Tratamento do Sangramento Uterino Anormal

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Guia Prático
de condutas
Tratamento do
Sangramento
Uterino Anormal
(Menorragia)
2014/2015
TRATAMENTO DO SANGRAMENTO
UTERINO ANORMAL (MENORRAGIA)
Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia
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3
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Preparada pela Biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Strufaldi, Rodolfo
Guia prático de condutas – tratamento do sangramento uterino anormal
(menorragia) / Rodolfo Strufaldi. -- São Paulo : Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2014.
1.Sangramento uterino 2.Menorragia 3.Hormônios 4.Diagnóstico
5.Tratamento
NLM WP440
ISBN: 978-85-64319-35-6
Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia
GUIA DE ORIENTAÇÃO
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Professor Doutor Afiliado da Disciplina de Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC.
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Professor Livre Docente Titular da Disciplina de Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC
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5
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FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
ÍNDICE
RESUMO08
COMO LIDAR COM O SUA09
COMPREENDENDO O PROBLEMA10
EXPRESSÃO CLíNICA DO SUA11
AVALIANDO AS CAUSAS DO SUA12
GERENCIANDO O DIAGNÓSTICO15
GERENCIANDO O TRATAMENTO18
MANEJO DA FASE AGUDA19
MANEJO DA FASE DE MANUTENçÃO21
TRATAMENTO CIRÚRGICO22
CONCLUSÃO25
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS26
7
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RESUMO
Sangramento uterino anormal (SUA) ou menorragia é um distúrbio endócrino frequente que pode
ocorrer em qualquer época do período reprodutivo feminino, mas concentra-se principalmente em
seus extremos, ou seja, logo após a menarca e no período da perimenopausa. 1 É definido como
toda perda sanguínea anormal de origem uterina, na ausência de afecção orgânica demonstrável
do trato genital e da gestação. Com diagnóstico eminentemente clínico e baseado nos dados
obtidos na anamnese e nos exames físico e ginecológico, tem na identificação da natureza do
sangramento e nas repercussões clínicas a definição das possibilidades de tratamento deste
agravo comum à saúde da mulher. 2
8
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COMO LIDAR COM O SUA
O SUA é um diagnóstico de exclusão, feito após cuidadosa eliminação das causas orgânicas de
sangramento uterino representadas pela gravidez e suas complicações, patologias uterinas, doenças
pélvicas benignas e malignas, problemas extragenitais, distúrbios da coagulação, doenças sistêmicas,
endocrinopatias extra-ovarianas, uso de medicamentos que interferem com a ação hormonal ou com
os mecanismos de coagulação.1
Como é o endométrio que manifesta o desequilíbrio, este quadro pode também ser denominado de
sangramento disfuncional do endométrio, sendo o diagnóstico etiológico um grande desafio do ponto
de vista médico.
Sua importância se faz, por ter elevada frequência e ser responsável por um terço das causas de
sangramento genital nas mulheres. Aproximadamente 20% das pacientes com sangramento
disfuncional são adolescentes e 50% concentram-se na faixa dos 40 a 50 anos.2
Pode manifestar-se por alterações nos intervalos entre os fluxos menstruais, tanto na quantidade
quanto na duração do sangramento. Também constituem os sangramentos disfuncionais as perdas
que ocorrem no período ovulatório e a parada abrupta da menstruação, denominada de menostase.3
Para conceituar um sangramento uterino anormal é necessário inicialmente estabelecer o que se
considera um sangramento menstrual normal. A duração média do fluxo menstrual é de três a oito
dias, com uma perda sanguínea de 30 ml a 80 ml. O tempo médio de um ciclo menstrual varia entre
26 e 34 dias. Portanto, sangramento uterino anormal é aquele que apresenta uma alteração em um ou
mais destes parâmetros, ou seja, um sangramento excessivo em duração, frequência ou quantidade.4
Existe também uma terminologia universal utilizada para descrever os tipos de sangramentos uterinos,
um sangramento uterino anormal, à qual devemos nos habituar e respeitar:
• Hipermenorreia – refere-se ao sangramento prolongado, acima de oito dias, ou de quantidade excessiva,
maior que 80 ml, ou à associação de ambos. O volume excessivo é também denominado de menorragia;
• Hipomenorreia – caracteriza um fluxo de duração menor que três dias ou quantidade inferior a 30 ml ou à associação dos dois quadros;
• Polimenorreia – caracteriza um ciclo cuja frequência é inferior a 24 dias;
• Oligomenorreia – refere-se a ciclos que ocorrem com intervalos acima de 35 dias;
• Metrorragia – é o sangramento uterino que ocorre fora do período menstrual;
• Menometrorragia – é o sangramento que ocorre durante o período menstrual e fora dele.
