Aula 1 Enzimas são Proteínas Globulares Já existem 4.725 enzimas conhecidas, distribuídas em grupos de acordo com suas características catalíticas, como veremos na aula 2. Apesar de bem conhecidas atualmente, muito ainda se estuda a respeito das enzimas, a fim de desvendar aspectos pouco conhecidos ou, até mesmo desconhecidos, de seu funcionamento. Atualmente, muitas doenças são tratadas com drogas que atuam diretamente em enzimas e isso só é possível se conhecermos a estrutura das mesmas. Esse é o caso dos inibidores de proteases que vêm sendo utilizados no tratamento de HIV desde o início da década de 1980. As enzimas são proteínas globulares e, portanto, apresentam características estruturais e funcionais desse grupo. Para melhor compreender tais características, vamos relembrar como as proteínas globulares são enoveladas. Existe uma relação direta entre estrutura e função das macromoléculas. Isso quer dizer que podemos entender a função dessas macromoléculas sabendo sua estrutura (e vice-versa). Considerando a importância das terapias moleculares, atualmente, podemos compreender o porquê de estudarmos a estrutura de macromoléculas. As enzimas são alvos interessantes para esses tratamentos e é conhecendo sua estrutura que podemos determinar esses alvos. As proteínas estão presentes essencialmente em todos os processos celulares, com grande importância na manutenção da vida. Os primeiros estudos com proteínas datam do início do século XIX em pesquisas da propriedade de coagulação em substâncias presentes no leite e na clara de ovo, pelo químico holandês Mulder. As proteínas são polímeros de aminoácidos formados através de uma síntese por desidratação, a qual origina a ligação peptídica. As proteínas podem ser globulares, fibrosas e de membrana. As proteínas têm alto nível de organização estrutural e as globulares apresentam estruturas primária, secundária, terciária e, algumas vezes, quaternária. As enzimas são proteínas globulares, na sua maioria. Algumas enzimas são proteínas de membrana, como, por exemplo, as ATPases, que estão envolvidas no transporte ativo de íons, ou seja, aquele dependente da energia proveniente da hidrólise de ATP. Mesmo sendo proteínas de membrana, a porção catalítica encontra-se fora da bicamada e tem estrutura semelhante à de proteínas globulares. O termo proteína foi estabelecido por Jöns J. Berzelius em 1838 e deriva do grego “proteios”, que significa “primeiro“ “o mais importante”. Esse termo foi proposto porque essa substância era considerada a matéria fundamental dos seres vivos. . De 20 Aminoácidos, quantas proteínas existem? São conhecidos 20 aminoácidos que formam milhões de diferentes proteínas, as quais exercem funções distintas e altamente específicas. De certa forma, essa afirmativa parece inacreditável, e você deve estar pensando... Como isso é possível? Assim como o nosso alfabeto é formado por apenas 26 letras que dão origem a uma quantidade quase infinita de palavras devido às diferentes combinações dessas letras, as proteínas também são formadas a partir de diferentes sequências de aminoácidos, prédeterminadas pelo código genético, com apenas 20 aminoácidos. Cada aminoácido é constituído de um átomo de carbono assimétrico, pois tem quatro ligantes diferentes, chamado de carbono α (Cα). O Cα está ligado a um grupo amina, a um grupo carboxila, a um átomo de hidrogênio e a uma cadeia lateral. As cadeias laterais variam em tamanho, forma, carga, capacidade de formação de ligações não covalentes e reatividade química. Dentre os aminoácidos apolares encontramos os de cadeia alifática (cadeia composta de carbono e hidrogênio) que são a alanina, valina, leucina, isoleucina, além da metionina, que contém um enxofre na cadeia. Há também os aromáticos que são o triptofano, a tirosina e a fenilalanina. Os aminoácidos aromáticos são mais hidrofóbicos (mais apolares). Dentre os aminoácidos polares, encontramos compostos sem carga (serina, asparagina e glutamina) e com carga positiva (arginina, histidina e lisina) e com carga negativa (aspartato e glutamato). Nessa classificação, Glicina, Prolina e Cisteína não foram citados porque apresentam características peculiares: O Cα da Glicina (Gly) não é assimétrico pois a cadeia lateral é um átomo de hidrogênio. A Prolina (Pro) não tem um grupo amina e, sim, um grupo imina