Colégio SESI UMUARAMA Ensino Médio OFICINA ATITUDE APOSTILA DE FILOSOFIA 1º BIMESTRE UMUARAMA/PR 1 O AGIR HUMANO COMO PROBLEMA FILOSÓFICO Muitas vezes, tomamos conhecimento de movimentos nacionais e internacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países e no nosso, milhares de pessoas, sobretudo crianças e velhos, morrem de penúria e inanição. Sentimos piedade. Sentimos indignação diante de tamanha injustiça (especialmente quando vemos o desperdício dos que não têm fome e vivem na abundância). Sentimos responsabilidade. Movidos pela solidariedade, participamos de campanhas contra a fome. Nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso moral. Quantas vezes, levados por algum impulso incontrolável ou por alguma emoção forte (medo, orgulho, ambição, vaidade, covardia), fazemos alguma coisa de que, depois, sentimos vergonha, remorso, culpa. Gostaríamos de voltar atrás no tempo e agir de modo diferente. Esses sentimentos também exprimem nosso senso moral. Em muitas ocasiões, ficamos contentes e emocionados diante de uma pessoa cujas palavras e ações manifestam honestidade, honradez, espírito de justiça, altruísmo, mesmo quando tudo isso lhe custa sacrifícios. Sentimos que há grandeza e dignidade nessa pessoa. Temos admiração por ela e desejamos imita-la. Tais sentimentos e admiração também exprimem nosso senso moral . Não raras vezes somos tomados pelo horror diante da violência: chacinas de seres humanos e animais, linchamentos, assassinatos brutais, estupros, genocídio, torturas e suplícios. Com freqüência, ficamos indignados ao saber que um inocente foi injustamente acusado e condenado, enquanto o verdadeiro culpado permanece impune. Sentimos cólera diante do cinismo dos mentirosos, dos que usam outras pessoas como instrumento para seus interesses e para conseguir vantagens às custas da boa-fé de outros. Todos esses sentimentos manifestam nosso senso moral. Vivemos certas situações, ou sabemos que foram vividas por outros, como situações de extrema aflição e angústia. Assim, por exemplo, uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas porque seu corpo está ligado a máquinas que a conservam. Suas dores são intoleráveis. Inconsciente, geme no sofrimento. Não seria melhor que descansasse em paz? Não seria preferível deixá-la morrer? Podemos desligar os aparelhos? Ou não temos o direito de fazê-lo? Que fazer? Qual a ação correta? Uma jovem descobre que está grávida. Sente que seu corpo e seu espírito ainda não estão preparados para a gravidez. Sabe que seu parceiro, mesmo que deseje apoiá-la, é tão jovem e despreparado quanto ela e que ambos não terão como se responsabilizar plenamente pela gestação, pelo parto e pela criação de um filho. Ambos estão desorientados. Não sabem se poderão contar com o auxílio de suas famílias (se as tiverem). Se ela for apenas estudante, terá que deixar a escola para trabalhar, a fim de pagar o parto e arcar com as despesas da criança. Sua vida e seu futuro mudarão para sempre. Se trabalha, sabe que perderá o emprego, porque vive numa sociedade onde os patrões discriminam as mulheres grávidas, sobretudo as solteiras. Receia não contar com os amigos. Ao mesmo tempo, porém, deseja a criança, sonha com ela, mas teme dar-lhe uma vida de miséria e ser injusta com quem não pediu para nascer. Pode fazer um aborto? Deve fazê-lo? Um pai de família desempregado, com vários filhos pequenos e a esposa doente, recebe uma oferta de emprego, mas que exige que seja desonesto e cometa irregularidades que beneficiem seu patrão. Sabe que o trabalho lhe permitirá sustentar os filhos e pagar o tratamento da esposa. Pode aceitar o emprego, mesmo sabendo o que será exigido dele? Ou deve recusá-lo e ver os filhos com fome e a mulher morrendo? Um rapaz namora, há tempos, uma moça de quem gosta muito e é por ela correspondido. Conhece uma outra. Apaixona-se perdidamente e é correspondido. Ama duas mulheres e ambas o amam. Pode ter dois amores simultâneos, ou estará traindo a ambos e a si mesmo? Deve magoar uma delas e a si mesmo, rompendo com uma para ficar com a outra? O amor exige uma única pessoa amada ou pode ser múltiplo? Que sentirão as duas mulheres, se ele lhes contar o que se passa? Ou deverá mentir para ambas? Que fazer? Se, enquanto está atormentado pela decisão, um conhecido o vê ora com uma das mulheres, ora