9
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
COMPREENDENDO O PROBLEMA
Como dito anteriormente, a menstruação normal ocorre em intervalos regulares de 26 a 34 dias, iniciase abruptamente e prolonga-se entre três e oito dias, com perda de sangue de aproximadamente
40 ml. Quando um ou mais dos processos fisiológicos responsáveis que controlam, regulam e limitam
a menstruação for alterado à extensão em que a função normal possa ser prejudicada, ocorrerá o
sangramento uterino disfuncional excessivo. As alterações do intervalo sugerem de início, disfunção
do eixo neuroendócrino, manifestada clinicamente por perturbação do desenvolvimento folicular ou
disfunção lútea nos ciclos ovulatórios.4
Para que um sangramento uterino transcorra de maneira regular, com a descamação uniforme do
endométrio, deve existir estímulo estrogênico prévio, seguido de ação progestacional adequada. A
progesterona é o hormônio responsável pelas características normais e constantes do fluxo menstrual.
O SUA pode ser classificado de várias formas: agudo ou crônico, anovulatório e ovulatório e ainda às
variações observadas nos ciclos, quanto ao intervalo, quantidade e na duração do ciclo. Vale lembrar
que a variedade anovulatória com ciclos sem ação progestagênica corresponde de 80% a 90% dos
casos de sangramento anormal.5 As alterações do intervalo ocorrem em geral às custas de variações
da primeira fase do ciclo, dependente do papel estrogênico, pois a fase progestagênica é usualmente
constante.
10
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EXPRESSÃO CLÍNICA DO SUA
O sangramento uterino anormal é representado por duas situações distintas, ou seja, aquele que
ocorre em pacientes que estão ovulando ou ainda naquelas que não estão ovulando.
Em ciclos ovulatórios com desenvolvimento folicular insuficiente, o retardo no processo de
reepitelização endometrial dá origem ao prolongamento do sangramento menstrual sem aumento
do volume (hipermenorreia) ou prolongamento associado ao aumento do fluxo (menorragia).
Havendo foliculogênese acelerada, o intervalo do ciclo pode ser mais curto com ciclos entre
20–26 dias, denominado de proiomenorreia ou em duas semanas (ciclos a cada 15 dias, chamado
de polimenorreia). Caso haja foliculogênese prolongada, ocorrerá ovulação tardia e ciclos com
variação entre 35–45 dias (opsomenorreia) ou ainda entre 45–90 dias (espaniomenorreia).4
Na ocorrência de fase lútea insuficiente, pode-se observar ciclos com intervalo normal e
manchas antes do fluxo, prolongando sua duração (hipermenorreia) ou ciclos com intervalos
curtos (proiomenorreia). No comprometimento mais severo do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano
com anovulação, os intervalos são imprevisíveis. As manifestações clínicas marcantes são a
polimenorreia e os ciclos longos, com duração variável e fluxo prolongado. Ressalta-se que na
polimenorreia por anovulação não há modificação nas características do fluxo e que este fato
permite diferenciá-la dos ciclos ovulatórios com manchas no meio do ciclo. Lembrar que os ciclos
longos, conhecidos como oligomenorreia, ainda chamados de opso ou espaniomenorreia, podem
não caracterizar alterações com excesso de sangramento. 4
Os sangramentos pré-menstruais são caracterizados por perda escassa de sangue, geralmente
escura, tipo “borra de café”, que antecede de alguns dias o sangramento menstrual, sendo também
mais frequente no fim da vida reprodutiva (acima dos 35 anos) e associada a uma deficiente
produção de progesterona. Nestes casos, deve-se estar alerta também para a possibilidade de ser
endometriose. 6
A menorragia ou hipermenorreia, frequentemente é devida a causas orgânicas, como miomas,
pólipos, adenomiose e distúrbios da coagulação que cursam paralelo com ciclos ovulatórios.