e, portanto, é um iminoácido. FONTE: http://iitb.vlab.co.in/?sub=41&brch=118&sim=412&cn t=1 Os aminoácidos podem ser divididos em dois grandes grupos: APOLARES e POLARES, de acordo com as características da cadeia lateral, representada por R na figura acima. Classificação Estrutural dos Aminoácidos Apolares Aromáticos Alanina (Ala) Valina (Val) Leucina (Leu) isoleucina (Ile) Metionina (Met) Fenilalanina (Phe) Tirosina (Tyr) Triptofano (Trp) Polares sem Carga Serina (Ser) Treonina (Thr) Asparagina (Asn) Glutamina (Gln) Positivos Negativos Lisina (Lys) Arginina (Arg) Histidina (His) Aspartato (Asp) Glutamato (Glu) A Cisteína (Cys) tem um grupo sulfidrila (SH) na cadeia lateral que é bastante reativo. Em muitas proteínas, esse grupo reage com outro, formando uma ponte de dissulfeto. A Glicina é super conservada entre os seres vivos o que confere uma importância evolutiva, além disso é pequena e permite flexibilidade conformacional. A Prolina não permite a estabilização de estruturas secundárias mas é muito importante para a hélice do colágeno. A Tirosina tem esse nome por ter sido descoberta no queijo (tyros = queijo). É comum encontrarmos nos livros didáticos uma classificação dos aminoácidos diferente desta descrita acima, e que podemos considerar como sendo “nutricional”. As proteínas encontradas nos alimentos são degradadas e absorvidas ao longo do processo digestivo, e utilizadas pelo metabolismo na produção de energia, síntese de lipídios e de outras proteínas. Dessa forma, os aminoácidos são classificados em dois grupos levando-se em consideração o fato de serem ou não produzidos pelo organismo. Os que não são produzidos pelo nosso organismo são denominados essenciais, e devem ser obtidos através da alimentação. Os aminoácidos que são produzidos em nosso organismo não são essenciais. Para a espécie humana, a classificação nutricional é: Armazenamento: as proteínas de estoque ou armazenamento são as reservas biológicas de íons metálicos (Ferritina estoca ferro), aminoácidos (encontradas nas sementes, no leite e na clara de ovo). A mioglobina é uma proteína que armazena gás oxigênio nos músculos. Proteção Imunológica: são os Anticorpos, proteínas com função de reconhecimento de substâncias estranhas (antígenos) que serão destruídas pelos leucócitos, atuando na defesa do organismo. Aminoácidos Essencias Não-essenciais Leucina Isoleucina Valina Metionina Triptofano Fenilalanina Treonina Lisina Histidina Arginina Glicina Alanina Tirosina Serina Aspartato Glutamato Asparagina Glutamina Cisteína Prolina Controle Hormonal: São proteínas que ajudam a controlar algumas funções orgânicas como, por exemplo, a insulina (controle da glicose sanguínea) e a somatotropina (hormônio de crescimento que estimula a produção de células de músculo.2 Movimento Coordenado: Estão envolvidas na contração muscular e na propulsão dos espermatozóides. Transmissão de Impulsos Nervosos: Resposta de células nervosas a estímulos específicos (proteínas receptoras) PROTEÍNAS: três grupos distintos com funções variadas e específicas São macromoléculas que podem ser divididas em três grupos distintos: globulares fibrosas de membrana As proteínas são polímeros de aminoácidos que apresentam um variado espectro de funções biológicas1. As proteínas globulares são solúveis em água e estão relacionadas ás funções de: Transporte de íons e moléculas pequenas: algumas proteínas que transportam íons metálicos, lipídios, hormônios e vitaminas. A transferina é responsável pelo transporte de ferro no plasma sanguíneo e a hemoglobina transporta o Oxigênio dos pulmões para os tecidos, por exemplo. Os canais e bombas, presentes nas membranas biológicas, são também proteínas de transporte. 1 Berg, J. M.; Tymoczko, J. L.; Stryer, L. Bioquimíca. 5a edição. editora Guanabara Koogan. São Paulo. 2004 Por fim, citamos a função de catálise, que é a de grande importância deste curso. As enzimas são proteínas globulares que catalisam reações simples e complexas. Apresentam alto poder catalítico, pois aumentam a velocidade de reação em muitas vezes. Nesta aula, vamos entender a estrutura das proteínas globulares. As proteínas fibrosas são insolúveis em água e desempenham funções estruturais nos seres vivos. Estão presentes em penas, chifres, venenos de serpentes, cabelo e unhas, por exemplo. Também exercem a função de sustentação mecânica, pois são elas que proporcionam a alta força de tensão da pele e dos ossos. O colágeno, a queratina e a elastina são proteínas fibrosas. As proteínas de membrana pertencem a um grupo de proteínas que faz parte da composição das membranas de células e organelas e que atuam como receptores, canais e bombas. 