4 - Macroambiente

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O MERCADO CAMBIAL
Gerson Lima1
O mercado de câmbio pode ser visto como o lugar onde se transacionam moedas
estrangeiras, as divisas como o dólar por exemplo, e cujas forças de oferta e demanda
determinam o volume de divisas transacionadas e a taxa de câmbio de equilíbrio, ou seja,
o preço das divisas em termos da moeda nacional. A taxa de câmbio, isto é, o preço da
moeda estrangeira, é determinado no mercado cambial através da interação entre as
curvas de oferta e de demanda de divisas, dados os níveis das variáveis exógenas
pertinentes.
1. A ESTRUTURA DO MERCADO
A demanda de divisas provém da necessidade de se comprar moeda estrangeira
para realizar importações ou enviar renda ao exterior. A demanda de divisas é uma
relação entre a quantidade demandada D e a taxa de câmbio TC, relação esta que tem o
sinal negativo, pois o aumento do preço da divisa deixa o produto importado mais caro e,
portanto, reduz as importações. A demanda por divisas é deslocada lateralmente pelas
seguintes variáveis exógenas principais:
P - o preço interno dos produtos e serviços, com sinal positivo pois, quanto mais
caro for o produto nacional, isto é, quanto menor a concorrência do produto nacional,
maior será o desejo de importar produtos similares,
PE - o preço externo dos produtos e serviços, com sinal negativo pois, quanto
mais caro for o produto concorrente importado, maior será a demanda de produtos
nacionais,
RLE – a renda enviada para o exterior, como por exemplo para pagar os juros da
dívida externa. O efeito de deslocamento aqui é negativo pois, quanto maior a renda
enviada ao exterior, menor a renda disponível para gastar internamente com o consumo
de todos os produtos, inclusive os importados.
Por outro lado, a oferta de divisas é gerada pela demanda de exportações X, ou
seja, pela demanda de produtos brasileiros por parte de pessoas e empresas com
domicílio no exterior. Os exportadores nacionais recebem divisas pelas suas exportações
mas, como vivem no Brasil, gastam em reais e, para ter os reais, oferecem estas divisas
à venda no mercado cambial. A oferta de divisas é uma relação entre a quantidade
ofertada X e a taxa de câmbio TC, relação esta que tem sinal positivo, pois uma alta do
valor da divisa estrangeira expande o lucro do exportador e estimula o aumento das
exportações. Assim, quanto mais alto o preço do dólar, maior será a exportação e maior
será a quantidade disponível de dólares para vender no mercado cambial. A oferta de
divisas é deslocada lateralmente pelas seguintes variáveis exógenas principais:
1
Doutor em Teoria Econômica pela Universidade de Paris e professor da Facinter.
P - o preço interno dos produtos e serviços, com sinal negativo pois, quanto mais
caro for o produto nacional, menor será o interesse do importador estrangeiro em
comprar produtos brasileiros,
YE – a renda do importador estrangeiro, que é obtida no exterior, em moeda de
lá. O sinal aqui é positivo pois, como sempre, quanto mais rico o consumidor, mais à
direita estará a curva de demanda.
Fazendo-se a estimativa das curvas de oferta e demanda de dólares no Brasil, no
período de 1970 a 1995, obteve-se a seguinte estrutura do mercado de divisas, com os
valores de 1995 das variáveis exógenas:
DEMANDA: D = 81.18 - 5.626 TC
OFERTA:
Q = 52.36 + 14.280 TC
onde D e Q são medidas em bilhões de reais e a taxa de câmbio TC em reais por dólar.
Resolvendo-se este sistema de equações, encontra-se uma taxa de câmbio de
equilíbrio do mercado de 1,45 reais por dólar (valor observado: R$ 1,06 por dólar na
média do ano de 1995), enquanto que as quantidades ofertada Q e demandada D em
equilíbrio, ou seja, o volume transacionado de dólares por ano, seria de 73 bilhões de
reais, dos quais 8,7 correspondem às remessas de renda líquida ao exterior RLE e 64,3
às importações de bens e serviços. É muito importante que se observe que tanto a
demanda quanto a oferta de dólares no Brasil são muito inelásticas: a elasticidade da
demanda é -0,1 e a da oferta é 0,3. Isto significa que os deslocamentos tanto da curva
de oferta quanto da curva de demanda causam flutuações sensíveis da taxa de câmbio,
mas pouco varia o volume de dólares transacionado.
2. A INTERVENÇÃO DO GOVERNO NO MERCADO
O governo tem poder para interferir neste mercado, tanto quanto em qualquer
outro. Uma possível medida seria, por exemplo, a de elevar o preço do dólar (desvalorizar
a moeda nacional) com o objetivo de aumentar o nível de emprego interno através do
incentivo à produção para exportação e, ao mesmo tempo, da redução da competitividade
do produtor estrangeiro, pois as importações ficariam mais caras. Entretanto, no Brasil
freqüentemente se pratica o oposto. Em geral valoriza-se a moeda nacional, com base em
diversos argumentos tocantes, mas sempre com o mesmo resultado: aumento das
importações e queda no emprego nacional.