Merece portanto,especial atenção, pois é praticamente um diagnóstico de exclusão. A congestão
uterina crônica provocada por retroversão uterina ou disfunção orgásmica (Síndrome de Taylor)
pode também provocar um sangramento escuro e prolongado.1
11
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
AVALIANDO AS CAUSAS DO SUA
É de fundamental importância definir a origem do sangramento. Isto se faz porque doenças da
uretra (uretrites), bexiga (câncer ou infecção do trato urinário), vagina, vulva e intestino (doenças
intestinais inflamatórias ou hemorroidas) podem causar sangramento e ser confundidas com
sangramento uterino. Estas desordens devem ser consideradas e avaliadas nas pacientes com
sangramento não relacionado ao ciclo menstrual, especialmente mulheres sem doenças evidentes.7
A possibilidade de gravidez deve ser sempre considerada em qualquer paciente com SUA, desde a
menarca até a menopausa. Mulheres que estão grávidas devem ser avaliadas primariamente para
causas de sangramento relacionadas à gestação, mas a possibilidade de um sangramento não
gestacional associado deve ser sempre considerado.6
A idade da paciente, que vai caracterizá-la como adolescente ou uma mulher no período reprodutivo
ou no climatério, é crucial para direcionar as hipóteses diagnósticas. Mulheres entre 20 e 40
anos naturalmente apresentam maturidade do eixo, que se traduz pela regularidade dos ciclos.
A ocorrência de sangramento anormal neste grupo pode ser devido a uma grande variedade de
causas ovulatórias ou anovulatórias. Nos primeiros anos após a menarca, o eixo ainda se encontra
imaturo e, por este motivo, as adolescentes frequentemente não ovulam em todos os ciclos, o que
pode levar a períodos de amenorreia alternados com períodos de polimenorreia.8
No entanto, mulheres com idade entre 40 anos até a fase perimenopáusica comumente
apresentam períodos de ciclos anovulatórios, ciclos com sangramento exagerado, prolongado
ou meses sem sangramento, associados a fogachos decorrentes de flutuações na função do eixo
hipotálamo-hipófise-ovário (H-H-O).1 Mulheres desta faixa etária são mais comumente afetadas
por sangramento secundário a doenças benignas ou malignas (pólipos, miomatose, adenomiose,
câncer endometrial e sarcoma).
A periodicidade do sangramento, a duração e a quantidade do fluxo também são importantes para
a elaboração do diagnóstico etiológico. É de grande auxílio comparar estas características com
a história menstrual prévia. Os sangramentos anormais cíclicos ocorrem a favor de sangramento
disfuncional, ao passo que os sangramentos acíclicos são mais sugestivos de doença de causa
orgânica. A causa mais comum de menorragia na pré-menopausa é a distorção da arquitetura
endometrial devido a mioma submucoso, pólipo endometrial ou adenomiose. 1 Apesar de os pólipos
endometriais poderem causar menorragia, o sangramento intermenstrual é a manifestação clínica
mais comum. Para classificar o quadro clínico dos episódios de sangramento, como hemorragia, a
informação da paciente de que houve aumento no uso de absorventes ou ocorrência de grandes
coágulos é muito sugestiva. 9
12
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
O uso de método contraceptivo, sintomas psicogênicos, sintomas de alteração tireoidiana ou da
crase sanguínea, doenças sistêmicas, uso de medicamentos, modificação da dieta e atividade
física são informações indispensáveis para determinação da provável causa dos sangramentos.10
A suspeita de alteração da crase sanguínea deve ser sempre lembrada se o período da menarca
manifestar-se por sangramento hemorrágico.6
No momento do sangramento agudo, é mandatória a avaliação do estado geral da paciente.
Determina-se, junto com o volume do sangramento, a necessidade de medidas terapêuticas
urgentes no sentido de coibir a hemorragia. Além disso, pode trazer informações para o diagnóstico
etiológico, pois podem ser identificados sinais de doenças sistêmicas que podem estar envolvidos
com o sangramento, tais como estado nutricional, galactorreia, hirsutismo, sinais de hipo ou
hipertireoidismo. No quadro 1, pode-se observar as principais causas de menorragia.
