AUTONOMIA E CONHECIMENTO NAS CIÊNCIAS HUMANAS: o caso da Filosofia José Benedito de Almeida Júnior* Resumo Temos por objetivo analisar o processo de aprendizagem e como o conhecimento deste processo pode auxiliar o professor de filosofia em seu trabalho de planejamento: do curso, das e das avaliações. Portanto, é fundamental que definamos alguns conceitos que sustentarão nosso trabalho: conhecimento, aprendizagem e ensino. Palavras-chave: Conhecimento. Aprendizagem. Ensino. Introdução. Nossa perspectiva mostra que os discentes que se preparam para a docência, aproveitam pouco a contribuição da psicologia da educação e da didática, reproduzindo em sala de aula os modelos que predominam no ensino superior: uma educação centrada na história da filosofia, incapaz de articular o pensamento filosófico clássico às questões contemporâneas. Além disso, a formação destes futuros docentes também está centrada na sala de aula, portanto, na aula expositiva como síntese das possibilidades de ensino da filosofia. Desta forma, os futuros docentes não encontram no âmbito acadêmico condições concretas para ministrar aulas na educação básica, na qual, a filosofia e sua história são apenas parte de um todo que inclui, além de outros conteúdos teóricos e práticos de várias disciplinas, objetivos como formação do cidadão e do ser humano. Conhecimento Partamos do princípio que o conhecimento é individual: ninguém pode conhecer por ninguém. O conhecimento é construído a partir das informações que são fornecidas aos alunos. Não basta emitir a informação, é preciso auxiliar o processo de transformação da informação em conhecimento, o que normalmente é chamado de construção do conhecimento. Se bastasse emitir a informação não seria necessário o professor: bastaria Professor do Instituto de Filosofia – Universidade Federal de Uberlândia * Programa de Pós-Graduação em Filosofia – IFILO – UFU oferecer os textos aos alunos, sugerir a leitura e aplicar, posteriormente, uma prova. Também poder-se-ia optar por uma educação baseada em vídeos-aula, na qual, um professor transmite determinadas informações em qualquer possibilidade de interação e de mediação com seus alunos. A tarefa do professor, portanto, não está somente em selecionar o tema da aula e algum material para uso em sala de aula; no caso da filosofia, um ou outro texto dos filósofos para demonstrar determinados conceitos. A tarefa é justamente elaborar estratégias didáticas que facilitem o processo de construção do conhecimento por parte dos alunos. Em outras palavras, que os alunos possam entender o conteúdo a partir da mediação do professor, pois partimos do princípio que o conteúdo a ser ensinado, na maioria dos casos, não é acessível ao aluno por si só, sendo necessária a mediação e o apoio do professor para que ele seja compreendido. 1. Motivação e Aprendizagem Tal como o conhecimento, a aprendizagem também é intransferível, ou seja, ninguém pode aprender por ninguém. Quando um determinado aluno não está disposto a aprender, de forma alguma o professor pode aprender por ele ou incutir o desejo de aprender algo. Utilizo a expressão desejo, porque trata-se mesmo disso: motivação. Concebemos que não há motivação intrínseca e extrínseca, mas somente motivação que é interna. Se um aluno não tem interesse, portanto, vontade e desejo de aprender não há como forçá-lo a aprender determinado conteúdo. É possível, no entanto, criar condições favoráveis à motivação: aulas e materiais didáticos criativos; estímulo aos conhecimentos prévios dos alunos que pode lhes dar mais autoconfiança no processo de aprendizagem de novos conteúdos. Uma vez que sinta que possa compreender um determinado conteúdo, ou que esteja estimulado a aprender este conteúdo obtendo resultados positivos, a motivação pode nascer e o aluno vir a se interessar em estudar a disciplina, em nosso caso, especificamente a filosofia. A escola, porém, não pode depender exclusivamente da motivação do aluno, do seu próprio desejo de aprender as diferentes disciplinas. Assim, tanto os pais como os profissionais da educação devem orientar os alunos de que cumprir as tarefas é uma responsabilidade deles. Neste caso, quando o aluno assume as tarefas e as cumpre – com maior