Topologia de Zariski Seja X um conjunto. Uma topologia sobre X é uma famı́lia T de subconjuntos de X (chamados de conjuntos “abertos”) tal que S ∅∈T,X∈ T e se {Ui : i ∈ I} é uma famı́lia qualquer de elementos de T , i∈I Ui ∈ T e se U1 , . . . , Uk ∈ T então U1 ∩ . . . ∩ Uk ∈ T . Os complementares dos abertos são chamados de “fechados”. O par (X, T ) é chamado de “espaço topologico”. Seja k um corpo infinito. Se S ⊆ k[X1 , . . . , Xn ] já definimos o conjunto algébrico afim V (S) = {x ∈ k n : f (x) = 0 ∀f ∈ S}. Proposição. T := {k n − V (S) : S ⊆ k[X1 , . . . , Xn ]} é uma topologia sobre k n , dita “topologia de Zariski”. Demonstração. Temos ∅ = k n − V (0) ∈ T e k n = k n − V (1) ∈ T . Se {Ui : i ∈ I} é uma famı́lia qualquer de elementos de T escrevendo Ui = k n − V (Si ) temos [ \ [ (k n − V (Si )) = k n − V (Si ) = k n − V ( Si ) ∈ T . i∈I i∈I Se U1 , . . . , Uk são elementos de T escrevendo Ui = n n i∈I n k − V (Si ) temos n U1 ∩ . . . ∩ Uk = (k − V (S1 )) ∩ . . . ∩ (k − V (Sk )) = k − (V (S1 ) ∪ . . . ∪ V (Sk )) logo, lembrando que todo conjunto afim tem a forma V (I) para algum ideal I de A = k[X1 , . . . , Xn ], para mostrar que U1 ∩ . . . ∩ Uk ∈ T basta mostrar que se I, J são ideais de A então V (I) ∪ V (J) = V (I ∩ J). A inclusão ⊆ vem da propriedade contravariante de V e do fato que I ∩ J está contido em I e em J. Agora mostraremos a inclusão ⊇. Seja então x ∈ V (I ∩ J) tal que x 6∈ V (I) e mostramos que x ∈ V (J). Como x 6∈ V (I) existe P ∈ I com P (x) 6= 0. Se Q ∈ J então P Q ∈ I ∩ J logo (P Q)(x) = 0 (pois x ∈ V (I ∩ J)), assim P (x)Q(x) = 0, e como P (x) 6= 0 isso implica que Q(x) = 0. Isso mostra que x ∈ V (J). O argumento na prova acima mostra também que se I e J são ideais então V (I) ∪ V (J) = V (IJ), onde IJ é o ideal gerado pelos produtos ab onde a ∈ I e b ∈ J. A partir de agora vou então usar a palavra “fechado” para indicar um conjunto algébrico afim. • Os subconjuntos finitos de k n são fechados. De fato, os pontos são fechados e união finita de fechados é um fechado. • Se k fosse finito a topologia de Zariski seria a topologia discreta (todos os subconjuntos são abertos). De fato os pontos são fechados logo todos os subconjuntos de k n são fechados (eles são uniões finitas de conjuntos fechados). É por isso que trabalhamos só com corpos infinitos. 1 2 • Se n = 1 então os fechados são exatamente k e os subconjuntos finitos de k (pois um polinômio tem sempre um número finito de raizes). Em particular dois abertos não vazios têm sempre interseção não vazia (de fato, uma união de dois conjuntos finitos é um conjunto finito). Em particular a topologia neste caso não é Hausdorff. • Sejam A = (−1, 1) e B = (1, 1) em k 2 . Então {A} = V (X +1, Y −1) e {B} = V (X − 1, Y − 1), assim {A, B} = V ((X + 1, Y − 1)(X − 1, Y − 1)) = V ((X + 1)(X − 1), (X + 1)(Y − 1), (Y − 1)(X − 1), (Y − 1)2 ). • Os fechados da topologia de Zariski são muito “pequenos”. De fato, se trata de conjuntos “polinomiais”, por exemplo no caso de n = 2 os fechados são uniões finitas de ‘curvas’. • Observe que se f1 , . . . , fr ∈ k[X1 , . . . , Xn ], V (f1 , . . . , fr ) = V (f1 ) ∩ . . . ∩ V (fr ). Aberto padrão: é um aberto da forma D(f ) = k n − V (f ) onde f ∈ k[X1 , . . . , Xn ]. Em outras palavras D(f ) = {x ∈ k n : f (x) 6= 0}. Uma base de um espaço topologico X é uma famı́lia B de abertos de X tal que todo aberto de X é união de alguns dos abertos em B. No caso da topologia de Zariski, os abertos padrões D(f ) formam uma base da topologia de Zariski. De fato, se U é um aberto então k n − U = V (I) onde I é ideal de k[X1 , . . . , Xn ] e escolhendo geradores f1 , . . . , fr de I (cf. o teorema de Hilbert) obtemos U = k n − V (f1 , . . . , fr ) = k n − (V (f1 ) ∩ . . . ∩ V (fr )) = (k n − V (f1 )) ∪ . . . ∪ (k n − V (fr )) = D(f1 ) ∪ . . . ∪ D(fr ). Definição. Dado X ⊆ k n definimos I(X) := {f ∈ k[X1 , . . . , Xn ] : f (x) = 0 ∀x ∈ X}. Se trata de um ideal de k[X1 , . . . , Xn ], chamado “ideal de X”. A motivação é a seguinte. Seja V ⊆ k n um conjunto