13
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Quadro 1 – Principais CAUSAS DE SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL
(MENORRAGIA)
ASSOCIADAS A DOENÇAS
FISIOLÓGICAS OU IATROGÊNICAS
Doenças da gestação, abortamento
Disfunções do córtex cerebral
Prenhez ectópica, doença trofoblástica
Imaturidade do eixo H-H-O
Pólipo placentário
Estresse psíquico ou emocional
Miomatose uterina, adenomiose
Digitálicos
Tumores de colo, vagina e endométrio
Drogas com ação depressora hipotalámica
Cervicite, endometrite, salpingite
Dispositivos intrauterinos (DIU)
Trauma genital ou corpo estranho
Terapia de reposição hormonal
Pólipo cervical, pólipo endometrial
Esteroides sexuais
Endometriose
Fenitoina
Síndrome dos ovários policísticos
Anticoagulantes
Doenças tireoidianas
Galactorreia
14
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GERENCIANDO O DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de SUA ou de menorragia é eminentemente clínico e está baseado na anamnese,
nos exames físico e ginecológico completos. Na própria anamnese, a comparação com os ciclos
anteriores realizada pela paciente, identifica as mudanças no seu padrão de sangramento normal.1
Objetivamente, a queixa de sangramento abundante é, talvez, uma das mais difíceis de se avaliar.
Descreve-se que apenas 30% das mulheres com este relato realmente perdem mais de 60 ml de
sangue no período menstrual, quantidade esta aceita como limite superior da normalidade.2
É importante questionar quanto a existência de coágulos durante a menstruação que, quando presente,
pode indicar que não há tempo adequado para a ação das plasminas endometriais agirem e que,
portanto, o sangramento torna-se excessivo. O uso de medicamentos, como hormônios exógenos ou
de ácido acetilsalicílico deve ser sempre pesquisado na história clínica, pois eventualmente pode ser
a causa da menorragia.11
No exame físico geral e ginecológico, deve-se buscar possíveis causas orgânicas para o sangramento
uterino. Caso não encontradas, o diagnóstico provisório é de sangramento disfuncional do
endométrio.3 O exame pélvico minucioso confirmará se o sangramento é uterino ou não, tendo
como objetivo afastar causas orgânicas de sangramento, basicamente gravidez e suas complicações,
neoplasias e processos infecciosos. Porém, sua normalidade não as exclui completamente. Sabese que adenomiose, pequenos miomas e pólipos endometriais podem não ser diagnosticados em
simples exame ginecológico.12
O exame ginecológico realizado na vigência de sangramento possibilita que se avalie sua quantidade
e a necessidade de ação imediata no sentido de coibi-lo. Causas sistêmicas não ginecológicas devem
ser descartadas com a solicitação de hemograma completo, tempo de sangramento e coagulação,
contagem de plaquetas, prova de função tireoidiana e glicemia. O diagnóstico de complicações
da gravidez pode ser corroborado através de um teste de gravidez e ecografia, preferencialmente
endovaginal. Dosagens séricas de prolactina, androgênios, FSH, LH podem esclarecer as causas
anovulatórias.13
Corroborando com os estudos epidemiológicos que mostraram que não há relação direta entre os
níveis de esteroides sexuais e os quadros de menorragia, não se recomenda a dosagem de hormônios
sexuais em mulheres com esta suspeita diagnóstica.14 Em relação aos hormônios tireoidianos, sua
avaliação laboratorial deve-se reservar apenas quando sinais ou sintomas de disfunção tireoidiana
estiverem presentes.15
A avaliação laboratorial para distúrbios de coagulação devem ser realizados em pacientes com
sangramento menstrual aumentado desde a menarca ou com história familiar sugestiva de
coagulopatias.16 Recomenda-se a realização do eritrograma apenas nos casos de sangramento
15
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agudo ou para monitorização de tratamento instituído. Entretanto, há pouca indicação de
dosagem de ferritina sérica rotineiramente nestes casos.17,18
A ultrassonografia endovaginal (USG) fornece elementos de diagnóstico de doença miometrial
e pode sugerir também a presença de alteração endometrial. No entanto, como não é possível
