OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS PAIS AOS FILHOS

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OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS PAIS AOS FILHOS MAIORES
ANA PAULA ENGRAZIA BETTIO1
RESUMO
A presente pesquisa apresenta uma análise geral do instituto dos alimentos,
seu conceito, sua natureza, sua finalidade e a obrigação alimentar, tendo como
embasamento teórico o Código Civil Brasileiro de 2002. Este trabalho de pesquisa
versa, especificamente, sobre a obrigação alimentar dos pais para com os filhos com
maioridade civil. Posteriormente a estas análises, serão apresentadas as situações
específicas em que os filhos maiores de dezoito anos têm direito à pensão
alimentícia paga pelos seus genitores. Por fim, o trabalho analisa os aspectos
peculiares da ação de alimentos movida pelos filhos maiores, mostrando também a
polêmica entre a doutrina e a jurisprudência sobre ação de exoneração de alimentos
pleiteada pelos genitores, examinando, ainda, o posicionamento do Egrégio Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul nos casos concretos. Esta pesquisa tem
o intuito de dirimir possíveis dúvidas geradas com relação ao direito dos filhos
maiores de dezoito anos receberem ou não alimentos de seus pais.
Palavras-chave: Alimentos. Obrigação alimentar. Necessidade. Possibilidade.
Maioridade civil.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo mostrar a
importância dos alimentos no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no
Direito de Família, restringindo-se ao estudo da obrigação alimentar dos pais na
maioridade civil dos filhos.
Sabe-se que o direito primordial do ser humano é o de sobreviver, e de
sobreviver com dignidade; em virtude disso, o instituto dos alimentos destaca-se no
meio jurídico pela sua importância com relação ao direito à vida.
Os indivíduos, a princípio, possuem todos os predicados que os tornam
capazes de subsistir por meio de seu próprio esforço, porém, em determinadas
circunstâncias, isso se torna impossível ou temporariamente inviável. Contudo, todo
indivíduo que não pode prover sua mantença não pode ser deixado à própria sorte,
e, por essa razão, a lei criou a obrigação alimentar.
O ser humano, desde o seu nascimento à sua morte, necessita de amparo
de seus semelhantes e de bens essenciais ou necessários para a sobrevivência.
Nesse âmbito, realça-se a necessidade de sua provisão com alimentos. Desse
modo, o conceito de alimentos pode ser entendido como tudo que é necessário para
a sua subsistência.
1
Acadêmica da Faculdade de Direito da PUCRS. Trabalho orientado pelo Prof. ME Gilberto Flávio Aronne
2
Um dos motivos que levaram à escolha do tema da presente pesquisa
consiste na dificuldade apresentada, nos dias de hoje, de os jovens entrarem para o
mercado de trabalho. O filho, ao atingir a maioridade civil, não possui, na maioria das
vezes, capacidade financeira suficiente para suprir todas as suas necessidades.
Mostra-se praticamente impossível que um filho que tenha completado
recentemente dezoito anos de idade consiga um emprego que sustente, por
exemplo, além de suas necessidades básicas, uma universidade particular, curso
este que facilitará seu desenvolvimento e culminará em êxito profissional
posteriormente. Por essa razão, os filhos com maioridade civil devem ter direito aos
alimentos, caso exista uma real necessidade, para que possam continuar com seus
estudos sem prejuízo, futuramente, de sua vida profissional.
Outro motivo para a escolha do tema em questão é a grande quantidade de
demandas tramitando no Poder Judiciário Gaúcho, por meio das quais se constata,
em número cada vez maior, a interposição de ações por filhos maiores de idade
pleiteando alimentos de seus genitores.
Cabe salientar, ainda, que um dos fatos motivadores da escolha deste tema,
além do acima mencionado, é a atual realidade de instabilidade na vida conjugal dos
casais com filhos, na qual se percebe um número cada vez maior de separações e
divórcios entre os pais. Em situações como essas, os filhos, muitas vezes
superprotegidos e despreparados para o seu auto-sustento, vêem-se desamparados
afetiva e financeiramente para prosseguirem suas vidas sem a ajuda dos genitores,
ou seja, mesmo que considerados maiores civilmente, não possuem condições, em
sua maioria, de obterem sozinhos os recursos indispensáveis à sua sobrevivência, já
que se encontram em condições não-favoráveis para tal. É evidente que cada caso
deve ser analisado de acordo com suas peculiaridades, levando-se sempre em
consideração o binômio necessidade-possibilidade. Em virtude disso, analisar-se-á
esse binômio em momento posterior.
Inicialmente, para o desenvolvimento da presente análise, serão analisados,
em aspectos gerais e fundamentais, tópicos intrinsecamente relacionados ao
instituto dos alimentos, tais como seu conceito, sua natureza e sua finalidade; logo,
verificar-se-ão os sujeitos da obrigação alimentar, ou seja, quem pode exigir os
alimentos e quem deve fornecê-los. No mesmo capítulo, examina-se a diferenciação
que se estabelece entre o dever de sustento e o da obrigação alimentar, este
decorrente da relação de parentesco, aquele pelo poder familiar. Além disso,
analisar-se-ão os pressupostos da obrigação dos alimentos, o binômio necessidadepossibilidade, o qual mostra que somente são concedidos os alimentos para o
alimentado se este realmente necessita de auxílio e se o alimentante tem
possibilidade de prestá-los.
No segundo capítulo, será feita uma análise sobre a obrigação alimentar que
os pais possuem em relação aos filhos maiores de dezoito anos. Verificar-se-á,
neste tópico, que o dever de sustento cessa com o advento da maioridade civil, mas,
conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, a maioridade por si só não
extingue o encargo alimentar dos pais na ação de alimentos pleiteada pelos filhos;
pelo contrário, em determinados casos, configurada a necessidade, a prestação dos
alimentos deve persistir para não causar prejuízo ao alimentado. Dissertar-se-á,
3
também, sobre as condições específicas para a concessão de alimentos pelos pais
aos filhos maiores, ou seja, em quais circunstâncias os pais serão obrigados a
fornecer pensão alimentícia aos filhos maiores necessitados. Neste mesmo capítulo,
será examinado o limite etário para a concessão dos alimentos aos filhos maiores.
Observar-se-á, por fim, no terceiro capítulo, o pedido de exoneração de
alimentos movida pelos pais, com o intuito de extinguir a prestação alimentícia aos
filhos maiores. Frise-se que não há entendimento pacífico entre doutrinadores e
magistrados acerca da necessidade ou não de interposição de ação de exoneração
para cessar a obrigação dos pais de prestar alimentos aos filhos maiores, pois
alguns autores acham que o singelo requerimento dos genitores, na própria ação de
alimentos, poderia ser suficiente para a análise do pedido. Observar-se-ão também
aspectos específicos das ações de alimentos movidas pelos filhos maiores de idade
contra seus genitores, bem como serão analisados casos concretos a partir da
utilização da jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul.
O estudo em tese tem por objetivo verificar a possibilidade de os filhos
maiores demandarem alimentos de seus pais, analisando-se sempre o binômio
necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante.
Em se tratando o direito alimentar de matéria de suma importância social,
uma vez que essencial à sobrevivência das pessoas, teve-se o cuidado de explanar
o tema no sentido de apresentar suas características, seus conceitos e suas
peculiaridades, e, principalmente, de demonstrar sua fundamental importância nesta
sociedade individualista, onde é preciso que seja interposta ação judicial pleiteando
alimentos a fim de que o filho maior e necessitado não pereça.
1 ALIMENTOS
1.1 Conceito, finalidade e natureza dos alimentos
Alimentos são todas as substâncias utilizadas pelos homens como fonte de
energia para poderem realizar as suas funções vitais, incluindo o crescimento, o
movimento, a reprodução, e todas as finalidades da vida. Como se vê, esse é o
conceito genérico e usual de alimentos. Logo, pode-se entender que “alimento” é
tudo aquilo que o homem bebe e come, em vista de seu sustento, ou seja, é toda a
substância que, ingerida por um ser vivo, alimenta-o ou nutre-o.
Do ponto de vista jurídico, entende-se por alimentos tudo o que for
necessário ao sustento do ser humano, para o suprimento de suas necessidades
vitais e sociais. Tem-se como exemplo de alimentos os gêneros alimentícios, o
vestuário, a habitação, a saúde, a educação e o lazer. Os alimentos não se referem
apenas à subsistência material do alimentado, mas também à sua formação
intelectual. Eles visam a satisfazer as necessidades de quem não pode provê-las
integralmente por si.2
2
GOMES, Orlando. Direito Civil: Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 427.
4
Segundo Ricardo Rodrigues Gama,
por alimentos entenda-se a obrigação de dar um montante, em dinheiro ou
não, a outra pessoa, para a sua subsistência. Subentende-se, incluso em
alimentos, o vestuário, a habitação, a educação, o lazer, a assistência
médica e os medicamentos. 3
Para Yussef Said Cahali, são “[...] alimentos no seu significado vulgar: tudo
aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida.” 4
Arnoldo Wald assevera que “os alimentos são determinados pelo juiz,
atendendo à situação econômica do alimentante e às necessidades essenciais de
moradia, alimentação vestuário, tratamento médico e educação do alimentado”.5
O Novo Código Civil brasileiro de 2002, assim como o antigo Código Civil, de
1916, não definiu o conceito de alimentos. Não obstante isso, o art. 1920 do Código
Civil de 2002 dispõe: “o legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário
e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”.
Conforme entendimento de Rolf Madaleno,
a expressão alimentos engloba o sustento, a cura, o vestuário e a casa,
reza o artigo 1.920 do Código Civil brasileiro, e, se o alimentando for menor,
também tem o direito à educação, tudo dentro do orçamento daquele que
deve prestar estes alimentos, num equilíbrio dos ingressos da pessoa
6
obrigada com as necessidades do destinatário da pensão alimentícia.
A partir do exposto até então, é possível observar na doutrina a unanimidade
de idéias sobre o conceito de alimentos; embora alguns autores utilizem palavras e
expressões diversificadas, não há qualquer divergência conceitual substancial entre
eles.
Como bem ensina Sérgio Gilberto Porto,
hoje não mais existe qualquer divergência quanto à conotação técnicojurídica do conceito de alimentos, pois a doutrina de muito firmou o
entendimento de que em tal acepção devemos considerar não só os
alimentos necessários para o sustento, mas também os demais meios
indispensáveis para as necessidades da vida no conceito social de cada
um. Nessa linha, vale observar que o que vinha sendo recomendado pela
doutrina, agora, como novo sistema, vem expressamente consagrado no
artigo 1694 do CC, haja vista que este estabelece que os alimentos devam
7
atender também a compatibilidade com a condição social.
O instituto dos alimentos destaca-se no meio jurídico pela sua importância
em relação ao direito à vida, pois todos sabem que o direito primordial do ser
humano é o de sobreviver com dignidade. O indivíduo, a princípio, possui todos os
predicados que o tornam capaz de subsistir por meio de seu próprio esforço, porém,
3
GAMA, Ricardo Rodrigues. Alimentos. 1 ed. São Paulo: Bookseller, 2000, p. 11.
CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 15.
5
WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família. 15 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 43.
6
MADALENO, Rolf. Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 127.
7
PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos Alimentos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 17
4
5
em determinadas circunstâncias, isso se torna impossível ou temporariamente
inviável.
Além do conceito de alimentos, é necessário que se faça a distinção entre os
termos Alimentado e Alimentante, sendo estes os sujeitos legítimos da ação de
alimentos. Alimentado é aquele a quem se dá, paga, fornece alimentos. É o sujeito
ativo da obrigação alimentar, o credor . Alimentante, também chamado Alimentador,
é aquele que dá, paga, fornece alimentos. É o sujeito passivo da obrigação
alimentar, o devedor.