ou menor empenho, isto não vem ao caso – não se trata de motivá-lo, mas de condicioná-lo a agir de tal modo. O condicionamento deve ser compreendido, portanto como um comportamento obtido por meio de uma influência externa. A motivação é um comportamento movido por um desejo, portanto, intrínseco ao indivíduo. Em psicologia behaviorista utiliza-se os termos reforço positivo para quando a influência se dá pela promessa de alguma forma de recompensa por um determinado comportamento; chama-se reforço negativo quando a influência oferece alguma forma de castigo para que o comportamento seja cumprido. Durante décadas se criticou duramente o behaviorismo na escola e procurava-se modos de substituí-lo. O que propomos neste trabalho é refletir sobre a seguinte perspectiva: quando o indivíduo não está motivado para o aprendizado, pode-se estimulá-lo a trabalhar por meio de um reforço positivo ou de um reforço negativo. Não queremos dizer que os antigos métodos de incentivo ao estudo devam ser retomados, de forma alguma, mas que o princípio do behaviorismo tem valor. Os castigos físicos e a reprovação como forma de punição ao desinteresse em aprender de forma alguma trouxeram aos jovens estímulos para aprender. No entanto, é preciso educar os jovens para que entendam a importância do papel da escola em suas vidas e que cumprir as tarefas, respeitar as regras são formas de aprendizagem social. Desta forma, o reforço negativo não deve ser visto como forma de castigo, mas de orientação. Este reforço deve ser gradativo a cada idade, baseado em princípios éticos altamente humanitários de educação. O reforço positivo, por sua vez, também não pode lançar mão de métodos ultrapassados que tentavam estimular a competição entre os estudantes resultado no assoberbamento de alguns e de humilhação para a maioria, tal como eram os casos em que se distribuíam prêmios pelo desempenho escolar de alguns alunos e mesmo privilégios. No entanto, é claro que alguns reforços positivos (também baseados em princípios éticos humanitários) podem estimular os alunos ao aprendizado, tais como, atividades que valorizando suas experiências de vida e seus conhecimentos prévios venham a obter bons resultados acadêmicos. Por mais que a aprendizagem, porém, dependa da motivação, seus mecanismos internos são independentes. Quantas vezes resolvemos que iríamos aprender algo e, por melhor que fosse o nosso resultado, vimos que ainda restavam deficiências? Querer aprender não é o mesmo que aprender, por isso, há inúmeras publicações que visam orientar os alunos para o processo de como aprender. Isto nos leva à nossa tese: a expressão auto-aprendizagem é pleonástica. Toda aprendizagem pertence única e exclusivamente ao indivíduo, como dissemos, ninguém aprende por ninguém. O que temos são duas perspectivas diferentes que existem, ora mais, ora menos, em todos os indivíduos: a aprendizagem autônoma e a aprendizagem mediada. Por aprendizagem autônoma compreendemos aquele processo pelo qual o individuo aprende somente ao seu modo, sem auxílio de outra pessoa. Por exemplo, pode-se compreender as concepções de um filósofo lendo seu texto; aprender uma técnica de pintura pelo exercício etc. A outra forma, a aprendizagem mediada, é aquela na qual o indivíduo aprende com o auxílio de outra pessoa. Há um equívoco típico do senso comum que acredita serem mais “inteligentes” aqueles que conseguem aprender sozinhos. A aprendizagem mediada, ou a capacidade de aprender de modo mediado é importantíssima para a nossa sociedade e para a forma como transmitimos e construímos conhecimentos coletivos. Numa escola a capacidade de aprendizagem mediada é fundamental. Observamos ainda que este conceito é fundamentado na idéia de zona de desenvolvimento proximal de Vigotsky. Normalmente, quando afirmo que a aprendizagem e o conhecimento são intransferíveis coloco-me diante de um problema: como explicar, então, que a haja um conhecimento coletivo que permite a sociedade avançar cientificamente, em todos os campos? Explico-me: quando uma comunidade científica – no sentido que Thomas Kuhn emprega o termo - compartilha determinados conceitos e conhecimentos comuns podemos chamar de um fenômeno de conhecimento coletivo. Cada