Semiologia Cardiovascular Estenose Aórtica Por Gustavo Amarante 1- Etiologia A obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo na maioria das vezes localizase na valva aórtica. Mas pode haver obstrução acima da valva (estenose aortica supravalvar) ou abaixo dela (estenose subvalvar). A) Estenose Aórtica Supravalvar A estenose aórtica supravalvar ocorre por formação de uma membrana logo acima da valva ou pela formação de uma prega constrictiva originada do espessamento e desorganização da camada média da aorta. A causa mais frequente de estenose supravalvar é a Síndrome de Williams. Nessa síndrome a alteração cardíaca está associada a sinais e sintomas sistêmicos: retardo no desenvolvimento psicomotor, hipercalcemia, náuseas, vômitos, constipação, cólicas, hiperacusia, voz rouca, dentes pequenos, personalidade expansiva, e uma fácies típica denominada “facies de duende”. Essa síndrome tem apenas um pequeno componente familiar, sendo na maioria das vezes por mutação esporádica. Além da Síndrome de Williams essa anomalia aórtica pode ser encontrada em uma apresentação familiar autossômica-dominante, em que não existe as características sistêmicas da síndrome. B) Estenose Subaórtica Essa alteração pode ocorrer basicamente por dois mecanismos. Um deles a existência de uma membrana fibrosa na via de saída do ventrículo esquerdo, de origem congênita. A outra forma ocorre na cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva. A cardiomiopatica hipertrófica (CMH) é a mais comum das doenças cardiovasculares genéticas e é uma importante causa de morte súbida em jovens. Ela é caracterizada por um ventrículo esquerdo espessado, porém não dilatado, na ausência de outras doenças capazes de produzir hipertrofia. Na CMH há espessamento predominante do septo interventricular. Esse evento associado ao fenômeno de movimento sistólico da valva mitral leva a uma obstrução da via de saída do VE. A valva mitral ao mover-se de encontro ao septo durante a sístole, provoca um estreitamento antes da valva aórtica. Esse movimento da mitral ocorre devido ao fluxo de sangue em alta velocidade que traciona os folhetos mitrais em direção ao septo (Efeito Venturi). Além disso, o movimento da mitral também pode levar a um leve regurgitamento. C) Estenose Aórtica Valvar A EA valvar possui três causas principais: Valva bicúspede congênita; Calcificação/Degeneração da valva normal e Doença Reumática Além dessas causas, a estenose da valva aórtica pode surgir em situações mais raras, como por exemplo na artrite reumatóide, por espessamento nodular, e na alcaptonúria. Atualmente, com o manejo correto da Doença Reumática, a principal causa de estenose aórtica é a valva aórtica bicúspede. A maior parte dos indivíduos que possuem essa alteração vão desenvolver estenose aórtica significativa e sintomática, com calcificação, somente após os 50 anos de idade. A degeneração valvar por calcificação pode ocorrer tanto em valvas bicúspedes como em valvas normais (tricúspedes). E essa é a principal causa de estenose aórtica nos adultos (calcificação valvar).Os fatores de risco para a calcificação valvar são os mesmos para a aterosclerose (idade, dislipidemia, tabagismo, hipertensão). Vale ressaltar que indivíduos com doença de Paget (alto turn over ósseo) apresentam alta prevalência dessa lesão. A EA reumática ocorre pela adesão e fusão das estruturas do anel valvar, levando a retração e enrijecimento dos bordos livres das cúspides. Na maioria das vezes as valvas reumáticas é regurgitante e estenótica, pois apresenta dificuldade no fechamento e na abertura, devido ao enrijecimento. De agora em diante vamos abordar principalmente a estenose aórtica VALVAR, e depois apresentaremos as principais diferenças semiológicas entre as três formas de estenose aórtica. 2 – Fisiopatologia – Estenose Aórtica Valvar O processo de estenose aórtica ocorre gradativamente ao longo do tempo, o que permite o surgimento de mecanismos adaptativos pelo organismo. Inicialmente em resposta à obstrução (sobrecarga de pressão), o ventrículo esquerdo sofre hipertrofia do tipo concêntrica, ou seja, há proliferação dos sarcômeros miocárdicos em paralelo, levando a um espessamento da parede muscular. Esse mecanismo é essencial para permitir que o indivíduo, ao longo do tempo, mantenha seu débito cardíaco, apesar da obstrução progressiva. Uma obstrução definida como crítica é aquela caracterizada por: Velocidade de fluxo aórtico maior que 4m/seg Gradiente médio de pressão sistólica maior que 40mmHg Área do orifício aórtico menor que 1cm2 Porém, cada indivíduo responde de uma forma à obstrução, podendo