O direito alimentar também se destaca por ser de ordem pública,
prevalecendo, na proteção da família e da vida, o interesse social. O Estado fiscaliza
e instrui normas que regem as relações sociais, em especial no concernente ao
direito de família, pois não há quase liberdade na autonomia de vontade, sendo este
direito alimentar limitado à ordem pública.
Desse modo, salienta Rolf Madaleno:
O direito alimentar é de ordem pública, por prevalecer o interesse
social na proteção e na preservação da vida e da família, cometendo
associar sua ordem pública com o princípio constitucional do artigo 3º,
inciso I, da Carta Federal de 1988, quando aponta ser objetivo fundamental
da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e
8
solidária.
Sustentada pela doutrina, existe uma distinção quanto à natureza dos
alimentos. Eles se dividem em alimentos naturais ou necessários e côngruos ou
civis.
Os alimentos naturais (necessarium vitae) são aqueles estritamente
necessários para a manutenção da vida, os indispensáveis à subsistência, como
alimentos, habitação, vestuário, assistência médica.9
Os alimentos civis (necessarium personae), por sua vez, são os destinados
a manter a qualidade de vida do alimentado, atendendo suas necessidades
intelectuais ou morais (educação, lazer), ajudando a preservar, assim, o status social
do credor de alimentos.10
Desse modo, Araken de Assis ensina:
Os alimentos naturais compreendem as notas mínimas da obrigação:
alimentação, cura, vestuários e habitação: equivalem às necessidades
básicas e tradicionais do ser humano. Eles se situam, portanto, nos limites
do necessarium vitae. Os alimentos civis, também chamados côngruos,
englobam, além desse conteúdo estrito, o atendimento às necessidades
morais e intelectuais do ser humano, objetivamente considerado, e por isso
se dizem necessarium personae.11
8
MADALENO, Rolf. Op. cit., p. 197-198.
ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Os alimentos no novo código civil. Rio de
Janeiro: Temas e Idéias Editora, 2004, p. 26.
10
ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Op. cit., p. 27.
11
ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 6 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 125.
9
6
Silvio de Salvo Venosa também salienta que
[...] a doutrina costuma distinguir os alimentos naturais ou necessários,
aqueles que possuem alcance limitado, compreendendo estritamente o
necessário para a subsistência; e os alimentos civis ou côngruos, isto é,
convenientes, que incluem os meios suficientes para a satisfação de todas
as outras necessidades básicas do alimentado, segundo as possibilidades
do obrigado.12
Francisco José Cahali13 diz que a diferenciação entre esses tipos de
alimentos, embora não estivesse expressa no Código Civil de 1916, já acontecia há
muito tempo, mas sem repercussão, visto que tal divisão não se fazia relevante. Mas
com o advento da nova Lei Civil, tais modificação e diferenciação são necessárias
em certos casos, quando são devidos somente os alimentos necessários à
subsistência do alimentado, momento em que é preciso identificar e delimitar a
abrangência de tal prestação para que se possa aplicar corretamente à pensão
alimentícia o caso concreto.
Importante referir que o conceito de alimentos e a sua finalidade estão
interligados, uma vez que, por meio do entendimento do conceito, pode-se
demonstrar para que o alimento serve e qual é o seu propósito.
Além do conceito e da finalidade dos alimentos, também se deve mencionar
que a obrigação alimentar não pertence somente ao Direito de Família, uma vez que
essa obrigação decorre de várias fontes, tais como da lei, do contrato, do
testamento, ou por meio de um ato ilícito.14
Sobre o tema manifesta-se Orlando Gomes:
A obrigação alimentar pode resultar: a) da lei, pelo fato de existir,
entre determinadas pessoas, um vínculo de família; b) de testamento,
mediante legado; c) de sentença judicial condenatória do pagamento de
indenização para ressarcir danos provenientes de ato ilícito; d) de contrato.
Por disposição testamentária pode-se instituir, em favor de legatário, o
direito a alimentos, enquanto viver. O legado de alimentos abrange o
sustento, a cura, o vestuário e a casa, além da educação, se o legatário for
menor.
A indenização devida pelo que praticou ato ilícito pode consistir, por
determinação legal, na prestação de alimentos, como ocorre, por exemplo,
no caso de homicídio.15
Consoante Rolf Madaleno, a obrigação alimentar encontra, estatisticamente,
maior trânsito dentro do Direito de Família.16
A Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria
Berenice Dias, refere que “o dever de alimentar, no âmbito do direito das famílias,
decorre do poder familiar, do parentesco, da dissolução do casamento ou da união
12
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 5 ed. São Paulo. Atlas, 2005, p. 392.
CAHALI, Francisco José. Dos alimentos. In: Direito de família e o novo código civil, Maria
Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coords.), Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 183.
14
PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revista dos
Tribunais, 2003, p20.
15
GOMES, Orlando. Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 427.
16
MADALENO, Rolf. Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 127.
13
7
estável”.17 A natureza jurídica dos alimentos decorrente da família está ligada à
origem da obrigação.
Em suma, constata-se que, na natureza jurídica dos alimentos, alguns
autores distinguem estes como sendo naturais ou civis, ao passo que outros
apontam que a natureza dos alimentos reside na lei, na vontade, ou no delito.
Nesse sentido, mesmo que o instituto dos alimentos tenha diversos
fundamentos e normas, todos estes apresentam a mesma finalidade, qual seja, a de
evitar a miserabilidade.18
Pelo exposto, resta evidente a importância dos alimentos no nosso
ordenamento jurídico, uma vez que esse instituto tem por finalidade garantir o direito
à vida de quem não tem meios de arcar com sua própria subsistência. Os alimentos
visam, precisamente, a proporcionar ao alimentado uma vida com dignidade.
Assim, já que os alimentos têm a finalidade de garantir o direito à vida, resta
evidenciada a importância desse instituto inclusive na Constituição Federal Brasileira
de 1988, quando se entende que o “direito à vida é o mais fundamental de todos os
direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e ao exercício de todos os
demais direitos”.19
1.2 Quem deve prestá-los e quem pode reclamá-los
Passa-se agora ao estudo dos sujeitos da obrigação alimentar no Direito de
Família, os quais são, pois, quem está obrigado a prestar os alimentos e quem está
necessitado de receber o auxílio dos alimentos.
O ser humano, desde a sua concepção e em razão de sua estrutura e
natureza, é um ser carente por excelência, incapacitado, até certo período da vida,
de produzir os meios necessários para garantir a sua subsistência. Surge, assim, o
direito natural de ser nutrido, amparado pelos responsáveis por sua geração.20
Logo, são os genitores que devem assegurar os meios necessários para
garantir a subsistência de sua prole; é um dever natural dos pais sustentar seus
filhos. Ocorre que a relação de sujeitos da obrigação alimentar não compreende
somente pais e filhos, visto que também há a possibilidade, no direito de família, de
outros parentes fazerem parte dessa obrigação alimentícia.
O princípio da reciprocidade foi mantido no Código Civil de 2002, elencado
nos artigos 1.694, 1.696 e 1.697 deste, referindo que podem os sujeitos da
obrigação alimentar se ajudarem mutuamente, ou seja, aquele que hoje presta
alimentos a certo parente, outrora poderá estar na situação de necessitado, podendo
exigir alimentos do parente ao qual ajudara.
17
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p. 448.
18
PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit.,p. 20.
19
MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004.
20
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 29.
8
A prestação de alimentos deixou de ser, pois, uma obrigação moral para se
tornar uma obrigação de caráter estritamente jurídico, pois embora se reconheça a
solidariedade familiar e o vínculo afetivo entre os membros da família, sentimentos
de mágoas e desencantos acabam por misturar-se aos direitos e deveres.21 A
obrigação alimentar torna-se, portanto, materializada em virtude de lei, para que
possa ser exigida por quem necessita.
Assim ensina o ilustre Yussef Cahali:
É fácil compreender-se essa primeira e definitiva inserção do encargo
alimentar no contexto das relações familiares, à medida que o dever moral
de prestação de socorro foi se transformando em obrigação jurídica de
assistência. 22
Assim, ao se falar em alimentos, está-se também fazendo referência ao
direito de exigi-los e à obrigação de prestá-los, caracterizando o caráter assistencial
desse instituto, já que a finalidade da obrigação alimentar é a de atender as
necessidades de uma pessoa que não pode prover a sua própria subsistência.23
Assim sendo, é preciso identificar quais as pessoas que podem fazer parte
do pólo ativo e quais podem fazer parte do pólo passivo dessa relação alimentar.
No pólo ativo, encontra-se o credor de alimentos – o alimentado. É ele quem
recebe a prestação alimentar, ou seja, aquele que pode reclamar, exigir os
alimentos.
No outro pólo da relação, o pólo passivo, encontra-se o devedor de
alimentos – o alimentante. É aquele que obrigatoriamente presta alimentos,
satisfazendo as necessidades do alimentado.
Dessa maneira, a obrigação alimentar recai, primeiramente, aos parentes de
grau mais próximo; na falta dos ascendentes, a prestação alimentícia caberá aos
descendentes e, na falta destes, aos irmãos.
Quem carece de alimentos deverá reclamá-los, primeiramente, aos pais (art.
229 da CF)24. Na falta destes, a obrigação passará aos outros ascendentes, aos
avós, paterno ou materno, em seguida aos bisavôs e bisavós, e assim
sucessivamente.
Na falta de ascendentes, a prestação alimentícia caberá, na ordem de
sucessão, aos descendentes: primeiramente, aos filhos, e, posteriormente, aos
netos. Faltando os descendentes, a obrigação incumbe aos irmãos, germanos ou
unilaterais.
21
LEITE, Eduardo de Oliveira. Grandes temas da atualidade: Alimentos no novo código civil –
aspectos polêmicos. Vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 08.
22
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 32.
23
PORTO, Sérgio Gilberto. USTÁRROZ, Daniel. Tendências constitucionais no direito de família.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 148.
24
Artigo 229 da Constituição Federal. “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade”.
9
Belmiro Pedro Welter salienta que,
assim, em face de lei, verifica-se que há quatro classes de pessoas
obrigadas à prestação alimentícia, formando uma hierarquia no parentesco:
1º) pais e filhos, reciprocamente 2º) na falta desses os ascendentes, na
ordem de sua proximidade com o alimentado; 3º) os descendentes, na
mesma ordem, excluindo o direito a representação; 4º) finalmente, aos
25
irmãos, unilaterais ou bilaterais.
Para fins de obrigação alimentar, são considerados parentes consangüíneos
os de linha reta. Assim, a lei faz uma enumeração taxativa na obrigação alimentícia,
já que o dever de prestar alimentos não ultrapassa a linha colateral (irmãos) de
segundo grau. Vê-se, portanto, que os tios não devem alimentos aos sobrinhos, nem
os primos reciprocamente. Os parentes afins também estão excluídos dessa
obrigação alimentar, são eles: sogros, cunhados, noras e genros. Portanto, os
alimentos somente serão devidos nos casos determinados pela legislação vigente.
A ilustre Desembargadora Maria Berenice Dias afirma que não são somente
os ascendentes, descendentes e parentes até segundo grau (irmãos) que devem
assumir a obrigação alimentar. Consoante posicionamento da mestra, na falta deles,
a obrigação passará aos tios, após, aos sobrinhos, e, finalmente, aos primos.
