Ética em Philip Kotler: entre o Utilitarismo e o - caepm

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IV Simpósio Internacional de Administração e Marketing
VI Congresso de Administração da ESPM
São Paulo, 14 e 15 de outubro de 2009
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ÁREA 4 – ADMINISTRAÇÃO DE MARKETING
ÉTICA CORPORATIVA E MARKETING
ÉTICA EM PHILIP KOTLER:
ENTRE O UTILITARISMO E O MAQUIAVELISMO
Pedro Calabrez Furtadoi
Tatiana Amorimii
RESUMO
O presente trabalho compreende uma reflexão crítica sobre os discursos éticos do consagrado
autor da administração de marketing, Philip Kotler. Investigamos, a partir de uma perspectiva
fundada nos preceitos da filosofia ética e moral, os discursos de quatro obras do autor,
utilizando o método de pesquisa de Análise de Discurso ancorado nos pressupostos de
Mikhail Bakhtin, Michel Foucault e autores afins. Concluímos que Kotler apresenta como
ética do profissional de administração de marketing uma filosofia utilitarista – tal como
proposta por Jeremy Bentham e John Stuart-Mill –, fundada na satisfação e felicidade dos
indivíduos envolvidos na relação e cristalizada na forma do “marketing responsável”. Essa
perspectiva, no entanto, na conjuntura geral dos discursos de Kotler, se mostra apenas como
instrumento da real conduta ética do profissional de marketing, segundo a qual o valor da boa
ação reside no aumento do capital financeiro da empresa e, conseqüentemente, no aumento do
poder que ela exerce na sociedade. Kotler, portanto, trabalha uma perspectiva utilitarista como
instrumento de uma ética de egoísmo moral, tal como proposta por Nicolau Bernardo
Maquiavel. Propomos, alicerçados nas idéias do filósofo de Florença, que tal egoísmo não
possui um caráter de valor negativo em nossa sociedade, mas é devido tanto à estrutura do
sistema capitalista quanto à própria constituição das relações sociais humanas, nas quais os
jogos de poder são um a priori ontológico.
Palavras-chave: Ética. Maquiavel. Philip Kotler. Marketing.
i
Doutorando em Psicologia (Psicologia Social) pela PUC-SP, Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo
pela ESPM, é professor titular da ESPM-SP. [email protected]
ii
Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM, é pesquisadora pelo Espaço Ética.
[email protected]
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Enquanto freqüentes imagens de membros do governo e empresários algemados,
escoltados por policiais federais, circulam por páginas de jornais, reportagens televisivas e
tantos outros meios de comunicação, a discussão de questões éticas se faz presente de maneira
incisiva e necessária em nossa sociedade. Esquemas de corrupção, desvio e lavagem de
dinheiro, ligações com organizações criminais, utilização indevida de verba pública para fins
pessoais, sonegação de impostos e tantos outros aspectos criminosos das práticas
governamentais e empresariais trazem à tona, como uma espécie de conseqüência inevitável,
termos como “ético” ou “antiético”.
Além desse viés voltado à corrupção que suscita as discussões ditas éticas, há também
a crescente consciência de que as práticas corporativas das últimas décadas deitaram as bases
para um regime de usurpação dos recursos naturais de nosso planeta, de modo que a
destruição do meio ambiente não é mais uma realidade vindoura, mas cada vez mais presente.
Essa consciência, ainda tímida entre a maioria das corporações – como aponta Ray Anderson,
fundador e chairman da Interface Inc., maior fabricante mundial de carpetes modulares
(ANDERSON, 1999) –, traz também à alçada da ética os discursos de sustentabilidade.
Aliados aos impactos ambientais encontram-se outras implicações sociais das práticas
corporativas, efeitos denominados pelos economistas como “exterioridades”i (BAKAN, 2005,
p.60-84), ou seja, os efeitos que as relações comerciais exercem sobre terceiras partes que não
consentiram ou exerceram qualquer papel ativo nessas relações. Tais questões, reunidas sob a
égide da responsabilidade social, também suscitam debates éticos.