apresentar sintomas nas fases de obstrução crítica e grave ou até mesmo antes delas. A EA grave, devido a hipertrofia concêntrica, leva a uma complacência reduzida do ventrículo, o que culmina na pressão diastólica final ventricular elevada. Isso faz com que o átrio esquerdo encontre resistência ao fluxo e acabe hipertrofiando-se também. O átrio passa a contrair mais vigorosamente, vencendo a pressão diastólica final do ventrículo, e portanto permitindo o fluxo de sangue para este. O átrio esquerdo passa a ser, então, uma “bomba auxiliar”, que impede o aumento da pressão dos capilares pulmonares a montante (hipertensão pulmonar) e garante o enchimento ventricular. Isso é importante pois esses indivíduos descompensam em quadros de fibrilação atrial – que ocorrem em até 20% dos casos – e podem fazer edema agudo pulmonar cardiogênico. A hipertrofia concêntrica sofrida pelo VE, apesar de benéfica em certo ponto, também pode levar a consequências ruims. Ela leva a uma rigidez do ventrículo, tornando-o pouco complacente. Essa rigidez pode ser responsável pelo desenvolvimento de edema agudo pulmonar em situações em que o átrio não consiga vencer a resistência ventricular e o fluxo se acumule subitamente nos capilares pulmonares. O indivíduo com EA grave está propenso a desenvolver insuficiência cardíaca diastólica com fração de ejeção normal, devido a essa complacência reduzida. Porém, em fases mais avançadas pode-se desenvolver e mecanismo de hipertrofia excêntrica (dilatação) além de isquemia miocárdica, levando a insuficiência cardíaca sistólica, com fração de ejeção reduzida. A isquemia miocárdica pode se desenvolver nos pacientes com EA grave pelos seguintes motivos: Ventrículo hipertrofiado => aumenta consumo de O2 Aumento do tempo de ejeção ventricular => aumenta consumo de O2 Baixa pressão aórtica => diminui aporte de O2 coronariano Compressão das coronárias pela hipertrofia => diminui aporte de O2 3 – Sintomas – Estenose Aórtica Valvar As manifestações clínicas cardinais da EA são: Angina pectoris Síncope Dispnéia aos esforços Insuficiência cardíaca – fase final. Atualmente, muitos pacientes são diagnosticados apenas pela investigação ecocardiográfica de um sopro sistólico. Os sintomas surgem apenas após os 50 anos (nos casos de valva aórtica bicúspede) ou após os 70 anos (calcificação da valva normal). O sintoma mais comum e mais precoce nos pacientes com EA é a dispnéia aos esforços e intolerância aos exercícios. Esse sintoma é explicado pela disfunção diastólica de VE, que leva à congestão pulmonar após um aumento grande na pressão diastólica final do ventrículo (exercício físico por exemplo). A dispnéia paroxística noturna, o edema agudo pulmonar e a dispnéia são manifestações muito tardias no paciente com EA. A correção do defeito é realizada antes do surgimento desses sintomas. Angina ocorre em dois terços do paciente com EA crítica. É semelhante à angina da doença arterial coronariana e resulta tanto do aumento da necessidade de O2 pelo miocário como diminuição do aporte. A hipertrofia ventricular, o baixo fluxo aórtico e o aumento da pressão diastólica do VE levam a esses mecanismos. A síncope ocorre pela redução da perfusão cerebral. Esses indivíduos apresentam um débito cardíaco fixo devido a obstrução. Quando há situações que demandam maior aporte periférico de O2, o coração não é capaz de aumentar o volume de sangue ejetado, o que reduz a perfusão cerebral e leva a sintomas vertiginosos ou síncope. Além disso tal sintoma pode decorrer de arritmias como fibrilação atrial ou bloqueio atrioventricular total. Vale ressaltar que os pacientes com EA grave podem desenvolver sangramento gastrintestinal baixo. Esse sangramento está associado, geralmente, a angiodisplasia do colon direito. A explicação para esse fenômeno vem da agregação plaquetária induzida pela força de cisalhamento, levando redução do fator de von Willebrand e elevação de substâncias proteolíticas. A troca valvar corrige esse problema 4 – Exame Físico - Estenose Aórtica Valvar A) Pulso Arterial Espera-se que o paciente com EA grave apresente um pulso que aumenta lentamente e que tenha baixa amplitude – “pulso parvus e tardus”. A baixa amplitude desse pulso ocorre devido à própria obstrução aórtica, que não permite a passagem de grandes volumes de sangue. Já o aumento gradual, menos apiculado (tardus) desse pulso é explicado pelo aumento no tempo de ejeção ventricular, que demora mais para ejetar o sangue, devido à obstrução fixa. Quando encontrado o pulso tardus e parvus, pensa-se facilmente em estenose aórtica. Porém muitos indivíduos não apresentam esse