Conforme visto até o presente momento, essa doutrina não é a majoritária. Essa não
parece ser a melhor orientação a seguir. Observe-se:
[...] A doutrina não admite que a responsabilidade alimentar ultrapasse o
parentesco de segundo grau. No entanto, não se pode emprestar tal sentido
ao fato de não ter o legislador reconhecido à necessidade de detalhamento
sobre a obrigação dos parentes de terceiro e quarto graus. Trazer a lei
algumas explicitações quanto à obrigação entre ascendentes e
descendentes, bem como detalhar o dever dos irmãos, não exclui os demais
parentes do encargo alimentar. O silêncio não significa que tenham os
demais sido excluídos do dever de pensionar. Os encargos alimentares
seguem os preceitos gerais: na falta dos parentes mais próximos são
chamados os mais remotos, começando pelos ascendentes, seguidos dos
descendentes. Portanto, na falta de pais, avós e irmãos, a obrigação passa
aos tios, tios-avós, depois aos sobrinhos, sobrinhos-netos e, finalmente, aos
primos.26
Existe, ainda, a obrigação alimentar decorrente de mútua assistência entre
os cônjuges (Matrimônio) e os companheiros (União Estável). Esse direito advém de
outro regramento, o qual não engloba as normas de parentes consangüíneos em
análise. O fundamento legal que possibilita tal hipótese corresponde ao artigo 1.566,
inciso III, aos cônjuges, e o artigo 1.724, aos companheiros. Todos esses
fundamentos têm como base jurídica o Código Civil brasileiro.
25
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 34.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p. 460.
26
10
Cumpre ressaltar, ainda, “que a prestação alimentar é exigível no presente e
não no futuro, o que impõe a sua idéia de atualidade, pois a necessidade à justiça é,
por sua vez, ordinariamente inadiável”.27
Assim, tais considerações induzem à certeza de que visou o legislador a
resguardar a assistência àqueles que não podem prover a sua própria subsistência,
impondo aos parentes, diante de suas possibilidades, exigirem uns dos outros os
alimentos, e, aos cônjuges, a mútua assistência. É possível, portanto, identificar que
os parentes, o cônjuge e os companheiros fazem parte dos sujeitos da relação
alimentar no direito de família.
1.3 O dever de sustento e a obrigação alimentar
Há uma importante diferença entre o dever de sustento e a obrigação
alimentar. A doutrina, de forma uniforme e similar entre os autores, identifica e
distingue essas duas obrigações alimentares.
O dever de sustento resulta do poder familiar, em que os pais são obrigados
a sustentar sua prole durante a menoridade civil. Essa obrigação consiste em
sustento, guarda e educação dos filhos, conforme o artigo 1.566, inciso IV, do
Código Civil de 2002.28
Sobre esse tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery
comentam:
Os pais têm o poder familiar, que significa, a um só tempo, poderdever e direito. A expressão “pátrio poder” foi substituída por poder familiar
em razão da igualdade substancial entre os pais na educação dos filhos e
na sociedade conjugal (CF 226, § 5º).29
Segundo Antonio Elias Queiroga,
o poder familiar reflete um conjunto de direitos e deveres dos pais com
relação à pessoa e ao patrimônio dos filhos. É um poder-dever derivado de
uma necessidade natural, visto que toda pessoa humana, na infância e na
adolescência, precisa de alguém para ajudá-la na sua criação, educação,
30
sustento e administração de seus bens.
Entretanto, não é somente o Código Civil de 2002 que garante o sustento do
menor pelo poder familiar; a Constituição Federal Brasileira de 1988 também prevê,
claramente, o dever dos pais de assistir, criar e educar os filhos menores, como
estabelecido no artigo 229 da Carta Magna, ou seja, o Estado atribui aos pais a
obrigação de zelar pela formação moral, material e intelectual de sua prole.
27
LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). KRUCHIN, Adriana. Grandes temas da atualidade:
alimentos no novo código civil – aspectos polêmicos.Vol. 5. Forense: Rio de Janeiro, 2006, p.
05.
28
Artigo 1.566, IV do CC: “São deveres de ambos os cônjuges: IV. Sustento, guarda e educação dos
filhos.”
29
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação
Extravagante. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 732.
30
QUEIROGA, Antônio Elias de. Curso de Direito Civil: direito de família. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 319.
11
Assim sendo, o filho menor de idade é dependente de seus pais, pois não
dispõe de recursos próprios para manter-se. Como sabiamente observa o autor
Yussef Cahali,
a incapacidade ingênita de produzir os meios necessários para a
manutenção de sua condição humana faz com que se lhe reconheça, por
um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido
pelos responsáveis por sua geração.31
O dever de sustento é tão essencial à vida do filho menor, que os pais,
mesmo encontrando-se em condições econômicas precárias, não se isentam da
obrigação de prestar alimentos aos filhos menores de dezoito anos, ou seja, a
impossibilidade material não pode ser considerada motivo de isenção da obrigação.
A respeito disso, o referido Cahali ensina:
Esta obrigação não se altera diante da precariedade da condição
econômica do genitor: “O pai, ainda que pobre, não se isenta, por esse
motivo, da obrigação de prestar alimentos ao filho menor; do pouco que
ganhar, alguma coisa deverá dar ao filho”, a “alegada impossibilidade
material não pode constituir motivo de isenção do dever do pai de contribuir
para a manutenção do filho; eventualmente; a obrigação, no entanto,
32
sempre subsistiria".
Rolf Madaleno, no mesmo sentido, garante:
A solidariedade familiar entre pais e filhos é ilimitada e vai ao extremo
de exigir a venda de bens para cumprimento da obrigação filiada ao
princípio constitucional do direito à vida, dentro da dignidade da pessoa
humana (arts. 1º e 5°, da CF), [...] quando se admite ser ilimitada a
obrigação dos pais de prestar alimentos ou sustentar seus filhos, assim
como seriam ilimitados e imensuráveis os esforços e sacrifícios paternos,
em prol da prole, no íntegro devenir diário da sociedade conjugal,
sobrepondo-se aos seus interesses pessoais, quando em confronto com as
necessidades dos descendentes menores, ou incapazes de por si buscarem
33
seu efetivo sustento.
Aos filhos menores e submetidos ao poder familiar, conforme artigos 1.630 a
1.633 do Código Civil, recai a presunção absoluta de necessidade de alimentos,
vestuário, educação, saúde, moradia, ao contrário da obrigação alimentar entre
parentes, cônjuge, companheiros. Em relação aos filhos maiores de dezoito anos,
momento em que essa presunção de necessidade é relativa, deve ser provada a
existência da real necessidade do alimentado para concessão de alimentos.
A respeito disso, manifesta-se o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos
do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em seu julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. 1. Com a maioridade do
apelante, os alimentos deixaram de encontrar seu fundamento no dever de
sustendo dos pais para com os filhos menores (art. 1.566, inc. IV, do CCB) –
31
CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 15.
Idem ibidem, p. 526.
33
MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998, p. 50.
32
12
e que faz presumida a necessidade – e passaram a amparar-se na
obrigação existente entre parentes (art. 1.694 e seguintes do CCB),
desaparecendo, a partir daí, a presunção de necessidade, que deve ser
provada por quem alega, ou seja, pelo apelante. 2. Ante a não34
comprovação de necessidade do alimentado, cabível a exoneração.
Não havendo espaço para dúvidas, o Código Civil, em seus artigos 1.566,
IV35, 1.56836, 1.70337 e 1.72438, dispõe, em termos claros, que ambos os cônjuges e
companheiros, mesmo na separação judicial, devem garantir o sustento de seus
filhos, na proporção de seus bens e rendimentos, mesmo que não residam sob o
mesmo teto. A preocupação do legislador foi em sempre garantir a vida e o futuro
dos menores.
Arnaldo Rizzardo39 acrescenta que ao titular do poder familiar é obrigatório
sustentar seu filho menor em todas as condições, independentemente dos recursos
do filho menor, ainda que este possua bens e condições superiores às dos pais.
De outra parte, é importante destacar os casos de perda ou de suspensão
do poder familiar como conseqüência do abuso de poder praticado pelos pais,
conforme artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil. Isso acontece quando os pais faltam
com seus deveres, muitas vezes, arruinando a vida de seus filhos, até mesmo
abandonando-os em alguns casos. O importante a saber é que essa suspensão ou
perda não retira do menor o seu direito a ser alimentado pelos seus genitores,
mesmo estando estes destituídos do pátrio poder.
A respeito disso, Arnaldo Rizzardo salienta:
Mas a suspensão ou perda não desobriga, por via de conseqüência,
do dever de prestar alimentos. Do contrário, o progenitor faltoso restaria
beneficiado ou favorecido, pois livre de um dos principais encargos em
relação aos filhos, recaindo toda responsabilidade no outro cônjuge ou
progenitor. De lembrar que a suspensão ou a perda é uma punição e não
40
um prêmio ao comportamento faltoso.
No mesmo sentido, José Francisco Cahali e Rodrigo da Cunha Pereira
declaram:
[...] Registra-se que nem mesmo a destituição do poder familiar
extinguirá a obrigação alimentícia, evitando, assim, a premiação daquele
genitor desidioso que coloca em xeque a própria integridade do filho. Por
34
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Alimentos.
Exoneração. Apelação Cível n° 70012523106. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. 19 de outubro de
2005. In: Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Jurisprudência Gaúcha. Disponível em:
http://www.tj.rs.gov.br.
35
Artigo 1.566, IV “São deveres de ambos os cônjuges: IV – sustento, guarda e educação dos filhos.”
36
Artigo 1.568 “Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos
rendimentos do trabalho, para sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o
regime patrimonial”.
37
Artigo 1.703 “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na
proporção de seus recursos”.
38
Artigo 1.724 “As reações pessoais entre companheiros obedecerão aos deveres de lealdade,
respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”.
39
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 754.
40
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit., p. 754.
13
isso, mesmo suspenso ou destituído do poder familiar, continua o pai
obrigado a contribuir para o sustento do filho [...].41
De tal modo, diante do dever de sustento, afirma-se este como um dever
assistencial e não recíproco dos seus genitores. Logo, esse benefício é exclusivo do
menor e cessa com a maioridade. Salienta-se, ainda, que a obrigação do poder
familiar é personalíssima, pois compete somente aos pais essa obrigação.
O dever de sustento cessa com a maioridade civil, mas neste momento criase uma dúvida a respeito da interrupção do direito de esse filho receber alimentos.
Yussef Cahali afirma que “a cessação da maioridade não retira do filho o direito de
pedir alimentos aos seus pais”.42 Segundo assinala Sérgio Gilberto Porto:
O certo é que nem sempre a simples maioridade é capaz de
desobrigar os pais, pois, se por um lado, com o atendimento dela cessa o
pátrio poder, isso não implica e acarreta a imediata cessação do dever de
alimentar.43
Afirma-se que somente a chegada à maioridade por si só não libera os pais
da obrigação de prestar alimentos aos filhos, pois somente por ter se tornado maior,
ninguém passa automaticamente a ter plenas condições de sustentar-se.44
Entretanto, tendo completado dezoito anos, o alimentado deverá comprovar a
necessidade de receber e a possibilidade dos pais para prestarem os alimentos,
ficando o filho maior com o ônus da prova. Neste caso, a obrigação alimentar terá
por seus fundamentos os artigos 1.694 e 1.696 do Código Civil, por meio dos quais
se observa que a obrigação se dará pela relação de parentesco e não mais pelo
dever de sustento do poder familiar.
Cessando o dever de sustento, pela maioridade, surge a obrigação
alimentar, pelo vínculo de parentesco existente entre pais e filhos e não mais pela
relação baseada no poder familiar. Essa obrigação é recíproca e também solidária,
em que podem os parentes pedir uns dos outros os alimentos que necessitam para
manter-se, mas sempre condicionada à necessidade do alimentado e à possibilidade
do alimentante, ou seja, o binômio necessidade-possibilidade.
Sobre o tema manifesta-se Zelo Veloso:
[...] O dever de sustento (que compreende os alimentos) decorre do
exercício do poder familiar, pura e simplesmente, e a obrigação de
alimentos, no sentido estrito, como obrigação autônoma, tem por base o
parentesco (no caso, em linha reta) e pressupõe a necessidade, carência ou
indigência por que passa o reclamante. 45
Conforme estudado, é possível identificar as diferenças existentes entre o
dever de sustento e a obrigação alimentar. A primeira diferença é que, no dever de
41
CAHALI, Francisco José. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Alimentos no Código Civil. São Paulo:
Saraiva, 2005. p. 36
42
CAHALI, Yussef. Op. Cit. p. 528
43
PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 44.
