráveis à disponibilização
de dados cadastrais diretamente ao Ministério Público.
O Tribunal Federal 3ª Região, no julgamento dos Agravos de Instrumento
1466690 e 148261, cujas ementas seguem transcritas, entendeu que as
informações cadastrais de assinantes dos serviços telefônicos não
são dados sensíveis do indivíduo, devendo ser disponibilizados mediante
requisição do Ministério Público e para fins de instrução de inquéritos
civis e criminais.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SIGILO DE
DADOS. IDENTIFICAÇÃO DE USUÁRIOS DE TELEFONIA
CELULAR. DISPONIBILIZAÇÃO DE DADOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INSTRUÇÃO DE INQUÉRITOS
CIVIS E CRIMINAIS. CONSTITUCIONALIDADE.
1. A Constituição Federal assegura a proteção à honra, à
intimidade, à vida privada, bem como ao sigilo de dados,
ex vi do art. 5º, X, XI. Referidos dispositivos tutelam a
esfera íntima do indivíduo em suas relações pessoais e
sociais, como também os denominados dados e informações sensíveis da pessoa.
2. Os valores constitucionalmente tutelados não apresentam natureza absoluta, devendo ceder nos casos e situações em que a lei prevê, ou quando o próprio titular do
bem jurídico o divulga ou renuncia à proteção possibilitada pelo ordenamento.
3. Os dados relativos à identificação do usuário do aparelho celular referem-se tão somente à sua identificação
e endereço, não sendo, portanto, dados sensíveis do indivíduo, aos quais se possa impor a obrigação de sigilo por
parte da prestadora em face de requisição formulada pelo
Parquet, e, em especial, quando a conduta imputada ao
48
usuário do aparelho estiver sendo objeto de apuração em
inquérito civil ou criminal.
4. A Constituição Federal atribui ao Ministério Público a
função de zelar pela “defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Concomitantemente às diversas atribuições, o
art. 26, § 2º, da Lei n.º 8.625/93 prevê a responsabilização por eventual uso indevido das informações a que tem
acesso.
5. Legitimidade da requisição pelo Ministério Público
de documentos necessários à instrução de inquéritos e
demais procedimentos de sua competência. Precedentes
jurisprudenciais. (Tribunal Federal 3ª Região - Agravo de
Instrumento - AG 1466690 - Processo 2002.03.00.0031532 SP - Sexta Turma - DJ 15.07.2003 - Relator Des. Fed.
Mairan Maia)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. VIOLAÇÃO AO ART. 128 DO CPC. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. CADASTRO DE USUÁRIOS DE TELEFONIA
CELULAR. LEGALIDADE. LEI N.º 11.058/02.
COMPATIBILIDADE. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA MEDIDA.
1. Decisão restrita aos lindes do pedido formulado. Legalidade do direcionamento da tutela jurisdicional almejada pelo autor às partes efetivamente responsáveis pelo
seu cumprimento, pois, sendo o magistrado investido
de poder geral de cautela, lhe é facultada a adoção das
medidas que reputar adequadas à preservação do bem
jurídico perseguido.
2. Imprescindibilidade de identificação dos usuários de
telefonia móvel celular, visando à instrução de inquéritos
civis e criminais, a qual não implica violação ao sigilo de
dados assegurado constitucionalmente, posto não envolver informações sensíveis do indivíduo, às quais se possa
impor a obrigação de sigilo por parte das prestadoras.
3. Inexistência de conflito entre a decisão agravada e
a Lei n.º 11.058/02 que veio a regular a matéria posteriormente. A Lei aplica-se a todos indistintamente. No
entanto, na existência de litígio, a decisão judicial faz lei
entre as partes, à qual devem se curvar, mormente quando
49
não verificada qualquer incompatibilidade com o texto
legal. (Tribunal Federal 3ª Região - Agravo de Instrumento
- AG 148261 - Processo 2002.03.00.004877-5 SP - Sexta
Turma - DJ 15.07.2003 - Relator Des. Fed. Mairan Maia).
No tocante às atribuições do Ministério Público, importante ressaltar
que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado
de Segurança 21729, decidiu pela legitimidade do Parquet para solicitar
documentos e informações sobre clientes bancários, não cabendo a alegação de sigilo para negativa de atendimento da requisição.
MANDADO DE SEGURANÇA - MS 21729 / DF. Tribunal
Pleno. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento:
05/10/1995. Publicação: DJ 19-10-2001 PP-00033
EMENTA: - Mandado de Segurança. Sigilo bancário.
