Ana Paula Salheb Alves RA:015453 Carolina dos Anjos Obata Cláudia Oliveira Souza RA:015655 RA015718 Cristina Balbão Berno RA 959037 Karina Maria Zylewicz dos Santos RA 001938 Cotas para negros nas universidades públicas Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Educação Graduação em Pedagogia Junho de 2003 Sumário Introdução .......................................................................... 02 Quadro teórico ................................................................... 05 Metodologia ....................................................................... 05 Instrumentos ...................................................................... 05 Coleta de dados .................................................................. 05 Contextualizando o negro na sociedade brasileira...............06 Argumentos a favor das cotas ............................................ 07 Argumentos contra as cotas ................................................ 16 Cotas para negros nas universidade públicas: é justo?........ 23 Análise dos dados coletados ............................................... 26 Considerações finais............................................................ 32 Referências Bibliográficas .................................................. 34 2 Introdução Esta pesquisa está baseada no primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no qual consta que “ todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem proceder uns em relação aos outros com espírito de fraternidade”. Mas a realidade brasileira apresenta-se de forma diferente , principalmente quando enfocamos algum grupo racial como, por exemplo, os negros. Eles representam 45% da população do país, contudo somam apenas 2% da população universitária, enquanto os brancos e amarelos representam 54% da população e detêm 98% das atuais vagas do ensino superior. Então, com o objetivo de mudar este quadro constrangedor começam a surgir políticas ou ações afirmativas para os negros . Essas ações podem ser medidas públicas (governamentais) ou privadas - que podem ter o caráter temporário - que visam eliminar desigualdades históricas, de grupos, visando a igualdade de oportunidades e evitando assim, a continuidade de situações desvantajosas em alguns setores, como no da educação. Através de ações afirmativas é dado um tratamento diferenciado para propiciar melhores condições de competição. Em síntese, as ações afirmativas para os negros visam combater os efeitos do racismo que não permitem o acesso à cidadania, promove exclusões e desvantagens. Para isso, a ação política é fundamental, como também recursos para adoção de medidas em várias áreas, principalmente naquelas em que o racismo é mais feroz e excludente, como na educação, mercado de trabalho, saúde etc. 1 Na esteira da nova onda, e inspirados na Ação Afirmativa da sociedade norte-americana, os políticos fluminenses resolveram fazer sua parte para dar um basta na discriminação racial. Para tal, os mesmos aprovaram a Lei Estadual Ordinária n.º 3.708 de 09 de novembro de 2001, que, destina quarenta por cento das vagas nos cursos do ensino superior estadual aos negros e pardos, in verbis: 1 http://www.tv.ufba.br/ 3 "Art. 1º – Fica estabelecida a cota mínima de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF. Parágrafo único – Nesta cota mínima incluídos também os negros e pardos beneficiados pela Lei nº 3524/2000. Art. 2º – O Poder Executivo regulamentará a presente Lei no prazo de 30 (trinta) dias de sua publicação. Art. 3º – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 09 de novembro de 2001. Anthony Garotinho - Governador". 2 Na Bahia, foi tomada iniciativa semelhante. A Universidade Estadual da Bahia ( UNEB) também destina 40% das vagas para negros e pardos, diferindo apenas no fato de que os negros e pardo sejam oriundos de escolas públicas. A partir daí surge o seguinte problema da pesquisa: Há justiça no estabelecimento das cotas para negros nas universidades públicas? O objetivo deste trabalho é verificar os motivos pelos quais as pessoas que são mais afetadas por essa política , ou seja, os estudantes de cursos preparatórios para o vestibular e estudantes do ensino médio de escolas públicas, da Região Metropolitana de Campinas ( RMC ) são contra ou a favor das cotas para negros, e também fazer uma breve análise se a condição sócio-econômica dos estudantes influenciam na sua decisão. A hipótese levantada pelo grupo foi que os alunos com um nível sócio - econômico mais elevado fosse contra o estabelecimento das cotas e os menos favorecidos, a favor. 2 http://www1.jus.com.br/doutrina/ 4 Quadro Teórico As fontes bibliográficas da pesquisa foram extraídas principalmente na internet, como artigos e opiniões de vários críticos, pois por ser um assunto recente, não havia muitos livros sobre o tema. Outras fontes tiveram grandes contribuições, como revistas e dissertações de mestrado, as quais complementaram os aspectos históricos e a atual situação dos negros no país. Metodologia Para que a pesquisa fosse realizada de maneira satisfatória, a metodologia empregada foi de caráter quantitativo e qualitativo, isto é, multimétodo. Dentro da abordagem qualitativa, foi utilizado a pesquisa bibliográfica, a fim de contextualizar historicamente o negro na sociedade brasileira. Utilizou-se também a pesquisa documental, como a Declaração Universal do Direitos Humanos e a Constituição Federal Brasileira. Instrumentos O instrumento para a coleta dos dados foi principalmente o questionário aberto para os cursinhos e o questionário aberto e fechado , aplicado nas escolas públicas. Além de uma entrevista semi-estruturada com a Professora Doutora Ângela Soligo. Coleta de dados O critério para a escolha dos sujeitos foi selecionar um perfil de pessoas de diferentes níveis sócio-econômicos que seriam mais afetadas por essa ação afirmativa das cotas . Assim, foram aplicados o questionário nos seguintes cursos preparatórios para o vestibular : Anglo Campinas, unidade Castelo; Cooperativa do Saber e o Cursinho da Moradia, todos situados na cidade de Campinas, interior de São Paulo. Também responderam ao questionário os alunos do terceiro ano do 5 Ensino Médio das seguintes escolas públicas: Elvira Pardo Meo Muraro, situada na periferia de Campinas e Joana Aguirre Marins Peixoto, periferia de Monte Mor. Responderam ao questionário um total de 186 estudantes. A seguir, após uma breve análise histórica explicitaremos os principais argumentos a favor e contra as cotas para negros nas universidades públicas. Contextualizando o negro na sociedade brasileira A sociedade brasileira tem muita dificuldade para assumir o fato de que o Brasil é um país no qual há discriminação, pois o preconceito no Brasil é velado. Isso se torna evidente ao observar os resultados de uma pesquisa realizada na Universidade de São Paulo, na qual 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito racial, porém 98% disseram que conhecem pessoas que tem preconceito e, geralmente, citavam pessoas bem próximas a elas, como