44
PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira. IN. PEREIRA, Tânia da Silva. A ética da convivência
familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 6.
45
VELOSO, Zeno. Código Civil comentado. Vol. XVII. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2003. p. 19.
14
sustento, os pais têm o dever de sustentar, criar e educar os filhos quando na
condição de menores; já na obrigação alimentar, os pais não são mais obrigados a
sustentar seus filhos, pois aqui estes atingiram a maioridade, cessando com ela o
dever de sustento, passando a obrigação alimentar pelo vínculo de parentesco.
A outra diferença reside no fato de que o filho, quando menor de idade,
necessita, incondicionalmente, de uma assistência paterna, recaindo sobre ele a
presunção absoluta de necessidade, ao passo que, atingindo a maioridade, essa
presunção de necessidade é relativizada, devendo ser demonstrada, recaindo ao
alimentado o ônus da prova. Portanto, ela é absoluta entre os filhos sob o poder
familiar, e relativa em relação aos filhos maiores e capazes.
Merece ser destacada, também, a reciprocidade. Isso significa que no dever
de sustento somente aos pais recairá a obrigação de sustentar e cuidar de seus
filhos, pois o pai jamais poderá pedir alimentos ao seu filho menor. O dever de
sustento não é recíproco, já a obrigação alimentar é recíproca, podendo os pais
demandarem alimentos a seus filhos com maioridade civil, conforme artigo 1.69646
do Código Civil de 2002.
A respeito disso, a Desembargadora Maria Berenice Dias ensina:
Com relação aos alimentos decorrentes do poder familiar, não há que
se falar em reciprocidade (CF 229). No momento em que os filhos atingem a
maioridade, cessa o poder familiar e surge, entre pais e filhos, a obrigação
47
recíproca em decorrência do vínculo de parentesco.
Por meio do acima demonstrado, foi possível identificar os dois encargos
alimentares: o dever de sustento e a obrigação alimentar decorrente do parentesco
em relação aos pais e filhos. Também foram identificadas as diferenças desses dois
encargos legais, suas características e suas finalidades. Conclui-se, então, que a
obrigação alimentar decorrente do parentesco é o encargo legal entre os pais e os
filhos maiores e que, dependendo do caso concreto, os genitores se vêem obrigados
a dar assistência aos filhos mesmo quando considerados estes maiores civilmente.
1.4 Parâmetros da obrigação alimentar
No direito de família, a obrigação alimentar obedece a certos pressupostos
materiais para a sua concessão ou para seu reconhecimento. Dentre eles, estão o
vínculo jurídico, a necessidade e a possibilidade. Não há obrigação alimentar se
faltar um desses pressupostos.
Arnaldo Rizzardo menciona:
Três os pressupostos que emergem das regras acima para incidir a
obrigação alimentar: o parentesco ou vínculo marital ou da união estável; a
46
Artigo 1.696 – “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos
os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.
47
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p. 451.
15
necessidade e a incapacidade de se sustentar por si próprio; e a
possibilidade de fornecer alimentos de parte do obrigado. 48
Conforme analisado, a obrigação alimentar é o encargo legal a que os pais
se sujeitam em relação a seus filhos maiores. Contudo, não se pode dizer que essa
obrigação se limita somente a pais e filhos, porquanto se estende a todas as demais
relações alimentares atinentes ao Direito de Família.
O primeiro pressuposto, o vínculo jurídico, diz respeito à legitimidade das
partes, ou seja, a existência de determinado vínculo de família entre o alimentado e
o alimentante, devido ao fato de que não são todos os familiares que podem fazer
parte dessa relação jurídica, mas somente os ascendentes, os descendentes, os
irmãos (germanos ou unilaterais) e os cônjuges, ou seja, todos os parentes em linha
reta, limitando-se aos colaterais de segundo grau, conforme os termos do artigo
1.694 do Código Civil de 2002.
O segundo pressuposto é a necessidade do alimentado, conforme artigo
1.695 do Código Civil. Não basta somente a existência do vínculo de família para
que a obrigação alimentar se torne exigível; é preciso, indiscutivelmente, que o
alimentado necessite verdadeiramente de assistência. O primeiro pressuposto que
os julgadores deveriam analisar é o da necessidade, pois é dele que depende a
observância dos demais.49
Possui direito a pleitear alimentos aquele que por motivo de doença,
incapacidade, invalidez, velhice ou pelo desempenho de seu trabalho não produz o
suficiente, ou não tem condições para satisfazer suas necessidades vitais.
Yussef Cahali afirma:
A impossibilidade de prover o alimentado a sua própria mantença
pode advir da incapacidade física ou mental para o trabalho; doença,
inadaptação ou imaturidade para o exercício de qualquer atividade
laborativa; idade avançada; calamidade pública ou crise econômica de que
resulte absoluta falta de trabalho.50
Assim, antes de criar uma pretensão alimentar, deverão ter-se esgotado
todas as possibilidades daquele que pleiteia alimentos de encontrar meios para sua
subsistência por meio de seu esforço próprio, pois seria injusto impor o encargo de
alimentos a um parente se o outro se encontra em necessidade por, como exemplo,
preferir o ócio a trabalhar.
Nesse mesmo sentido, Orlando Gomes assevera:
A subordinação do direito à prestação de alimentos ao fato de não
poder o alimentado manter-se por seu trabalho justifica-se pela necessidade
de desencorajar o ócio. Por outro lado, não seria justo impor o encaro do
suprimento de alimentos a um parente se o outro só se encontra em estado
48
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 738.
GOMES, Orlando. Direito de família. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 430.
50
CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 719.
49
16
de miserabilidade porque não quer trabalhar ou se desinteressa na procura,
por esforço próprio, dos meios de subsistência.51
Arnaldo Rizzardo também salienta que,
se a pessoa tem capacidade para desempenhar uma atividade rendosa, e
não a exerce, não recebe amparo na lei. Obviamente, os alimentos não
podem estimular as pessoas a se manterem desocupadas, ou a não terem a
52
iniciativa de buscar o exercício de um trabalho.
Cumpre referir, no entanto, que a doutrina desconsidera a causa que deu
origem à necessidade, ou seja, os alimentos são devidos mesmo que a causa
geradora de tal necessidade tenha sido originada por culpa ou negligência do
alimentado.
A possibilidade de fornecer alimentos é o outro pressuposto importante da
obrigação alimentar, pois não basta o alimentante ter legitimidade e estar em
condições de reclamar alimentos, é necessário que o alimentante tenha condições
de fornecê-los. Por óbvio que o alimentante deverá ter condições financeiras para
suportar o encargo alimentar, pois seria injusto obrigá-lo se isso prejudicasse seu
próprio sustento.
O artigo 1.694, § 1º, do Código Civil afirma a importância dos pressupostos
na obrigação alimentar, pois toda a pretensão alimentar deverá passar pela análise
do binômio necessidade-possibilidade para ser fixada com proporcionalidade,
ficando o juiz encarregado de ponderar esses dois valores.
Nesse sentido, a doutrina menciona:
Não há como fugir deste binômio necessidade-possibilidade, pois
toda verba alimentar fixada ou pretendida fora da realidade dos envolvidos
na relação jurídica alimentar representará, sem dúvida, um verdadeiro
convite ao não-cumprimento da obrigação; convite este, de regra,
decorrente da impossibilidade fática do obrigado.53
Os alimentos visam, precisamente, a proporcionar uma vida de
acordo com a dignidade do alimentado, pois esta dignidade não é superior,
nem inferior, à dignidade da pessoa do alimentante, que reside em
satisfazer a pretensão daquele, uma vez que as razões do pedido, e as
referentes à resposta, devem ser avaliadas por um juízo de
proporcionalidade entre o que se necessita e o que pode prestar, a fim de
que a lide alimentar seja decidida de forma equânime e justa.54
Ante o exposto, e a partir da análise dos pressupostos da obrigação
alimentar, pode-se concluir que é preciso, para constituir a obrigação de alimentos, a
presença dos três pressupostos; o vínculo familiar, a necessidade do alimentado e a
possibilidade do alimentante, sendo que na falta de qualquer um deles a prestação
51
GOMES, Orlando. Op. cit., p. 430.
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit., p. 738.
53
PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos Alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. P. 23.
54
PORTO, Sério Gilberto. USTÁRROZ, Daniel (org.). In: SPAGNOLO, Juliano. Tendências
Constitucionais no Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 152.
52
17
alimentar não se perfectibiliza. O julgador deve, portanto, utilizar-se sempre,
proporcionalmente, do binômio necessidade-possibilidade para aplicar uma pensão
alimentícia justa.
2 MAIORIDADE CIVIL DOS FILHOS E OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS PAIS
2.1 Cessação do dever de sustento pela maioridade civil
O dever de sustento está vinculado ao poder familiar, em que os pais têm
obrigatoriamente o dever de dar assistência, criar e educar os filhos menores de
dezoito anos, conforme dita a Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu artigo
229.
O poder familiar constitui uma responsabilidade comum de ambos os
genitores: o dever de prestar aos filhos, enquanto civilmente menores, o necessário
para o seu sustento, como alimentação, vestuário, educação, moradia, lazer e
assistência médica, não havendo limitação a essa assistência paterna, pois os
genitores devem auxiliar os filhos para que tenham condições de viver, futuramente,
de forma independente.
A respeito disso, Arnaldo Rizzardo salienta:
Não se pode limitar seu dever de prestar alimentos, ou a sustentar os
filhos. Incumbe-lhes dar todo o amparo, envolvendo a esfera material,
corporal, espiritual, moral, afetiva e profissional, numa constante presença
em suas vidas, de acompanhamento e orientação, de modo a encaminhálos a saberem e terem condições de enfrentar a vida sozinhos.55
O dever de alimentar decorre do poder familiar da relação entre pais e filhos.
Ocorre que, em determinadas ocasiões, esse pátrio poder poderá ser extinto,
suspenso ou até mesmo perdido. Nestas circunstâncias, o que importa é a
verificação dessa extinção, suspensão ou perda do poder familiar.
Conforme o artigo 1.635 e seus incisos do Código Civil, a extinção do poder
familiar decorre das seguintes situações: pela morte dos pais ou do filho, pela
emancipação, pela maioridade, pela adoção ou por decisão judicial. Diante disso, o
que interessa para o presente estudo é a cessação do dever de sustento pela
maioridade.
Cessando o dever de sustento pela maioridade, rompe-se automaticamente
o vínculo do poder familiar, surgindo, nesses casos, a obrigação alimentar vinculada
ao parentesco, não mais importando a subsistência do pátrio poder, mas sim a
necessidade do filho que pleiteia a verba alimentar, respeitando-se, assim, todos os
pressupostos da obrigação alimentar. Diante disso, Yussef Cahali, menciona que “a
obrigação de sustento define-se como uma obrigação de fazer, enquanto a
obrigação alimentar consubstancia uma obrigação de dar”.56
55
56
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 752.
CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 530.