distinguir diferentes tipos de anormalidades estruturais, outros exames podem ser necessários.19
A histerossonografia, que consiste em um exame ecográfico transvaginal após a infusão de
solução salina estéril na cavidade uterina, fornece imagens mais precisas, e pequenas lesões
como pólipos podem ser facilmente detectados.20
Os dois métodos possuem acurácia moderada na identificação de doença uterina, mas a USG
é o método de primeira escolha para o diagnóstico nos casos de SUA.21
Porém, como a avaliação histológica não é obtida com este tipo de exame, o diagnóstico
final nem sempre é possível. Nestes casos, uma avaliação adicional histeroscópica ou, menos
frequentemente, através da curetagem uterina podem ser necessárias para o estudo do
endométrio. Quando a USG for inconclusiva para determinar a exata localização e a natureza
da lesão, a histeroscopia é preferível tanto com a finalidade diagnóstica como a terapêutica,
uma vez que tem condições de avaliar melhor a cavidade endometrial e, se possível, realizar
biópsia ou até a exérese de lesões no interior da cavidade uterina.22 A curetagem uterina se
reserva apenas nos casos de urgência com sangramento agudo abusivo, na qual é utilizada
também como alternativa terapêutica, o que é mais comum em pacientes climatéricas. A
curetagem isolada não é o método diagnóstico de primeira linha para avaliação endometrial.4
O exame histopatológico de biópsias do endométrio é usualmente realizado em mulheres
com menorragia para excluir neoplasia endometrial ou hiperplasias atípicas. Pode também ser
indicada, mas com menor frequência, em mulheres jovens com fatores de risco para neoplasia
de endométrio. Estudo realizado com 1.282 mulheres submetidas à curetagem uterina e
à análise histológica do material encontrou 984 ciclos anovulatórios, sendo que 47% dos
casos apresentavam hiperplasia endometrial e 10% proliferação deficiente do endométrio e
298 ciclos ovulatórios.23 A histologia endometrial frequentemente revela o tipo de distúrbio
funcional e ajuda na adequação do tratamento.13,23
A ressonância nuclear magnética não apresenta vantagens sobre a USG na investigação do
SUA, mas pode ser utilizada nos casos com resultados duvidosos, não devendo ser indicada
como método diagnóstico inicial.24
Quando uma causa orgânica para o sangramento não for encontrada, o diagnóstico de exclusão
é de sangramento uterino anormal.1 A demonstração resumida dos métodos diagnósticos e
suas recomendações podem ser observadas no quadro 2 ao lado.
16
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Quadro 2 – GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA (GRFE) PARA
OS MÉTODOS DIAGNÓSTICOS, SEGUNDO A ASSOCIAçÃO MÉDICA BRASILEIRA
(AMB)
MÉTODO
RECOMENDADO
GRFE
Anamnese e exame físico
SIM
B
Teste de gravidez
SIM
A
Ultrassonografia endovaginal
SIM (1ª linha)
A
Histeroscopia
SIM (2ª linha)
A
Histerossonografia
SIM (3ª linha)
B
Ressonância nuclear magnética
SIM (casos especiais)
B
Biópsia endometrial
SIM (> de 45 anos – 1ª linha)
B
Curetagem uterina
SIM (> de 45 anos – 2ª linha)
B
Avaliação sérica de esteroides sexuais
NÃO
B
Investigação de coagulopatias
SIM (história familiar)
C
Eritrograma e dosagem de ferritina
NÃO (dependência do bem-estar)
C
Avaliação de função tireoidiana
NÃO
C
17
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
GERENCIANDO O TRATAMENTO
A terapêutica nos casos de SUA ou menorragia pode ser medicamentosa ou cirúrgica, a depender
da intensidade do sangramento e da característica aguda ou crônica da anormalidade. Quando
o quadro clínico exigir, medidas gerais devem ser tomadas, como manutenção da estabilidade
hemodinâmica, reposição de ferro, correção de desvios ponderais e, se necessário, apoio
psicoterápico em alguns casos.4
O tratamento tem como objetivo básico o correto manejo da fase aguda e a tentativa de evitar as
recidivas do sangramento. Deve seguir os seguintes princípios básicos:
• corrigir a anemia aguda ou crônica;
• retornar o padrão de ciclos menstruais normais;
• prevenir a recorrência do sangramento;
• prevenir as consequências da anovulação a longo prazo.