O Gráfico abaixo é uma ilustração das duas alternativas com as quais pode-se
gerar artificialmente uma valorização cambial, ou seja, uma queda no preço do dólar. No
lado a apresenta-se uma primeira alternativa, que hoje seria considerada como
“jurássica”. Neste caso o Banco Central tabela diretamente o preço da divisa estrangeira,
digamos ao nível de 1.06 e monopoliza totalmente o mercado, de forma que todos os
exportadores são obrigados a vender os seus dólares ao Banco Central que, por outro
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lado, é o único fornecedor de dólares para os que querem comprar para importar ou
remeter renda ao exterior. Em conseqüência do tabelamento, há um excesso de
demanda, pois a quantidade demandada de dólares com esta taxa de câmbio favorável ao
importador é QT, mas a quantidade que os exportadores de fato conseguiram obter com
suas vendas ao exterior, ou seja, a quantidade que os ofertantes têm para vender no
mercado livre, é apenas QL. O excedente (QT – QL) deverá ser fornecido pelo Banco
Central que, para isso, tomará dólares emprestados no mercado internacional (capitais
autônomos) ou no FMI (capitais compensatórios).
GRÁFICO: INTERVENÇÃO NO MERCADO CAMBIAL
(a) TABELAMENTO
P
(b) CAPITAIS AUTÔNOMOS
P
X
1.45
X
X+K EXT
1.45
Preço Tabelado
1.06
1.06
Z + RLE
QL
QT
Q
Z + RLE
QL
QT
Q
Contudo, como acontecia no Brasil até 1990, em geral o Banco Central não
consegue oferecer todo o excesso (QT – QL) e assim, na impossibilidade de serem
atendidos todos os compradores de dólares, vários problemas acontecem, dois deles em
especial. Primeiro, o aparecimento do mercado paralelo, ou mercado negro, é inevitável.
Em segundo lugar, o governo acaba por criar regras de acesso à compra de dólares,
usando argumentos como por exemplo o de que é preciso priorizar as máquinas, os
equipamentos e as matérias primas não disponíveis no país. Estes argumentos são pouco
consistentes, pois estes produtos poderiam ser comprados sem este artifício, bastando
então arrecadar mais dólares na exportação e gastar menos na importação.
O lado b do Gráfico mostra uma segunda forma de se valorizar a moeda nacional,
uma forma moderna, associada ao aumento da globalização dos mercados financeiros.
Ocorre aqui uma entrada de capitais externos KEXT no país de modo autônomo, atraído
pelo lucro fácil da aplicação no mercado financeiro, em especial nos títulos da dívida
pública, e independente de financiamentos das exportações e das importações. A entrada
de capitais transforma-se então numa oferta autônoma de divisas no mercado cambial,
ou seja, uma oferta que nada tem a ver com o sucesso das exportações das empresas
instaladas no Brasil. Esta entrada de capitais externos deslocando para a direita a curva
de oferta de dólares, agora identificada por (X + KEXT). Com isso, a taxa de câmbio tem
uma redução, da mesma forma que anteriormente, mas agora a intervenção do governo
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fica disfarçada, tão disfarçada que alguns chegam a pensar que o mercado cambial está
livre.
Estes capitais externos são autônomos no sentido de que o governo não mais
toma a iniciativa sistemática de buscar empréstimos no exterior, como fazia no tempo do
tabelamento. Muitas pessoas e especialistas acreditam que estes capitais estejam fluindo
para o país por causa do lucro na atividade produtiva. Esta alternativa é pouco provável,
pois o câmbio sobrevalorizado é, na prática, um sinal de dificuldades na exportação e de
baixas taxas de crescimento do país, o que costuma não recomendar investimentos e
menos ainda os investimentos externos, normalmente de grande porte.
Às vezes estes capitais entram no país, por força de alguma legislação específica,
originalmente para a aquisição de ações através das bolsas de valores, sendo então
classificados nas estatísticas oficiais como “investimentos”. São também classificados
como “investimentos” os simples empréstimos da matriz estrangeira para a empresa
afiliada no Brasil, empréstimos estes que no mais das vezes são utilizados para a remessa
de lucros disfarçada no pagamento de juros.
Quando os capitalistas financeiros estrangeiros, ou os brasileiros que converteram
parte de seus capitais em dólares, percebem um alto risco de um calote, eles reduzem
suas aplicações no Brasil. Aí o Banco Central depende só de “suas” reservas para regular
o preço do dólar. Quando acontece destas reservas serem baixas demais, o que aliás é
um fato corriqueiro, o governo recorre ao FMI, fazendo um “acordo” e recebendo
empréstimos de elevados valores para consolidar a dívida existente, aumentar a
“credibilidade” do país e incentivar a volta dos capitais autônomos.