18
O Código Civil de 2002 traz, em seu artigo 5º, caput, que “a menoridade
cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de
todos os atos da vida civil”. Portanto, atingindo a maioridade, o sujeito adquire
capacidade plena de exercício, isto é, capacidade para praticar todos os atos da vida
civil. Com isso, fica óbvio compreender por que a maioridade faz extinguir o poder
familiar e, conseqüentemente, o dever de sustento dos genitores em relação aos
seus filhos. Presume-se que o filho, ao completar dezoito anos, atinge também plena
aptidão e que não mais necessita de ajuda paterna, tendo condições plenas de
prover seu próprio sustento. Logo, o pai não precisará mais suportar o encargo da
prestação de alimentos. Conforme ensinamentos de Yussef Cahali, “cessa ipso jure
a causa jurídica da obrigação de sustento adimplida sob forma de prestação
alimentar”.57
Diante de todas essas considerações, importante destacar que, mesmo
atingida a maioridade, esta não prova por si só a capacidade. Não é absoluta a regra
de que, atingindo a maioridade civil, o indivíduo tenha capacidade plena de se autosustentar, não necessitando mais da ajuda de seus pais. Ocorre que, em
determinados casos, mesmo completados os dezoito anos, o filho ainda necessita
da ajuda paterna, não tendo condições, por exemplo, de conseguir de imediato,
entrar para o mercado de trabalho.
A respeito disso, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, Luiz Felipe Brasil Santos, em seu julgado e em sua doutrina, assevera:
FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS. FILHOS MAIORES E CAPAZES. A
exoneração ou redução da prestação alimentar não pode ser autorizada
tão-somente por terem os alimentandos atingido a maioridade civil. Atenta
às dificuldades atuais da sociedade, em que há necessidade cada vez
maior de qualificação para a inserção no mercado de trabalho, a
jurisprudência vem dilatando o período de vigência dos alimentos, contanto
58
que o filho se encontre estudando.
Firme a jurisprudência no sentido de que o implemento da
maioridade, por si só, não é motivo suficiente para extinguir os alimentos.
Isso porque é fato notório que, somente por se tornar maior, ninguém passa
59
automaticamente a ter condições de sustentar-se.
No mesmo entendimento, Ênio Santarelli Zuliani sabiamente afirma:
Uma coisa é absolutamente certa: a pessoa de dezoito anos de idade
não se encontra bem preparada para os desafios que a essencialidade da
vida protagoniza.60
57
CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 660.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Família.
Ação de Alimentos. Filhos maiores e capazes. Cabimento da verba alimentar no caso concreto.
Agravo de Instrumento nº 70012325890. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos. 10 de novembro de
2005. Jurisprudência Gaúcha. In: Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em:
http://www.tj.rs.gov.br.
59
SANTOS. Luiz Felipe Brasil. A Obrigação Alimentar na Persectiva Ética. In: PEREIRA, Tânia da
Silva ; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (colab.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no
cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 06.
60
ZULIANI, Ênio Santarelli. Alimentos para Filhos Maiores. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.).
Grandes Temas da Atualidade: Alimentos no Novo Código Civil – aspectos polêmicos. 5 vol.
Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 97.
58
19
Nesse sentido, segue a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul:
O implemento da maioridade civil não tem o condão de, por si só,
afastar o direito ao pensionamento. Pretensão que apenas passa a seguir a
regra genérica dos alimentos vinculados ao parentesco, não mais sendo
escudada no poder familiar.61
Sobre esse aspecto, entende-se que deverá ser feita uma análise a respeito
de cada caso concreto, porque, mesmo atingindo a maioridade, muitos jovens
continuam precisando da ajuda de seus pais, pois a maioria é estudante, sem
moradia, sem emprego e sem renda.
Pelo mesmo viés, explica Semy Glanz:
Há uma tendência antiga que limita os alimentos aos filhos menores.
Quando a estes evidente é o dever dos pais. Mas, como facilmente se
conclui, não é fato de um filho atingir a maioridade que o priva de ter
alimentos dos pais, se estes podem prestá-los e se o filho necessita.62
Portanto, ao atingir a maioridade, o filho, ao reclamar alimentos, estará
sujeito aos pressupostos da obrigação alimentar, onde sua necessidade não é mais
absoluta, como no dever de sustento, sendo relativa, a partir daquele momento, a
presunção da necessidade. Deverá, pois, o maior comprovar a real necessidade na
pretensão alimentar, respeitando, também, a possibilidade do alimentante de dar
alimentos. Como se depreende, recairá sobre o alimentado o ônus da prova.
Diante disso, Yussef Cahali cita:
A obrigação alimentar, que, durante a menoridade, abstraindo
indagação de necessidade dos filhos, funda-se no dever inerente à patria
potestas, deve persistir, agora descansando no dever decorrente do
parentesco, quando se tornarem maiores, por força de presunção relativa de
63
necessidades daqueles e possibilidades do obrigado.
Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, observa-se que
é viável a prestação alimentar a filhos maiores desde que, apesar de
atingida tal condição, subsista a necessidade do suprimento a cargo do
alimentante, tendo este condição de prestá-la.64
Assim, diante do exposto, foi possível identificar por que a maioridade cessa
o dever de sustento: cessa pois o maior atinge a plena capacidade civil. Contudo,
percebeu-se que nem sempre atingir a maioridade suspende, obrigatoriamente, o
61
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Família.
Ação de Alimentos. Filhos maiores e capazes. Cabimento da verba alimentar no caso concreto.
Agravo de Instrumento nº 70012325890. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos. 10 de novembro de
2005. Jurisprudência Gaúcha. In: Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em:
http://www.tj.rs.gov.br.
62
GLANZ, Semy. A família mutante – sociologia e direito comparado: inclusive o Novo Código
Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 631.
63
CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 663.
64
NERY, Nelson Junior. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação
Extravagante. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 750.
20
encargo alimentar, visto que se extingue o dever de sustento, mas inicia-se a
obrigação alimentar dos pais decorrente da relação de parentesco. Salienta-se que,
em determinadas situações, o filho, mesmo maior de idade, poderá postular
alimentos aos seus pais. Nessas hipóteses, o alimentado deverá demonstrar sua
necessidade ao pleitear a prestação alimentícia e será analisada a possibilidade do
alimentante de ter condições para prestar a pensão.
2.2 Quando os filhos maiores têm direito aos alimentos
A maioridade, conforme analisado, por si só não é causa de cessação
automática da prestação alimentar. Mesmo atingindo a maioridade civil, o filho, em
determinadas situações, continuará com legitimidade para receber alimentos de
seus pais. A obrigação paterna, nesses casos, é pelo vínculo do parentesco e não
mais pelo dever de sustento. No concernente a esse aspecto, é importante a análise
de cada uma dessas situações.
Belmiro Pedro Welter65 afirma que os filhos com maioridade civil podem
pensionar alimentos de seus genitores em três situações: filho maior de idade e
incapaz; filho maior e capaz que cursa escola profissionalizante ou faculdade e,
finalmente, filho maior capaz e indigente.
Não resta dúvida a respeito do quão desastroso seria para o filho maior
incapaz se ele não tivesse direito aos alimentos. Atente-se que, em determinadas
situações, essa obrigação alimentar pode durar a vida toda, como, a fim de
exemplificação, no caso de uma doença grave e incurável, em que se encontre o
filho maior permanentemente em estado de necessidade.
Em nosso ordenamento jurídico, no artigo 1.590 do Código Civil e no artigo
16 da Lei do Divórcio (6.515 de 1977), mostra-se claramente que os alimentos e a
guarda dos filhos menores estendem-se ao maiores e aos incapazes, pois é
evidente a necessidade do filho maior e incapaz em receber ajuda paterna, por isso,
o dever de sustento é prorrogado em favor do maior. Não existem evidentes
discussões doutrinárias acerca do seu direito alimentar. Cumpre salientar que essa
necessidade de alimentos vem da incapacidade e não deriva da faixa etária.
Nesse ínterim, afirma o estudioso Yussef Cahali:
É que, tratando-se de filho acometido de grave enfermidade, não
propicia a exoneração do encargo alimentar a extinção do pátrio poder pela
aquisição da maioridade, eis que a necessidade de recebimento dos
alimentos não deriva mais da faixa etária e sim de seu precário estado de
66
saúde.
Assim, diante do exposto, observa-se que a obrigação alimentar ao maior
incapaz se faz presente pelo vínculo de parentesco (solidariedade familiar) e
também pela prorrogação do dever de sustento pela presunção absoluta de
necessidade daquele.
65
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 122.
CAHALI, Yussef Said. Op.cit., p. 664.
66
21
A segunda hipótese, por sua vez, trata do direito reservado ao maior de
receber alimentos de seus pais enquanto for estudante, dado o grande número de
casos em que os pais deixam de ajudar os filhos financeiramente, uma realidade
cada vez maior em nosso meio.67 Nos dias atuais, torna-se cada vez mais
complicado e dispendioso conciliar a faculdade ao emprego, pois os horários
tornam-se incompatíveis. Por causa disso, os jovens universitários, por exemplo,
fazem estágios remunerados, mas mesmo assim o valor recebido é muito inferior ao
custo de uma faculdade particular. Sabe-se que o mercado de trabalho está cada
vez mais competitivo e exigente, admitindo somente profissionais experientes e bem
qualificados.
Para essa situação a legislação não apresenta regra específica, mas os
julgadores, cientes do dano irreparável que seria causado na vida desses
universitários, “construíram uma rede de julgados que favorecem a tese de
prorrogação do dever alimentar na adultice da prole carente”.68
Na mesma linha, Arnaldo Rizzardo também se posiciona:
É de todos conhecida a dificuldade em se conseguir uma colocação
no mercado de trabalho. Pouco importa que o filho se encontre habilitado a
exercer uma profissão se não se lhe são abertas às portas para
desempenhar a profissão. Quem ignora o número excedente de pessoas
aptas para toda a espécie de trabalho que exige alguma habilitação?
Ademais, longos anos de tentativa e prática se exigem antes de conseguir
qualquer profissional liberal alguma solidez econômica na carreira
escolhida. De sorte que, nos tempos que correm, persiste a obrigação
69
enquanto não se concretizarem as perspectivas de segurança econômica.
A maioridade civil, atingida aos dezoito anos, só será cauda de exclusão do
auxílio paterno quando comprovado que os filhos têm meios próprios para sua
subsistência, caso contrário, é majoritário na doutrina e na jurisprudência que a
obrigação alimentar se prorrogue ao filho maior estudante até seus vinte e quatro
anos (invocando-se analogicamente a legislação do Imposto de Renda – Lei n.
1.474/1951)70, ou, dependendo do caso, até a conclusão da faculdade ou curso
profissionalizante. Ademais, com a maioridade, a obrigação alimentar entre pais e
filhos é pelo dever de solidariedade e relação de parentesco, conforme
anteriormente mencionado.
Assim posiciona-se Yussef Cahali:
A maioridade do filho estudante que não trabalha, a exemplo do que
acontece com as famílias abastadas, não justifica a exclusão da
responsabilidade do pai quanto a seu amparo financeiro para o sustento e
os estudos.71
67
ZULIANI, Ênio Santarelli. Alimentos para Filhos Maiores. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.).
Grandes Temas da Atualidade: Alimentos no Novo Código Civil – aspectos polêmicos. 5 vol.
Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 106.
68
ZULIANI. Op. cit. p. 104.
69
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 761-762.
70
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria Geral dos Alimentos. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA,
Rodrigo da Cunha (coord.). Alimentos no Código Civil – Aspectos civil, constitucional,
processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 40.
71
CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 665.
22
No mesmo entendimento, Belmiro Pedro Welter completa:
Significa que os filhos, embora maiores de idade e capazes, mas
incapazes de se auto-sustentar, estejam estudando em escola técnica ou
em curso superior, os pais continuam responsáveis pelo pagamento de
alimentos até os 24 anos de idade.72
Do mesmo teor, abaixo seguem entendimentos do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul a respeito da matéria:
EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. MAIORIDADE. BINÔMIO
NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. A maioridade civil, por si só, não é
suficiente para eximir o alimentante da obrigação alimentar, principalmente
quando demonstrado que o alimentado é estudante e não possui condições
de prover a própria subsistência. Assim, tendo o conjunto probatório
evidenciado
a
inexistência
de
alteração
no
binômio
necessidade/possibilidade, adequada se mostra a manutenção do
73
pensionamento.
ALIMENTOS. MAIORIDADE. EXONERAÇÃO. DESCABIMENTO.