com a outra e, conhecendo uma delas, deve contar a ela o que viu? Em nome da amizade, deve falar ou calar? Uma mulher vê um roubo. Vê uma criança maltrapilha e esfomeada roubar frutas e pães numa mercearia. Sabe que o dono da mercearia está passando por muitas dificuldades e que o roubo fará diferença para ele. Mas também vê a miséria e a fome da criança. Deve denunciá-la, julgando que com isso a criança não se tornará um adulto ladrão e o proprietário da mercearia não terá prejuízo? Ou deverá silenciar, pois a criança corre o risco de receber punição excessiva, ser levada para a polícia, ser jogada novamente às ruas e, agora, revoltada, passar do furto ao homicídio? Que fazer? Situações como essas – mais dramáticas ou menos dramáticas – surgem sempre em nossas vidas. Nossas dúvidas quanto à decisão a tomar não manifestam apenas nosso senso moral, mas também põem à prova nossa consciência moral , pois exigem que decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as conseqüências delas, porque somos responsáveis por nossas opções. Todos os exemplos mencionados indicam que o senso moral e a consciência moral referem-se a valores (justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade), a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, remorso, contentamento, cólera, amor, dúvida, medo) e a decisões que conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Embora os conteúdos dos valores variem, podemos notar que estão referidos a um valor mais profundo, mesmo que apenas subentendido: o bom ou o bem. Os sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bom e o mau ou entre o bem e o mal, também estão referidos a algo mais profundo e subentendido: nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmos, seja por recebermos a aprovação dos outros. O senso e a consciência moral dizem respeito a valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva. (CHAUÍ: 1995, 334-335). A preocupação pelo sentido da ação humana é talvez a mais evidente das questões humanas e, quiçá, a mais fundamental. É fato de experiência que a ação e o comportamento humano tenham a ver com certas regras e normas. Os pais ensinam aos filhos determinadas normas de comportamento; assim faz a escola; nós julgamos certas ações dos outros como corretas ou erradas. O questionamento em relação às ações humanas é muito amplo: Como eu devo agir? O que é licito e o que não é lícito fazer? O que constitui o bem e o que constitui o mal? O bem é apenas uma questão de opinião ou existem regras morais objetivas obrigatórias para todas as pessoas? A partir de que avaliar a ação humana? De que princípio ou modelo? Como se caracteriza uma vida “boa” e uma vida “imoral”? Esses questionamentos afetam praticamente a vida humana. Ninguém pode dizer a si mesmo e ao outro: “Faça o que quiser!, pois, assim, não haverá vida realmente humana, acaba-se com qualquer possibilidade de convivência e a própria existência humana perde todo o sentido. As normas de vida não são mecânicas nem são por si evidentes – elas envolvem a liberdade humana. Cabe ao homem descobrir, evidenciar e formular essas normas. Não são normas “genéticas”, como num animal: o homem é um ser livre e é na sua liberdade que ele descobre essas normas de vida. Numa colméia ou num formigueiro, cada regra é imposta pela natureza, é necessária; ao passo que na sociedade humana só uma coisa é natural: a necessidade de uma regra. (J. Maritain). Que regras e que normas? De onde elas procedem? Como elas se fundamentam e se justificam? Essa é a tarefa da Ética: ela é uma investigação sobre o fundamento das normas de vida e de convivência. 2 ÉTICA 2.1 ÉTICA: CONCEITUAÇÃO Ética: do grego “ethos” (=costumes): filosofia dos costumes. Costume: práticas de vida habituais do homem. Moral: do latim “mos,moris” (=costume): filosofia dos costumes Moral Religiosa: moral fundamentada nos dados da Revelação ou nos princípios religiosos. Direito: ciência da legitimidade das ações e práticas humanas a partir de uma legislação estabelecida. De maneira geral, o Direito se refere sempre a um código escrito e a Mora/Ética se refere a um código não escrito. 