familiares ou amigos. Uma outra pesquisa realizada pela Folha de São Paulo constatou que 89% dos brasileiros reconhecem que há preconceito com o negro no Brasil, mas somente 10% admitem tê-lo. Todavia, 87% dos entrevistados revelaram de maneira indireta, ter preconceito ao concordarem com frases de conteúdos racistas. Desta maneira, comprova-se que ninguém nega que exista racismo no Brasil, mas sua prática é sempre atribuída a “outro” (Soligo, 2001). Pois a discriminação no país se esconde por trás de uma suposta garantia da universalidade e da igualdade de leis, e o racismo só é afirmado na intimidade (Santos,2002). Contudo, não são necessárias profundas análises para verificar que as origens dessas desigualdades não são contemporâneas, mas foram sendo construídas ao longo dos séculos. A história do negro no Brasil inicia-se com o escravismo. Consta nos primeiros registros que a entrada de negros no país ocorreu em 1501. Com o advento da cana de açúcar, algodão, fumo, entre outros, a importação de escravos intensifica-se de tal maneira, que o Brasil tornou-se o 6 país que mais importou escravos. Foram 4 milhões de africanos, o que representou 40 % do total de negros raptados pelo escravismo colonial (Soligo,2001). Após a escravidão, não houve políticas públicas que “compensasse” os efeitos danosos de sofrimento e humilhação provenientes da escravidão. Assim , a aclamada “libertação dos escravos” não os levou a uma cidadania plena, tampouco alterou a sua situação sócio- econômica. Nesta época, ocorria a implementação das lavouras de café e o início da industrialização e concentração urbana no Brasil. O negro passa a ocupar as camadas inferiores e marginais da sociedade, pois o imigrantes chegavam em grande número e estavam, de fato, mais preparados para o trabalho assalariado do que os ex-escravos. Isso causou grande impacto social, porque o número de negros libertos representavam 5% da população, o que nos dias de hoje seria o equivalente a 8,5 milhões de pessoas colocadas de uma só vez no olho da rua ( Santos,2002). Portanto, essa situação anulou todas as condições de competir com o imigrante europeu e também a iniciativa de prosperar e lutar por um lugar decente na sociedade. E lugar decente são coisas simples, como oportunidade de trabalho e de capacitação, moradia, assistência à saúde e respeito. Enfim, tudo aquilo que ainda hoje não se tem ( Santos, 2002). Evidencia-se que o negro não teve como se integrar ao sistema produtivo e se beneficiar com as suas vantagens que vinham com a indústria capitalista e a sociedade de classes, ocupando sempre os estratos mais baixos da escala social. A pobreza material vai refletir na desagregação da família negra, nas condutas marginais e inadequadas à nova ordem social. Ainda nesse contexto, surge no século XIX, teorias raciais que tinham por fundamento uma ciência positivista e determinista, a qual pretendia explicar com objetividade, fazendo referências ao cérebro e as características físicas para justificar a diferença entre os grupos raciais. Desse modo, eliminava qualquer possibilidade do exercício da cidadania ao “comprovar cientificamente” a diferença biológica entre os homens, baseados em 7 teorias darwinistas e higienistas. Essa tendência foi chamada de racismo científico. E é nesse panorama que a identidade do negro vai se construindo, a partir de experiências e referenciais negativos da sociedade. Pela imposição de padrões brancos da cultura dominante. Tratando da imagem do negro na propaganda, constatou-se que este aparece subrepresentado e diminuído como consumidores ( Soligo,2001). E a publicidade tende a reproduzir os estereótipos presentes na sociedade, que colocam o negro como trabalhadores desqualificados ou como objeto de consumo. Nas telenovelas, fortalece o mito da democracia racial, do racismo velado e reforça o imaginário de servidão e inferioridade do negro na sociedade brasileira. “ Eles estão na televisão, só como jogadores de futebol, como atores desempenhando papéis secundários, como dançarinos do carnaval. Nem estão no avião. Nem na Câmara de Deputados. Nem na aula. Nem nos jornais. Nem no governo” ( Ojo-Ade, 1999). O “ideal de branqueamento” faz a identidade negra se fragmentar. E esse ideal também está sendo refletido nas escolas, a qual transmite a cultura herdada da herança européia. Desta maneira, tende a manter a estratificação social, a perpetuar os padrões brancos e excluir os seguimentos minoritários, como os negros. A produção do fracasso escolar da criança negra começa nas características das escolas às quais as crianças se destinam. Por pertencerem geralmente as camadas desfavorecidas da sociedade, acabam freqüentando as escolas mais pobres, com piores condições materiais e financeiras. Além disso, no decorrer da vida escolar, múltiplos fatores interferem na trajetória da criança negra, como o currículo, o qual é baseado no modelo europeu; o livro didático, no qual a história do negro é representada apenas na época da escravidão. Na história da sociedade contemporânea, eles aparecem em profissões desqualificadas, as mulheres negras como empregada doméstica e a cultura negra é vista como folclore ( Soligo, 2001). 8 Ainda, ao analisar as relações dentro da sala de aula, nota-se que há uma prática discriminatória na sala de aula, a qual também interfere no desempenho escolar. Pois o professor não está preparado para lidar com a questão racial na sala de aula. Nesse contexto vai se configurando a identidade étnica das crianças negras, e também elas vão descobrindo os rótulos e atitudes discriminatórias atribuídas ao seu grupo racial. E é com o objetivo de intervir nessa situação que são criadas as Cotas para Negros nas Universidades Públicas. Argumentos a favor das cotas para negros nas universidades De acordo com a pesquisa do IBGE 2000, a população de negros (pretos e pardos) no Brasil, é de cerca de 45,3% da população total. Na pesquisa de Munanga (2003), foi constatado que há grande injustiça com referência ao preenchimento das vagas das universidades, visto que 97% delas são ocupadas por pessoas brancas. Para tentar resolver esta questão, se criou o sistema de reserva de vagas na universidade, que tem como principio incluir os excluídos. Este sistema poderá aos poucos auxiliar a população negra a melhorar suas condições de vida. Tendo como base o fundamento meritocrático de ingresso, o vestibular também apresenta uma grande falha, já que o conceito da meritocracia não funciona numa sociedade em que não há igualdade de oportunidades. Tal pressuposto, é firmemente defendido principalmente pela classe média (composta predominantemente de brancos), que atribui a ele a grande possibilidade de ascensão social. Como se pode perceber que em geral é nas universidades que são formadas as pessoas que estão no poder, pode se deduzir o caráter mantenedor de interesses do status quo e do quadro político do país. Para chegar ao final do ensino médio os negros no Brasil enfrentam muito mais obstáculos que os brancos, pois apenas 3% da população negra chega o fim do ensino médio, enquanto a taxa dos brancos é de 13%.