A ética, dentro dessa conjuntura, abarca questões de suma importância para a
administração pública e corporativa. Há, no entanto, uma espécie de desgaste daquilo que se
denomina ética hoje, ou seja, um uso do termo desprovido dos significados primeiros e
originais que lhe foram atribuídos quando, desde a Grécia antiga, começou-se a discutir o
problema da ética. Essa perda da significação original do termo, no entanto, não se deu em um
regime de atualização crítica e reflexiva como, decerto, é característico ao desenvolvimento
das ciências ao longo dos séculos. A ética hoje, para muitos, perdeu aquilo que, justamente,
lhe outorga a relevância e competência para debater questões como as que apontamos acima.
De modo que, seja no senso-comum ou mesmo ao folhear legitimadas publicações destinadas
ao campo acadêmico ou corporativo, encontramos usos da ética que lhe subtraem suas
características fundamentais. Tem-se, por exemplo, que “Ética significa entregar as vendas
comprometidas utilizando meios que estimulem ainda mais as vendas futuras da
organização” (TEJON, 2008, p.35).
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Faz-se necessário, assim, um movimento de reposicionamento da ética em suas
devidas bases, a fim de que usos corriqueiros desprovidos da densidade característica à
reflexão ética sejam evitados tanto nos discursos acadêmicos quanto corporativos. Esse
esforço já encontra frutos na produção científica brasileira, nos trabalhos de autores como
Mattar Neto (2003). É nesse caminho que o presente trabalho se orienta.
MÉTODO
As bases metodológicas necessárias para um devido posicionamento da ética dentro de
suas particularidades como uma dimensão fundamentalmente filosófica levaram-nos a uma
revisão bibliográfica da produção ética dentro da filosofia, a fim de, primeiramente, situar a
ética dentro dessa dimensão e, finalmente, deitar as bases teóricas para a devida análise dos
discursos éticos na obra de Philip Kotler. Valeremo-nos, para isso, de historiadores da
filosofia e dos próprios filósofos que compõem a história da filosofia desde seu berço em
Sócrates – trazendo para o trabalho apenas aqueles que, frente às questões suscitadas pelo
problema de pesquisa, se mostrarem pertinentes.
Os discursos das obras de Kotler serão analisados a partir da técnica de pesquisa de
Análise de Discurso, segundo os pressupostos de Mikhail Bakhtin (2006), Michel Foucault
(2005; 2006; 2007a; 2007b), Maria Baccega (2007) e autores afinsii. Justificamos tal postura
pela particularidade do tema da ética e pela singularidade do objeto de pesquisa dentro da
produção no campo da administração, de modo que um olhar meramente descritivo ou
alicerçado em uma análise de conteúdo, por exemplo, seria insuficiente para abarcar os
problemas que ensejamos responder. Segundo Martins e Theóphilo:
A AD [Análise de Discurso] permite conhecer o significado tanto do que
está explícito na mensagem quanto do que está implícito – não só o que se
fala, mas como se fala. Permite também identificar como se dá a interação
entre os membros de uma organização: as manifestações de poder, a
participação e o processo de negociação. (MARTINS e THEÓPHILO, 2007,
p.97)
Ao nos ancorarmos nos autores mencionados, consideramos que “Análise de Discurso
é o nome dado a uma variedade de diferentes enfoques nos estudos de textos, desenvolvida a
partir de diferentes tradições teóricas e diversos tratamentos em diferentes disciplinas”
(BAUER e GASKELL, 2002, p. 244), de modo que a perspectiva teórica adotada neste
trabalho, por exemplo, diverge da postura de Saussure (1969), onde “a palavra é
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absolutizada, porque é vista como abstração social. Não possuiria sujeito, nem vínculo com a
sociedade, sendo apenas uma norma socialmente estabelecida” (BARROS FILHO,
MEGLIONARO e MEUCCI, 2007).
Posicionamo-nos com Bakthin (2006), que afirma a natureza social, translinguística e
não-individual do discurso. O autor afirma que todo discurso é ideológico, sendo produzido
socialmente. De maneira análoga, Michel Foucault (2007b) afirma que não se deve restringir
as análises à esfera da linguagem, pois os discursos ultrapassam-na. A produção discursiva é
social, e se dá em uma dinâmica de luta, de guerra, de embate de forças socialmente
interessadas que produzem verdades cujas aparências são puras e singulares, à guisa de
“naturais”, quando de fato são produções sociais cuja compreensão crítica não pode ser
meramente lingüística.