No caso do Brasil, observa-se que o efeito da entrada de capitais sobre a taxa de
câmbio é “sensível”. Esta característica está associada à elasticidade da demanda de
dólares, que é muito baixa (-0.1). Assim, basta um modesto aporte de capitais externos
para provocar uma queda significativa no câmbio. De fato, adicionando-se o fluxo de
capitais medido pelo saldo do balanço de pagamentos de 1995, que foi um superávit
equivalente a 8.3 bilhões de reais, a taxa de equilíbrio passa a ser de R$ 1,02 por dólar,
muito próxima daquela que foi observada na prática (1,06). É claro que o contrário
também acontece: basta uma modesta fuga dos capitais externos para que haja uma
forte pressão altista sobre a taxa de câmbio.
Estes dados sugerem que o Brasil segue a recomendação doutrinária moderna,
defendida pelo FMI, e toma dólares emprestados para importar bens e serviços de
maneira geral, ou seja, sem controle e sem priorizar matérias primas e bens de capital.
Entretanto, não é evidente qual seja a medida do KEXT relevante para deslocar a
curva de oferta de divisas, posto que o Banco Central na realidade administra o nível
desejado da taxa de câmbio através da compra e venda de divisas de “suas” reservas
internacionais. Ou ainda vende títulos da dívida com correção cambial. Em outros termos,
independentemente da forma como obtém o capital externo, o Banco Central coloca e
retira do mercado o quanto for necessário de KEXT para manter a taxa de câmbio dentro
da faixa que ele deseja. Isto significa que é impraticável prever-se qual será o nível da
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taxa de câmbio em qualquer conjuntura, pois este nível depende da decisão autônoma do
Banco Central quanto a este nível, do quanto ele dispõe de reservas para impor sua
decisão, e do apoio do FMI, seja diretamente, em bilhões de dólares, ou indiretamente,
na forma de elogios à política econômica brasileira.
Este modo de atrair capital financeiro externo para manter a moeda nacional
valorizada implica também que a taxa de câmbio foi em parte desvinculada do lado real
da economia, passando a ter um papel meramente financeiro, atuando apenas como mais
um instrumento da política monetária de suposto combate à inflação.
É certo que a divisa pode também ser um ativo financeiro mas, mais importante
do que isto, a taxa de câmbio é a via de acesso aos diversos mercados financeiros do
mundo. Por isso, grande parte da oferta e da demanda de divisas deve-se ao interesse
em aplicar em certos mercados financeiros, ou seja, em títulos públicos e privados que
rendem juros. Mas, para ser aplicado em um título, o capital externo tem que ser
convertido para a moeda local (vendendo divisas) à taxa de câmbio vigente naquele
momento e, depois de resgatado o título, o capital será reconvertido (comprando divisas)
à taxa de câmbio vigente neste momento do resgate. Da taxa de juros efetivamente
recebida pelo aplicador externo deve ser subtraída a eventual perda ocorrida, ou somado
o eventual ganho havido, na troca de moeda.
Em outros termos, o investidor externo primeiro vende seus dólares, ficando então
com reais. Na hora de sair do país ele precisa (re)comprar os dólares e, para isso, ele tem
os reais originais e mais os juros que ganhou. Se, entretanto, neste ínterim o real foi
desvalorizado, ele comprará menos dólares do que esperava, tendo então uma perda na
aplicação. Para o investidor externo é, portanto, extremamente importante a estabilidade
ou pelo menos a previsibilidade das cotações cambiais. Para que o capital externo
continue entrando de forma a deslocar a curva de oferta de dólares, é importante que
seja garantido ao investidor externo que a taxa de câmbio vai permanecer no nível
mesmo patamar de sempre (que é artificialmente valorizado).
Contudo, a longo prazo é impossível manter o mercado estável à base das
reservas emprestadas e das taxa de juros elevadas. Como esta situação é insustentável a
longo prazo, um dia haverá uma crise cambial ou, em termos modernos, um “ataque
especulativo” à moeda nacional. O ataque especulativo é um movimento irracional da
taxa de câmbio, com os vendedores e compradores fazendo um estressante exercício em
busca do ponto de equilíbrio entre a demanda e a oferta de dólares, pois ninguém sabe
quanto há ou deixa de haver de capital externo e, portanto, ninguém sabe qual é a
posição da curva de oferta. Esta crise, associada à intenção do Banco Central de
recuperar a estabilidade e voltar a praticar a política de valorização da taxa de câmbio,
em geral tem repercussões traumáticas sobre a economia do país. O país que se
compromete a garantir a estabilidade cambial com a moeda nacional artificialmente
valorizada coloca-se voluntariamente numa armadilha.
Curitiba, agosto de 2009.
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