2.2 ÉTICA: OS SISTEMAS ÉTICOS NA SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA a) Ética clássica O pioneiro da sistematização e fundamentação da Ética foi Aristóteles (Ética a Nicômaco). A essa parte da Filosofia que trata da ação humana, Aristóteles chamou de “Filosofia prática”. A obra aristotélica influencia a filosofia medieval cristã, principalmente São Tomás de Aquino, sua autoridade maior, que delineia o que chamamos de “Ética Clássica Ocidental”. A Ética clássica possui as seguintes características: ela se liga à Metafísica, mais propriamente à causalidade final. Todo ser é bom na medida em que realiza a sua essência e sua finalidade. Assim também o homem. Qual é a essência do homem? Ela está na sua alma intelectual: guiar-se pela razão nos seus atos é fundamentalmente agir moralmente. Mas como isso se dá concretamente? A vontade livre descobre na consciência uma lei natural que orienta os seus atos. Para Aristóteles, a atividade correta de cada ente é a que lhe é própria por natureza e à qual está ordenado por sua própria essência. E isso porque toda a ação e atuação seguem o ser do operante. Pergunta-se o filósofo: “Assim como ao olho, à mão, ao pé em geral a cada membro corresponde uma atividade determinada, não seria necessário admitir também que ao homem corresponde uma atividade especial? E qual poderia ser ela? Evidentemente que não é a vida, porque a vida é própria também às plantas. Para nós, sem dúvida, o que conta é o específico humano”. Pensa, pois, que toda a determinação do bem ético está em uma relação teórica com a essência do homem. Por conseguinte, o bem ético corresponde à essência do homem e nele o ser humano encontra a sua perfeição. (ANZENBACHER: 1984, 290). Poderíamos resumir a ética dos antigos em três aspectos principais: 1. O racionalismo (intelectualismo): a vida virtuosa é agir em conformidade com a razão, que conhece o bem, o deseja e guia a nossa vontade até ele. 2. O naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a Natureza (o cosmos) e com nossa natureza (nosso “ethos”), que é parte de todo o natural. 3. A inseparabilidade entre ética e política: isto é, entre a conduta do indivíduo e os valores da sociedade, pois somente na existência compartilhada com outros encontramos liberdade, justiça e felicidade. A ética, portanto, era concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente os impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade, e para formá-lo como membro da coletividade sócio-política. Sua finalidade era a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos. (CHAUÍ: 1995, 342). Dentro da ética clássica temos a importante figura de São Tomás de Aquino. O Aquinate fundamenta-se muito nos princípios da ética de Aristóteles, embora a completa em diversos aspectos. A ética tomista apóia-se, sobretudo, no conceito de “fim último” do homem, que é Deus. Desse fim último, o homem deduz o sentido de sua vida e os valores que orientam a sua existência. Toda a Ética de São Tomás é deduzida do princípio “Deus é o fim último do homem”, princípio de que se deduz a doutrina da felicidade e da virtude. (ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: 1982. p. 361) Disso se deduz que a Ética, embora tenha um fundamento racional, é fruto da graça de Deus. b) Ética kantiana O filósofo alemão Immanuel Kant (século XVIII) pretendia mudar inteiramente a perspectiva ética. Ele afirmava que não se podia fundamentar a ética em algum fato da experiência nem em algum bem objetivo (mesmo porque, negando a Metafísica, Kant nega a possibilidade de se conhecer algum bem ou valor em si). A fundamentação da ética é transferida, então, para dentro da própria razão. A razão contém em si um princípio ou um senso, que ele chama de “imperativo categórico a priori do dever”. Existe a percepção ou o “senso do dever” na razão prática. Então, é moral o que é feito pela consciência e senso do dever. O dever, afirma Kant, não se apresenta através de um conjunto de conteúdos fixos, que definiriam a essência de cada virtude e diriam que atos deveriam ser praticados e evitados em cada circunstâncias de nossas vidas. O dever não é um catálogo de virtudes nem uma lista de “faça isto” e “não faça aquilo”. O dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral. Essa forma não é indicativa, mas imperativa. O imperativo não admite hipóteses (“se...então...”) e nem condições que o fariam valer em certas situações e não valer em outras, mas vale incondicionalmente e sem exceções para todas as