os ambientes de geometria dinâmica e as demonstrações

Propaganda
OS AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA E AS
DEMONSTRAÇÕES EM GEOMETRIA
Mônica Souto da Silva Dias
Cileda de Queiroz e Silva Coutinho
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
[email protected]; [email protected]
RESUMO
Este texto apresenta a descrição e análise parcial de um
estudo piloto que integra uma pesquisa de doutorado em Educação
Matemática. O objetivo deste estudo é responder à seguinte pergunta: de
que modo os ambientes de geometria dinâmica contribuem para o
desenvolvimento da argumentação, visando à elaboração de uma
demonstração em Geometria, por alunos de licenciatura em Matemática?
O referido estudo constou de uma atividade que foi aplicada a 10 alunos
do 5º período de licenciatura em Matemática em abril de 2008. Tal
atividade continha a descrição de uma situação geométrica, sobre a qual
em que os alunos deveriam elaborar uma conjectura e desenvolve-la a
correspondente, tendo como suporte um ambiente de geometria dinâmica.
Foi observado que as dificuldades apresentadas inicialmente pelos alunos
na elaboração da conjectura e da demonstração, foram vencidas com
auxílio dos recursos dos softwares disponibilizados para os alunos.
Palavras-chave:
demonstrações,
geometria
dinâmica,
formação
de
professores.
1- Introdução
Este texto apresenta a descrição e a análise parcial de um
estudo-piloto a respeito da elaboração de demonstração em Geometria por
alunos de licenciatura em Matemática, com auxílio de ambientes de
geometria dinâmica. O estudo-piloto é parte de uma pesquisa de
doutorado em Educação Matemática. A questão que norteou este estudo
diagnóstico foi: de que modo os ambientes de geometria dinâmica
contribuem para o desenvolvimento da argumentação, visando à
elaboração de uma demonstração em Geometria, por alunos da
licenciatura em Matemática? O referido estudo constou de uma atividade
que foi aplicada a 10 alunos do 5º período de licenciatura em Matemática1,
em abril de 2008.
O professor de Matemática deve construir, em sua formação
inicial ou continuada, um conjunto de conhecimentos matemáticos
suficientes para a sua prática profissional (ministrar aulas) e para a sua
formação continuada (desenvolvimento profissional) (SHULMANN, 1986).
Dentre estes conhecimentos, destaca-se a compreensão da demonstração
tanto na Matemática como ciência, quanto na aprendizagem e ensino da
Matemática como disciplina escolar, incluindo a contribuição para a
constituição do raciocínio dedutivo do aluno da Escola Básica, visando
seu desenvolvimento cognitivo.
A discussão sobre o papel da demonstração em Matemática
sob os aspectos mencionados no parágrafo anterior, não tem se efetivado
nos cursos de licenciatura em Matemática, na medida necessária para
tornar o futuro professor apto a desenvolver em sala de aula atividades de
natureza dedutiva (DOMINGOS e FONSECA, 2008;
GRAVINA, 2001;
PIETRIPAOLO, 2005; SERRALHEIRO, 2007).
2- Caracterização dos participantes do estudo piloto
Os alunos que participaram do estudo estão no 5º período de
um curso de licenciatura que tem sete períodos, no turno diurno, portanto
já cursaram 70% da graduação. Tais alunos estudaram quatro períodos de
Geometria Plana e Espacial Euclidiana, sabem utilizar os recursos dos
ambientes de geometria dinâmica, pois tiveram um período da disciplina
Educação Matemática e Tecnologia, na qual realizaram um estudo
instrumental e pedagógico de vários softwares gratuitos, entre os quais se
incluem Régua e Compasso e Geogebra. Embora não gratuito, os alunos
também utilizam o Cabri-Géomètre II.
1
O curso de licenciatura em Matemática é de uma instituição pública do estado do Rio de
Janeiro e tem duração de 7 semestres.
3- Relato da aplicação da atividade
A atividade2 consistiu de duas questões com dois itens cada,
resolvida em dois horários de aula (100 minutos) pela maior parte dos
alunos, organizados em 4 duplas sendo que dois alunos trabalharam
individualmente, por escolha própria. Neste trabalho é apresentada a
análise da primeira questão.
A atividade foi entregue a cada aluno em uma folha impressa
com as duas questões. Eles foram orientados pela pesquisadora (que era
também a professora) para resolverem tal atividade utilizando um software
de geometria dinâmica de sua preferência dentre os disponibilizados no
laboratório de informática, a saber, Régua e Compasso, Geogebra e CabriGéomètre II. A pesquisadora-professora atuou como observadora,
intervindo apenas quando solicitada pelos alunos, se limitando a responder
dúvidas sem fornecer a estratégia de solução.