18
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
Manejo da fase aguda
O manejo da fase aguda dependerá basicamente da faixa etária, do estado geral da paciente e do
volume de sangramento. Se este resultar em hipovolemia, indica-se o uso de alta dose de estrogênio
na paciente jovem e a curetagem, se a paciente possuir fatores de risco para câncer de endométrio.25
• E strogênios endovenosos em altas doses promovem rápido crescimento do endométrio sobre
a superfície epitelial, estabilizam as membranas lisossomais e estimulam a proliferação
endometrial. Por essa razão, a estimulação por estrogênios conjugados (EC) é o tratamento
de escolha inicial para o controle do sangramento uterino agudo e profuso em mulheres com
risco de instabilidade hemodinâmica.26
Ensaio clínico randomizado em mulheres com sangramento agudo que utilizaram EC 25 mg
endovenoso a cada quatro horas controlou o sangramento em 72% das pacientes em comparação
a 38% das usuárias com placebo, tendo diminuído o sangramento em três horas após o início do
tratamento. 13 Nesse regime, o uso de antiemético é frequentemente necessário pela ocorrência de
náuseas secundárias ao uso de altas doses de estrogênio.27
O sangramento uterino usualmente é controlado dentro de 24 horas após o início da terapia endovenosa
e deve ser seguido pelo uso de EC por via oral por um período de 25 dias para possibilitar uma adequada
reposta hematopoiética. A este, deve-se seguir o uso associado de progesterona com o intuito de
mimetizar um ciclo ao que se seguirá um sangramento de tipo menstrual.26
• Curetagem uterina pode ser realizada tanto terapêutica como diagnóstica em pacientes com
sangramentos agudos intensos. Uma limitação do procedimento é não tratar a causa da
menorragia, que irá recorrer se não for iniciada outra terapia preventiva no pós-operatório. 27
• Tamponamento da cavidade uterina pode ser feito colocando-se, em seu interior, um cateter
de Folley e enchendo seu balão com 10 ml a 30 ml de líquido. Após três horas, metade deste
líquido é retirado e, se não houver mais sangramento por uma hora, pode-se retirar a sonda.
Se o sangramento persistir, pode-se manter o balão por um período adicional de até 12
horas. 28
• E strogênios orais em altas doses podem ser oferecidos a pacientes hemodinamicamente
estáveis que podem tolerar a terapia oral sem distúrbios gástricos. Uma opção é o uso de EC
2,5 mg até quatro vezes ao dia durante 21 a 25 dias, seguido de acetato de medoxiprogesterona
(10 mg/dia) por dez dias.26
•C
ontraceptivos orais combinados (COC) com 30 mcg de etinilestradiol, duas a quatro vezes ao
dia, geralmente cessam o sangramento em 48 horas. Pode-se utilizar um esquema com redução
gradativa das doses, com uso de cinco pílulas no primeiro dia, quatro no segundo, três no terceiro,
duas do quarto e uma pílula por dia a partir do quinto dia e por pelo menos mais uma semana
19
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
estes esquemas tendem a ser menos efetivos do que os de uso de estrogênio isoladamente
porque os progestagênios inibem a síntese de receptores de progesterona.29
• P rogestagênios orais como o acetato de medroxiprogesterona 10 mg a 20 mg, duas vezes
ao dia, ou noretindrona 5 mg, uma a duas vezes ao dia, é uma opção a ser considerada.29
• Agentes antifibrinolíticos, como o ácido tranexâmico utilizado na dose de duas a quatro
gramas ao dia, durante três a cinco dias, a partir do primeiro dia do sangramento em
alguns estudos reduziu em até 58% a perda sanguínea.30,31 O ácido aminocapoico (cinco
gramas durante a primeira hora seguido de um grama por hora por oito horas, ou até que o
sangramento esteja controlado) são as drogas mais utilizadas por prevenirem a degradação
da fibrina. Suas ações ocorrem no intervalo de duas a três horas após a administração, e
podem ser mais efetivos que os anti-inflamatórios não esteroides (AINE) no tratamento da
menorragia aguda.32
20
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
Manejo na fase de manutenção