Descabe a exoneração liminar tão-somente por ter a recorrente atingido a
maioridade, quando demonstrado que é estudante e necessita dos
alimentos para a sua mantença. Ademais, não restou evidenciada a
impossibilidade do agravado em continuar prestando os alimentos à filha.74
De regra, a legislação atual não traz norma específica para o maior
estudante receber pensão alimentícia de seus pais, entretanto, cumpre destacar, a
respeito disso, a existência de um projeto de Lei n. 6.960/0275, proposto por Ricardo
Fiúza, onde é acrescentado o parágrafo terceiro ao artigo 1.694 do Código de
2002.76 É excluído, portanto, o entendimento de que a prestação dos alimentos deve
ser destinada somente à educação do menor. Certamente essa alteração é
necessária, pois a redação atual do Código Civil contraria o entendimento
jurisprudencial de que os filhos maiores também têm direito à pensão alimentar para
sua educação.
Desse modo, vê-se que a concessão de alimentos aos maiores estudantes
não se limita somente ao estudante de curso superior (universitário), é cabível
72
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 123-124.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Acórdão.
Família. Exoneração de Alimentos. Maioridade. Binômio necessidade/possibilidade. Apelação Cível
nº 70015751720. Relatora Maria Berenice Dias. 16 de agosto de 2006. In. Diário de Justiça do Rio
Grande do Sul, 2006. Jurisprudência Gaúcha. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br.
74
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Família.
Alimentos. Maioridade. Exoneração. Descabimento. Agravo de Instrumento nº 70014854319.
Relatora: Maria Berenice Dias. 21 de junho de 2006. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça
do Rio Grande do Sul, 2006. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br.
75
Projeto de Lei nº 6.960/02. Consta nesse projeto o acréscimo do §3° ao artigo 1.694 do Código Civil,
com a seguinte redação: “A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter
cessado a menoridade, se comprovado que o alimentado não tem rendimentos ou meios próprios
de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua educação”.
76
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 406.
73
23
também para estudantes de ensino médio, escolas técnicas77, curso
profissionalizante e, até mesmo, depois de formado, ao curso de pós-graduação.78
Em se tratando de alimentos aos filhos maiores e estudantes, deve-se ter o
cuidado da análise minuciosa de cada caso concreto, verificando-se a real
necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante. Tudo isso é necessário
para evitar que o filho maior, com plenas capacidades, apto às atividades laborais,
exija pensão de seus pais somente por comodismo, desinteresse ou estimulando o
ócio.79
Yussef Cahali80 acredita que, “em regra, toda pessoa maior e capaz de
trabalhar deve fazê-lo para seu próprio sustento; o instituto dos alimentos visa a
socorrer os necessitados e não a fomentar a ociosidade”. A respeito disso, segue a
jurisprudência, a qual refere: “sendo a ré/alimentanda, que já atingiu a maioridade,
plenamente apta para o trabalho e não freqüentando curso superior, cabível a
exoneração dos alimentos devidos pelo pai”.81 Entende-se, então, que, se não
houver necessidade do filho maior em receber alimentos, não há motivo para os pais
continuarem pagando pensão alimentícia.
A partir do exposto, conclui-se que a maioridade por si só não é causa
suficiente para o cancelamento da obrigação alimentar; uma vez que os filhos
maiores comprovem suas necessidades, os pais não poderão exonerar-se do
encargo alimentar. Desse modo, para o maior receber alimentos de seus pais,
deverá ser analisado o binômio necessidade do alimentado e possibilidades do
alimentante. Assim, percebe-se que o maior incapaz, indiscutivelmente, tem direito
aos alimentos, bem como também fazem jus à pensão o maior capaz estudante, o
maior indigente, desde que comprovada a real necessidade de receber alimentos.
2.3 Limite etário para que os filhos maiores façam jus à verba alimentar
Constatou-se, no decorrer do presente trabalho, que os filhos têm
legitimidade para receber alimentos dos seus genitores, mesmo na maioridade civil.
A dúvida que se estabelece, agora, diz respeito à idade limite para o recebimento
desses alimentos. Logo, passa-se à análise da durabilidade do encargo alimentar.
Observa-se que a jurisprudência e a doutrina afirmam, majoritariamente, que
aos filhos maiores e estudantes a obrigação alimentar perdura até os vinte e quatro
anos de idade. Essa idade foi estabelecida por analogia à Lei do Imposto de Renda
77
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 124.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria Geral dos Alimentos. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA,
Rodrigo da Cunha (coord.). Alimentos no Código Civil – Aspecto civil, constitucional,
processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 40.
79
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 124.
80
CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 640.
81
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Exoneração de
alimentos. Maioridade. Apelação Cível nº 70013408257. Relator: José Siqueira Athaíde Trindade.
22 de dezembro de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul,
2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br.
78
24
(Lei n. 1.474 do ano de 1951), pois cabe ao contribuinte informar, em sua declaração
de imposto de renda, seus dependentes, até quando atinjam estes o limite máximo
de vinte e quatro anos de idade.82
A respeito disso, o Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul aduz:
De regra, a jurisprudência tem estabelecido como limite para que os
filhos possam continuar a receber alimentos a idade de 24 anos. Isso
tomando como analogia as regras previdenciárias e tributárias, que fixam
essa idade como termo final da dependência, e também por ser, na média,
a faixa etária em que concluído o curso universitário, para aqueles que
83
logram lá chegar.
Segundo Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França,
por construção da própria jurisprudência, entende-se que os pais devem
continuar a prestar os alimentos aos filhos, completada a maioridade, até
que terminem o curso superior e possam prover sua própria subsistência,
estabelecendo-se um marco de 24 anos. 84
Na realidade, é difícil estabelecer a faixa etária de vinte e quatro anos para o
filho maior receber alimentos de seus pais, pois a durabilidade do encargo alimentar
depende, justamente, da necessidade do filho. Isso quer dizer que, em muitos
casos, a necessidade de auxílio paterno ultrapassa essa idade, devendo perdurar
por mais algum tempo. Logo, existem situações em que os filhos, mesmo tendo
alcançado vinte e quatro anos, ainda não se encontram em condições de prover sua
própria mantença. Por isso, alguns doutrinadores concordam que os pais devem os
alimentos aos filhos maiores e estudantes até estes finalizarem o respectivo curso.
A respeito dessa matéria, Semy Glans aponta:
Como a lei do Imposto de Renda permite abater, com limite, valor para
sustento de filho até 24 anos, se este cursa escola superior, uma corrente
admitia que o dever alimentar se mantinha até esta idade. Logo, a boa tese
é a da necessidade e a possibilidade dos devedores, pouco importando a
idade[...].85
Todavia, analisando o binômio alimentar da necessidade-possibilidade a
cada caso concreto, verifica-se que as situações, por serem diferentes umas das
outras, merecem especial atenção no que concerne à fixação da faixa etária. Mesmo
com entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência ao fixarem o limite
máximo como sendo vinte quatro anos para recebimento da verba alimentar pelo
filho maior, encontrou-se na jurisprudência86 do Tribunal de Justiça do Rio Grande
82
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit., p. 40.
SANTOS, Luis Felipe Brasil. A obrigação Alimentar na Perspectiva Ética. In. PEREIRA, Tânia da
Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). A Ética da Convivência Familiar e sua Efetividade
no Cotidiano dos Tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 06.
84
ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Os alimentos no novo código civil. Rio de
Janeiro: Temas e Idéias Editora, 2004, p. 41.
85
GLANZ, Semy. Op. cit., p. 632.
86
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes.
Alimentos. Exoneração. Situação em que excepcionalmente se mantém a verba alimentar até a
conclusão do curso universitário da embargante, mesmo contando ela com 29 anos de idade.
83
25
do Sul, um julgamento onde se manteve a concessão da verba alimentar à filha
maior estudante, com vinte e nove anos de idade, pois verificou-se a necessidade
desta receber a assistência dos alimentos e a possibilidade do pai em continuar
pagando a pensão alimentícia.
A respeito disso, Rolf Madaleno afirma que
[...] também se admite como válida a assertiva de ser regra dentre
determinadas classes sociais os filhos não trabalharem enquanto cursam a
universidade, até a sua conclusão, quando, então, cessaria a alimentação, e
não aos vinte e quatro anos, como muitos pensam, por analogia irrestrita à
87
legislação do imposto de renda.
Outro caso a ser analisado é o do filho maior incapaz, caso em que a
obrigação alimentar poderá perdurar por toda a vida do alimentado, sem limite etário,
visto que ele não tem condições de se auto-sustentar. Em determinados casos, a
incapacidade vem de uma doença grave, onde esse filho precisará de tratamento
médico até o último dia de sua vida, conforme ensina Semy Glanz, ao afirmar que é
“evidente que, sendo incapaz o filho, não pode ser desamparado, e só alguém
desalmado seria capaz de fazê-lo”.88
De regra, podemos concluir que não existe um limite rígido para a duração
do encargo alimentar concedido aos filhos maiores por seus pais. Alguns
doutrinadores e legisladores afirmam que os filhos maiores estudantes devem
receber alimentos até os seus vinte e quatro anos, outros acham que essa obrigação
deverá perdurar até a conclusão do curso universitário, em outras situações essa
obrigação durará a vida toda, como no caso dos maiores incapazes. Mas o certo é
que isso dependerá do caso concreto, devendo ser analisados o já mencionado
binômio necessidade-possibilidade e as circunstâncias e os objetivos peculiares de
cada processo para que nenhuma das partes (alimentado e alimentante) seja
prejudicada. Os pais, garantindo o futuro de seus filhos, indiretamente estarão
garantindo o seu futuro, dado que, posteriormente, poderão demandar alimentos dos
filhos, devido ao princípio da reciprocidade e ao da solidariedade familiar, advindas
do vínculo do parentesco.
3 PECULIARIDADES E ASPECTOS PROCESSUAIS
3.1 Ação de exoneração de alimentos proposta pelos pais
Como já analisado, o dever de sustento cessa com a maioridade civil,
extinguindo-se, conseqüentemente, o poder familiar, ou seja, os pais não exercem
mais o pátrio poder sobre os filhos que completaram dezoito anos. No artigo 1.635,
inciso III, do Código Civil, extingue-se o poder familiar pela maioridade civil,
cessando também o dever alimentar; os filhos maiores poderão pleitear alimentos
Deram parcial provimento. Embargos Infringentes n° 70012523511. Relator: Luiz Felipe Brasil
Santos. 10 de junho de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul,
2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br.
87
MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre, Livraria do Advogado,
1998, p. 57.
88
GLANZ, Semy. Op. cit., p. 632.
26
dos seus genitores pela relação de parentesco e não mais pelo dever de sustento,
ainda que sujeitos aos pressupostos da obrigação alimentar.
A partir desse fato, surge a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a
existência ou não da necessidade de os pais ingressarem com uma ação de
exoneração89 de alimentos, isto é, se a maioridade civil é causa ou não de cessação
automática da obrigação alimentar. Analisar-se-á agora o posicionamento de alguns
autores sobre essa situação.
No entendimento de Yussef Cahali,
a orientação mais acertada é aquela no sentido de que, cessada a
menoridade, cessa ipso jure a causa jurídica da obrigação de sustento
adimplida sob a forma de prestação alimentar, sem que se faça necessário
90
o ajuizamento, pelo devedor, de uma ação exoneratória.
No mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo salienta que,
no tocante aos filhos maiores, a rigor, com a aquisição civil cessa o encargo
de prestar alimentos, não se fazendo necessária a manifestação judicial. A
91
extinção ocorre com o simples ato de alcançar a maioridade.
Com isso, entende-se que os pais não precisam impetrar uma ação
exoneratória no momento em que o filho tenha atingido a maioridade.