(Tragtenberg, 2003) De 9 22 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza, 70% são negros; de 53 milhões de brasileiros na pobreza, 63% são negros (Munanga, 2003); É fato que existem cotas para deficientes físicos no trabalho e nas universidades públicas de 10% das vagas há dez anos, os idosos têm passagem de ônibus gratuita, os jovens têm o programa do primeiro emprego, houve cotas para mulheres em partidos políticos, mas, quando se fala em cotas para negros há toda uma polêmica. Por que será ? Se se admite que existe e já existiu muito mais fortemente um preconceito contra mulheres, por que até hoje a maioria dos brasileiros não admite que existe no Brasil o preconceito contra o negro? Esta não admissão do preconceito é chamada de mito da democracia racial, racismo à brasileira, racismo simbólico ou ainda racismo cordial. As políticas de ação afirmativa já foram implantadas em diversos países, como os Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Índia, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia. No primeiro país citado, as cotas para negros nas universidades não diminuiu a discriminação em relação aos negros mas proporcionou uma mobilidade social que nunca antes havia ocorrido, e demonstrou ser um instrumento veloz de transformação, sobretudo no setor sócio-econômico, contribuindo para aumentar a classe média negra. As pesquisas mostram que na educação, por exemplo, mantidos os mesmos níveis de renda, crianças negras têm uma trajetória escolar mais precária e acidentada que as crianças brancas (Rosemberg, 1991, apud Queiroz, 2002). Também revelam que no cotidiano escolar, crianças brancas e negras recebem tratamento afetivo diferenciado. (Cavalleiro, 2002, apud Queiroz, 2002) Pode também ser observado que em relação ao cotidiano das relações sociais, com não rara freqüência, ao negro é dispensado um tratamento inferiorizante e ofensivo, mesmo quando dispõe de condição econômica elevada. No ensino superior, mesmo nos estados onde são a maioria da população, os negros estão representados em proporções mais reduzidas que brancos da mesma condição econômica. (Queiroz, 2002, apud Queiroz, 2002). Foi analisado também o mercado de trabalho, onde negros, com a mesma escolaridade, estão 10 em postos de trabalho inferiores aos dos brancos. (Santos, 2001, apud Queiroz, 2002) Segundo a reitora da UERJ, Milceia Freire, a primeira fase da prova do vestibular é um exame de qualificação, e ser aprovado nele significa que se tem a capacidade para resolver as questões propostas. Isso não significa, entretanto, que o aluno não tenha dificuldades, mas estas seriam caracterizadas pela falta de conteúdo, pela falta de informação, e não por uma dificuldade de aprendizagem. Na Universidade Federal da Bahia, segundo Queiroz, muitos negros têm nota superior à mínima exigida para ingressar na universidade. Porém, não são classificados porque não há vagas suficientes mas é sabido que poderiam preencher qualificadamente a reserva de vagas. A questão de falta de conteúdo que por ventura venham a ter, poderá ser solucionada ou amenizada com um acompanhamento pedagógico. As universidades, mais que qualquer outra instituição, têm recursos capazes de remediar as lacunas dos estudantes pobres e negros que apresentem defasagem de conteúdo, através de uma formação complementar. Conforme encontrado na pesquisa de Munanga (2003) e Soligo (2001), os negros já são discriminados na sociedade e na universidade pública. Contudo, tal fato não poderia ser um impeditivo para que os negros freqüentem a universidade pública. Nos Estados Unidos, onde o racismo é tradicional e não simbólico, notase que os afrodescendentes não deixam de frequentar a universidade ainda que sofram com o intenso preconceito. A universidade pública terá que ser um espaço garantido apesar da discriminação. Fazendo- se ser reconhecido o domínio de conhecimento que conseguirão ao cursar os cursos superiores, os cotistas poderão se impor mais eficazmente na sociedade, aumentar sua auto estima, e até mesmo ter mais chances de concorrer no mercado, nos concursos públicos, etc. Há quem defenda as cotas para estudantes oriundos de escola pública ou para alunos pobres, pois se os negros são a maioria da população pobre no Brasil eles entrarão na universidade. 11 É importante lembrar que os negros pobres são duplamente discriminados, uma vez por serem pobres e outra por serem negros. Negros pobres e brancos pobres não estão em pé de igualdade, e por isso não se deve compará-los. Há uma dívida histórica da sociedade brasileira em relação à população negra no Brasil, pois ao deixar de ser escrava e tornar-se trabalhadora livre, não houve nenhuma política de integração desta fatia da sociedade. Nesse sentido, a inserção do negro na sociedade não elimina sua condição de inferioridade social, nem as crenças nessa inferioridade.(Soligo, 2001) Nossa dívida é em relação à população negra brasileira, não importando se hoje ela é de classe social baixa, média ou alta, porque este povo sofreu e até hoje sofre com o racismo simbólico no Brasil. Independentemente da classe social dos negros, a existência de mais professores, advogados, engenheiros, médicos negros proporcionará uma maior perspectiva de vida, principalmente às crianças negras e ajudará numa construção positiva de sua identidade. “Negro também pode ser bom no que faz, sem ser cantor de pagode ou jogador de futebol...” (Tragtenberg, 2003). Para a construção positiva da identidade da criança negra, se faz necessária a veiculação da imagem de negros pela mídia não em papéis pejorativos, os quais contribuem para a legitimação das relações sociais preconceituosas que ocorrem na sociedade. “Ainda que tenha um nível sócio-econômico razoável, conseguiria através do dinheiro não ser discriminado na escola por seu professor branco, que não aprendeu a lidar com a diversidade na sala de aula, que não tem uma formação anti-racista, e por seus colegas de classe brancos? Como superar o fato de que ele intervém menos nas aulas, participa menos e recebe menor atenção de seu professor, já que a escola onde ele estuda é ocupada predominantemente por brancos e que o tratam de modo discriminatório? Como superar através do dinheiro sua baixa auto-estima (autodesvalorização, fruto do racismo simbólico) por não se sentir aceito numa sociedade em que os modelos de beleza, de conduta, são brancos, e por se desviar deste padrão? Para que se evite, entretanto, que entrem na universidade uma maioria de negros de classe média, já 12 que a maioria dos negros no Brasil é sabidamente pobre, é necessário um forte investimento na área social” (Tragtenberg , 2003). Vale ressaltar que uma cota não exclui a possibilidade da existência de outra. Os movimentos negros que reivindicam este sistema, nunca foram contrários à existência de outras cotas, pois acreditam que todos os grupos excluídos devem ser incluídos. Uma transformação radical das prioridades sociais, por sua vez, poderia permitir também que a maioria dos brancos que freqüentam a universidade não sejam de classe média, tal como ocorre hoje. Na pior das hipóteses, se não houver uma transformação ou investimentos fortes na área social , o máximo que poderá ocorrer será o que se vê hoje com relação aos brancos, ou seja, uma predominância dos indivíduos de classe média na universidade. Exemplo interessante da implantação de cotas é o da UERJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em que a cota para negros de 40% é inicialmente aplicada entre negros de escola pública. Não completando a porcentagem, a quota é aplicada entre os demais negros. As desigualdades raciais têm relativa autonomia em relação à exploração de classe. Elas se iniciaram antes de o capitalismo industrial se estruturar, através de relações escravistas em que os senhores de escravos e capatazes (brancos) se apropriavam da riqueza, e os escravos (negros) eram brutalmente explorados. O advento do capitalismo industrial, essa relação assimétrica, que envolvia riqueza e cor se espalhou com o tempo para todas as classes sociais. “Em outras palavras, não é somente o negro pobre quem sofre perseguição policial, maus- tratos em lojas, discriminação no trabalho e na escola e xingamentos gratuitos . Portanto, o racismo começou com os negros pobres e se espalhou para todas as classes sociais. Desde a humilhação por parte da polícia, que fez o presidente do Suriname ter que se deitar no solo para ser revistado, até o estranhamento que professores universitários experimentam com seus alunos. Não se deve esperar, como no caso do machismo em relação às mulheres, que uma sociedade por ventura sem classes elimine o racismo que funciona como agente gerador de desigualdades” (Tragtenberg, 2003). 13 Enquanto durar o racismo cordial é recomendável, ao menos, que um cidadão não seja impedido de ocupar determinadas posições sociais em virtude de sua origem étnica ou racial (Praxedes e Praxedes, 2003). Dizer simplesmente que implantar cotas é uma injustiça, sem propor alternativas a curto, médio e longo prazo é uma maneira de fugir de uma questão vital para mais de setenta milhões de brasileiros de ascendência africana. É uma maneira de reiterar o mito da democracia racial. Trata-se de querer remeter o início da solução do problema a um futuro longínquo.(Munanga, 2003) Pesquisas na área educacional nas últimas três décadas mostram que o preconceito racial está presente tanto nos aspectos formais como no currículo e no livro didático, bem como nas relações sociais estabelecidas na escola. Assim, salientam que o preconceito contra negros dificulta e impede o sucesso do sujeito negro no interior das escolas. (Bem, 1993; Moro, 1993; Rosemberg, 1996; Aquino, 1998, apud Soligo, 2001) É fundamental o papel da escola na constituição da identidade negra e perpetuação da cultura racista. Numa pesquisa sobre atitudes de professoras brancas em relação a crianças brancas e negras, (Soligo, 1996, apud Soligo, 2001) constatou-se que para as professoras, os meninos brancos são indisciplinados, porém são inteligentes e bonitos; as meninas brancas são esforçadas e bonitas; os meninos negors não aprendem, mas são disciplinados, e as meninas pardas e negras carregam todos os estereótipos negativos relativos à aprendizagem, conduta e aparência física. O princípio das cotas é a igualdade de oportunidades, que não existe no Brasil devido ao passado histórico altamente diferenciado entre negros e brancos, que compõem a enorme maioria da população brasileira. Também, à falta de ações afirmativas em relação ao povo negro desde o final da escravidão. O fato é que há pouquíssimos negros nas universidades públicas em relação à totalidade do povo negro no Brasil e em relação aos brancos na universidade pública (97%) e há um motivo que não é o de falta de capacidade ou inteligência. Muitos negros são contrários porque acham que os brancos lhe estariam fazendo um favor. Ora, não se trata de favor mas de uma obrigação na direção da melhora da situação 14 do negro no Brasil, na direção de colocá-lo na situação em que estaria se não houvesse ocorrido a escravidão(Queiroz, 2003). Até quando se terá que esperar que o ensino público melhore, já que se fala numa crise do ensino público há quatro décadas. Até quando se terá que esperar que a discriminação diminua para que o negro possa ingressar na universidade pública ? Até quando ele terá que pagar por um erro histórico da sociedade brasileira? O candidato branco teria que ainda mais pois seria o que ocorreria se um negro tivesse condições e igualdade de oportunidades para competir com um branco. Até antes da implantação das cotas, nesse sentido, poderia se falar na existência de uma cota para brancos pois eles não têm com quem competir a não ser com os próprios brancos, já que como citado antes, há 97% de brancos nas universidades públicas e no máximo 54,7% de brancos na população em geral e certamente não se trata de os negros serem menos inteligentes ou capazes. Segundo Praxedes e Praxedes (2003), o portador do mérito vence a competição pelas posições mais vantajosas no sistema sócio- econômico. Essa é a ideologia que anima as chamadas classes médias a uma busca sem limites da ascensão social. A ideologia do mérito encobre a existência de mecanismos discriminatórios, irracionais e, muitas vezes, inconscientes, que dificultam o acesso às oportunidades de melhoria de vida aos negros. A problemática de como se manterão os cotistas sem boas condições financeiras na universidade, traz à tona a questão de auxílio também aos brancos pobres. O problema seria então muitos pobres na universidade ou o fato dela nunca ter se preocupado com os pobres que lá estão? Essa é uma questão que é realmente importante, e o que se deverá fazer será a cobrança por parte das universidades e do movimento estudantil para a obtenção de recursos. Tal fato, entretanto, não deve ser impeditivo para a implantação da política de cotas pois, na pior das hipóteses, aqueles que realmente não tiverem como se manter terão que deixar a universidade. Contrapondo a idéia que algumas pessoas tem de que as ações afirmativas afrontam a igualdade das pessoas perante a lei, e que as cotas poderiam 15 prejudicar a imagem profissional dos negros no mercado de trabalho, já que eles serão sempre acusados de ter entrado por uma porta diferente; poderiam prejudicar o orgulho e a dignidade da população negra, podem ser feitos alguns comentários de fundamental importância. Ora, a igualdade formal é um preceito liberal pregado pela Revolução Francesa. A eqüidade entre os indivíduos, ou a real igualdade, no sentido racial ou étnico, entretanto, não acontece no Brasil, Cuba, Estados Unidos e em muitos outros casos. Não é à toa que são os neo-liberais que lutam pelo fim das ações afirmativas nos Estados Unidos, ou seja, pregam a igualdade formal e encobrem com esta a inexistência da igualdade real. (Munanga, 2003) “Desde quando a reparação de danos causados por quatro século de discriminação prejudica a dignidade e o orgulho de uma população? Os judeus têm vergonha em reivindicar a indenização das vítimas do holocausto?” (Munanga 2003, p. 51) Seguem então, algumas considerações e propostas para um melhor funcionamento do sistema de cotas nas universidades: Deveria haver critérios para identificar negros, pardos e afro-descendentes. (Isso é o que propõe, por exemplo, o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, a fim de que se evite fraudes). Outros, como Carvalho (2003), propõem que as cotas sejam apenas para negros e não para afro- descendentes para impedir que pessoas que não têm traços negros e nunca foram discriminadas se utilizem das cotas, já que estamos num país em que o preconceito é de marca e não de origem. Vale lembrar que os favoráveis ao sistema de reserva de vagas esclarecem também que as cotas por si só não resolverão os problemas das desigualdades raciais e sociais. Deveria haver também uma campanha de conscientização da sociedade para a promoção da diminuição do preconceito e da discriminação. 