Daí a recusa das análises que se referem ao campo simbólico ou ao campo
das estruturas significantes, e o recurso às análises que se fazem em termos
de genealogia das relações de força, de desenvolvimentos estratégicos e de
táticas. Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande
modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A
historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não lingüística.
Relação de poder, não relação de sentido. A história não tem “sentido”, o
que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao contrário, é inteligível
e deve poder ser analisada em seus menseus detalhes, mas segundo a
inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas. (FOUCAULT, 2007b,
p. 5)
Nessa perspectiva, as estruturas significantes do discurso não podem ser dissociadas
do contexto social em que emergem. Para Bakhtin, significados fazem parte de uma polifonia
discursiva que é social. Esse contexto envolve, para Foucault, uma dinâmica de interesses
conflitantes, um regime de embate de forças, pois todo discurso é uma produção social que
possui, em suas raízes, interesses sociais.
Assim, abordaremos o objeto a partir de uma perspectiva translinguística, visando a
uma compreensão não somente do explícito dos textos, mas das relações de força que os
subjazem, ou seja, das bases contextuais sobre as quais foram produzidos.
Analisaremos os discursos de quatro obras de Philip Kotler: Administração de
Marketing (2005), Princípios de Marketing (1993), Marketing no Setor Público (2008) e
Marketing para o Século XXI (2002). A seleção dessas obras foi com base em dois critérios:
primeiramente, selecionamos aquelas que tratam da administração de marketing. Em segundo
lugar, utilizamos um critério de relevância a partir de uma pesquisa exploratória realizada nas
bases de dados das bibliotecas centrais da Escola Superior de Propaganda e Marketing
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(ESPM) de São Paulo e Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de
São Paulo (USP). Essa relevância teve como critério o volume de obras de Kotler em seus
acervos: selecionamos aquelas que, numericamente, estavam mais presentes.
Seguimos, então, primeiramente debatendo a questão da ética como dimensão
filosófica (1). A seguir, investigaremos a ética em Philip Kotler sob duas ópticas:
primeiramente, segundo aquilo que ele mesmo diz ser a conduta ética do profissional de
marketing, ou seja, o que ele define como ética nos capítulos de suas obras destinados
especificamente a questões éticas. Como veremos, no entanto, a ética é a ciência da conduta
humana – além dos capítulos e segmentos específicos referentes à ética na obra de Kotler,
analisaremos os discursos de suas obras focando a ética na totalidade de sua produção
discursiva, e não pontualmente nos capítulos que a ela se destinam. Buscamos identificar se,
ao longo de sua produção, o autor apresenta uma perspectiva consoante ou dissonante daquilo
que ele mesmo determina, especificamente, como agir ético (2).
Pretendemos, assim, responder aos seguintes problemas: qual é, segundo Kotler, o
papel da ética na administração de marketing? A partir da filosofia moral, qual perspectiva
ética efetivamente se faz presente nos discursos de Kotler? Há consonância ou dissonância
entre aquilo que Kotler apresenta como ética em sua obra e o que, efetivamente, pode-se
entender como sua perspectiva ética?
1 ÉTICA E MORAL
Em literaturas que se propõem a debater questões éticas e morais, há uma diversidade
considerável de papéis atribuídos a cada um desses termos, de modo que, muitas vezes, há
uma confusão terminológica que torna pouco claro o critério que os distingue. É necessário,
assim, um esclarecimento primeiro em relação a tais termos.
Ética e moral, stricto sensu, são sinônimos. Suas raízes são distintas, porém designam
o mesmo objeto. Ética tem origem grega, moral tem origem latina, e ambas têm o mesmo
significado: costumes, práticas, aquilo que se pratica. Assim, a priori, moral é “o mesmo que
ética” (ABBAGNANO, 2007, p.795). As distinções entre os termos são particulares de cada
filósofo e, portanto, não há uma definição unanimemente aceita daquilo que os difere. Em
Kant, por exemplo, a moral designa o conjunto dos princípios gerais, enquanto a ética designa
suas aplicações concretas (KANT, 2005). Outros filósofos concordarão em designar por moral
a teoria dos deveres para com os outros, e por ética a doutrina da salvação e da sabedoria
através do exercício da razão.