pulso. Isso pode ocorrer por: Presença de insuficiência aórtica concomitante (eleva a PA sistólica) Hipertensão arterial (eleva a PA sistólica) Aterosclerose em idosos (eleva a PA sistólica e a pressão de pulso) Quando há dupla lesão aórtica pode-se encontrar o pulso bisferiens B) Pressão Arterial A pressão arterial nos indivíduos com EA grave, geralmente é CONVERGENTE, devido à diminuição da pressão sistólica. Porém pode ser divergente nos casos de Insuficiência aórtica concomitante e em aterosclerose avançada em idosos. C) Ausculta Cardíaca Sopro: O sopro da EA é tipicamente um sopro mesossistólico de ejeção. É do tipo crescendo-decrescendo (diamante) e irradia-se para as carótidas. O sopro interrompe-se antes da segunda bulha (B2), o que ajuda a diferenciáo do sopro holossistólico da insuficiência mitral (que engloba B2). O sopro é melhor audível no foco aórtico. Porém em indivíduos com a valva calcificada pode haver uma irradiaçao do sopro para o ápice (fenômeno de Gallavardin), levando a um som intenso que se confunde com o sopro da insuficiência mitral. Um sopro mais intenso e de pico tardio indica um quadro de estenose mais grave. O que representa um gradiente pressórico elevado. Além do sopro mesossistólico de ejeção, os indivíduos com estenose aórtica valvar podem apresentar um sopro diastólico em decrescendo secundário a insuficiência aórtica, que pode estar presente também (ex. Doença reumática). Ausculta Dinâmica: O sopro da EA aumenta com as manobras que aumentam o volume sistólico (agachamento) e diminui de intensidade em condições que cursam com redução do fluxo transvalvar (Valsalva e posição ereta). O agachamento aumenta o retorno venoso e, portanto, o volume sistólico. Valsava e posição ereta diminuem o fluxo sanguíneo nas câmaras cardíacas. Segunda bulha (B2) A B2 geralmente encontra-se hipofonética, devido ao pequeno volume de sangue que passa pela valva aórtica, e portanto, ao pequeno volume responsável por fechá-la ao fim da sístole ventricular. Além disso, nos casos mais graves, há pouca mobilidade valvar por calcificação, o que torna inaudível o componente A2. Desdobramento paradoxal de B2 pode estar presente devido ao grande atraso do componente A2 (tempo de ejeção ventricular esquerdo está aumentado) ou a um bloqueio de ramo esquerdo pela hipertrofia. Porém o desdobramento desaparece na EA grave, já que a imobilidade valvar torna o componente A2 inaudível. Portante, auscultar um desdobramento de B2 no indivíduo com EA fala contra uma lesão valvar grave. Bulhas acessórias (B3, B4) Uma quarta bulha cardíaca (B4) está frequentemente presente, devido a baixa complacência ventricular e ao grande esforço atrial esquerdo para vencê-la. B3 pode surgir em fase de descompensação e agravamento, com isquemia miocárdica ou hipertrofia excêntrica, por dilatação ventricular. Clique de ejeção Esse ruído de ejeção pode ser auscultado logo após a primeira bulha. Sua gênese está baseada na abertura valvar com pouca mobilidade, sendo ouvido na interrupção do movimento ascendente da valva aórtica. Assim como A2, o clique de ejeção é audível nas fases iniciais da estenose aórtica, tornando-se inaudível com a calcificação grave valar (imobilidade). 5 – Classificação da Estenose Aórtica Valvar Leve Moderada Grave Velocidade do fluxo (m/s) <3,0 3,0 – 4,0 >4,0 Gradiente médio (mmHg) <25 25 – 40 >40 Área valvar (cm2) >1,5 1,0 – 1,5 <1,0 6 – Estenose Valvar x Subvalvar x Supravalvar Algumas características no exame físico e na história dos indivíduos podem falar a favor de um ou outra etiologia de estenose valvar. As principais características de cada uma são: 1. Estenose Valvar: A2 diminuído Pode haver clique de ejeção Sopro aumenta com o agachamento e diminui com Valsalva Pode haver sopro de regurgitação aórtica concomitante 2. Estenose Subvalvar: A2 diminuído Ausência de clique Sopro diminui com o agachamento e aumenta com Valsalva Pode haver leve regurgitação mitral (movimento sistólico da valva mitral) OBS.: Na CMH, quando o volume do VE aumenta, a obstrução diminui, e o contrário é verdadeiro. Portanto, manobras que aumentam o volume de VE, diminuem a intensidade do sopro, como é o caso do agachamento, que aumenta o retorno venoso. Já a manobra de Valsalva, reduz o retorno venoso ao coração, o que diminui a cavidade, aumentado a obstrução e o sopro. 3. Estenose Supravalvar A2 aumentado (elevada pressão entre a valva e a constricção) Ausência de clique Sopro aumenta com agachamento e diminui com Valsalva Sinais e sintomas sistêmicos (Síndrome de Williams) o Facies de duende o Microdontia o Náuseas o Vômitos o Atraso no desenvolvimento