16 Propõe-se principalmente a ampliação e melhoria dos ensinos fundamental, médio e superior, e em exercício, professores com uma formação anti-racista. Propõe-se a valorização da cultura negra na escola e na sociedade. “É proposta uma revisão curricular, que deve incluir o questionamento das condições históricas e políticas em que se estabeleceram as diferenças , indo além de uma falsa inserção de características superficiais da etnia negra.” (Silva, 2000) Defende-se o aumento de vagas nas universidades públicas; assistência estudantil com bolsas de manutenção; alojamento gratuito; melhor atendimento de saúde; financiamento habitacional; criação de empregos; apoio aos cursos prévestibulares. ARGUMENTOS CONTRA AS COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES “Pedro, 18 anos de idade, negro, morador de bairro suburbano, estudou sempre em escola pública; Carlos, 17 anos, branco, é amigo de Pedro e está na mesma situação social. Ambos não conseguiram entrar em uma universidade gratuita. Porém, graças a uma nova proposta de lei, o primeiro estudante poderá conseguir o que almeja e o segundo não. A iniciativa partiu do Ministro da Educação, Paulo Renato Sousa, que quer criar uma cota de vagas nas universidades públicas para estudantes negros. Segundo o Ministério da Educação, tais cotas foram propostas para diminuir a falta de oportunidades aos negros brasileiros. Como a carência de recursos financeiros da população negra é uma questão histórica, o governo deve cuidar para que esse quadro se modifique. Em contrapartida, há pessoas que se contrapõem a essa idéia. Para estes, tal medida reforça o preconceito já existente na sociedade brasileira. Os estudantes negros entrariam na universidade por sua cor e não pela sua capacidade intelectual. 17 Essa criação de cotas não apenas reforça o preconceito como também ajuda o processo de sucateamento do ensino superior público. Não são apenas os estudantes negros que necessitam de vagas nas universidades, mas também uma grande massa de brasileiros de diversas origens sociais. A principal questão não é a falta de espaço para os negros no ensino superior público, e sim, a qualidade das escolas de primeiro e segundo graus. Pessoas que não possuem uma boa formação escolar, mesmo que tenham vagas garantidas nas universidades, não terão um bom aproveitamento em seu curso superior. Contudo, podemos chegar a uma conclusão óbvia. A solução para o problema parte de dois caminhos: uma completa reforma no sistema público de ensino e, após isso, a criação de mais vagas em universidades estaduais e federais para todos os estudantes. “ Rafael Gorni Felício O modelo de reserva de vagas fere o Art.5 da Constituição Federal Brasileira: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” . De acordo com este artigo, pode ser entendido que todos devem ser tratados igualmente, ‘sem distinção de qualquer natureza’, o que inclui a distinção racial. Como explicitado no discurso do estudante Rafael Felício, a cor da pele não define a capacidade intelectual das pessoas. Todos podem ser bem sucedidos caso tenham acesso a um ensino fundamental e médio de qualidade, independente da raça. “ Sou negro. Tenho 29 anos. aos 9 anos fui vítima de trabalho escravo em fazendas de café, laranja e granjas, nesta última como carregador de esterco de galinha. Aos 15 anos tomei uma decisão: fui à luta, terminei o colegial, aprendi inglês, estudei muito mais, li jornais, prestei fuvest em 1997 e passei na primeira fase do curso de Letras da UFSCAR. Não precisei de cotas; 18 precisei de livros. Por que deveriam meus irmãos receber esmola e caridade das mãos daqueles que não conhecem nossa capacidade? Por que deveriamos expor nossos irmãos ao opróbio público? Por que deveríamos nos importar com a cor da pele quando o mal está no social e não no campo étnico?” Não são negros aqueles que estão marginalizados sendo os mesmos brancos, japoneses, milhões de mestiços espalhados em todo o Brasil? Não deveríamos formar professores melhores para atuarem no 2º grau e prepararem a todos sem exceção para que tenham orgulho ao entrar na universidade? Não diz a constituição que todos têm os mesmos direitos? Vivemos em um país capitalista e muitos tiram proveito disso. Devemos culpar os não-negros pelos séculos em que nossos antepassados foram escravizados? E como ficam os índios? E como ficam os italianos que foram enganados ao vir para o Brasil e sofreram preconceito nos anos 20? Resumindo: Cotas para negros apenas abre precedentes para uma desculpa ainda maior: o verdadeiro estabelecimento do negro em um século onde seus direitos ainda são conseguidos à duras penas mas que pode estar em risco, pois assinamos um acordo que permite criar cotas em outros campos da sociedade.” Roosevelt Carlos de Oliveira Universidade Federal de São Carlos O Brasil é um país mestiço e não multirracial. Sendo o critério utilizado para ingresso no sistema de reserva de vagas, a auto- declaração, muitos candidatos se declaram negros ou pardos apenas para se beneficiarem desse sistema. Dois problemas surgiram com a aplicação da lei: 1. a dificuldade de se definir objetivamente os critérios para raça e cor; 2.o sentimento de injustiça dos alunos que tiveram pontuação mais altas do que os afro-descendentes e que, mesmo assim, por causa das cotas, não ingressaram nas universidades públicas. 