CONCEITO SOCIOLÓGICO DO DIREITO - O Direito é fato social que se manifesta como uma das realidades observáveis na sociedade. É fenômeno social, assim como a linguagem, a religião, a cultura, que surge das inter-relações sociais e se destina a satisfazer necessidades sociais, tais como prevenir e compor conflitos. - Propomo-nos a explicitar a concepção do Direito como fato social, formulando um conceito que se enquadre na visão sociológica do Direito. - Antes de tentar conceituar qualquer coisa, deve o estudante considerar todos os elementos dessa coisa, seus requisitos, características, finalidade etc., e então procurar fazer uma descrição de tudo isso. Só assim poderá chegar perto da realidade na formulação do seu conceito. 1) Normas de conduta - Se o Direito está ligado à idéia de organização e conduta, então deve ser ele entendido como um conjunto de normas de conduta que disciplinam as relações sociais. O mundo do Direito é o mundo das relações entre os homens, pois na conjugação desses dois elementos – a sociedade e o indivíduo – encontramos sua razão de ser. - Como tem sido assinalado por muitos autores, é o Direito a única relação inteiramente determinada pela coexistência humana e que se exaure de homem para homem. Cuida, pois, o Direito da disciplina das relações extrínsecas do homem, cabendo à moral a disciplina de suas relações intrínsecas. 2) Características das normas de conduta - Trata-se de normas de conduta que se destinam a todos, aplicáveis a todas as relações abrangíveis pelo seu escopo. Por isso são chamadas normas universais ou genéricas. São também abstratas porque não se referem a casos concretos quando de sua elaboração, mas sim a casos hipoteticamente considerados. - O caráter de generalidade das normas do Direito faz que este tenha em vista apenas o que na sociedade acontece com mais freqüência. Isso permite, como já assinalado, o prévio conhecimento do critério a ser aplicado na composição dos conflitos e assegura igualdade de tratamento às partes. Sabe-se previamente como será resolvido um determinado tipo de conflito se e quando ocorrer, com a garantia de que as partes nele envolvidas serão tratadas da mesma maneira. 2.1) A obrigatoriedade - Em regra, são normas obrigatórias, isto é, de observância necessária. E nem poderia ser diferente, sob pena de o Direito não atingir os seus objetivos. Claro está que, se a observância das normas jurídicas fosse facultativa, totalmente inócua se tornaria a disciplina por elas imposta. Seria um tiro sem bala. - A obrigação é, portanto, elemento fundamental do Direito, embora à primeira vista possa parecer paradoxal. Para o público em geral, a palavra direito dá idéia de privilégio, faculdade, regalia, liberdade, ou seja, tudo que é oposto à obrigação. Esquecemo-nos, entretanto, que, na exata medida em que o Direito nos confere um benefício, vantagem ou poder, cria uma obrigação ou dever para outrem, e viceversa. - Alguns autores, em lugar de obrigatoriedade, preferem falar em coercibilidade da norma, para indicar que ela envolve a possibilidade jurídica de coação. Esta, a rigor, é a principal diferença entre a norma jurídica e a regra moral. A moral é incompatível com a força ou coação mesmo quando estas se manifestam juridicamente organizadas. - É também por isso que se tem afirmado (Kant foi o primeiro) ser a Moral autônoma e o Direito heterônomo, visto ser posto por terceiros aquilo que juridicamente somos obrigados a cumprir. 2.2) A sanção - A obrigação não pode existir sem sanção. Por isso alguns teóricos chegam a definir o Direito como um sistema de sanções. - Sanção é a ameaça de punição para o transgressor da norma. É o prometimento de um mal, consistente em perda ou restrição de determinados bens, assim como na obrigação de reparar o dano causado, para todo aquele que descumprir uma norma de Direito. É a possibilidade de coação da qual a norma é acompanhada. - Há, em nosso entender, uma pequena diferença entre sanção e pena, embora na prática os autores e a própria lei não a considerem. Sanção é a ameaça de castigo para o transgressor da norma, e pena já é o próprio castigo imposto; sanção é a pena abstratamente considerada, e pena é a