Critério etário de maioridade civil e extinção da

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Critério etário de maioridade civil e extinção da obrigação alimentar
Alex Sandro Ribeiro *
Não só questões e anseios socialmente relevantes inspiram a lei. Também os
espectros da filantropia universal e da solidariedade humana a fundamentam. Pessoas há
que se encontram ligadas para todo o sempre, por laços parentais, ou simples liames
fraternais e de afinidade. A sociabilidade faz com que, não raro, dependam umas das outras.
E assim, o que logrou atingir maior altiplano na vida, pode e tem de auxiliar o menos
favorecido, para que ostente uma vida com o mínimo de dignidade humana. Se o Estado
não tem como dar efetividade a garantias sociais, como moradia, saúde. trabalho, lazer e
educação, as pessoas tem de fazê-lo quanto aos seus. Não que isso resulte crítica a nãoatuação do Estado na vida das famílias; nem poderia fazê-lo, posto vedado pelo Estado
Democrático e de Direito. O que ora se argumenta, é a situação de uma pessoa que por seus
meios próprios não consegue sobreviver, necessitando do socorro do outro cuja vida está
desenhada com cores vivas da prosperidade.
Daí o instituto dos alimentos, a socorrer quem não tem, por diversos motivos,
como se apresentar com condições materiais mínimas de subsistência humana, rogando ao
próximo que lho satisfaça tais reclamos da vida.
O direito à prestação alimentar resulta da lei, da vontade das partes ou do delito.
Tem sua gênese no parentesco, na instituição de uma entidade familiar (casamento ou união
estável); no ato ilícito, obrigando-se o ofensor a reparar e ressarcir o dano causado, para
tanto pensionando a vítima; e, no instrumento contratual de instituição da união estável, ou
do concubinato, estipulando-se a obrigação alimentar para viger entre os companheiros ou
concubinos após a dissolução da entidade.
Interessa-nos a primeira hipótese: alimentos devidos em razão do parentesco. De
efeito, o Código Civil de 2002 modificou a regra biológica e cronológica de capacidade
civil absoluta. Fê-lo, claramente, no caput do artigo 5º. Desde 11 de janeiro de 2003,
portanto, aos dezoito (18) anos completos atinge-se a maioridade civil, habilitando-se
integralmente a pessoa natural à prática de todos os atos da vida civil. Ganha-se legitimação
a pessoa, no mesmo momento em que se torna criminalmente imputável. Com isso, alguns
direitos e algumas obrigações se extinguem automaticamente, assim como outros direitos e
outras obrigações ganham vida. É o que veremos, a seguir, cingindo nosso foco de estudo
aos absolutamente capazes, que assim se encontram simplesmente pela ocorrência da
maioridade civil, quando completam os dezoitos anos de idade.
Pois muito bem.
Substitutivo do pátrio poder, é o instituto jurídico do poder familiar. Mudou-se
não apenas a denominação, mas também o alcance e a legitimidade do titular do direito,
máxime se considerado o avanço social olvidado pelas disposições do Código Civil de
1916. Há muito o sistema legislativo consagrou a isonomia entre homem e mulher, de tal
sorte que a disciplina do Código Civil de 2002 apenas expressou numa única Norma o
indisputável Direito que o tempo consolidara. Note-se, porém, que apenas os filhos
menores estão sujeitos ao poder familiar. Este se exerce na constância do casamento, ou da
união estável, por ambos os genitores. Mesmo depois de dissolvida a união estável ou o
matrimônio, permanece indene o direito ao exercício do poder familiar, só se alterando o
direito que aos genitores cabe de terem em sua companhia os filhos (guarda). No exercício
do poder familiar, competirá aos pais dirigir a criação e educação dos filhos.
É da essência do poder familiar o dever de prestar assistência material ao filho.