circunstâncias de todas as ações morais. Por isso, o dever é um “imperativo categórico”. Ordena incondicionalmente. Não é uma motivação psicológica, ma a lei moral interior. (CHAUÍ: 1995, 346). Uma das normas práticas de Kant assim se expressa: “Age de modo que a máxima de tua ação possa sempre valer também como princípio universal de conduta”. A partir disso, nos questionamos: a ética de Kant seria um mero formalismo, sem conteúdo objetivo? Independentemente, Kant operou no campo da ética uma “revolução copernicana”, pois transferiu o olhar da objetividade ética para a subjetividade ética, isto é, abarcou o aspecto “intra” em detrimento do aspecto “extra”. c) Moral sensista A moral sensista é a moral derivada do Empirismo e também do Positivismo; a ética não pode fundamentar-se em princípios racionais, que não podem ser conhecidos, mas deve fundamentar-se na experiência. E a experiência nos ensina que a natureza humana procura o prazer e evita o desprazer, a dor. O prazer, então, é o fundamento da Ética. Toda a ética (como também a Filosofia) consiste em avaliar o prazer. Aqui temos a ética do utilitarismo (Bentham, Stuart-Mill, James, etc.). A natureza colocou a humanidade sob o governo de dois mestres soberanos: a dor e o prazer. Compete somente a eles apontar o que devemos fazer, assim como também determinar o que não devemos fazer. (J. Bentham). d) Ética como “ciência dos costumes” O positivismo e a Escola Sociológica (Durkheim, Lévy-Bruhl) reduzem a ética a um fato sociológico: é a sociedade que cria seus valores e seus costumes, para se conservar e se defender. Os valores são sempre produtos de um tempo e de um espaço. Não há valores, bens ou princípios universalmente válidos. Esta filosofia tem uma visão totalmente relativista da ética: os bens e os valores são mutáveis, pois dependem da sociedade que os elabora e constrói. A ética é, então, “ciência dos costumes”: deve considerar o fato moral à maneira de outros fatos sociais, descrever os costumes, os juízos e os sentimentos morais próprios às diferentes sociedades e determinar as leis de seu surgimento, desenvolvimento e evolução. É, portanto, um estudo científico do fato moral como um fato sociológico. e) Ética dos valores: Max Scheler Max Scheler (1916), escrevendo contra Kant, quer recolocar a ética na objetividade, mas se opõe também à ética clássica. Existem, para ele, valores objetivos, independentes de nossa consciência. Os valores, porém, não são racionais e sim de caráter emocional. Os valores são percebidos pela “intuição emotiva” e se impõem à nossa consciência. Existe um modo de experiência cujos objetos são absolutamente inacessíveis ao entendimento, em face do qual o entendimento é tão cego quanto a orelha e ou ouvido em face das cores, mas que é um modo de experiência que nos coloca autenticamente na presença de objetos objetivos e a ordem eterna que os liga uns aos outros, sendo que esses objetos são os valores e essa ordem é a hierarquia axiológica. (Max Scheler). 2.3 ÉTICA: PROBLEMÁTICA A problemática da ética é vastíssima, intrincada e complexa, envolvendo diversos aspectos e diversas questões. Envolve também questões metafísicas e antropológicas, das quais dependem essencialmente as colocações sobre a moral dos atos humanos. 2.3.1 As condições transcendentais do agir moral As condições transcendentais do agir moral são aqueles elementos que tornam um ato humano um ato moral ou ético. São basicamente três: liberdade, consciência e norma. Vejamos cada qual: a) Liberdade Quanto às condições transcendentais, todos os filósofos estão de acordo em reconhecer que a primeira de todas é a liberdade. Poderão debater sobre a possibilidade ou não de provar teoricamente que o homem possui essa qualidade, mas não sobre o princípio de que se o homem não é livre não se pode absolutamente falar de moralidade. Esta verdade, lucidamente ilustrada por Aristóteles na “Ética a Nicômaco”, posteriormente foi aprofundada pelos escolásticos, em particular São Tomás, Descartes e Kant. Este considera a liberdade a condutio essendi da moral e faz dela o primeiro postulado da razão prática, isto é, da filosofia moral. (MONDIN: 1980, 93-94). A consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lançar-se na ação. Tem capacidade para avaliar e pesar as motivações pessoais, as exigências feias