2 http://biology.about.com/od/molecularbiology/a/aa 101904a.htm AS PROTEÍNAS SÃO FORMADAS POR LIGAÇÕES PEPTÍDICAS A cadeia peptídica é formada por uma série de aminoácidos unidos por ligações covalentes denominadas ligações peptídicas. A ligação peptídica ocorre entre a carboxila (COO-) do primeiro aminoácido e a amina (NH3+) do segundo aminoácido, com a saída de uma molécula de água: A SEQUÊNCIA DE UMA PROTEÍNA A tradução é o processo que origina cada proteína. Esse processo ocorre quando há a tradução da informação do código genético contido no DNA, que pode ser resumido da seguinte forma: Seqüência de DNA Seqüência de RNA Seqüência da proteína Fonte: http://www.webbooks.com/MoBio/Free/Ch2B.htm Quando ocorre a ligação peptídica, a molécula de água formada ao final do processo tem um átomo de oxigênio da carboxila e dois átomos de hidrogênio da amina. Dessa forma, não há mais um aminoácido, já que os seus grupos funcionais (amina e carboxila) deixam de existir, formando um grupo amida. Essas estruturas são agora denominadas de resíduos de aminoácidos. A palavra resíduo, em português, pode remeter a restos de processos, ao que não serve mais. Seriam os resíduos industriais, por exemplo. Porém, em química, é um radical. Podemos pensar que, na formação de uma ligação peptídica, seria “o que resta” daquilo que foi um aminoácido já que, ao final, temos o que resta da estrutura inicial dos mesmos. No início de uma cadeia polipeptídica, encontramos o grupo amina do primeiro aminoácido. Esse é o chamado aminoterminal ou, simplesmente, N-terminal. No final da cadeia polipeptídica, o grupo carboxila de um aminoácido está livre e é chamado de carboxi terminal ou C-terminal. N C A informação que está na sequência de nucleotídeos da molécula de DNA origina uma molécula de RNA mensageiro (RNAm) que leva a informação genética para o citoplasma, onde ocorrerá o processo de tradução originando uma nova proteína. Frederick Sanger determinou em 1953 a sequencia de aminoácidos da insulina. Esse feito é considerado um marco nos estudos bioquímicos porque mostrou pela primeira vez que uma proteína tem uma sequencia de aminoácidos definida com precisão OS DIFERENTES NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL DAS PROTEÍNAS As proteínas globulares apresentam diferentes níveis de organização, denominadas de estruturas primária, secundária, terciária e quaternária. Consideramos como a Estrutura Primária de uma proteína a sequência de seus aminoácidos, determinada pelo código genético. E é essa sequência que determina a função da proteína, já que uma alteração na ordem dos aminoácidos, que pode ser causada por uma mutação, por exemplo, pode gerar uma proteína defeituosa que possivelmente não desempenhará a sua função biológica. A determinação da sequência de aminoácidos, ou seja, da estrutura primária, é importante porque é geralmente essencial para elucidar o seu mecanismo de ação e revela muito sobre nossa história evolutiva. A Estrutura Secundária de uma proteína é um tipo de organização espacial da cadeia polipeptídica. Essa estrutura apresenta-se na forma de α-hélices, folhas β pregueadas, dobras (ou voltas) β e alças. As cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos estão voltados para o exterior da hélice. Estrutura em α-hélice com as cadeias laterais representadas em bastão. O conteúdo em α-hélices das proteínas varia muito, de quase nada a quase 100%. Além da α-hélice, existem outras duas hélices: a 310 e a π. Na α-hélice, o oxigênio do grupo carbonila (C=O) de uma ligação peptídica forma uma ligação de hidrogênio com um hidrogênio do NH de outra ligação peptídica. Cada resíduo de aminoácido interage com um outro que está a quatro posições à sua frente através dessas ligações de hidrogênio, que tornam a estrutura secundária de cada proteína muito estável. Interações do tipo van der Waals (dipolar) também auxiliam na estabilidade da estrutura. Estrutura da Dienolactona Hydrolase (1din.pdb) comparando uma hélice 310 (amarelo) com