Não se trata de obrigação alimentar; e, sim, do dever de sustento. E isso deve se apresentar
espontaneamente, mesmo após a dissolução do vínculo que unia os genitores, de tal sorte
que não se mostra crível conceder-se um padrão de vida à criança enquanto a tinha sob sua
guarda e outra, bem inferior, depois de perdê-la ou compartilhá-la em decorrência da
dissolução do casamento ou da união estável. Já é chegado o tempo em que os pais têm de
superar a antiga insciência que os fazia usar a criança como mero instrumento de barganha,
relegando-a para segundo plano e deixando de vê-la como ser autônomo, mero espectador
da briga do casal que a tudo assiste sem poder escolher um vencedor. Enquanto tem o filho
sob sua guarda, concede-lhe tudo sem medir esforços ou economias; depois que o perde,
nega-lhe a mais ínfima expectativa de um futuro melhor.
Contudo, este dever de sustento da família e a educação dos filhos incumbe aos
cônjuges, ou aos companheiros, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho.
Não se falou que concorrerão em igualdade de condições. Não se igualou simetricamente o
dever, mesmo porque raramente há possibilidade igual dos cônjuges. Muitas são as
situações em que apenas um dos consortes tem condições de sustentar sem se prejudicar, ou
contribuir com maiores proporções, pois há casais que apenas um saí para trabalhar e
prover a casa, enquanto o outro cuida dos afazeres domésticos e da fiscalização direta da
conduta da prole. Um ministra diretamente os recursos econômicos do lar, injetando
dinheiro na sociedade conjugal; e, o outro, fá-lo apenas indiretamente, através de sua labuta
diária, limpando, arrumando, cozinhando, lavando etc.
Manter-se a igualdade, aritmeticamente, poder-se-ia gerar injustiça grave. Daí o
espírito da lei insculpido no artigo 1.586 do Código Civil de 2002, que só tem a merecer
aplausos. Porém, dúvidas há sobre a sua constitucionalidade, face ao comando ínsito no
inciso I do artigo 5º, do Pacto Fundamental, bem como a norma jurídica contida no artigo
226, § 5º, ao preceituar que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são
exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
De todo modo, o que se indaga para o cerne do presente estudo, é: atingida a
maioridade civil, extingue-se o direito à prestação alimentar? A princípio, poder-se-ia
responder afirmativamente, sem qualquer dúvida, pois com a maioridade civil extingue-se o
poder familiar e, juntamente, o dever de prestar assistência material. Mas parece que não é
tão simples assim. Vejamos.
O Código Civil de 2002, a exemplo do revogado, não trouxe expressamente o
critério etário como forma de exoneração da obrigação alimentar. Falou-se apenas da
situação financeira (art. 1.699). O mesmo se diga em relação ao direito de reclamá-lo, de tal
sorte que ele não se limita aos menores. Nessa seara, irrelevante que a fixação da prestação,
sob a égide do novo Código, esteja a beneficiar pessoa que ora se constata plenamente
capaz. O dever de sustento, inerente ao poder familiar, pouco influi no direito à prestação
alimentícia.
Isso porque, uma coisa é o dever de sustento, inerente ao poder familiar e
imputável a ambos os cônjuges, proporcionalmente. Trata-se de direito natural do
beneficiário e tem sua causa jurídica centrada tão-somente na filiação e no poder familiar.
Aqui, afigura-se até mesmo prescindir-se do binômio necessidade-possibilidade, além de
abarcar o dever de educação. Este dever de sustento, sim, cessa com a maioridade civil, que
é uma das formas de extinção do poder familiar. Mas não é um simples dever. O instituto
da assistência material tem em mira algo superior, qual a própria sobrevivência da prole.
Para tanto, devem os pais contribuir para a formação psicológica e moral, a instrução
cultural e social, a higiene básica, o lazer, a saúde, a alimentação etc. E a contribuição
proporcional aos seus recursos mantém-se aos cônjuges separados judicialmente (art.
1.703), e também aos companheiros cuja união estável se dissolveu. Em síntese: têm de
contribuir para que o filho se desenvolva com o mínimo de dignidade humana, garantindose-lhe adaptar-se à vida social sem maiores sacrifícios. O sujeito ativo desta relação, i. é., o
credor, é sempre o filho, e o sujeito passivo são sempre os pais.