pela situação, as consequências para si e para os outros, a conformidade entre os meios e os fins (empregar meios imorais para alcançar fins morais é impossível), a obrigação de respeitar o estabelecido ou de transgredi-lo (se o estabelecido for moral ou injusto) A vontade é esse poder deliberativo e decisório do agente moral. Para que exerça tal poder sobre o sujeito moral, a vontade deve ser livre, isto é, não pode estar submetida à vontade de um outro nem pode estar submetida aos instintos e às paixões, mas, ao contrário, deve ter poder sobre eles e elas. (CHAUÍ: 1995, 337). Enfim, somente são atos morais os atos livres do homem (não entram, portanto, os atos necessários: respirar, comer, etc.). Se o homem não é livre, não se pode absolutamente falar de moralidade. O que é a liberdade? O que são “atos livres” (= ausência de necessidade interior)? Em que medida? Entram aqui a problemática da liberdade e do determinismo. b) Consciência Outra condição transcendental da moral é o reconhecimento ou consciência. Por si só, esta já está implícita na condição anterior: para ser verdadeiramente livre, uma ação implica em que se conheça aquilo que se faz... A ausência dessa condição pode ser determinada por dois motivos: a) erro relativo àquilo que se faz (opta-se por uma coisa em vez de outra); b) falta de faculdade de raciocínio ou impedimento de seu uso em quem age (a criança, o louco, o ébrio, etc.). MONDIN: 1980, 95). Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibido, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável por suas ações e seus sentimentos e as consequências do que faz e sente. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética. (CHAUÍ: 1995, 337). c)Norma A terceira condição transcendental da moral é que a liberdade seja guiada por alguma norma, por algum princípio diretor. Uma liberdade absoluta, que recusa sujeitar-se a quaisquer leis, como a afirmada por Nietzsche e Sartre, torna-se necessariamente uma liberdade amoral. A que normas, porém, deve sujeitar-se a liberdade? Aqui tocamos a questão do critério supremo da moralidade, questão na qual os filósofos estão profundamente divididos. De um lado, encontra-se uma grande fila de autores que atribuem a função de critério supremo ao fim último para a qual se dirige o homem em suas ações. De outro lado, encontra-se um grupo bastante grande de filósofos que atribuem o papel de critério supremo às leis e aos deveres. (MONDIN: 1980, 94). A questão da norma constitui realmente o núcleo de toda a Ética. A que regras ou parâmetros se refere a liberdade e a consciência humana? A partir de que deliberar sobre uma ação a ser tomada ou como avaliar uma ação como boa ou má, como justa e virtuosa ou como viciosa e errada? Esta norma está dentro de nós (é subjetiva) ou fora de nós, independente de nós (objetiva)? Existem normas universais e incondicionais, isto é, válidas e obrigatórias para todo homem, independentemente do tempo e do lugar? Qual é a primeira norma ou o princípio mais fundamental de todos, do qual dependem todos os outros? Aqui, conforme vimos, existe uma grande divergência entre os filósofos, o que justifica o aparecimento de diversos sistemas éticos ou várias filosofias morais. 2.4 ÉTICA: SEUS DIVERSOS NÍVEIS Ética fundamental (metaética): trata dos assuntos mais fundamentais referentes ao agir humano: a existência do fato moral e a sua fundamentação; o que é intrinsecamente bom? O bem é objetivo? Ética normativa: formulação e justificação de uma teoria ética. Ética Especial (ética aplicada): a aplicação de uma teoria ética a setores particulares da ação humana ou a casos particulares. Por exemplo: bioética, ética sexual, ética econômica, ética política, ética ambiental, etc., 3 EXERCÍCIOS 1. Para Santo Agostinho, a graça é um dom gratuito de Deus, dom que nos ensina a escolher corretamente. Assim, segundo pensador medieval, o homem: a) Escolhe corretamente porque Deus lhe ilumina a vida e as escolhas. b) Escolhe incorretamente porque Deus lhe ilumina a vida e as escolhas. c) Escolhe corretamente porque é bom por natureza. d) Escolha corretamente porque é capaz de alcançar o bem por suas próprias forças. e) Escolhe corretamente porque é predestinado às escolhas. 