Instituição financeira executora de política creditícia e
financeira do Governo Federal. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentos
destinados a instruir procedimentos administrativos de
sua competência. 2. Solicitação de informações, pelo
Ministério Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre
concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro
Nacional, com base em plano de governo, a empresas do
setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante
de não poder informar os beneficiários dos aludidos
empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário,
previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e, ainda, ao
entendimento de que dirigente do Banco do Brasil
S/A não é autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº
75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a
garantia do sigilo bancário não se estende às atividades
ilícitas. A ordem jurídica confere explicitamente poderes
amplos de investigação ao Ministério Público - art. 129,
incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993. 5.
Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público,
informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos
concedidos pela instituição, com recursos subsidiados
pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em
se tratando de requisição de informações e documentos
para instruir procedimento administrativo instaurado em
50
defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade,
ut art. 37 da Constituição. (...) 7. Mandado de segurança
indeferido.
5.3. Considerações
Da análise dos julgados acima transcritos, depreende-se que a jurisprudência é dominante no sentido de se incluir as informações cadastrais
dentre a proteção constitucional do direito à intimidade (art. 5º, X, CF) e
do sigilo de dados (art. 5º, XII, CF), condicionando-se sua disponibilização à existência de autorização judicial.
51
CONCLUSÃO
Os dados cadastrais dos assinantes do STFC, detidos pelas prestadoras
em função da relação de consumo estabelecida entre as partes, estão
estreitamente ligados aos conceitos de intimidade e privacidade. Desse
modo, considera-se que tais informações encontram proteção no art. 5°,
X, da Constituição Federal. Outrossim, tendo em vista a redação abrangente conferida ao texto do art. 5°, XII, da Carta Magna, pode-se afirmar
que os dados cadastrais dos assinantes também estão abrangidos pelo
sigilo de dados.
Na linha da proteção constitucional, tanto a Lei Geral de Telecomunicações como a regulamentação editada pela Anatel expressamente protegem a inviolabilidade da comunicação; a não divulgação do código de
acesso, se assim requerido pelo usuário; a privacidade nos documentos
de cobrança e na utilização dos dados pessoais do usuário.
A regulamentação de telecomunicações prevê que a prestadora do STFC
na modalidade local fornecerá os dados constantes da relação de assinantes: a) a qualquer pessoa física ou jurídica interessada na divulgaçbão de listas de assinantes (divulgadora); b) às prestadoras de serviços
de interesse coletivo com as quais possua interconexão de redes; c) aos
assinantes ou usuários, através da distribuição gratuita da LTOG e do
serviço de auxílio à lista.
As possibilidades de disponibilização dos dados cadastrais restringem-se
ao nome, endereço e código de acesso do assinante, a não ser que exista
autorização expressa do titular da linha para a divulgação de outras
informações pessoais. Ainda, a regulamentação assegura, sempre, a privacidade de todas as informações pessoais do assinante, o qual tem o
direito de solicitar a não divulgação de seu código de acesso.
Cabe ressaltar que, apesar do disposto no art. 25, caput e § 3º do Regulamento do STFC, considera-se inexistir sigilo quando o nome, endereço
e código de acesso do originador da chamada são informados ao seu
destinatário, visto tratar-se de parte na ligação, possuindo legitimidade
para identificar o assinante chamador.
53
Verifica-se, ainda, que os direitos e garantias fundamentais, dentre eles
os relacionados à intimidade e ao sigilo de dados, não são ilimitados
nem absolutos, podendo ser excepcionalmente violados, desde que haja
autorização judicial ou determinação das Comissões Parlamentares de
Inquérito, não sendo o Ministério Público ou as autoridades policiais
competentes para determinar, diretamente, a quebra do sigilo de dados.
Quanto aos pedidos de fornecimento dos dados cadastrais de assinantes
do STFC, encaminhados pelo Ministério Público e autoridades policiais
sem autorização judicial, conclui-se pela viabilidade de disponibilização,
pelas prestadoras do serviço, das informações já divulgadas através da
lista telefônica, uma vez que o assinante permite que seus nome, endereço e código de acesso sejam difundidos ao público em geral.
Entretanto, em se tratando de solicitação referente a assinante que
requereu a não divulgação de seu código de acesso, ou de requisição de
dados diversos daqueles constantes da lista telefônica, faz-se necessária
a obtenção, pelos interessados, de ordem judicial, inexistindo a possibilidade de fornecimento de tais informações diretamente ao Ministério Público e às autoridades policiais sem a apresentação da referida
ordem.
54
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