Crescimento econômico e abundância de dólares

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Crescimento econômico e abundância de
dólares
Por Fábio Scatolin, José Porcile e Marcelo Curado
VALOR ECONÔMICO 10/09/2007
Já está claro para os principais analistas que a economia brasileira
ingressou em um novo ciclo de expansão liderado de um lado, pelo
crescimento da economia mundial e de outro lado, pelo crescimento do
consumo, e em menor proporção pelo investimento. O tema central no
momento é discutir como sustentar este crescimento. Isto é, como ampliar
a capacidade produtiva da economia possibilitando assim que o PIB efetivo
permaneça abaixo do PIB potencial. Neste contexto o problema central é
resolver o que fazer com a abundância de dólares existente hoje na
economia brasileira, que pressiona o real e reduz a competitividade do
país. A instabilidade recentemente observada nos mercados financeiros
internacionais não deve alterar no curto prazo o cenário de abundância de
dólares. É certo que a economia americana crescerá menos neste ano,
porém o impacto desta redução sobre o ritmo de expansão da economia
mundial não deve ser significativo no curto prazo. A manutenção do
cenário de abundância de dólares e seus efeitos sobre o câmbio devem
permanecer ao menos no curto prazo, o que justiça a nossa preocupação
com o tema. O presente artigo analisa algumas propostas que estão sendo
discutidas com o intuito de encaminhar esta questão.
Diversos autores têm enfatizado que o manejo adequado do câmbio
é essencial para o crescimento econômico. William Easterly encontrou
evidências que uma valorização excessiva da taxa de câmbio tem um efeito
adverso no crescimento. Recentemente, Dani Rodrick argumentou que não
apenas o câmbio excessivamente valorizado prejudica o crescimento
econômico, mas também que um câmbio competitivo auxilia o crescimento
de países em desenvolvimento via melhoria dos preços relativos dos bens
comercializáveis (tradables) em relação ao setor de bens não
comercializáveis (non tradables).
No caso brasileiro uma primeira vertente tem argumentado que a
valorização do real é resultado de um superávit comercial robusto. Neste
cenário, o país deve aprender a conviver com um real apreciado e a
estrutura produtiva brasileira deve se especializar em setores que têm uma
vantagem comparativa no comércio internacional, isto é, se especializar na
indústria intensiva em recursos naturais, tais como a mineração e o álcool.
A solução para uma eventual valorização da moeda local seria aumentar o
coeficiente de importação. A questão central deste argumento é que,
mesmo que o equilíbrio do setor externo seja obtido, isto não garantirá que
o equilíbrio doméstico (principalmente a geração de emprego e renda) seja
sustentável no médio e longo prazo.
Uma segunda corrente argumenta que a origem da valorização
excessiva do câmbio ocorre em razão de uma oferta excessiva de dólares
gerada por diferenças entre as taxas de juros internacional e nacional. Ou
ainda isto pode ocorrer em função de altas de preços e das quantidades
das commodities exportadas pelo país, o que induz a geração de efeitos tal
como da a doença holandesa (dutch disease). Os defensores deste
diagnóstico defendem a inovação e a diversificação produtiva como o
caminho para um país como o Brasil, em função do efeito de indução dos
investimentos e seus transbordamentos para o conjunto da economia. A
solução para estes autores seria uma redução mais rápida da Selic, algum
controle sobre os capitais especulativos ou ainda uma taxação sobre as
principais commodities exportadas. O problema deste argumento é que
estas medidas inibiriam a entrada de dólares no país, divisas estas que
podem auxiliar no financiamento da dívida pública, com efeitos benéficos
nos juros reais de longo prazo.
Abertura da indústria nacional e redução de passivos externos
enfraqueceriam real frente a outras moedas
Uma terceira corrente tem caminhado no sentido de alertar que a
restrição à divisas estrangeiras seria como ganhar na loteria (abundância
de divisas) e não querer receber o prêmio. A questão central seria como
fazer um uso racional destas divisas, evitando assim uma apreciação
excessiva do real e permitindo uma redução dos juros reais. Repetir a
experiência do primeiro mandato do governo FHC via aumento do consumo
de importados, turismo no exterior e crescente déficit em transações
correntes não seria desejável pois, como a experiência demonstrou,
impediria um crescimento sustentável no médio e longo prazo.
A estratégia correta no nosso entender é avançar nesta terceira
proposta, colocando o BNDES como agente central de uma nova estratégia
de desenvolvimento baseada em uma maior internacionalização da
indústria do país. Esta estratégia deve ter como propósito a promoção do
crescimento sustentável, mantido o equilíbrio doméstico e externo no longo
prazo. A estrutura industrial interna deveria ser diversificada o suficiente
para ter na indústria intensiva em recursos naturais um agente central do
esforço exportador sem, no entanto, abrir mão de uma indústria intensiva
em escala e em tecnologia, visto que a indústria intensiva em recursos
possui pouco dinamismo inovador endógeno e poucos encadeamentos
produtivos e de emprego com o resto da economia. As
complementaridades existentes entre estas três indústrias justificam tal
esforço.
Com o intuito de atingir tal propósito, um caminho importante a
trilhar seria o de internacionalização do BNDES e do BNDESPAR. Esta
internacionalização deveria ser perseguida com os seguintes objetivos: 1)
induzir as empresas brasileiras a inovarem, buscando uma aproximação à
fronteira tecnológica, seja via importação de equipamentos de última
geração ou joint-ventures com empresas líderes no exterior, ou ainda
através da compra de ativos ou ações no exterior em setores estratégicos
a indústria local; 2) facilitar a internacionalização de empresas nacionais
em setores competitivos como siderurgia e agronegócio; 3) facilitar a
transferência de plantas locais em setores intensivos em mão-de-obra não
mais competitivas no território brasileiro como, por exemplo, calçados e
têxtil, para países do Mercosul ou mesmo para outros países com
abundância neste fator; 4) reduzir o passivo externo de empresas locais
via empréstimos do BNDES com moeda local nas mesmas condições dos
empréstimos externos, quitando os empréstimos internacionais e,
conseqüentemente, reduzindo parte da dívida externa.
Em síntese, uma maior internacionalização da indústria brasileira,
aliada à redução de passivos externos, promoveria um enfraquecimento
salutar do real frente a outras moedas (como o dólar) no curto prazo, ao
mesmo tempo criaria um fluxo de rendas do exterior para o país no médio
prazo, aliviando pressões futuras no balanço de pagamentos. A redução
dos juros reais, combinada com uma moeda local menos apreciada e uma
política industrial consistente, geraria as condições macroeconômicas
necessárias para a sustentação do crescimento econômico do país no longo
prazo.
Fábio Dória Scatolin, José Gabriel Porcile e Marcelo Curado
são professores do Departamento de Economia da UFPR.
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