cientista construiu sua própria compreensão do conceito, ou em outras palavras, compreendeu o conceito por si mesmo (de modo autônomo ou mediado). O fato de compartilharem princípios teóricos ou práticos comuns não significa em hipótese alguma que todos concebam estes princípios exatamente da mesma forma. Por isso, há debates mesmo entre acadêmicos de uma mesma “comunidade científica”; por isso, os conceitos fundamentais de uma ciência são modificados, porque por mais que concordemos com alguns princípios nossas próprias pesquisas e reflexões nos levam à concepções diferentes. É claro que no nível do senso comum este problema é mais facilmente compreendido. Quando temos um objeto desconhecido por um sujeito e conhecido por outro, no processo de troca de informações compartilharão do mesmo conhecimento, mas cada deve construir o seu. Por exemplo. Uma criança vê uma ave que para ela é desconhecida. O avô lha instrui que se chama “papagaio”. Numa outra ocasião, a mesma criança volta ver o papagaio, mas não lembrando o nome recorre ao avô. Neste caso, mesmo a informação tendo sido transmitida de modo claro e ricamente ilustrada, observamos que ocorre uma típica situação de aprendizado: houve a construção do conhecimento por um lado: a criança reconheceu a ave que antes lhe era desconhecida; por outro não soube precisar seu nome e o avô lha recordou. Numa outra ocasião a mesma criança vê um periquito. Não fazendo conta do tamanho, apenas de outras características, como a coloração verde e o bico em forma de anzol, chama-o de “papagaio”. O avô observa que aquele não é um papagaio, mas um periquito, atentando para a característica mais visível: o tamanho. Ora, a criança passa a compartilhar um conhecimento que pertence a muitas pessoas, por isso, pode ser dito coletivo, mas para que ela identifique o objeto de conhecimento com seus pares ela teve de memorizar algumas informações. Isto nos leva diretamente a uma outra questão polêmica: o uso da memória na aprendizagem. Em virtude de décadas do escolanovismo e do construtivismo a memória foi considerada a grande vilã das escolas. Por outro lado, a forma de ensino exclusivamente baseada na capacidade de memorização também conduziu ao processo de estigma que este elemento tão importante da natureza humana recebeu. A memória em si não é boa nem má. A memória pode fazer parte da aprendizagem, de fato, nem toda aprendizagem é mnemônica, mas toda memorização é uma forma de aprendizagem. Se eu decoro um determinado conteúdo, por exemplo, as notas musicais, este conhecimento é meu. Muitas vezes, porém, podemos memorizar uma série de elementos, cujo significado não nos seja compreendido. Muitos padres decoravam trechos inteiros da missa em latim sem saber quase nenhum significado das palavras que pronunciavam. A memória deve ser utilizada, sem dúvida nenhuma no ensino das disciplinas da educação básica, não deve ser, no entanto, como a principal ferramenta como nos tempos do ratio studiorum. Sem estímulo ao uso da memória o ensino de qualquer disciplina torna-se inviável, porém estimular a memória não significa que as avaliações, especialmente as provas, devam somente aferir a capacidade dos alunos em memorizar conteúdos, pode haver sim, provas que pretendam avaliar a memória, mas seu compito na média final dos alunos deve ser bastante modesta. 2. Ensino O ensino é a criação de estratégias para facilitar a aprendizagem de um determinado conteúdo por parte dos alunos. É a mediação que se faz necessária toda vez que o novo conteúdo a ser ensinado está além da capacidade de apreensão dos alunos no momento em que se ensina. Estas estratégias podem ser a aula expositiva, o uso do quadro, a preparação de atividades em conjunto dos alunos, atividades individuais, atividades para casa, enfim, um sem-número de recursos que facilitem o trabalho de aprendizagem por parte dos alunos. A variação das estratégias é necessária para que os alunos, com suas diversas formas de aprendizagem, possam ter oportunidades de mediação com o professor. Por exemplo, para alguns a aula expositiva (com um bom uso do quadro negro o do power point) são o bastante; para outros, algumas atividades em sala de aula complementam bem as informações