Para o Juiz de direito Jorge Luis Costa Beber92, o número de demandas no
judiciário tem aumentado notoriamente. Para minimizar o trabalho do poder judiciário
é necessário facilitar a forma de atendimento e abreviar ao máximo os
procedimentos processuais, mas sem ferir o princípio do contraditório. Portanto, para
o autor, não é necessária a instauração de uma ação exoneratória, mas se faz
imperioso que o filho maior ingresse com uma nova ação de alimentos. Observe-se:
[…] Estimo que o ideal é inverter-se este estado de coisas,
extinguindo-se liminarmente os alimentos com a maioridade dos filhos, com
a lei substantiva autoriza, obrigando estes últimos, caso amparados por
provas convincentes das suas necessidades, a ingressar com novo pedido
alimentar.
Não vejo qualquer prejuízo por força da exoneração imediata
decorrente da maioridade, pois na eventualidade do filho maior possuir
provas das suas necessidades, seja por estudo, seja por doença, seja por
qualquer outro motivo plausível, haverá de obter, ao limiar da nova ação de
alimentos, a concessão de verba provisória, consoante previsão contida na
93
Lei 5.478/68.
89
Para Arnaldo Rizzardo. Op. cit. A exoneração: “ocorre quando a pensão é cancelada,
especialmente por não ser exercido o direito a alimentos, e se advém total impossibilidade em
prestar alimentos”.
90
CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.
660.
91
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 660.
92
BEBER, Jorge Luis Costa. A maioridade dos filhos e a exoneração liminar dos alimentos.
Revista da Ajuris. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 163.
93
Idem ibidem, p. 170.
27
O renomado autor também ensina que, ao se exigir uma ação de
exoneração, além da demora do processamento da demanda, acarretar-se-ia uma
inversão ao ônus da prova, ou seja, esta seria exigida do devedor de alimentos
(pais) e não do filho maior (credor) como seria o correto.
Na verdade, o que se tem observado é que o alimentante, compelido a pedir
a exoneração da sua obrigação após a maioridade do filho, além de obrigarse a produção de provas acerca da desnecessidade dos alimentos por parte
do beneficiário (quando o correto seria o contrário), conta, ainda com a
morosidade da demanda, na maior parte das vezes fomenta um crédito que
94
sabe indevido.
Importante frisar que, com a maioridade civil, o ônus da prova é do
alimentado e não mais do alimentante como no dever de sustento, já que o filho é
quem deverá provar que realmente necessita e precisa de alimentos. A presunção
da necessidade é relativa ao maior, devendo este se enquadrar nos pressupostos da
obrigação (binômio alimentar) alimentar para a concessão de alimentos.
Outro problema que os autores afirmam existir com relação à propositura de
uma ação de exoneração diz respeito aos pais continuarem pagando a pensão de
alimentos aos filhos maiores quando estes não mais necessitam dessa ajuda. O
alimentante continuará pagando os alimentos até o trânsito em julgado procedente
da exoneratória, e, somente depois desse procedimento, o devedor de alimentos
poderá cessar a sua obrigação do pagamento da pensão alimentícia.
A respeito disso, afirma Rolf Madaleno:
[...] Reside o temor da injustiça, motivado pela circunstância de onerar
a um dos pólos com o prosseguimento de uma obrigação que já não mais
lhe comete, porque compelido a prosseguir pagando alimentos quiçá
indevidos, enquanto ainda sobrecarregado pela obrigatoriedade de
promover uma ação exoneratória, da qual deverá aguardar toda sua
tramitação, para, somente com seu final e procedente trânsito em julgado,
ver cessada sua obrigação alimentar.95
Apesar disso, é extremamente comum encontrar no Poder Judiciário ações
de exoneração, advindas da cessação da obrigação alimentar em razão da
maioridade do alimentado, em que completar os dezoito anos não é motivo
suficiente para cessar automaticamente o encargo alimentar assumido pelos pais.
Na doutrina, encontram-se autores como Sérgio Gilberto Porto96 e Rodrigo da Cunha
Pereira que sustentam esse posicionamento, ao afirmarem que “é imprescindível a
propositura da ação de exoneração de alimentos, com o fito de que seja
reconhecida, no caso concreto, a desnecessidade da prestação alimentícia”.97.
Rodrigo Pereira também salienta que “mais grave do que permitir o recebimento de
alimentos sem necessidade é privar alguém de recebê-los quando necessita”.98
94
Idem ibidem, p. 169.
MADALENO, Rolf. Direito de família: aspectos polêmicos. Porto Alegre, 1998, p. 53.
96
PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos tribunais,
2003, p. 45.
97
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria Geral dos Alimentos. In. CAHALI, Francisco José; PEREIRA,
Rodrigo da Cunha (coord.). Alimentos no Código Civil: aspectos civil, constitucional,
processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 37.
98
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit., p. 39.
95
28
Ainda, Rolf Madaleno salienta:
Existem duas correntes que autorizam com a maioridade civil a
exoneração automática do vínculo alimentar, a ser requerida em simples
petitório entranhado no próprio feito processual que cuidou de acordar
primitivamente os alimentos, ou decretá-los judicialmente, em tendo se
tratado de processo litigioso. Do lado oposto há aqueles que vêem a
obrigatoriedade do desdobramento de uma ação específica de exoneração
de alimentos movida pelo devedor, sob o argumento do advento da
capacidade civil como causa extintiva do pátrio poder, e por evidente, do
liame alimentar. 99
A partir do exposto, verifica-se certa polêmica quanto ao uso ou não de uma
ação de exoneração. Para alguns autores, uma simples petição, no próprio processo
de alimentos, resolveria o problema da cessação do encargo alimentar pela
maioridade, mas para outros, a ação exoneratória é fundamental para garantir o
contraditório, quando o filho maior poderá provar sua necessidade de ter
continuidade para receber os alimentos. Faz-se necessário, no entanto, que se
elaborem algumas concessões a esses posicionamentos. Em casos como esses,
alguns julgadores preferem que o devedor ingresse com uma ação de exoneração,
em virtude de que, segundo eles, o prejuízo será proporcionalmente menor aos pais
do que o que será causado ao filho maior se este continuar dependendo dos
alimentos. Importante fazer a análise do caso concreto, na qual o julgador apreciará
cada situação e decidirá com proporcionalidade, sem causar prejuízos às partes,
levando-se em consideração o binômio necessidade do alimentado e possibilidades
do alimentante. Em suma, a análise do binômio alimentar é a regra mais correta e
fundamental a ser utilizada para resolver essas situações do direito alimentar na
maioridade civil.
3.2 Aspectos específicos da ação de alimentos movida pelo filho maior
Serão analisados, neste tópico, aspectos peculiares e específicos da ação
de alimentos movida pelo filho com maioridade civil, utilizando a ação de alimentos
movida pelos filhos menores de dezoito anos para se fazer uma diferenciação e até
mesmo uma comparação, já que o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de os
filhos maiores demandarem alimentos contra seus pais.
Na ação de alimentos movida pelos filhos maiores contra seus genitores, a
obrigação alimentar se dá pela relação de parentesco, conforme o artigo 1.694 do
Código Civil de 2002. Essa obrigação alimentar estabelecida pelo vínculo do
parentesco é a mesma aplicada aos demais parentes, diferentemente do que ocorre
na ação de alimentos movida pelos filhos menores, pois em relação aos menores a
ação de alimentos é baseada no dever alimentar, sob o poder familiar.
Outra peculiaridade da ação de alimentos movida pelos filhos maiores de
dezoito anos é sobre a necessidade deste de receber alimentos. Nesse caso, o
alimentado deverá comprovar a sua real necessidade; a sua presunção de
99
MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre, Livraria do Advogado,
1998, p. 53.
29
necessidade é relativa e não absoluta, como no caso dos filhos menores ainda sob
jugo do poder familiar. Caberá ao filho maior o ônus da prova. “Portanto, ela é
absoluta entre os filhos sob o poder familiar, e relativa em relação aos filhos maiores
e capazes”.100
Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França asseguram:
É importante se ter bem clara a distinção entre o fundamento jurídico para
se pedir alimentos aos filhos menores e aos filhos maiores. Como já
analisado, durante a menoridade existe uma presunção natural de
necessidade. Após a maioridade, a necessidade do alimentado deve ser
comprovada, e, em alguns casos, independentemente da idade, essa
101
necessidade poderá perdurar por toda a vida do alimentado.
Dessa forma, o filho maior, obrigatoriamente, deverá provar seu estado de
carência, pois somente assim é que ele receberá alimentos. Mesmo com a idéia de
que a maioridade por si só não é motivo para a cessação automática da obrigação
alimentar, se não comprovada tal existência de necessidade, o filho não receberá
pensão alimentícia. Recai, portanto, sobre o filho maior o ônus da prova.
Importante salientar também que, aos filhos maiores, os pagamentos da
pensão alimentícia, de regra, são feitos mediante prestações periódicas geralmente
em dinheiro102, isto é, prestações in pecunia. Diferentemente, o pagamento da
pensão alimentar devida pelos pais aos filhos menores é realizado in natura, ou seja,
com os alimentos, moradia, vestuário, medicamentos e com utilidades
indispensáveis ao alimentado.
A respeito disso, José Lamartine Corrêa de Oliveira salienta: “Ao contrário
do que ocorre com a obrigação de alimentos, a obrigação de sustento se executa in
natura, pois os filhos menores vivem em comunidade com os seus pais”.103
Ricardo Rodrigues Gama assim menciona:
Nos alimentos in natura, o alimentante vai suprir todas as necessidades do
alimentado, ou seja, ele vai prover a alimentação, os medicamentos, o
vestuário, a habitação, a educação e a recreação. Os alimentos in pecunia,
consistem somente na entrega de um determinado montante de dinheiro ao
alimentado; aqui, com o dinheiro, este vai buscar satisfazer as suas
104
necessidades.
Para a concessão de alimentos dos pais aos filhos maiores e capazes, o
alimentado estará sujeito aos pressupostos da obrigação alimentar, ou seja, é
requisito indispensável ser analisado o binômio alimentar, a necessidade do
alimentante aliada à possibilidade financeira do alimentado: somente assim poderá
ser fixado o quantum da pensão alimentícia, conforme artigo 1.695 do Código Civil.
Saliente-se que não se pode cobrar alimentos de quem não tem condições
financeiras para suportar tal encargo. Vê-se que essa situação é um pouco
100
MADALENO, Rolf. Direito de Família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 204.
ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Op. cit., p. 42.
102
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 101.
103
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de Direito de
Família. 4 ed. Curitiba: Editora Juruá, 2001, p. 76
104
GAMA, Ricardo Rodrigues. Alimentos. 1 ed. São Paulo: Bookseller, 2000, p. 27.
101
30
diferenciada quando se está tratando do dever de sustento, quando aos genitores é
ilimitada a obrigação alimentar, ou seja, as necessidades do menor sobrepõem-se
às dos seus pais, ou seja, o alimentante, mesmo em situações precárias, deverá
sustentar sua prole.
José Lamartine Corrêa de Oliveira ensina:
Os alimentos, como vimos, são fixados na proporção das
necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Pelo
contrário, o montante da obrigação de sustento do filho é assegurado pelas
reais possibilidades econômicas de seus pais. 105
Também cabe frisar que no dever de sustento não existe a reciprocidade
entre pais e filhos menores, pois a obrigação alimentar é somente dos genitores. O
inverso acontece na situação dos filhos maiores que, posteriormente, se houver
necessidade de os pais cobrarem auxílio alimentar dos filhos e estes tiverem
condições de ajudar, poderão ser cobrados no sentido de fornecerem tal auxílio;
haverá, pois, neste caso, a possibilidade de os pais demandarem alimentos contra
seus filhos.