2. Se para os filósofos da Antiguidade as escolhas éticas aconteciam em vista da racionalidade humana e para os filósofos medievais, por sua vez, em vista da graça divina, alguns filósofos modernos trarão uma novidade ao debate das escolhas. Trata-se da tese de que: a) O homem escolhe de acordo com sua racionalidade. b) O homem escolhe de acordo com sua religiosidade. c) O homem escolhe de acordo com sua natureza e paixões. d) O homem escolhe de acordo com as leis impostas. e) O homem não escolhe nada, tudo é destinado pelos deuses gregos. 3. De maneira geral podemos afirmar com respeito à Ética: (01) Trata-se de um ramo da Filosofia que se preocupa em analisar as questões éticas. (02) Trata-se da reflexão sobre as questões morais. (04) Trata-se de uma palavra de origem grega. (08) Não se trata de algo importante para nenhum segmento social. (16) Na reflexão ética estão em jogo as questões morais e dos valores. TOTAL: _______ 4. Sobre a moral, são verdadeiras as seguintes afirmações: (01) Ela corresponde ao conjunto de normas socialmente aceitas, segundo os valores de uma cultura, e que determinam a conduta dos seus membros. (02) Ela constitui um objeto de estudo e reflexão para a Filosofia. (04) Na mesma sociedade, somente alguns devem obedecer às normas morais. (08) A moral pode variar muito de uma cultura para a outra. (16) O desrespeito às normas morais é severamente punido pelas autoridades. (32) Uma norma moral jamais poderá assumir um caráter jurídico. TOTAL: _______ 5. Considerando o significado de Ética, é incorreto afirmar que: (01) Sua origem é o termo grego éthos, que significa hábito, uso ou costume. (02) Ela corresponde à área da Filosofia que se ocupa da reflexão sobre a moral, as condutas humanas e os valores que as fundamentam. (04) O termo pode ser utilizado sem restrições como sinônimo de norma moral e de norma jurídica. (08) Popularmente este termo designa a conduta desejável de profissionais, políticos e cidadãos no exercício de suas funções na sociedade. (16) Ela corresponde sempre a uma opinião negativa sobre as normas morais e jurídicas de uma cultura. (32) Ela pode ser considerada sinônimo de Filosofia Moral. TOTAL: _______ 6. No tocante à etimologia das palavras, relacione corretamente as colunas: (a) Anomia (b) Heteronomia (c) Autonomia ( ( ( ) Ausência de lei ) Lei interna ) Lei externa 7. Trata-se ela da área da Filosofia que investiga as condutas humanas. Estamos nos referindo a: a) Estética. b) Moral. c) Ética. d) Liberdade. e) Responsabilidade. 8. A virtude é pois uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consiste numa mediania (...) (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 33). Com base no texto e nos conhecimentos sobre a virtude em Aristóteles, assinale a alternativa correta: a) A virtude é o governo das paixões para cumprir uma tarefa ou uma função. b) A virtude realiza-se no mundo das ideias. c) A virtude é a obediência aos preceitos divinos. d) A virtude é a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta. e) A virtude tem como fundamento a utilidade da ação. 9. (UEM 2009) “A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral.” (ARANHA, Maria L. de Arruda e MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 301). A ética nasce quando a indagação formula duas questões: primeiro, de onde vêm e o que valem os costumes; segundo, o que é o caráter de cada pessoa, isto é, seu senso e consciência moral. Assinale o que for correto. 01) Para Nietzsche, a ética institui um “dever ser” moral, os princípios e os valores que ela dita são universais, portanto válidos para todos os homens, independentemente do tempo e do espaço. 02) As perguntas dirigidas por Sócrates aos atenienses sobre o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir inauguram a filosofia moral, porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos pela determinação do seu ponto de partida, isto é, a consciência do agente moral. 04) Para Aristóteles, a ética fundamenta-se em princípios ascéticos, em uma moral da abnegação, como condições indispensáveis para impor aos homens um “dever ser” capaz de conter o caráter perverso dos seus instintos e paixões. 08) A ética não se confunde com a política, todavia elas mantêm entre si uma relação necessária, pois a formação ética é, ao sobrepor os interesses coletivos aos individuais, importante para o exercício da cidadania. 