sanção concretizada; a sanção é cominada pelo legislador, e a pena é fixada pelo juiz; a sanção exerce uma coação psicológica sobre os indivíduos, ao passo que a pena exerce uma coação física ou material. - Para uma minoria não basta a coação psicológica, acabando por transgredir as normas, na esperança de não ser punida. Para esses destina-se a coação física ou material. A autoridade pública aplica a pena, empregando o poder coercitivo de que dispõe para punir o responsável pelo ilícito. É o remédio extremo usado contra uma minoria que não observa as normas, no empenho de levá-la a respeitar o Direito, livrando a sociedade de sua conduta perniciosa. É a chamada prevenção especial. 3) Origem das normas de conduta - Esta é uma questão discutida, havendo aqueles que entendem serem as normas de origem divina, outros, frutos da razão, da consciência coletiva ou do Estado. Para a sociologia jurídica, entretanto, as normas de Direito emanam do grupo social. - Sobre o grupo social que deve estabelecer as normas de Direito, as opiniões se dividem em duas escolas. 3.1) A escola monista - Englobando quase todos os juristas, esta escola entende que apenas um tipo de grupo social – o grupo político – o Estado devidamente organizado -, está apto a criar normas de direito. - A doutrina monista, que se encontra mais próxima das teorias de Hegel, Marx e Kelsen pode ter sua razão de ser no que se refere à ciência do Direito, mas não com relação à sociologia jurídica. Um simples olhar sobre a vida social nos convence de que existiram prescrições jurídicas antes de a sociedade organizar-se em Estado, e que ainda existem prescrições, mesmo nas sociedades já política e juridicamente organizadas, além das que foram impostas pela autoridade política. 3.2) A escola pluralista - A escola pluralista que, além de alguns juristas, compreende sociólogos e filósofos, considera que todo agrupamento de certa consistência ou expressão pode outorgar-se normas de funcionamento que, ultrapassando o caráter de simples regulamentos, adquirem o alcance de verdadeiras regras jurídicas. - O Direito é necessário. Não é uma criação arbitrária; existe imprescindivelmente. Os homens, sem dúvida, em fase adiantada do progresso, intervêm na sua criação. Mas, ainda que não houvesse esta criação racional e um pouco artificial, o Direito necessariamente brotaria como floração espontânea da sociedade. Foi assim que aconteceu noutros tempos sob a forma de costumes, e isso mostra o caráter necessário do Direito. 4) Provisoriedade e mutabilidade das normas de Direito - Os defensores do direito natural, conforme já assinalamos, tanto os que o concebiam como tendo origem na Divindade como aqueles que o entendiam fruto da razão, consideravam o direito um conjunto de princípios permanentes, estáveis e imutáveis. - Tal concepção, entretanto, não se ajusta ao ponto de vista sociológico, que o considera produto social. Se o Direito emana do grupo social, não pode ter maior estabilidade que o grupo. E o grupo, como é sabido, sofre constantes modificações. - Mudando o grupo, mudam-se também as normas do Direito, razão pela qual, do ponto de vista sociológico, não tem o Direito caráter estável ou perpétuo, mas sim essencialmente provisório, sujeito a constantes modificações. - Tão incontestável é o caráter provisório do direito que alguns adeptos do direito natural conceberam uma noção que denominaram “direito natural de conteúdo variável”. 5) Conceito sociológico do Direito - Juntando todas as características até aqui examinadas, formulamos o seguinte conceito de Direito: conjunto de normas de conduta, universais, abstratas, obrigatórias e mutáveis, impostas pelo grupo social, destinadas a disciplinar as relações externas dos indivíduos, objetivando prevenir e compor conflitos. - Trata-se de normas universais porque se destinam a todos; abstratas porque são elaboradas para casos hipoteticamente considerados; obrigatórias porque são de observância necessária, coercitiva; mutáveis porque sujeitas a constantes transformações; impostas pelo grupo e não somente pelo Estado. Bibliografia: - Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica – Rio de Janeiro: Forense, 2005.