Outra coisa, contudo, é a obrigação alimentar, que trata de vínculo jurídico, de
natureza transitória, força do qual o sujeito passivo da obrigação tem uma prestação
positiva (obrigação de dar) a honrar em favor do sujeito ativo, cujo objeto cinge-se à
prestação de alimentos e subsiste enquanto durar a necessidade do alimentário e a
possibilidade do alimentante, sendo que o inadimplemento desta obrigação gera
responsabilidades patrimonial (penhora de bens) e pessoal (prisão civil). Não tem limite
temporal e se sujeita, essencialmente, aos pressupostos estabelecidos no art. 1.695 do
Código Civil. É por força da obrigação alimentar, ainda, que nasce o direito do ascendente
em demandar prestação alimentícia do descendente. Nesse sentido o artigo 1.696 a conferir
recíproco direito à prestação de alimentos entre pais e filhos, estendendo-o a todos os
ascendentes, cujo grau mais próximo exclui o mais remoto, e atinge uns em falta de outros
(procedendo-se a ação de alimentos contra o ascendente de um grau se houver prova de que
o mais próximo não poderia satisfazê-la).
Aqui interessa o parentesco, e não o poder familiar. Os sujeitos da relação
jurídica, como se viu, são variáveis, ora um parente podendo figurar como sujeito ativo da
obrigação, ora como sujeito passivo, pois um pai, por exemplo, tanto pode ser obrigado a
prestar alimentos como também pode obrigar que lhe prestem. Veja-se que, enquanto no
poder familiar somente o descendente é credor, o mesmo não acontece para a obrigação
alimentar, na qual também os ascendentes podem demandar alimentos, quando deles
necessitarem e puder provê-los o descendente.
A distinção é clara. Não o é, porém, no campo prático. O pensamento consolidado
sob a égide do Código Civil de 1916 serve ainda para a compreensão do novo sistema.
Yussef Cahali, pondera que "a orientação mais acertada é aquela no sentido de
que, cessada a menoridade, cessa ipso jure a causa jurídica da obrigação de sustento
adimplida sob a forma de prestação alimentar, sem que se faça necessário o ajuizamento,
pelo devedor, de uma ação exoneratória: 'quando a obrigação resulta do pátrio poder,
cessando esta, aquela também cessa. Não há obrigação sem causa. Desaparecendo a causa
de pedir alimentos, cessam pleno iure os efeitos da sentença que os concedeu. Assim, a
própria sentença concessiva de alimentos (ou o acordo por ela homologado), nesses casos,
traz consigo, ínsita a medida de sua duração, ou o seu dies ad quem: aquele em que o credor
completar a sua maioridade. A sentença não subsiste à obrigação desaparecida. Daí a
possibilidade de o obrigado suspender, incontinenti, os pagamentos ou requerer simples
ofício ao juiz, ao empregador, para suspender os descontos." (Dos alimentos. 2ª ed., São
Paulo: RT, 1993, p. 506).
E continua: "efetivamente, a jurisprudência, inclusive prestigiando expressamente
a tese aqui sustentada, tem-se orientado no sentido de que a obrigação de contribuir para
criação e educação dos filhos menores, como dever de sustento inerente ao pátrio poder,
assumida pelos cônjuges quando da separação consensual ou do divórcio, ou mesmo
quando imposta por sentença inclusive em ação especial, mesmo denominada de prestação
alimentícia, cessa automaticamente com a maioridade dos beneficiários; o dever de prestar
alimentos aos filhos é contemporâneo do exercício do pátrio poder sobre eles, somente
renascendo, depois de terem conquistado a capacidade civil, quando não tenham bens, nem
possam prover, pelo seu trabalho, à própria mantença (art. 399 do CC), o que deve ser
demandado e demonstrado pelas vias próprias; não se legitimando, daí, aliás, a prisão civil
do devedor pelo não pagamento de pensões pretensamente vencidas após a maioridade civil
do filho." (ob. cit., págs. 506/507).
O dever de sustento sujeita-se a termo, representado justamente pela data que o
filho completou dezoito anos. A extinção é automática, pela só ocorrência do termo
extintivo. Note-se, ademais, que o crime de abandono material só se dá em relação ao filho
menor de dezoito anos (Lei n. 5.478/68, art. 21).
Logo, cessado o poder familiar com o atingimento da maioridade civil, extinguese, ope legis, o dever de sustento, nada mais se podendo exigir sob tal rubrica. O dever
originado daquele poder familiar finda quando este cessa por inteiro. Enquanto houver
menoridade, haverá dever de sustento; atingida a capacidade civil plena, cessa-se o dever
de sustento juntamente com a extinção do poder familiar, e nasce a obrigação alimentar.