19 Muitas pessoas tentam justificar seu posicionamento contrário a este tipo de medidas afirmando que “o pensamento sobre políticas de cotas e, especificamente, políticas de ação afirmativa, tem aspiração no pensamento dos Estados Unidos e, por esta mesma razão, devia nos preocupar seriamente a “importação acrítica” de idéias e políticas pensadas e implementadas em contextos fora da nossa realidade. Sabendo que este pensamento parte da tentativa de estabelecer uma política compensatória aos “excluídos”, é importante questionar o sistema de cotas exclusivo para negros. E o movimento indígena, as mulheres, deficientes, que assim como os negros, foram marginalizados pela sociedade desde muito tempo e ainda hoje são? Se o sistema de cotas pretende reduzir a desigualdade, deve-se estabelecer cotas para os pobres. E nem todos são negros. Por uma questão histórica, os negros estão em sua maioria concentrados na parcela mais pobre da população. Se o critério utilizado para a inserção na reserva de vagas fosse socioeconômica, a parcela mais pobre da população, e em consequência, uma grande quantidade de afrodescendentes, estaria sendo incluída neste benefício. Os defensores da cota afirmam que as exclusões históricas dos negros e pardos, além da baixa qualidade do ensino público não permitem que aconteça uma competição justa no vestibular. Dessa forma, seria necessário que ações afirmativas tratassem desigualmente os desiguais. Já aqueles que condenam a política de cotas afirmam que a medida apenas mascara e não soluciona o real problema da baixa qualidade do ensino público. Além disso, condenam a determinação de cotas para negros afirmando que o problema da desigualdade no acesso à Universidade, antes de ser racial, é social. A manipulação do sistema educacional não é suficiente para corrigir desigualdades sociais arraigadas. É necessário que se crie um projeto maior. As políticas e ações afirmativas devem abranger todo um contexto de vida da população, e não somente o aspecto da educação, visto que este é apenas um reflexo da situação social precária. Também há quem diga que tais medidas são baseadas em interesses eleitoreiros, como ocorrido no Rio de Janeiro. Muitos jornalistas e críticos, afirmam 20 que a decisão de determinar uma cota de 40% das vagas para alunos negros ou pardos e 50% para alunos provenientes da escola pública foi tomada com fins eleitoreiros na gestão Garotinho e sem a devida discussão entre a comunidade universitária. A lei que foi implantada na Uerj não está sendo acompanhada de medidas complementares que viabilizem a permanência dos alunos. O aluno favorecido pela cota pode ingressar na Universidade menos preparado ou ainda encontrar dificuldades financeiras. À medida em que se adota o sistema de cotas, torna- se imprescindível que seja proposta uma forma de garantir a possibilidade de permanência do aluno cotista na instituição. Como referido acima, as dificuldades encontradas podem ser não somente financeiras, mas também em relação à deficiências de base escolar. Como prioriza a vaga ao aluno negro e de escola pública, que frequentemente possui um capital cultural menor, acessam a universidade com notas bem mais baixas que os não cotistas e podem não conseguir acompanhar o ritmo de estudo dos demais. Caso a universidade não crie mecanismos de reparo de tais problemas, pode ocorrer uma diminuição da qualidade dos cursos, ou uma grande evasão, já que aqueles que não conseguem seguir no mesmo tempo da turma, ficam desestimulados de continuar estudando. “Isso, na verdade, é uma forma capenga, porque favorecer apenas um grupo, significa manutenção das discrepâncias sociais. O sistema atual tradicional favorece apenas àqueles que têm poder aquisitivo, a camada economicamente ativa da população, na melhor das hipóteses, 30% da população brasileira. Quando você estabelece cotas para a população negra, pode estar gerando um problema porque o que acontece com os índios, por exemplo? Estão fora dessas cotas. Têm a Funai e outras instituições para lhes amparar, mas não podemos nos desobrigar a entendê-los como brasileiros. Sou contra esta questão de cotas porque privilegia um grupo de brasileiros e não os brasileiros. A mim não 21 interessa privilegiar aquele porque é branco, o outro porque é índio. A minha questão é o povo brasileiro. O estabelecimento de cotas nega a existência do povo brasileiro e ajuda a seccionar mais a sociedade. Não quero incluir os negros, quero incluir o povo brasileiro. Trata-se de uma questão estrutural, as cotas são uma questão conjuntural que não toca no ser da questão que é injustiça social da sociedade. Tenho um bisavô que era negro, uma bisavó que era índia e uma avó branca. Em que grupo me coloco? Eu me coloco no grupo brasileiro e não nego que sou índio, não nego que sou negro, nem que sou branco. No momento em que se cria cotas, não se cria a noção de nacionalidade." Severino Vicente, professor do Departamento de História da UFPE. Muitas pessoas alegam também que o sistema de cotas estabelece uma injustiça com os não negros. Um caso que ficou bastante conhecido foi o da estudante Aline Bonfim dos Santos, que procurou a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro para entrar na justiça contra a reserva de vagas. A estudante obteve 91,65 pontos no vestibular, mas não pode cursar o curso de medicina da UERJ porque se autodeclarou branca, e de fato o era. Perdeu sua vaga para uma candidato que se autodeclarou negro ou pardo. “Do jeito que está, os brancos vão ter que arcar com as consequências de não terem nascido negros” disse o estudante Fábio Moreira estudante de Direito da UERJ. A fragilidade da medida torna- se evidente com a concessão de liminares. No mês de fevereiro (2003), três estudantes adquiriram através da justiça o direito à vaga na universidade, pois obtiveram uma nota suficiente para o ingresso e não haviam sido classificados devido a reserva de vagas. Alunos com pontuação mais baixa haviam sido selecionados, em detrimento deles, e só recorrendo aos tribunais, estes e muitos outros alunos que sofreram com o mesmo problema poderão tentar estudar nas universidades públicas que adotaram o sistema de cotas. 22 “Em princípio só conseguiria concordar com esta proposta se fosse considerada como de caráter emergencial e fosse acompanhada de uma política efetiva de qualidade no ensino básico. O acesso de determinada camada da sociedade às universidades é restrito pela falta de uma política que garanta um ensino público de qualidade. Esta questão das cotas, parece-me, idêntica inversão ao argumento de que o ensino superior deve ser privatizado por ser elitista. Na verdade, deve-se fortificar o ensino público básico para que pessoas com menor poder aquisitivo tenham igual chance de pleitear as vagas do que os oriundos de escolas particulares. “ Até que ponto é o sistema de cotas positivo? O problema é muito maior e muito mais complexo. Não se trata apenas de “compensar” uma condição sofrida pelos negros no passado, mas de mudar toda a base de relações da sociedade capitalista. “Como educador e pensador, fui um dos defensores das cotas para negros. Como ministro, não proponho como política pública. A adoção das cotas para negros não pode ser uma coisa imposta que crie antagonismo racial em vez de uma superação de preconceito. As cotas devem ser definidas depois de um amplo debate da sociedade em busca de consenso, com uma base de apoio ampla. A elite brasileira é branca. Temos que mudar a cor da pele dos alunos da universidade, mas não se pode impor, nem aos negros nem aos brancos. No entanto, quero chamar a atenção para uma coisa: as cotas para negros são para os negros que terminam o ensino médio, que em geral não são pobres. Os pobres só terminam a quarta série do primeiro grau. As cotas ajudam a mudar a cor da Universidade, mas não a classe. No Brasil, o preconceito mais forte não é de raça, e sim de classe, embora exista um 23 preconceito racial também. Sendo assim, é preciso que haja escola pública de qualidade.” Cristovam Buarque- Ministro da Educação. Não podem ser resolvidos problemas estruturais com medidas assistencialistas. As políticas que têm essa proposta, visam a manutenção das relações já estabelecidas na sociedade. As cotas são uma maneira de adiar ainda mais a reforma do Ensino Público. A reserva de vagas tenta maquiar o frustrado sistema público de Educação. Cotas para negros nas universidades públicas: é justo? Como visto até aqui, há muitas divergências a respeito desse assunto. A adoção do sistema de cotas para negros e pardos, intensificou no Brasil a polêmica sobre as chamadas ações afirmativas. Essa questão não é privilégio brasileiro, outros países como Estados unidos, Argentina, Noruega, entre outros, que vem adotando essas políticas públicas, com o objetivo de diminuir a desigualdade entre grupos étnicos, enfrentaram e enfrentam os mesmos problemas de aceitação. Opiniões favoráveis ao sistema, dizem que o que se pretende com as ações afirmativas, é reconhecer que a igualdade de oportunidades entre os cidadãos, base da maioria das democracias modernas, não será alcançada na prática, se o Estado e a sociedade não passar a tratarem de forma diferenciada, pelo menos temporariamente, aqueles que se encontram nos estratos menos favorecidos da população. Parte da polêmica também é explicada pela dificuldade para se definir quem é negro e pardo. O problema é que o critério adotado, que é o da auto declaração, não impede a fraude de quem deseja burlar o sistema. Quem se opõe a questão das cotas, afirma que o negro não está excluído da sociedade por uma questão de raça, mas sim de classe. E que o não acesso do negro à universidade se deve ao fato dessa parcela da sociedade não ter acesso a uma escola de qualidade que possa prepará-los para competir nas mesmas condições na disputa por uma vaga na universidade. 24 A discussão continua em aberto atualmente, pois ainda há muito o que ser discutido como, por exemplo, se as universidades públicas do estado de São Paulo irão adotar as cotas a partir de 2004. Portanto, constata-se que não existe um consenso sobre o tema. Com o objetivo de demostrar as divergentes opiniões dos mais afetados pela política das cotas, coletamos argumentos em cursinhos e escolas públicas, os quais serão analisados a seguir. 25 Análise dos Dados Coletados Resultado com os Cursinhos Local da entrevista nos cursinhos: Anglo (unidade Castelo), Cursinho da moradia da UNICAMP, Cursinho Cooperativa do Saber. Pergunta : Há justiça no estabelecimento de cotas para negros em universidades públicas ? Justifique. A FAVOR CONTRA INDECISO RESPOSTA INCORRETA TOTAL ARGUMENTOS A FAVOR ESTUDANTES 12 45 0 9 66 PORCENTAG EM o 33,14% “Oferece oportunidade para negro/pardo entrar na faculdade” “devido ao racismo” “pode fazer uma justiça temporária” até todos terem oportunidades iguais “há poucos negros nas universidades públicas” “devido não Ter igualdade no nível cultural dos inscritos” “devido a qualidade do ensino público precária” TOTAL ARGUMENTOS CONTRA PORCENTAGEM 18,2% 68,2% 0% 13,6% 100% Nº DE VEZES 4 33,14% 8,3% 4 1 8,3% 1 8,3% 1 8,3% 1 100% 12 PORCENTAG EM “Todos somos iguais, sendo negros 27,9% ou brancos” (capacidade igual, direitos iguais para negros e brancos) Preconceito contra o próprio negro, 26,2% pois “julga que os negros são incapazes de competir com os brancos”, são “inferiores à outras raças” “É discriminação racial” 19,7% “A entrada deve ser de acordo com o 8,2% conhecimento do aluno” Nº DE VEZES 17 16 12 5 26 “Deveria melhorar o ensino médio e fundamental” “Deveria haver cotas para alunos oriundos da escola pública, independentemente da cor” “Deveria haver vagas também para asiáticos ou outras raças, não exclusivamente a negra” TOTAL 8,2% 5 8,2% 5 1,6% 1 100% 61 RESPOSTA INCORRETA (Exemplo) “Sou contra, porque não existe essa de branco Ter mais direito as coisas do que nós negros ou pardos” Análise: A maioria dos estudantes entrevistados foram contra as cotas para negros. Os argumentos mais utilizados contra à cota foram devido ao fato de que os negros e brancos são iguais, portanto devem ter os mesmos direitos e ao estabelecer cotas para negros/pardos, ocorrerá uma desigualdade, prevalecendo os negros em relação aos brancos. Outro argumento mais utilizado, foi de que as cotas para negros sugerem que eles “são incapazes de competir com os brancos”, precisando de cotas para poder entrar em uma faculdade e isto gera um preconceito contra o próprio negro, estabelecendo que eles “são inferiores às outras raças”. Os argumentos à favor das contas, foi de que essa lei oferece oportunidade de o negro/pardo entrar numa faculdade, facilitando a entrada deles em universidades públicas. Outro argumento mais utilizado foi de que devido ao racismo contra o negro atual, este teve menos oportunidade de ascensão social do que o branco; e as cotas servem para “compensar” toda a história de racismo sofrida pelo negro, possibilitando uma ascensão social. 27 RESULTADO COM AS ESCOLAS (EEPG FLORENCE – PERÍODO DIURNO E NOTURNO E EEPG PROF. JOANA DE AQUIRE M. PEIXOTO – PERÍODO DIURNO E NOTURNO). Você se considera? Nº ESTUDANTES 39 75 6 120 BRANCO NEGRO/PARDO OUTROS TOTAL PORCENTAGEM 32,5% 62,5% 5% 100% ESTUDANTES A FAVOR 67 CONTRA 43 INDECISO 4 RESPOSTA INCORRETA 6 TOTAL 120 PORCENTAGEM 55,8% 35,8% 3,4% 5% 100% ESTUDANTES 23 14 37 PORCENTAGEM 62,2% 37,8% 100% ESTUDANTES A 42 PORCENTAGEM 60,9% BRANCO A FAVOR BRANCO CONTRA TOTAL NEGRO/PARDO FAVOR NEGRO/PARDO CONTRA TOTAL OUTROS A FAVOR OUTROS CONTRA TOTAL ARGUMENTOS A FAVOR 27 39,1% 69 100% ESTUDANTES 3 1 4 PORCENTAGEM 75% 25% 100% PORCENTAGE M “O mesmo direito que o branco tem o 59,1% negro também tem” “Oferece oportunidade para o negro/pardo 18,3% entrar na faculdade” Nº DE VEZES 55 17 28 “Devido ao racismo” “Estimula o negro para o estudo” “Para dar valor ao negro”, o qual é uma forma de acabar com o preconceito contra o negro “Devido a qualidade do ensino público precária” “Aumenta a oportunidade de serviço ao negro” TOTAL 13% 3,2% 3,2% 12 3 3 2,2% 2 1,1% 1 100% 93 ARGUMENTOS CONTRA PORCENTAGE M “Todos somos iguais, sendo negros ou 43,4% brancos” (capacidade igual, direitos iguais para negros e brancos) Preconceito contra o próprio negro, pois 17% “julga que os negros são incapazes de competir com os brancos”, são “inferiores à outras raças” “É discriminação racial” 10,2% “A entrada deve ser de acordo com o 10,2% conhecimento do aluno” “Deveria haver cotas para alunos oriundos 8,5% da escola pública, independentemente da cor” “Deveria melhorar o ensino médio e 3,4% fundamental” “Tira a vaga de outras pessoas que tiraram 3,4% notas maiores” “Gera comodidade para o negro e pardo” 1,7% “Diminui a qualidade do ensino” 1,7% “Existem pessoas que se declaram negros 1,7% ou pardos e na realidade não são” TOTAL 100% Nº DE VEZES 25 10 6 6 5 2 2 1 1 1 59 Análise: A maioria dos estudantes foram à favor das cotas e por sua vez, a maioria dos estudantes foram negros ou pardos. Os dois primeiros argumentos contra mais citados foram devido as cotas favorecer o preconceito contra o próprio negro e devido as pessoas (brancos e negros) serem iguais. Estes argumentos também foram os mais citados em relação às respostas dos estudantes oriundos dos cursinhos. 