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Não desejamos, aqui, entrar em embates teóricos que dificultem a compreensão da
essência do que devemos entender por ética. Dessa maneira, trataremos moral e ética como
sinônimos perfeitos, conscientes de que há tratamentos distintos para os paraos na obra de
muitos filósofos.
A ética é uma dimensão do campo da filosofia. Como sua própria raiz já faz notar, é a
dimensão da filosofia que estuda as práticas, os costumes, a ação humana. A filosofia, tal
como se originou na Grécia antiga, em linhas gerais, é um caminho de vida, uma postura que
tem por intuito a compreensão do mundo através da razão (HADOT, 1995). Essa
compreensão do mundo se alimenta de todas as ciências, ou seja, é uma síntese racional
daquilo que é possível compreender do mundo em todas as suas particularidades. Assim
explica-se o interesse de Platão pela matemática (MARÍAS, 2004, p.47-64), ou então o vasto
escopo temático das obras de Aristóteles, que abrangem, para além da metafísica e da ética,
desde a biologia até a astronomia.
Esse esforço de compreensão teórica do mundo, que os gregos denominavam theoria,
não é onde termina a postura filosófica. O entendimento da ordem racional por trás do mundo
leva a uma atribuição de valor a determinadas condutas humanas. Em outras palavras, ao
compreender, através da filosofia – com o auxílio das demais ciências –, o funcionamento do
mundo e, por conseqüência, o papel dos homens nesse mundo, segue quase que naturalmente
uma reflexão a respeito de qual é a conduta boa e qual é a conduta ruim nesse mundo já
compreendido. Essa é a dimensão da ética.
Ética é, assim, a ciência, a inteligência, a compreensão da melhor ação – dentre as
muitas que estão à disposição dos homens – a fim de criar um sistema racional, crítico e
refletido para guiar a ação humana. Essa inteligência só é possível, certamente, a partir de
uma theoria, ou seja, de uma compreensão racional do mundo em que vivemos. Um sistema
ético não deve ser confundido com um código fechado designado a situações específicas, mas
sim como a síntese de uma reflexão sobre a ação dos homens que resulta em uma
compreensão geral daquilo que é bom e ruim para a conduta humana – que, posteriormente,
pode se cristalizar em normas codificadas. Ética é, “em geral, a ciência da conduta”
(ABBAGNANO, 2007, p.442).
Em linhas gerais, podemos dizer que a ética é a reflexão sobre a melhor vida possível
de ser vivida neste mundo que estudamos e compreendemos racionalmente. Assim, Platão, ao
refletir sobre o infortúnio dos tiranos, afirma: “(...) nossa investigação diz respeito ao que há
de mais elevado, a saber: viver bem ou viver mal” (2000, p.410). De fato, a reflexão sobre a
conduta dos homens – reflexão ética, portanto – trata daquilo que há de mais importante para
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o homem: a busca pela vida boa, pela melhor vida possível nas condições em que o mundo se
encontra. “Com efeito, o que pode existir de mais valioso na vida, quer dos indivíduos, quer
dos povos, senão alcançar a plena felicidade?” (COMPARATO, 2006, p.17)
Assim, os sistemas éticos serão produções refletidas e críticas cujo objeto é a ação
humana. Há um elemento de valoração intrínseco à ética: ela trata de valorar a conduta, ou
seja, afirmar qual é o bom agir e, por conseqüência, qual é o mau. A questão do valor,
portanto, é inseparável da reflexão ética. Refletir a partir da filosofia ética é refletir sobre qual
é a melhor vida que os homens podem – e devem – conduzir.
Esse valor pode ser dado a partir de diversos modos de ação. Em outras palavras,
haverá autores que valorarão a boa conduta a partir da boa intenção – tal como Kant –, ou
então da boa conseqüência – tal como Maquiavel ou Stuart-Mill –, ou mesmo da própria
natureza da ação. É imperativo compreender, no entanto, que ao afirmar “boa” intenção ou
“boa conseqüência”, a filosofia ética sempre trará as reflexões, a inteligência, a lógica, enfim,
a razão por trás dessa valoração. É importante, ao mesmo tempo, a consciência de uma
diversidade do modo de ação sobre o qual a valoração ética se dá.
Investigaremos, a seguir, qual é a perspectiva ética de Kotler segundo sua própria
obra, ou seja, qual modo de ação recebe o caráter de boa conduta segundo aquilo que, em sua
obra, é tratado como ética. Em seguida, investigaremos se, efetivamente, aquilo que é
denominado ética dentro da obra de Kotler contlercom a perspectiva ética observada, a partir
de uma análise de discurso e considerando os pressupostos teóricos da filosofia ética e moral.
2 ÉTICA
EM
PHILIP
KOTLER:
ENTRE
O
UTILITARISMO
E
O
MAQUIAVELISMO
Em duas das obras analisadas – a saber: Administração de marketing e Princípios de
marketing – Kotler destina seções específicas para tratar das questões éticas do profissional de
marketing. Ele defende aquilo que denomina “marketing responsável”, apontando quais são
os potenciais efeitos nefastos das práticas de marketing sobre a sociedade, tais como preços
elevados, práticas enganosas, venda de alta pressão (em outras palavras, o incentivo a uma
compra não desejada pelo consumidor), produtos inferiores ou perigosos, obsolescência
planejada (produtos que são fabricados de modo que se tornem obsoletos antes de que
necessitem efetivamente de substituição, tal como as mudanças de moda de roupa), e serviços
de baixa qualidade para consumidores em desvantagem (tal como a venda de determinados
produtos para populações de baixa renda) (1993, p.426-430).
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Kotler é taxativo: “As empresas precisam avaliar se estão realmente praticando o
marketing de maneira ética e socialmente responsável” (2005, p.712). As razões para essa
postura são diversas: “a ascensão das expectativas dos clientes, a mudança nas expectativas
dos funcionários, legislações e pressões por parte do governo, o interesse dos investidores em
critérios sociais e as práticas de aquisição de negócios” (Ibid.). O profissional de marketing
responsável é aquele que se comporta “de maneira apropriada nos âmbitos legal, ético e da
responsabilidade social” (Ibid.).
O comportamento legal é, como o próprio termo define, a conformidade com a
legislação vigente no local onde a empresa atua. Quanto ao comportamento ético: “As
empresas devem adotar e difundir um código escrito de ética, criar uma tradição de
comportamento ético na organização e tornar sua equipe totalmente responsável pelo
cumprimento das diretrizes éticas e legais” (Ibid.). O autor cita uma pesquisa realizada nos
Estados Unidos que apontou que 67 por cento dos americanos estavam dispostos a comprar
ou boicotar produtos com base em fundamentos éticos. Kotler aponta dois possíveis tipos de
filosofia ética do marketing: uma que coloca a responsabilidade da ação – e, portanto, seus
valores bons ou ruins – nas mãos do sistema e da legislação. “Uma segunda filosofia coloca a
responsabilidade não no sistema, mas nas mãos das empresas e gerentes. Esta filosofia, mais
esclarecida, sugere que uma empresa deveria ter uma ‘consciência social’” (1993, p.436).
Assim, o critério de valoração do comportamento ético, a partir de Kotler, encontra
bases na questão da consciência e responsabilidade social. O autor utiliza diversos casos para
ilustrar essa questão. São empresas que obtiveram sucesso ou fracasso em ações de
responsabilidade social. Tais ações têm, como intuito central, a produção e manutenção de
uma imagem “socialmente responsável” perante os clientes e demais públicos interessados
(stakeholders) de modo que a empresa não cause impactos negativos em suas relações com
esses públicos (Ibid., p.712-717).
Os profissionais de marketing responsáveis descobrem o que os
consumidores desejam e respondem com os produtos corretos, com preços
que proporcionam um bom negócio para os clientes e lucro para o produtor.
O conceito de marketing é uma filosofia de serviço e ganho mútuos. Sua
prática conduz a economia com uma mão invisível, no sentido de satisfazer
as muitas e mutáveis necessidades de milhares de consumidores. (1993,
p.427).
A boa conduta – ética, portanto – do profissional de marketing parece, sob tal
perspectiva, ser fundada em uma reflexão segundo a qual a atividade de marketing é baseada
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em relacionamentos que visam a uma conseqüência última: o contentamento máximo, a
satisfação, ou mesmo a felicidade, de todas as partes envolvidas na relação, direta ou
indiretamente. O modo de ação do valor ético do marketing responsável, tal como proposto
por Kotler, portanto, é a conseqüência boa. Essa conseqüência parece serreceatisfação do
maior número de partes interessadas na relação comercial.
Denomina-se consequencialismo ético (ou moral) a doutrina ética que tem por
fundamento a valoração do modo de ação com base nas conseqüências. “(...) O
consequencialismo é a teoria que estabelece que, para determinar se um agente teve razão de
fazer tal escolha particular, convém examinar as conseqüências dessa decisão, seus efeitos no
mundo” (CANTO-SPERBER, 2007, v.1, p.327). Notamos, destarte, uma perspectiva
consequencialista em Kotler.
A ação boa, no entanto, parece ser mais específica: é a que traz satisfação para o maior
número de envolvidos na relação comercial. Essa perspectiva é conhecida, na filosofia ética,
como utilitarismo. Jeremy Bentham e John Stuart-Mill são os principais autores da filosofia
utilitarista. “O utilitarismo ensina que uma ação só pode ser julgada como moralmente boa ou
má se consideradas suas conseqüências, boas ou más, para a felicidade dos indivíduos
envolvidos” (Ibid., v.2, p.737). É uma moral segundo a qual age bem aquele que, ao agir, gera
como conseqüência felicidade para os indivíduos da relação – um princípio de utilidade da
ação, portanto, para os indivíduos envolvidos. “Por felicidade se entende prazer e ausência de
dor” (STUART MILL, 2000, p. 187), ou seja, satisfação e ausência de prejuízos.
O princípio da utilidade, sistematizado por Betham e Mill (...) aprova ou
desaprova qualquer ação própria segundo a tendência que tem a aumentar ou
diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em jogo. Nesse sentido,
utilidade e felicidade estão em íntima relação. (BARROS FILHO e
MEUCCI, 2005, p.208)
O marketing responsável de Philip Kotler é fundado nos princípios aparentemente
utilitaristas do “marketing consciente”:
O conceito de marketing consciente define que o marketing de uma empresa
deveria contribuir a longo prazo para o melhor desempenho de todo o
sistema de marketing. O marketing consciente consiste de cinco princípios:
marketing orientado para o cliente, marketing de inovação, marketing de
valor, marketing com sentido-de-missão, e marketing social. (...) O
marketing orientado para o cliente implica que a empresa deveria visualizar
e organizar suas atividades de marketing do ponto de vista do cliente. Ela
deveria se esforçar para sentir, servir e satisfazer as necessidades de um
grupo definido de consumidores. (1993, p.435)
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Uma análise atenta da perspectiva apresentada por Kotler em seus capítulos
especificamente dedicados à questão da ética, no entanto, parece-nos insuficiente para uma
visão crítica da ética em sua produção. Ao observar a totalidade dos discursos presentes nas
obras estudadas, percebe-se que o recurso a um aparente modelo de ética utilitarista tem, por
trás de sua operação, um sistema de valoração da conduta diferente do utilitarismo.
A ética, como apontamos, é a ciência da conduta humana. Todo discurso que tem por
objeto a ação humana, com vistas a propor a melhor ou pior conduta em determinada
circunstância, é um discurso com implicações éticas. As obras consultadas de Philip Kotler
contêm orientações de conduta para o profissional de marketing obter sucesso – conduzem,
portanto, à boa ação desse profissional. Lê-se, na capa do Administração de marketing: “a
bíblia do marketing”. Restringir a análise do discurso ético de Kotler aos momentos que ele
dedica, isolada e pontualmente, a questões éticas, não é suficiente. Por se tratarem de
discursos cujo objeto é a boa conduta profissional, a análise do discurso ético deve
compreender toda a conjuntura dos discursos das obras selecionadas.
O marketing, segundo Kotler, “supre necessidades lucrativamente” (2005, p.4). Em
todas as obras analisadas, esse suprir necessidades é caracterizado como uma entrega de valor
para os clientes. Essa entrega tem, certamente, um objetivo: a lucratividade; o resultado
positivo no final de cada trimestre. Mesmo no setor público Kotler ressalta que os resultados
positivos devem ser perseguidos (2008). Essa entrega de valor que tem por fim a manutenção
ou aumento dos resultados financeiros da empresa susresa duas análises.
Primeiramente, ao tratar de uma “troca de valores” – ou seja, a empresa entrega um
tipo de valor aos seus clientes a fim de obter, por seu lado, outro tipo de valor –, o trabalho de
marketing já tem, em si, implicações éticas diretas. Como apontamos, a ética trata da
valoração da ação humana. Uma relação de troca de valores, por certo, envolve capitais que,
para as partes envolvidas, merecem ser perseguidos e, portanto, orientam a conduta.
Em segundo lugar, se considerarmos a empresa como sujeito moral de sua açãoiii,
percebemos, a partir dos discursos de Kotler, que o valor da ação não reside em um princípio
de utilidade. A utilidade é, na verdade, instrumento da verdadeira conseqüência boa: a
lucratividade, os resultados, a manutenção da política de poder financeiro que sustenta as
corporações.
As corporações e seus departamentos de marketing estão inseridas na sociedade como
elementos centrais da dinâmica de consumo sobre a qual todas as instâncias sociais se
alicerçam. Essa perspectiva é consequencialista, pois ainda reside na conseqüência boa o
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valor da boa conduta. Muda, no entanto, o critério de valoração dessa conseqüência. Não se
trata da felicidade dos indivíduos, mas da manutenção e aumento do capital financeiro da
empresa, e conseqüente manutenção e aumento do poder que a empresa exerce na sociedadeiv.
Denomina-se egoísmo moral a perspectiva segundo a qual o valor de uma ação está no
aumento do poder ou felicidade do agente da própria ação. O filósofo florentino Nicolau
Bernardo Maquiavel é um dos grandes nomes do egoísmo moral. Sua filosofia trata do
egoísmo em uma dinâmica de poder que cremos ser adequada à análise realizada dos
discursos de Kotler.
Encontramos, em Maquiavel, uma ética em que o poder – a ação sobre a ação do outro
– é elemento presente a priori nas relações humanas. Os seres humanos vivem em regimes de
poder; o poder é inescapável porque é elemento constitutivo das relações humanas. Age bem
aquele que, dentro desses regimes, obtém como conseqüência de sua ação a elevação do
próprio poder (MAQUIAVEL, 1979). O poder não merece críticas ou tentativas de anulá-lo.
Ele existe como fato social, condição sobre a qual as relações humanas se dão. O esforço para
anulá-lo é infrutífero, pois busca uma impossibilidade. Quando Maquiavel coloca a luta, o
combate, a busca pelo poder como princípio, ele “passa adiante sem nunca o esquecer”
(MERLEAU-PONTY, 2006, p.238).
Mas não se trata de um poder fisicamente violento, coercivo, agressivo, visceral. “O
poder é da ordem do tácito” (Ibid., p.239), ou seja, ele opera subjacente às relações e
instâncias sociais. Não há coação, nem mesmo persuasão – ao contrário do que muitos críticos
das práticas do marketing e da comunicação mercadológica afirmam. O poder seduz. “Nem
puro fato, nem direito absoluto, o poder não coage, não persuade: ele alicia – e alicia melhor
apelando à liberdade do que aterrorizando” (Ibid.).
A ação de marketing, segundo Kotler, envolve “criar, conquistar e dominar
mercados” (2002). As estratégias competitivas e as dinâmicas mercadológicas ocorrem em
um cenário de combate, de luta, de guerra. Assim entendemos o surgimento de jargões como
“marketing de guerrilha” (LEVINSON, 1989). A administração de marketing participa de
uma guerra em que cada agente – no caso, cada corporação – busca o aumento do próprio
poder na forma do aumento do capital financeiro – representado, por exemplo, pelo valor das
ações da corporação no mercado. A satisfação de todos os indivíduos envolvidos é uma
ferramenta que serve a esse fim. A conseqüência boa, final, última da boa conduta do
profissional de marketing é o aumento do poder da empresa. Mas tudo isso ocorre na total
liberdade dos mercados de capitais. Essa liberdade é justamente aquilo que permite, como
aponta Maquiavel e Merleau-Ponty, um regime de poder eficiente.