16) Para Kant, não existe bondade natural. Por natureza, o homem é egoísta, ambicioso, destrutivo, ávido de prazeres que nunca o saciam e pelos quais mata, mente, rouba; é a razão pela qual precisa do dever para se tornar um ser moral. TOTAL: _______ 10. Sobre a moral, são verdadeiras as seguintes afirmações: 01) Ela corresponde ao conjunto de normas socialmente aceitas, segundo os valores de uma cultura, e que determinam a conduta dos seus membros. 02) Ela constitui um objeto de estudo e reflexão para a Filosofia. 04) Na mesma sociedade, somente alguns devem obedecer a normas morais. 08) A moral pode variar muito de uma cultura para a outra. 16) O desrespeito às normas morais é severamente punido pelas autoridades. 32) Uma norma moral jamais poderá assumir um caráter jurídico. TOTAL: _______ 11. Considerando o significado de Ética, é incorreto afirmar que: 01) Sua origem é o termo grego éthos, que significa hábito, uso ou costume. 02) Ela corresponde à área da Filosofia que se ocupa das reflexões sobre a moral, às condutas humanas e os valores que as fundamentam. 04) O termo pode ser utilizado sem restrições como sinônimo de norma moral e de norma jurídica. 08) Popularmente, esse termo designa a conduta desejável de profissionais, políticos e cidadãos no exercício de suas funções na sociedade. 16) Ela corresponde sempre a uma opinião negativa sobre as normas morais e jurídicas de uma cultura. 32) Ela pode ser considerada sinônimo de Filosofia Moral. TOTAL: _______ 12. (UEM 2011) “Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido e à conduta correta e à incorreta, válidos para todos os seus membros” (CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 13ª ed. São Paulo: Ática, 2005, p.310). Sobre a moral, assinale o que for correto. 01) A ética nasce quando se passa a indagar o que são, de onde vêm e o que valem os costumes, pois a ética não pode ser dissociada da filosofia moral. 02) Santo Agostinho rompe com a concepção moral da religião maniqueísta ao defender que o mal não tem uma entidade, mas é a ausência do bem. 04) A ética hegeliana fundamenta-se no princípio rousseauniano da bondade natural dos homens, segundo o qual a sociedade é que a corrompe. 08) Immanuel Kant afirma que o homem é um ser ávido de prazeres insaciáveis, em nome dos quais ele rouba e mata. Para Kant, não existe bondade natural, pois a natureza do homem é egoísta, ambiciosa, agressiva e cruel. 16) Pode-se afirmar, com base nos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente, a ética inicia-se com Sócrates. TOTAL: _______ 13. (UEM 2011) Para Nicola Abbagnano, a liberdade “tem três significações fundamentais, correspondentes a três concepções que se sobrepuseram ao longo de sua história e que podem ser caracterizadas da seguinte maneira: 1. Liberdade como autodeterminação ou autocausalidade, segundo a qual a liberdade é ausência de condições e de limites; 2. Liberdade como necessidade, que se baseia no mesmo conceito da precedente, a autodeterminação, mas atribuindo-a à totalidade a que o homem pertence (Mundo, Substância, Estado); 3. Liberdade como possibilidade ou escolha, segundo a qual a liberdade é limitada e condicionada, isto é, finita” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução da 1.ª ed. coordenada e revista por Alfredo Bossi. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.699). Sobre a liberdade, assinale o que for correto. 01) O anarquismo individualista defende a segunda concepção de liberdade, expressa no enunciado. 02) A filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre desenvolve a primeira concepção de liberdade, expressa no enunciado. 04) A filosofia de Georg Wilhelm Hegel identifica-se com a segunda concepção de liberdade, expressa no enunciado. 08) Para Thomas Hobbes, existe uma liberdade de fazer, não uma liberdade de querer; portanto, a liberdade para este filósofo é caracterizada pela terceira concepção, expressa no enunciado. 16) Enquanto as duas primeiras concepções de liberdade, expressas no enunciado, possuem um núcleo conceitual comum, a terceira não recorre a esse núcleo. TOTAL: _______ 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: 1982. ANZENBACHER, A. Introducción a la Filosofia. Barcelona: Herder. 1984. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática. 1995. MONDIN, B. Introdução à Filosofia. São Paulo: Paulinas. 1980.