afim e considere o anel F das funções V → k. Se trata de um anel com as operações definidas por componentes. Considere o homomorfismo de aneis r : k[X1 , . . . , Xn ] → F que leva f para a função V → k que leva x para f (x) (a função polinomial associada a f ). A imagem de r é indicada com Γ(V ) e chamada “algebra afim de V ”. Se trata de um objeto que queremos estudar. Pelo teorema de isomorfismo Γ(V ) ∼ = k[X1 , . . . , Xn ]/ ker(r) e é claro que ker(r) é exatamente I(V ). Γ(V ) ∼ = k[X1 , . . . , Xn ]/I(V ). Logo entender Γ(V ) é equivalente a entender I(V ). • Se X ⊆ Y então I(X) ⊇ I(Y ) (I é contravariante). • Se V = V (I) então I ⊆ I(V ) (claro). 3 • • • • I(∅) = k[X1 , . . . , Xn ]. I(V (X 3 )) = (X), I(V (X 3 Y 5 )) = (XY ). Se k = R e n = 1 então I(V (X 2 + 1)) = I(∅) = k[X]. Se k é infinito então I(k n ) = (0). Se n = 1 isso é claro pois um polinômio não nulo de k[X] tem sempre só um número finito de raizes. Suponha n > 1. Se 0 6= f ∈ k[X1 , . . . , Xn ] não é constante escreva f = ar (X1 , . . . , Xn−1 )Xnr + . . . com os termos “. . .” de grau menor de r com respeito a Xn e ar 6= 0. Por indução existe (x1 , . . . , xn−1 ) ∈ k n−1 tal que ar (x1 , . . . , xn−1 ) 6= 0, assim o polinõmio f (x1 , . . . , xn−1 , Xn ) ∈ k[Xn ] é não nulo, em particular ele tem no máximo r raizes. Como k é infinito existe então uma “não-raiz”, isto é, um xn ∈ k tal que f (x1 , . . . , xn ) 6= 0. Isso conclui a demonstração. • O ideal da parabola: I(V (Y − X 2 )) = (Y − X 2 ) em k 2 . De fato a inclusão (Y − X 2 ) ⊆ I(V (Y − X 2 )) é clara, agora seja P ∈ I(V (Y − X 2 )). Isso significa que P (t, t2 ) = 0 para todo t ∈ k. Efetuando a divisão com resto de P por Y − X 2 com respeito a Y obtemos P (X, Y ) = (Y − X 2 )Q(X, Y ) + a(X), e substituindo X = t e Y = t2 obtemos a(t) = 0 para todo t ∈ k. Como k é infinito, isso implica que o polinômio a(X) é nulo, assim P = (Y − X 2 )Q ∈ (Y − X 2 ). Proposição (Zariski closure - Fecho de Zariski). Se X ⊆ k n então V (I(X)) = X, o fecho topologico de X. Em particular se X é fechado então X = V (I(X)). Demonstração. Lembre-se que o fecho topologico de X é a interseção dos fechados de k n que contêm X. Assim é claro que V (I(X)) contem X, pois é fechado e contem X. Para mostrar a inclusão X ⊇ V (I(X)) basta mostrar que todo fechado que contem X contem V (I(X)). Seja então Y um fechado que contem X, assim I(Y ) ⊆ I(X) logo V (I((Y )) ⊇ V (I(X)). Assim para concluir a demonstração basta mostrar que V (I(Y )) ⊆ Y . Como Y é fechado ele tem a forma Y = V (I) para algum ideal I de k[X1 , . . . , Xn ], e como I ⊆ I(Y ), obtemos Y = V (I) ⊇ V (I(Y )). Por exemplo em R2 temos V (I([0, 1] × {0})) = V (Y ). Sejam A a famı́lia dos conjuntos algébricos afins e B a famı́lia dos ideais de k[X1 , . . . , Xn ]. Observe que temos duas funções I : A → B e V : B → A tais que V ◦ I é a identidade A → A, em particular I é injetiva. Por outro lado V não é injetiva (como já observado V (X) = V (X 2 )). Logo I e V não são uma a inversa da outra. Nas próximas aulas estudaremos esse problema. 4 Exercı́cios. (1) Calcule (em k 2 ) • I(V (X − Y )), • I(V (Y 2 − X 3 )), • I(V (X 2 (Y + 1), Y 3 (X + 1))). (2) Seja V = {(t, t2 , t3 ) : t ∈ k} ⊆ k 3 . Mostre que V é um conjunto afim e calcule I(V ). Mostre que Γ(V ) ∼ = k[T ]. (3) Calcule I(V (Y − X 2 ) ∩ V (Y )) e interprete o resultado geometricamente. (4) Dê um exemplo de uma famı́lia infinita de conjuntos afins cuja união não é um conjunto afim. (5) Façã um desenho de V (f ) ⊂ R2 onde f é cada um dos seguintes. • XY − 1 (hipérbole), • Y 2 − X 3 + X (exemplo de curva elı́ptica), • Y 2 − X 3 (curva com ponto singular), • (X 2 + Y 2 )2 + 3X 2 Y − Y 3 (trifoil), • (X 2 + Y 2 )3 − 4X 2 Y 2 (quadrifoil), • 4(X 2 + Y 2 )2 − 4X(X 2 − 3Y 2 ) − 27(X 2 + Y 2 ) + 27, • (X 2 − Y )2 + Y 3 (Y − 1). Pode usar programas. Em cada caso calcule o ideal da interseção de V (f ) com uma reta que passa por um ponto singular da curva (se tiver). (6) Calcule o fecho de Zariski de X = {(t, sin(t)) : 0 ≤ t ≤ 1} em R2 .