29 O argumento à favor: “O mesmo direito que o branco tem o negro também tem”, entende-se que o negro/pardo também tem direito a entrar na faculdade. “Oferece oportunidade para o negro/pardo entrar na faculdade” e “Devido ao racismo”, também são argumentos mais citados, tanto nas escolas como nos cursinhos. RESULTADO COM TODOS OS ESTUDANTES ENTREVISTADOS (CURSINHO E ESCOLA) A FAVOR CONTRA INDECISO RESPOSTA INCORRETA TOTAL ESTUDANTES 79 87 4 16 186 PORCENTAGEM 42,5% 46,8% 2,1% 8,6% 100% ARGUMENTOS A FAVOR PORCENTAGE M “O mesmo direito que o branco tem o 42,3% negro também tem” “Oferece oportunidade para o negro/pardo 23,4% entrar na faculdade” “Devido ao racismo” 21,1% “Estimula o negro para o estudo” 3,3% “Para dar valor ao negro” o qual é uma 3,3% forma de acabar com o preconceito contra o negro “devido a qualidade do ensino público 2,2% precária” “há poucos negros nas universidades 1,1% públicas” “devido não Ter igualdade no nível cultural 1,1% dos inscritos” “pode fazer uma justiça temporária” até 1,1% todos terem oportunidades iguais “Aumenta a oportunidade de serviço ao 1,1% negro” TOTAL 100% Nº DE VEZES ARGUMENTOS CONTRA Nº DE VEZES PORCENTAGE M “Todos somos iguais, sendo negros ou 35% brancos” (capacidade igual, direitos iguais 38 21 19 3 3 2 1 1 1 1 90 42 30 para negros e brancos) Preconceito contra o próprio negro, pois “julga que os negros são incapazes de competir com os brancos”, são “inferiores à outras raças” “É discriminação racial” “A entrada deve ser de acordo com o conhecimento do aluno” “Deveria haver cotas para alunos oriundos da escola pública, independentemente da cor” “Deveria melhorar o ensino médio e fundamental” “Tira a vaga de outras pessoas que tiraram notas maiores” “Deveria haver vagas também para asiáticos ou outras raças, não exclusivamente a negra” “Diminui a qualidade do ensino” “Existem pessoas que se declaram negros ou pardos e na realidade não são” “Gera comodidade para o negro e pardo” TOTAL 21,7% 26 15% 9,2% 18 11 8,4% 10 5,9% 7 1,6% 2 0,8% 1 0,8% 0,8% 1 1 0,8% 100% 1 120 Análise: A diferença entre estudantes contra e a favor foi de apenas 4,3%, o que corresponde à 8 pessoas, revelando que há um grande número de pessoas à favor, mas ao mesmo tempo um grande número de pessoas contra. Em cada local da pesquisa ocorreu um resultado diferente. Nos cursinhos, a maioria dos estudantes foram contra as cotas, já nas escolas, a maioria dos estudantes foram à favor. Podemos perceber, que dependendo do olhar do pesquisador, o resultado da pesquisa pode ser diferente. Mas, a maioria dos estudantes referentes à todos os alunos pesquisados (cursinho e escola), ocorreu como resultado a preferência à favor das cotas, apesar de pouca diferença daqueles estudantes que são contra às cotas (4,3% de diferença). 31 Nossa pesquisa não apresenta uma resposta específica para nossa questão, que é a de que se haveria ou não justiça no estabelecimento de cotas para negros e pardos em universidades públicas, mesmo porque não existe uma resposta para a mesma, e nem foi nossa intenção que houvesse uma resposta, já que este é um tema polêmico e a sociedade brasileira está aparentemente dividida. A partir deste trabalho, nossa conclusão é a de que existem aqueles que defendem e aqueles que rejeitam as cotas. Para aqueles que as defendem , o argumento mais utilizado é o princípio de inclusão de grupos excluídos, e o fato de que os negros no Brasil constituiriam um destes grupos, devido à escravidão e à existência do racismo na sociedade brasileira como conseqüência da primeira, à desigualdade de oportunidades por tais motivos gerada entre os negros e a sociedade brasileira em geral. Para os que rejeitam as quotas, o argumento mais forte é a igualdade entre todos os seres humanos, prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Brasileira, e isso impediria a implantação de políticas afirmativas em relação aos negros, já que todos somos iguais. Considerações Finais No Brasil, nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar do mundo, a aceitação de políticas de ações afirmativas pela sociedade é um indicador do reconhecimento de que há uma dívida social a ser paga. Com relação às cotas para negros nas universidades públicas, evidencia-se que a dívida social é com a raça negra. E no Brasil, as estatísticas oficiais comprovam esse fato . De acordo com o Censo de 2000, os indicadores sociais tiveram uma significativa melhora, porém a desigualdade entre as raças continuou a mesma. Isso demonstra que a universalização do ensino não é capaz de reduzir, sozinha, desigualdades construídas ao longo de séculos. Torna-se claro, portanto, a necessidade de políticas sociais a fim de quitar tamanha dívida. Mas nunca uma ação afirmativa foi tão polêmica quanto a 32 questão das cotas, a qual causou várias ações na Justiça que já chegou ao Supremo Tribunal Federal. Parte desta polêmica, é explicada pela dificuldade em se definir quem é negro ou pardo, já que a Uerj, por exemplo, optou pelo critério da auto declaração, o mesmo recomendado pela ONU. O problema reside no fato de que tal critério não impede a fraude, uma vez que o próprio candidato afirma se tem ou não direito à cota. De um lado, há quem interprete que o princípio da igualdade de direitos (isonomia) impede que alguns grupo, mesmo que desfavorecidos, sejam privilegiados. De outro, há o argumento de que para garantir essa igualdade, é preciso tratar de forma desigual os que são socialmente desiguais, legitimando assim, políticas como as cotas. Nota-se, portanto, e a presente pesquisa comprova, que a sociedade está longe de se chegar a um consenso sobre o mecanismo mais justo e eficaz de sanar a histórica dívida social. Entretanto, há unanimidade com a afirmação de Luiz Felipe de Alencastro, sobre o fato de apenas 1,3% dos estudantes da USP serem negros : “ O que não dá mais, é continuar no Brasil com a política grotesca do deixa como está para ver como é que fica” . 33 Referências Bibliográficas CARVALHO, José J. de. Ações afirmativas para negros e índios no ensino superior : as propostas dos NEABS in: Universidade e Sociedade / Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior, ano XII, n° 29, março de 2003. MUNANGA, Kabengele. Ação afirmativa em benefício da população negra in : Universidade e Sociedade / Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, ano XII, n° 29, março de 2003. PRAXEDES, Rosângela R. e Walter L.A .. Ações afirmativas q cotas do ângulo do marxismo in :Universidade e Sociedade / Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, ano XII, n° 29, março de 2003. QUEIROZ, Delcele M. 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