Para a obrigação alimentar, em tese, a maioridade do filho é irrelevante para
determinar a obrigação do genitor, que é recíproca entre ascendente e descendente,
demonstrada a impossibilidade daquele de prover à sua subsistência (Cf. RT 258/541).
Como se disse, a obrigação alimentar existente entre pais e filhos decorre do parentesco,
seja civil ou natural, e não tem em mira o critério etário. De modo que, mostrar-se-ia
plenamente viável a prestação alimentar a filhos maiores desde que, não obstante atingida
tal condição, subsista a necessidade do suprimento a cargo do alimentante, tendo este
condição de prestá-la. A necessidade do suprimento desaparece quando, cessada a
incapacidade, passem os filhos a desenvolver atividade remunerada (Cf. RT 622/84).
Ademais, simples joeira da Lei Civil permite defluir que podem os parentes
pleitear alimentos, fixados proporcionalmente à possibilidade da pessoa obrigada, de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para
atender às necessidades de sua educação. São devidos alimentos, ainda, quando quem os
pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença,
e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê?los, sem desfalque do necessário ao seu
sustento. É caso de obrigação alimentar.
Casos excepcionalíssimos havia, e ainda há, autorizando o direito às prestações
alimentares mesmo depois da maioridade civil. Mormente em prestígio à instrução
educacional. Muito comum, pois, é o caso do filho que beneficiara-se de alimentos desde
sua menoridade, e mesmo depois de extinto o poder familiar, quando se trata de estudante
sem encomia própria, continua a recebê-los, de modo a estender a obrigação até os 24 anos.
Veja-se que, agora, não se trata de dever de sustento, mas sim de obrigação alimentar,
quando então passa-se a exigir prova da possibilidade e da necessidade (que não se presume
nem se dispensa).
Porém, o artigo 1.701 verberou que a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá
pensionar o alimentando, ou dar?lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de
prestar o necessário à sua educação, quando menor. A redação é diferente do dispositivo
correspondente do Código Civil de 1916 (art. 403). Quer-nos parecer, com isso, que o dever
de contribuir com a educação não beneficia mais o filho maior de 18 anos. A lei é clara:
quando menor. A garantia da educação, portanto, confere-se apenas ao filho menor. Parece
que, com isso, não se acompanhou o posicionamento doutrinário e jurisprudencial de
estender a obrigação para depois da maioridade, quando o filho estiver cursando ensino
superior.
Por derradeiro, outra aspecto merece análise. Diz respeito exatamente ao caso em
que o dever de sustento ou a obrigação alimentar teve seu termo inicial na vigência do
Código Civil de 1916 e ao tempo do Código Civil de 2002 o beneficiário está a completar
ou já tenha completado dezoito anos de idade. Por força do novo Código, extingue-se o
direito às prestações alimentares? A resposta é simples, basta distinguir-se o dever de
sustento, que realmente põe fim às prestações alimentícias, das obrigações alimentares, cujo
critério etário pouco ou quase nada influencia e tem sua causa jurídica subjacente centrada
no binômio necessidade-possibilidade.
Nessa seara, o direito às prestações se extingue, pelo critério etário, quando sua
causa for o poder familiar. Não importa se o termo inicial tenha se verificado na vigência
do Código Civil de 1916, uma vez que aqui não se há falar em direito adquirido, coisa
julgada ou ato jurídico perfeito. Subsistirá o direito às prestações, não obstante, se tiver por
fundamento a obrigação alimentar, provando-se a necessidade do credor e a possibilidade
do devedor. E tudo isso, anote-se, não deslembra nem afronta o princípio da
irrenunciabilidade dos alimentos, pois não estamos falando do direito substantivo a
alimentos, e sim do direito adjetivo a prestações alimentares.
* Advogado e Parecerista em São Paulo, Membro da 4ª Turma Disciplinar - TED-IV da
OAB/SP, Pós Graduado em Direito Civil pelo uniFMU. Autor de diversos artigos e da obra
Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica.
Disponível em: <
http://www.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=36590 >
Acesso em: 14 jun. 2007
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