transmitidas na aula expositiva. As atividades de casa são importantes para todos, pois são momentos em que os alunos pesquisam e procuram aprender a partir dos próprios recursos sem a mediação do professor naquele momento. Estas lições podem ser em grupo, como os famosos trabalhos em grupo, ou individuais; de toda forma, são muito importantes para a aprendizagem. Para que as estratégias de ensino sejam realmente eficientes o professor deve conhecer um número razoavelmente grande e, principalmente, saber como e quando aplicá-las para obter sucesso positivo. A disciplina de filosofia permite uma variação de atividades extremamente ricas, mas em virtude da formação acadêmica mumificada na transmissão de informações estanques como verdades unívocas – típicas dos neokantianos – muitos alunos acabam acreditando que esta é a única forma de ensinar filosofia. Estes professores autoritários em sua forma de pensar e agir no mundo utilizam como forma de argumento para defender sua posição como universalmente única a seguinte expressão: “esta é a forma de se ensinar filosofia com rigor”. Ora, Paulo Freire já nos advertira em seu Medo e ousadia que rigor é diferente de rigidez. Estes professores confundindo ambas expressões levam a um problema para a formação de docentes da educação básica. O rigor é fundamental para se preparar uma aula consistente, assim como para orientar o aluno; a rigidez, por seu turno, faz com que as coisas fiquem mais difíceis, pois nunca mudando a forma de agir, dificulta o processo de aprendizagem dos alunos. Ser rígido, não é o mesmo que ser rigoroso. A rigidez impede a criatividade, o debate, o questionamento; ela está a serviço do autoritarismo. O rigor está intimamente ligado à criatividade, à capacidade de propor soluções para os novos problemas, indicar caminhos e conhecer a imensa contribuição do passado; o rigor está associado à autoridade e à liberdade. A ensinar história da filosofia de modo rígido estamos cumprindo um programa de ensino da filosofia muito conhecido: como se a verdade tivesse sido alcançada por um sistema em especial e que todos os sistemas anteriores foram apenas passos, ora corretos, ora incorretos no caminho da construção deste sistema universal e inquestionável. Desta forma, professor e alunos estão amarrados aos conteúdos fornecidos pelo sistema. Não há liberdade de pensamento nem de ação. Ensinar história da filosofia de modo rigoroso, por outro lado, significa respeitar os conhecimentos construídos pela tradição sem abandonar os problemas que se apresentam cotidianamente ao professor e aos alunos. Kant nunca foi ao cinema, mas é possível utilizar a linguagem cinematográfica não somente para compreender os conteúdos do seu pensamento como para ir além dele sapere aude o próprio mestre dizia. Conclusão Durante as exposições neste evento, o professor Silvano Severino Dias observou muito bem que os problemas filosóficos, não são cativos da história da filosofia. Que para muitas questões que hoje se nos apresentam – e que de certa forma numa perspectiva histórica também – não foram respondidas pelos filósofos. Temos que ter ousadia para pensar por nós mesmos e combinar esta experiência com a de ensinar história da filosofia. Para tanto o professor de Filosofia não deve se limitar a estudar filosofia e preparar as aulas, mas muito mais que isso, estar atento aos noticiários, aos filmes em cartaz, às novas e antigas produções literárias, novas e antigas tendências músicas, enfim, mergulhar no mundo da cultura para que em suas aulas possa oferecer mais do que a história da filosofia ou mesmo para que a esta faça sentido para os alunos. Referências ARCHER, E. O Mito da Motivação. BERGAMINI, C. W. e CODA, R. (organizadores). Psicodinâmica da Vida Organizacional. São Paulo: Atlas, 1997. BUSQUETS, M. D. (Org.). Temas Transversais em Educação. São Paulo: Ática: 1999. CEDES. ............................................. São Paulo: Cortez; Campinas: UNICAMP. v. 24, n° 64, set./dez. 2004. COLL, C. (Org.). O Construtivismo na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1999. COSSUTA, F. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 1994. CUNHA, J. A. 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