uma α-hélice (laranja) Comparadas com a α-hélice, a hélice 310 é mais estendida e a hélice-π é mais relaxada. A figura a seguir foi gerada com modelagem molecular de poli-alaninas (peptídios formados apenas por alaninas) mostrando os três tipos de hélice: Estrutura em α-hélice (Obs: não existem “lados de cima” e “de baixo” nessa estrutura; estamos usando essa descrição para facilitar a compreensão) Imagens geradas no laboratório de Justin Lorieau do National Institute of Health. http://www.lorieau.com/ Há dois tipos de fitas β: paralelas e antiparalelas. Na fitas de arranjo paralelo, tanto o N-terminal quanto o C-terminal estão no mesmo sentido. Já no arranjo antiparalelo, os resíduos terminais estão em sentidos opostos. C C C N N Paralela N C Outro tipo de estrutura secundária é a folha β pregueada ou apenas folhas β. É formada pela união de duas ou mais fitas β através de ligações de hidrogênio. Diferem-se da estrutura em α-hélice por serem mais distendidas, enquanto a outra é mais enrolada. N Antiaralela As dobras β, também chamadas de voltas β, são formadas por 4 aminoácidos que se arranjam em um semicírculo, onde o primeiro aminoácido faz ligação de hidrogênio com o quarto aminoácido. São estruturas que permitem, por exemplo, a ocorrência das folhas β antiparalelas: 2 Duas fitas β formam uma folha β Nas fitas β, as cadeias laterais apontam para fora do plano da cadeia principal, ou seja, a cadeia lateral do primeiro resíduo “para cima” e o seguinte, “para baixo” do plano da fita, e assim por diante: 3 4 C 1 N N C Além disso, outro arranjo secundário possível é a estrutura do tipo alça que não é estabilizada por ligações de hidrogênio e, portanto, é bastante flexível, como puderam ver na AP1. preferencialmente polares. cadeias laterais Consideramos que uma proteína apresenta Estrutura Quaternária quando há mais de uma sequência polipeptídica, cada uma com uma estrutura terciária independente, formando a proteína. Parte da cadeia polipeptídica pode estar completamente desestruturada, em um tipo de arranjo secundário conhecido como ao acaso. A Estrutura Terciária é formada enovelamento da cadeia polipeptídica caracterizada por apresentar mais de estrutura secundária. É mantida interações não covalentes: as Nesse caso, cada polipeptídio é enovelado, sendo denominado de subunidade. Na estrutura quaternária encontramos duas ou mais subunidade. As proteínas oligoméricas (formadas por mais de uma cadeia peptídica) podem apresentar subunidades idênticas como ocorre na hexocinase de levedura, ou subunidades distintas, como é o caso da hemoglobina (duas cadeias α e duas cadeias β). pelo e é uma por ligações de hidrogênio, interações apolares (hidrofóbicas), Assim são as proteínas globulares, com formas semelhantes a glóbulos enovelados, ricos em elementos de estrutura secundária. Podemos encontrar as α-hélices, as dobras e as folhas β, bem como alças e estruturas ao acaso em uma mesma proteína. iônicas (pontes salinas) van der Walls ou dipolares Essas interações ocorrem entre as cadeias laterais. Algumas proteínas (não todas!) apresentam pontes de dissulfeto (-S-S-), o que dá uma maior estabilidade à estrutura terciária. Proteínas globulares apresentam grande flexibilidade conformacional, como vimos na aula presencial, e isso é muito importante para a função das mesmas. Como a estrutura é mantida por ligações não covalentes, sofre efeitos de pH (que altera as pontes salinas) e de temperatura (que pode levar à perda completa da estrutura globular, mantendo a estrutura primária intacta). A estrutura terciária é característica de cada proteína e é estudada e determinada através de estudos de cristalografia de raios X e de ressonância magnética nuclear. Um sistema é termodinamicamente mais estável quando os grupos apolares estão agregados e distantes do meio aquoso. Sendo assim, a cadeia peptídica se enovela de tal forma que as cadeias laterais hidrofóbicas ficam no interior da estrutura enquanto que na superfície encontramos As enzimas são proteínas globulares e, portanto, têm as características estruturais apresentadas nesta aula. Vamos ver na aula seguinte quais são suas propriedades gerais. É proibida a reprodução de parte ou do todo desta publicação sem a permissão formal de seus autores. Laboratório de Biocalorimetria Instituto de Bioquímica Médica UFRJ Apoio: