Farmacodinamia - Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Instituto de Farmacologia e Terapêutica
FARMACOLOGIA
Notas sobre termos e símbolos de farmacodinamia recomendados
pela IUPHAR em 2003
As acções farmacológicas sobre os receptores acontecem em duas fases sucessivas:
a primeira é a ocupação e a segunda a activação. As propriedades dos fármacos e as
quantidades que as exprimem são diferentes para uma e outra daquelas fases. O
comité de nomenclatura e classificação de fármacos da International Union of Basic
and Clinical Pharmacology (IUPHAR) actualizou em 2003 as recomendações dos
termos e símbolos em farmacologia quantitativa. As técnicas de ligandos e a
caracterização genómica e proteómica dos receptores confirmaram em toda a linha o
suporte teórico essencial elaborado pelos estudos funcionais muito anteriores de
concentração-resposta. Estas recomendações pretenderam tornar esta convergência
mais clara.
A ocupação é uma propriedade comum a todos os ligandos dos receptores, quer
sejam agonistas ou antagonistas. Quantifica-se em valores de afinidade ou potência
dos fármacos. Estes dois termos passam na prática a sinónimos. O método mais
directo para medir a potência ou afinidade é o da construção de vários tipos de curvas
de concentração-ocupação em experiências in vitro em que se expõe uma preparação
biológica contendo os receptores ao contacto com fármacos marcados de forma a
serem facilmente doseados quando se ligam a proteínas (ligandos marcados com
radioactividade ou cor). A partir destas experiências determinam-se as constantes de
velocidade de associação do fármaco ao receptor e de dissociação do complexo
fármaco-receptor e as constantes em equilíbrio de associação sobre a dissociação
(dita constante de equilíbrio de associação) e de dissociação sobre a associação (dita
constante de equilíbrio de dissociação). Por convenção, a constante em equilíbrio para
os farmacologistas é sempre a constante de dissociação, por isso, se evita a
necessidade de lhe acrescentar as letras A (associação) ou D (dissociação) para as
distinguir. É esta constante de dissociação em equilíbrio que mede a afinidade ou
potência dos agonistas ou antagonistas. Representa-se por K e exprime-se pela
concentração de fármaco (em moles por litro, M) necessária para ocupar metade dos
receptores. Assim diz-se que o fármacos A, B, C, etc. têm, respectivamente, valores
de KA=1 nM, KB=10 nM, KC=100 nM, se a ocupação de metade dos receptores é
conseguida com 1 nM de A, 10 nM de B e 100 nM de C. Esta é a medida mais directa
e precisa da potência ou afinidade, isto é, da facilidade de ocupação do receptor. Dizse que A é mais potente do que B, e B do que C. Os valores podem exprimir-se em
notação “p”, isto é, pelo logaritmo negativo da concentração molar. Para o exemplo
atrás os valores de pK dos fármacos A, B e C são respectivamente 9, 8 e 7.
Em estudos funcionais, isto é, em que se estuda a curva de concentração-resposta,
diferente da curva concentração-ocupação dos estudos com ligandos, determina-se
para os antagonistas competitivos em equilíbrio um valor muito familiar aos
farmacologistas, o pA2. É a concentração do antagonista, expressa na notação “p”, em
presença da qual é necessário duplicar a concentração do agonista para que se
obtenha a mesma resposta a esse agonista na ausência do antagonista.
Matematicamente mostra-se que para um antagonista B, o pA2 de B determinado no
estudo funcional é igual ao pKB determinado num estudo de ligandos (ver a equação
de Schild no apêndice). O pA2 é assim uma estimativa muito boa, por via funcional, da
afinidade ou potência. A IUPHAR recomenda que o uso de pA2 seja preterido em favor
de pK.
Os estudos funcionais com agonistas permitem calcular o EC50, isto é, a concentração
de um agonista capaz de produzir metade da resposta máxima que aquele agonista
pode gerar numa determinada estrutura biológica. O EC50 de uma agonista X não é
forçosamente igual ao KX. É mesmo excepcional que os dois valores coincidam. Para
isso seria necessário que a cada fracção de ocupação correspondesse a mesma
fracção de resposta. Num exemplo caricatural para um receptor articulado a uma
proteína Gs numa célula muscular lisa, ter-se-ia que preencher uma série enorme de
coincidências. A cada receptor ocupado seguir-se-ia a activação de uma proteína Gs,
que activaria uma molécula de adenilcíclase, que geraria uma molécula de AMP
cíclico, que activaria uma molécula de uma cínase de proteínas, que fosforilaria uma
molécula de uma proteína, etc... até se obter uma unidade de relaxamento do músculo
liso. Seria ainda necessário que não houvesse reserva de receptores e que o agonista
fosse total.
De qualquer forma o EC50 é uma medida de potência que permite seriar um conjunto
de agonistas totais do mesmo receptor estudados no mesmo órgão. O EC50 é, por
isso, uma medida de potências relativas.
A IUPHAR recomenda que a conversão do EC50 em notação “p” se represente por
pEC50 e se abandone a representação pD2, que se tem usado para exprimir o
logaritmo negativo da concentração molar de um fármaco (drug, D) que produz
metade da resposta máxima que esse fármaco é capaz de causar.
A segunda fase da acção farmacológica é a activação do receptor. Os termos a usar
são actividade ou eficácia. Estes dois termos tornam-se, na prática, sinónimos. A
eficácia ou actividade avalia-se pela amplitude da resposta máxima. Só pode,
portanto, avaliar-se em estudos funcionais (aqui entendidos no aspecto mais amplo,
que pode ir das variações da concentração de um segundo mensageiro numa cultura
de células até à resposta de contracção de um órgão isolado, ou à modificação de um
potencial eléctrico de uma preparação nervosa de fatias de cérebro, ou à modificação
do volume de uma secreção exócrina, ou à resposta in vivo por exemplo da pressão
arterial). O antagonista tem actividade ou eficácia nula. O agonista total tem uma
eficácia agonística máxima, os agonistas parciais têm uma eficácia agonística
inframáxima.
Estas notas servem apenas para reforçar a necessidade de se clarificar o emprego de
termos habituais da farmacologia quantitativa. Chama-se mais uma vez a atenção
para que:
a) potência e afinidade são sinónimos e são diferentes de eficácia ou actividade;
b) o valor de EC50 dos agonistas é uma aferição de potência e não de eficácia;
c) o EC50 é uma aferição de potências comparadas;
d) o valor absoluto de EC50 não pode ser teoricamente deduzido pelo valor de K,
embora dependa dele, porque o processo de transdução da ocupação em efeito não é
nesta fase dos nossos conhecimentos determinável por regras de química física. Para
determinar esse factor de transdução fazem-se as experiências. E os êxitos de James
Black, que criou os bloqueadores beta e os bloqueadores H2, são bem a prova do
valor da determinação empírica deste factor de transdução da ocupação em resultado,
que é a melhor medida de que dispomos para avaliar a actividade ou eficácia
farmacológica.
Apêndice: Equação de Schild
Se um agonista na concentração A provocar, na ausência de antagonistas, um efeito
com uma certa amplitude e se na presença da concentração B de um antagonista
competitivo o agonista na concentração A’ provocar um efeito com aquela mesma
amplitude, então pode determinar-se o KB desconhecido do antagonista através da
equação de Schild:
A'
B
= 1+
A
KB
Referência
- Neubig RR, Spedding M, Kenakin T, Christopoulos A (2003) International Union of
Pharmacology committee on receptor nomenclature and drug classification. XXXVIII.
Update on terms and symbols in quantitative pharmacology. Pharmacol Rev 55:597606
DM 2005.01.07
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