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Convive, então, por trás do discurso ético aparentemente utilitarista de Kotler, uma
ética mais densa, mais sedimentada e estruturada do profissional de marketing: o
maquiavelismo, ou seja, o egoísmo moral com base no aumento dumenóprio poder.
A sedução operada pelas práticas do marketing é uma ação que possui efeitos diretos
sobre a ação dos consumidores, na forma, especialmente, do consumo e suas conseqüências
socioculturais. Mas não é uma via de mão única. A ação do consumidor também exerce
influências sobre a ação da empresa. Em um regime de poder em que a ação de cada agente
tem efeitos sobre a ação do outro. Sem violência física ou coerção. Os jogos de poder são
tácitos e aliciadores, mas necessariamente presentes nas relações humanas (MERLEAUPONTY, 2006, p.237).
A configuração das relações sociais humanas, a partir de uma perspectiva
maquiaveliana, não encontra lugar para um regime utilitarista senão quando ele for
instrumento do egoísmo moral dos agentes sociais. Como apontamos, Kotler sugere diversas
razões para adoção do marketing ético e socialmente responsável. Todas têm, no entanto, a
finalidade de manter ou aumentar os resultados financeiros das corporações.
Não se deve depreender dessa análise da obra de Kotler uma crítica negativa das
práticas da administração de marketing. Não há, nessa dinâmica, um grande “mau”, um
“demônio” a priori. A “demonização” das práticas do marketing é tão ingênua quanto a
tentativa de negação do poder na sociedade, como mostra Maquiavel. Se concordarmos com o
filósofo de Florença e admitirmos que o poder é uma condição a priori das sociedades
humanas – observação que Maquiavel faz a partir de extensivos estudos históricos de Roma e
da própria Europa renascentista –, resta aos profissionais de marketing indagar o que, nesse
regime, é efetivamente uma conduta eticamente responsável. Qual seria, a partir de uma
perspectiva refletida e crítica, o papel de políticas de sustentabilidade e responsabilidade
social, senão a simples manutenção e aumento do poder das corporações? Sob a perspectiva
maquiaveliana, pensar de maneira diferente significa repensar a própria estrutura constituinte
não só do sistema capitalista, mas de todo o regime relacional sobre o qual se erguem as
sociedades humanas há tantos séculos.
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ETHICS IN PHILIP KOTLER:
BETWEEN UTILITARISM AND MACHIAVELLISM
ABSTRACT
This paper constitutes a critical analysis of the production of the renowned marketing
administration author, Philip Kotler. We investigated, from a philosophical perspective, the
ethical discourses contained in four of his books. We argue that Kotler supports marketing
administration ethics founded upon Utilitarism, while actually promoting a selfish ethics
model as proposed by the Italian philosopher Nicollo Machiavelli. The Discourse Analysis
method – based on the works of Bakhtin, Foucault and similar authors – was used to answer
the following problems: what is, according to Philip Kotler, the reasonable ethical model for
marketing administration professionals? What is, according to moral and ethical philosophy,
Kotler’s actual ethical model? Is there consonance or dissonance between what Kotler states
as his ethical model, and what the Discourse Analysis shows as his actual ethical perspective?
Keywords: Ethics. Machiavelli. Philip Kotler. Marketing.
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i
O termo em inglês é externalities.
Não há uma absoluta consonância entre a perspectiva discursiva de Bakhtin e de Foucault, devido – entre outras
razões – às bases teóricas das quais partem ambos os autores. Não trabalharemos, aqui, com as singularidades de
cada um deles. Ao contrário, trouxemos ambos por crermos que há, em suas obras, um possível diálogo
complementar e adequado à nossa postura metodológica. iii
Sujeito moral da ação é o sujeito responsável pela livre deliberação sobre a ação que toma.
iv
Entendemos o poder, aqui, como a ação (potencial ou efetiva) que um agente exerce sobre a ação de outro
agente, tal como propõe Michel Foucault.
ii
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