Após o controle adequado da fase aguda do sangramento vaginal, torna-se imperioso a introdução de
medidas que possam garantir melhor regularidade do ciclo menstrual ou até a ausência completa do
sangramento. Quando se leva em conta as evidências comprovadas de eficácia, altos níveis de adesão ao
tratamento e o custo benefício dos métodos de manejo clínico da fase de manutenção, a histerectomia como
tratamento cirúrgico, não deve ser considerada como primeira linha de tratamento.33,34
• Sistema intrauterino de levonorgestrel (SIU-LNG) é um importante procedimento terapêutico,
altamente recomendado, que consiste na inserção de um dispositivo intrauterino (DIU) medicado
com levonorgestrel, com liberação de 20 mcg/dia por um período de 5 anos.35 Este método promove
oligomenorréia na maioria das pacientes nos primeiros seis meses, acompanhado de relevante redução
no fluxo menstrual e amenorréia entre 71 a 96% das usuárias.36,37 Esta modalidade terapêutica pode
representar uma redução de 60% nas indicações cirúrgicas nos casos de SUA.38
• Progestagênio oral pode ser usado em mulheres com menorragia associada a ciclos menstruais
irregulares por insuficiência lútea, no regime de 12 a 14 dias por mês. Entretanto, o uso de
progestagênio oral apenas durante a fase lútea não deve ser recomendado nos casos de aumento
de fluxo menstrual associado a ciclos regulares, pois estudos demonstram que não há diferença
deste regime terapêutico quando comparado com AINE, ácido tranexâmico, danazol e o sistema
intrauterino de levonorgestrel (SIU-LNG).39
Estudo randomizado analisou mulheres com menorragia utilizando progestagênio oral cíclico por 21 dias,
ou seja, na fase folicular e lútea, mostrou equivalente melhora do sangramento quando comparado com
usuárias de SIU-LNG.36 No entanto, o grau de satisfação das mulheres foi maior nas pacientes com SIU-LNG
(66%) comparado com o progestagênio oral (22%).40
• Danazol é uma droga que em estudos randomizados se mostra efetiva na redução de 50% do
sangramento uterino, mas em função do alto custo e dos efeitos colaterais androgênicos não é
recomendado rotineiramente no tratamento das menorragias.41
• Contraceptivos orais combinados utilizados em regimes ciclicos mensais, contínuos ou com intervalos
trimestrais, resultam em controle adequado dos sangramentos uterinos. Estudo de revisão sistemática
comparando o uso de COC, ácido mefenâmico e naproxeno, mostrou redução de 43% no fluxo
menstrual com o uso de COC, sendo este percentual superior do que os outros dois grupos.42
Entre as inúmeras formulações contraceptivas estroprogestativas atualmente disponíveis, a combinação
de valerato de estradiol e dienogeste em regime dinâmico, demonstrou evidente eficácia na redução do
volume de sangramento quando comparado ao placebo em estudo multicêntrico, controlado e randomizado.
Esta modalidade contraceptiva, mostrou ainda, uma redução de 69,4% do volume sanguíneo sustentada
por maior período de tempo quando comparada com outros contraceptivos hormonais orais utilizados no
tratamento do SUA.43
• Anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) também produzem diminuição do fluxo menstrual, sendo
que estas reduções variam de 16,2% (ibuprofeno), 26,4% (naproxeno), 26,9% (diclofenaco) a
29% (ácido mefenâmico).44 Os AINE são menos efetivos que o ácido tranexâmico, e devem ser
administrados com cautela em pacientes com história de distúrbios de coagulação.45
• Análogo do Hormônio Liberador de Gonadotrofina (GnRH) reduz o sangramento menstrual, na
maioria dos casos, na forma de amenorréia. Melhores resultados nas pacientes com miomatose
uterina, apresenta importantes efeitos colaterais como sintomas vasomotores perimenopáusicos,
náuseas e cefaléias.46 ,47
• Progestagênios injetáveis de depósito quando utilizados como contraceptivos demonstram
importante impacto na redução do fluxo menstrual, com amenorréia de 12 a 47% dos casos.48
Entretanto são raros os ensaios clínicos na literatura que relacionam o uso desta medicação com o
tratamento de menorragia.