Nesse sentido, a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, Maria Berenice Dias, ensina:
A reciprocidade tem fundamento no dever de solidariedade. Com relação
aos alimentos decorrentes do poder familiar, não há que se falar em
reciprocidade (CF 229). No momento em que os filhos atingem a
maioridade, cessa o poder familiar e surge, entre os pais e os filhos, a
106
obrigação alimentar recíproca em decorrência do vínculo de parentesco.
A ação de alimentos movida pelo maior é igual à ação de alimentos movida
pelo filho com menoridade civil, bem como são semelhantes os procedimentos e
mecanismos legais utilizados nessa demanda. A ação de alimentos segue em rito
especial previsto na Lei de Alimentos n. 5.478 de 1968.
Assim, diante de tais considerações, fica evidente que o procedimento
jurídico a ser utilizado na ação de alimentos movida pelos filhos maiores contra seus
pais é o mesmo da ação de alimentos instaurada pelos filhos menores. Contudo,
existem diferenças primordiais no tocante aos fundamentos jurídicos entre essas
duas ações. Tem-se que aos filhos menores caberá a ação de alimentos pelo dever
de sustento (poder familiar), ao passo que, na ação de alimentos dos filhos maiores
e capazes, a obrigação alimentar é pela relação de parentesco. Outra diferença é
sobre o ônus da prova: à medida que o filho maior tem que provar sua necessidade,
o filho menor tem a sua necessidade presumida e absoluta. Outra diferenciação a
ser feita é que o filho maior só receberá alimentos se os genitores tiverem
possibilidades financeiras para pagar-lhe a pensão, enquanto aos filhos menores,
mesmo os pais não tendo condições financeiras satisfatórias, o sustento deve ser
assegurado.
105
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. Op. cit., p. 76
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005,
p. 451.
106
31
3.3 Análise Jurisprudencial
Serão examinadas, neste tópico, algumas jurisprudências do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que analisa e julga um grande número de
demandas sobre o tema trabalhado na presente pesquisa: a obrigação alimentar dos
pais na maioridade civil dos filhos.
Primeiramente, merece destaque um julgado em que o pai, inconformado
com a sentença de primeiro grau na ação de execução, apela da decisão. Em suas
razões recursais, o alimentante solicita a reforma da sentença, alegando que a filha
já é maior de dezoito anos e possui renda advinda de aluguel de um imóvel,
afirmando, ainda, o apelante, estar doente e ter despesas elevadas com seu
tratamento médico, pedindo, por isso, a cessação do pagamento de pensão. O
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, através do voto do
Relator Presidente Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, afirma que a
maioridade civil, por si só, não extingue a obrigação alimentar, mencionando, ainda,
que a alimentada é estudante e realiza curso profissionalizante. Entende, também,
que o fato da alimentada auferir renda advinda da locação de um imóvel não é
suficiente para suprir as suas necessidades. Portanto, restou demonstrada, nos
autos, a necessidade da alimentante continuar percebendo o auxílio financeiro do
seu pai até a conclusão do curso, de modo que a exoneração total não se põe como
justa e devida. Partilhando do mesmo entendimento do Desembargador Relator,
estão o Desembargador Claudir Fidelis Faccenda e o Desembargador José Athaíde
Siqueira Trindade.107
O segundo julgado versa sobre uma ação de exoneração interposta pelo pai,
com o objetivo de extinguir a pensão alimentícia destinada ao filho maior e estudante
universitário. A sentença de primeiro grau julgou improcedente a demanda. Não
satisfeito com a decisão, o pai apelou, alegando, resumidamente, que o filho já
possui vinte e quatro anos e que ainda está cursando os primeiros semestres da
faculdade e, ainda, que se utiliza da perpetuação do tempo de freqüência à
faculdade com o intuito, tão-somente, de continuar recebendo pensão alimentícia.
Alega, também, que o alimentado possui plenas condições neurológicas de prover
seu sustento. O apelante, em suas razões recursais, pleiteou a reforma da sentença
para que seja exonerado da obrigação alimentar. Ao decidir sobre o fato, o Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado sustenta que há, nos autos, elementos probatórios
que indicam que o filho tem problemas neurológicos e que não cabe exonerar o
genitor somente porque o filho não apresenta bom rendimento em seus estudos.
Entende, ainda, que a exoneração dos alimentos impediria que o alimentado
concluísse o curso superior. Com isso, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul nega provimento ao apelo, unânime, mantendo a obrigação
alimentar, para que o pai/genitor continue a prestar assistência ao filho maior
necessitado.108
107
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível.Família.
Alimentos. Exoneração. Pretensão descabida. Maioridade civil. Apelação Cível n° 70015241847.
Relatora: Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos. 22 de junho de 2006. In. Diário de Justiça do
Rio Grande do Sul, 2006. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/.
108
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Alimentos em
favor de filho. Pedido de Exoneração. Apelação Cível n° 70012970018. Relatora: Maria Berenice
Dias. 09 de novembro de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do
Sul, 2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/.
32
O nosso Tribunal adota posicionamento contrário ao acima exposto, o que
se percebe a partir da análise de outra ação, na qual a filha maior apela contra a
sentença de primeiro grau que desobriga o alimentante da prestação de alimentos a
ela, em ação de exoneração interposta pelo pai. Nas razões recursais de apelação,
a apelante sustenta que completou o ensino médio e que gostaria de continuar seus
estudos, porém não tem condições financeiras de ingressar no curso superior.
Alega, também, que o pai tem vida abastada e que possui boas condições
financeiras para auxiliá-la. A alimentada salienta que, mesmo tendo encontrado um
emprego, este não supre todas as suas necessidades. Ao analisar as razões de
apelação, o Relator Desembargador José Athaíde Siqueira Trindade nega
provimento ao recurso, em decisão monocrática, justificando ser manifestamente
improcedente, pois entende que a autora não necessita mais dos alimentos que vem
recebendo. Salienta o Ilustre Desembargador que a alimentada já trabalha, sendo,
portanto, capaz de se sustentar, não restando demonstrado, nos autos, que é
estudante, por isso não necessita de auxílio de seu genitor.109
Em decisão análoga à acima transcrita, outro julgado que merece destaque
envolve uma ação de exoneração de alimentos interposta pelo pai, a fim de cancelar
a pensão alimentícia destinada a sua filha. A demanda foi julgada procedente em
primeiro grau. Inconformada com a decisão, a filha, maior, apela. Assevera, em
razões recursais, que necessita do auxílio paterno, pois sua situação econômica não
é boa e não consegue se firmar no mercado de trabalho, possuindo um veículo de
propriedade de sua mãe, alegando, finalmente, que o alimentante não provou
alteração em sua situação econômica. O Tribunal, ao julgar o recurso, nega
provimento ao apelo, pois, de acordo com o voto do Relator Desembargador Luiz
Felipe Brasil Santos, a apelante não se enquadra na definição de necessidade, já
que conta, atualmente, com 29 anos e possui formação e experiência profissional.
Assim sendo, decide, em seu voto, que é adequada a r. sentença monocrática, que
entendeu em julgar procedente a ação de exoneração dos alimentos, desobrigando
o pai do encargo de prestar alimento à sua filha maior.110
Ao analisarem-se as jurisprudências acima citadas, dentre as inúmeras
demandas judiciais existentes e pesquisadas, constatou-se que não há uma regra
específica para conceder ou não os alimentos aos filhos maiores de dezoito anos,
visto ser imprescindível a verificação do binômio necessidade-possibilidade para que
se caracterize a obrigação alimentar. Não é justo impor o encargo dos alimentos aos
pais considerando que aquele que pensiona alimentos possui condições suficientes
para sua mantença, ou, sendo capaz e sadio, prefere o ócio. De outra parte, é
injusto impor ao filho maior que passe por privações ou necessidades se seus pais
possuem condições financeiras para auxiliá-lo. Em suma, os eméritos julgadores
109
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Família.
Alimentos. Exoneração. Maioridade. Mera conveniência da alimentada. Recurso Desprovido
Apelação Cível n° 70014153662. Relator: José Siqueira Trindade. 03 de março de 2006.
Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2006. Disponível em:
www.tj.rs.gov.br
110
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Alimentos.
Exoneração. Apelação Cível n° 70013049093. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. 23 de novembro
de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em:
<www.tj.rs.gov.br>
33
devem analisar o caso concreto e decidir tendo em vista a necessidade do
alimentado e a possibilidade do alimentante pela fixação ou não dos alimentos.
CONCLUSÃO
O estudo que se processou teve por objetivo a análise da obrigação
alimentar dos pais para com seus filhos com maioridade civil. Diante de todas as
informações trazidas na pesquisa, foi possível dirimir algumas dúvidas quanto ao
direito do filho maior de dezoito anos em perceber os alimentos de seus genitores.
Cabe ser registrado que, como visto no decorrer do trabalho, a maioridade
civil por si só não afasta os pais do encargo dos alimentos, mas o certo é que
sempre, indiscutivelmente, deverá ser avaliado, a cada caso concreto, o binômio
alimentar da necessidade-possibilidade, ou seja, a necessidade do alimentado de
receber os alimentos e a possibilidade do alimentante em fornecê-los.
Ademais, é possível constatar que os filhos maiores de dezoito anos têm
direito, sim, aos alimentos fornecidos por seus pais. Esse direito, por sua vez, vem
da obrigação alimentar estabelecida pelo vínculo do parentesco e não do dever de
sustento, já que os pais somente têm o dever de sustento em relação aos filhos
menores.
No entanto, verificou-se que os alimentos devidos pelos pais aos filhos
maiores somente são devidos de fato em certas circunstâncias, quais sejam, quando
o filho for maior e incapaz, quando for maior, capaz e estudante, ou, ainda, maior
indigente. Conforme examinado, aos filhos maiores e incapazes a obrigação
alimentar poderá, em certos casos, perdurar a vida toda do alimentado, pois nessas
situações não importa a faixa etária do filho, mas tão-somente a precariedade do
incapaz. No caso de filhos maiores, capazes e estudantes ou no de maiores
indigentes, deverá ser analisado o binômio necessidade-possibilidade para a
concessão de alimentos, ou seja, deverá ser verificada, em cada caso concreto, a
necessidade de quem pleiteia alimentos e a possibilidade financeira de quem
fornece a pensão alimentícia.
O binômio alimentar está presente em todos os casos que envolvem ações
relacionadas à concessão de alimentos: nas ações de alimentos movidas pelos
filhos com maioridade civil, nas ações de exoneração instauradas pelos genitores
com o intuito de se eximirem do encargo alimentar, e até mesmo na questão da
durabilidade da prestação de alimentos. Na verdade, a análise do binômio
necessidade-possibilidade é a solução encontrada pelos legisladores para verificar a
concessão ou não de alimentos.
Assim sendo, os julgadores, ao analisar a necessidade do alimentado de
maneira correlata à possibilidade do alimentante, estarão decidindo a lide com
proporcionalidade e razoabilidade, pois, ao procederem dessa maneira, não será
causado prejuízo a nenhuma das partes. Injusto seria impor ao filho maior passar
necessidades enquanto seus genitores possuem condições financeiras suficientes
para fornecer-lhe alimentos, da mesma forma, seria de igual injustiça impor o
encargo alimentar aos pais, considerando que o alimentado prefere o ócio a
trabalhar.
Após as devidas colocações, fica evidente a importância da análise do
binômio necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante em relação ao
caso concreto. Vê-se, portanto, que o binômio alimentar é de suma importância,
pois, a partir dele é que se poderá extinguir ou executar a obrigação alimentar.
34
Entende-se, então, que os filhos, tão-somente pelo fato de alcançarem a capacidade
civil, não perdem o direito de pleitear eventual amparo alimentar de seus pais.
Continuam os filhos, certamente, com legitimidade para o pedido de alimentos,
devendo ser tal pretensão fundada na relação de parentesco, sujeitando-se o pedido
aos pressupostos da prova de necessidade e possibilidade, ou seja, ao binômio
alimentar.
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