A primeira questão está transcrita a seguir:
1) Num triângulo qualquer ABC, traça-se a altura AH , o ponto médio I do
lado BC e a reta passando por I, paralela ao AH . Esta reta corta AB ou
AC em J.
a) O que se pode afirmar sobre o triângulo BJC?
b) Demonstre a sua afirmação elaborada no item anterior.
Desenvolvimento esperado – análise teórica da questão
Construir o triângulo ABC, sua altura AH e determinar o
ponto I, médio de BC, para em seguida traçar a reta IJ, paralela à AH,
sendo J o ponto de intersecção da reta IJ com o lado AC ou BC. Em
seguida, concluir que o triângulo assim determinado BJC é isósceles
porque J pertence à mediatriz IJ do lado BC, uma vez que IJ foi construída
pelo ponto médio de BC e é perpendicular a este lado, pois é paralela à
altura AH.
Por fim, era esperado que os alunos redigissem tais fatos
compondo uma demonstração com todo o rigor matemático, graças ao
nível de escolaridade em que eles se encontram.
2
Esta atividade foi adaptada do projeto de pesquisa intitulado O raciocínio dedutivo no
processo de ensino e aprendizagem da matemática nas séries finais do Ensino
Desenvolvimento efetivo da estratégia de resolução da questão 1
Os alunos realizaram a construção solicitada sem dificuldades
(figura 1). Duas duplas não perceberam que o triângulo BJC deveria ser
construído, apesar de terem designado os pontos B, C e J. Nenhum dos
grupos, inicialmente, observou que o triângulo BJC era isósceles. Diante
das perguntas de alguns alunos: “Você quer que a gente diga que o
triângulo tem uma altura paralela a altura AH?” ou “que o triângulo é
acutângulo?”, a pesquisadora julgou necessário estimular o raciocínio dos
participantes com perguntas feitas a partir da observação de alguns alunos
de que o triângulo era acutângulo: “O que se pode dizer sobre um
triângulo? Ser acutângulo é uma classificação, existem outras? Movimente
os pontos da figura e veja o que vocês podem observar. O que permanece
em
qualquer
situação?”
Após
sucessivas
deformações
da
figura
produzidas na tela do computador pelos alunos, as duplas foram, uma a
uma, percebendo que poderia se tratar de um triângulo isósceles. Nota-se
que aqui predominou a apreensão perceptiva, nos termos de Duval (1995),
no lugar de uma mobilização das propriedades adequadas, ou seja, I é
ponto médio e pé da altura relativa a BC, portanto a reta IJ é mediatriz de
BC.
A
pesquisadora
perguntou:
“Como
podemos
ter
certeza?”
Imediatamente, os alunos mediram os ângulos ou os lados do triângulo
BJC com recursos dos softwares. Com ritmos diferentes de trabalho, todos
concluíram que tal triângulo era isósceles com base nas medições
realizadas, ocorrendo uma validação pragmática que não envolveu a
utilização de propriedades, apenas utilizou a definição de triângulo
isósceles.
Figura 1: construção solicitada realizada por
uma dupla no software régua e compasso.
Os alunos se surpreenderam um pouco com o item b, e isto foi constatado
Fundamental PUC-SP e CNPq, coordenado pelo Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.
pelas perguntas que eles fizeram: “É para demonstrar o quê?”, “Você quer
que a gente demonstre que ele é isósceles?” “Mas, como vamos fazer
isto?”
A
pesquisadora
nada
respondeu, deixando
aos
alunos
a
responsabilidade pelo encaminhamento da justificativa solicitada. As
primeiras tentativas de demonstrações de todos os grupos constaram de
descrição de como concluíram que o triângulo BJC era isósceles, isto é,
afirmaram que ele era isósceles ou porque mediram os lados, ou porque
mediram os ângulos. A pesquisadora os atentou para o fato de que
aquelas afirmações não eram demonstrações, que eles precisavam usar
fatos geométricos anteriormente provados, com base em uma figura
genérica e não tomando por base apenas aquele triângulo que eles haviam
construído. Pode-se inferir aqui o que os alunos entendem pelo termo
demonstração: qualquer justificativa, ainda que particularizada, é uma
demonstração.
Deste modo, os alunos lembraram-se das demonstrações
realizadas em Geometria I e começaram a elaborar um texto explicativo. A
produção dos grupos pode ser agrupada em três tipos diferentes, segundo
a argumentação utilizada. O primeiro tipo usou a propriedade da mediatriz,
ou seja, por construção, a reta IJ (figura 2) é perpendicular ao segmento
BC no seu ponto médio, portanto, esta reta é mediatriz de BC. Como todos
os pontos da mediatriz são eqüidistantes dos extremos do segmento,
deduz-se que o ponto J eqüidista dos pontos B e C, de onde os segmentos
JB e JC são congruentes. Logo, o triângulo JBC é isósceles.
Figura 2: triângulo JBC construido por um
grupo no software geogebra.