21
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
Tratamento cirúrgico
• Ablação endometrial é um tratamento cirúrgico conservador efetivo para a hemorragia aguda, que
precede uma conduta radical, como a histerectomia.6 Porém, este procedimento não é recomendado
para mulheres que desejam manter a fertilidade.1 Em uma revisão de estudos randomizados,
comparando ablação endometrial e histerectomia para manejo de menorragia, a ablação endometrial
foi associada a menor tempo cirúrgico, menor período de hospitalização, menos complicações e
melhor custo-efetividade comparado com a histerectomia, mesmo quando necessário a repetição
do procedimento.49
•H
isterectomia é um tratamento de exceção para o tratamento da menorragia, possuindo alto índice
de satisfação das pacientes por ser curativo.12 Por apresentar uma característica terapêutica definitiva,
a histerectomia termina por promover um controle do sangramento significativamente maior do
que a ablação endometrial.2,45 Entretanto, a análise do alto custo deste tratamento cirúrgico, tempo
prolongado de afastamento das atividades diárias, risco de infecção e complicações cirúrgicas, torna
a indicação deste método exclusiva para os casos onde todas as outras alternativas terapêuticas
apresentaram falhas, e quando as pacientes não desejarem mais ter filhos.50,51
Os tratamentos disponíveis para o sangramento uterino anormal e suas respectivas recomendações podem
ser observados no quadro 3 ao lado.
22
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
Quadro 3 – Grau de recomendação e força de evidência (GRFE) para o
tratamento da menorragia (SUA), segundo a Associação Médica Brasileira
(AMB)
TRATAMENTO
RECOMENDADO
GRFE
SIU-LNG (DIU de levonorgestrel)
SIM
A
Progestagênios orais na fase lútea
SIM (SUA não cíclico)
A
Progestagênios orais na fase lútea
NÃO (SUA cíclico)
A
Progestagênios orais por 21 dias
SIM
A
Ablação endometrial
SIM
A
Danazol
NÃO
A
Contraceptivos orais combinados
SIM
B
Ácido tranexâmico
SIM
B
Ácido mefenâmico
SIM
B
AINE
SIM
B
Embolização de miomas
SIM (preservar fertilidade)
B
Miomectomia
SIM (mioma submucoso)
B
Histerectomia
SIM (falha tratamento)
B
Análogos de GnRH
NÃO
B
Progestagênios injetáveis
SIM
C
23
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
Na figura 1 abaixo, pode-se observar o algoritmo da conduta na fase não aguda do sangramento uterino
anormal (menorragia).
HISTÓRIA CONFIRMADA
DE MENORRAGIA
ANAMNESE, EXAME FÍSICO
E GINECOLÓGICO
EXAMES LABORATORIAIS
À CRITÉRIO DA AVALIAÇÃO CLÍNICA
ULTRASSONOGRAFIA
ENDOVAGINAL
Normal
Alterado
DISCUTIR AS OPÇÕES
COM A PACIENTE
BIÓPSIA ENDOMETRIAL
OU HISTEROSCOPIA + BIÓPSIA
DIRIGIDA
SIU-LNG
(DIU LEVONORGESTREL)
PROGESTAGÊNIOS CICLICOS
PÓLIPO, MIOMA SUBMUCOSO
OU HIPERPLASIA ENDOMETRIAL
CONTRACEPTIVO ORAL
COMBINADO
ANTI-INFLAMATÓRIOS
NÃO ESTEROIDAIS
POLIPECTOMIA HISTEROSCÓPICA
MIOMECTOMIA HISTEROSCÓPICA
SANGRAMENTO CONTROLADO
SIM
NÃO
ORIENTAÇÕES
E CONDUTA MANTIDA
CURETAGEM UTERINA
ABLAÇÃO ENDOMETRIAL
HISTERECTOMIA
24
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
CONCLUSÃO
A investigação do sangramento uterino anormal deve ser a mais completa possível, uma vez que,
apesar de não ser o mais comum, algumas doenças graves, como o câncer de endométrio ou discrasias
sanguíneas, podem estar envolvidas. É importante que o médico que esteja assistindo a paciente com
quadro clínico de menorragia realize a anamnese e exame ginecológico adequados, excluindo doenças
ou causas concomitantes do sangramento vaginal. O sucesso do tratamento, seja ele na fase aguda ou
na fase de manutenção, depende da precisão e da rapidez do diagnóstico.
25
FEBRASGO - Guia Prático de Menorragia
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