O segundo tipo baseou-se na congruência de triângulos. Os
alunos consideraram os triângulos BIJ e CIJ (figura 2) e observaram que
os segmentos BI e CI eram congruentes porque I era ponto médio de BC
por hipótese, bem como os ângulos BIJ e CIJ eram congruentes porque JI
era perpendicular a BC, também por hipótese, e por fim, o segmento JI era
comum aos dois triângulos. Por meio do caso de congruência de triângulos
ALA (ângulo-lado-ângulo), concluiram que os triângulos BIJ e CIJ eram
congruentes e, conseqüentemente, os segmentos BJ e CJ eram também
congruentes, o que permitiu afirmar que o triângulo BJC era isósceles.
O terceiro tipo, realizado somente por uma dupla usou a
implicação “se a altura de um triângulo coincide com a mediatriz relativa ao
mesmo lado, então este triângulo é isósceles”. Esta dupla considerou o
triângulo BJC, sua altura JI e a mediatriz JI do lado BC, em seguida com
base na afirmação acima, concluiu que o triângulo BJC era isósceles. Esta
demonstração realça a natureza axiomática da Geometria, pois para
demonstrar a sua afirmação, a dupla não buscou resultados primeiros
como congruência de triângulos ou, em segunda instância, a propriedade
da mediatriz, mas recorreu a uma afirmação decorrente das anteriores.
É importante ressaltar que apenas os dois alunos que
compuseram a dupla citada no parágrafo anterior lembraram desta
implicação. Isto pode ser explicado pelo fato de que esta afirmação não é
ressaltada no corpo da teoria do livro-texto3 que a turma utilizou nas
disciplinas de Geometria já cursadas, mas é dado como exercício em uma
lista. Pode-se inferir que os alunos em geral não dão importância à
generalização dos processos resultantes da resolução de exercícios, ou
seja, resolvem as questões por elas mesmas, objetivando apenas
encontrar a resposta para aquele exercício, e não relacionam a estratégia
de resolução ou mesmo o resultado obtido com outras situações
semelhantes
(Polya,
1995).
Esta
ocorrência
é
reforçada
pelas
argumentações utilizadas pelos demais alunos, pois a congruência de
triângulos assim como a definição e demonstração da propriedade da
mediatriz foram temas amplamente estudados, do ponto de vista teórico, e
utilizados em exercícios, quando tais alunos cursaram as disciplinas de
Geometria.
4- Conclusão
A análise parcial da atividade resolvida pelos alunos permite
afirmar que a utilização de ambientes de geometria dinâmica possibilitou
uma verificação imediata da congruência de lados e ângulos de triângulos,
3
DOLCE, Osvaldo, POMPEO, José Nicolau. Coleção Fundamentos da Matemática
Elementar: Geometria Plana. 7 ed. São Paulo: Atual, 1993.
por meios de recursos de medidas de segmentos e ângulos, oferecidos
pelos softwares utilizados pelos alunos, a saber, Régua e Compasso e
Geogebra, caracterizando uma validação pragmática.
Outras características da figura, construída pelos alunos na
tela do computador, puderam ser rapidamente identificadas pelos mesmos,
tais como a perpendicularidade entre segmento e reta e a conservação das
medidas congruentes de lados e ângulos. Nestes casos, o recurso de
movimentação dos pontos–base da construção foi fundamental para
assegurar aos alunos que o triângulo JBC era isósceles, favorecendo a
elaboração de uma conjectura, além de iluminar a construção de
estratégias não pragmáticas de demonstração.
Não foi observada relação entre a demonstração realizada e o
software utilizado pelo aluno, talvez pelo fato dos recursos utilizados na
resolução da questão estarem presentes na maioria dos softwares desta
natureza. O que diferenciou então os procedimentos foi a familiaridade dos
alunos com o software escolhido.
Referências Bibliográficas
DUVAL, R. Sémioses et pensée humaine: registres sémiotiques et
apprentissages intellectuels, Peter lang, 1995.
GRAVINA, Maria Alice. Os ambientes de geometria dinâmica e o
pensamento
hipotético-dedutivo.
Tese
(doutorado
em
Educação
Matemática), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001.
PIETROPAOLO, Ruy Cesar. Re-significar a demonstração nos currículos
da Educação Básica e da Formação de Professores de Matemática. Tese
(doutorado em Educação Matemática), Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 2005.
POLYA, G. A arte de resolver problemas: um novo aspecto do método
matemático. Tradução e adaptação Heitor Lisboa de Araújo. 2 reimp. Rio
de Janeiro: Interciência, 1995.
SERRALHEIRO, Tatiane Dias. Formação de Professores: conhecimentos,
discursos e mudanças na prática de demonstrações. Dissertação
(mestrado em Educação Matemática), Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 2007.
SHULMAN, Lee S. Those who understand knowledge growth in teaching.
In: Educational Researcher, n.2, v.15. p.4-14, 1986.
Download