Nullstellensatz: o teorema dos zeros de Hilbert. Versão fraca. Lema. Seja k um corpo. Se A é uma k-álgebra finitamente gerada então A/I é uma k-álgebra finitamente gerada para todo ideal próprio I de A. Além disso, toda k-álgebra finitamente gerada B é isomorfa a um quociênte k[X1 , . . . , Xn ]/I (para algum n que depende de B). Demonstração. Se A é finitamente gerada então A/I é finitamente gerada pois geradores de A são levados para geradores de A/I via A → A/I. Se B é uma k-álgebra finitamente gerada e {b1 , . . . , bn } é um conjunto gerador de B o homomorfismo de k-álgebras k[X1 , . . . , Xn ] → B obtido levando Xi para bi para todo i é sobrejetivo e agora basta aplicar o teorema de isomorfismo. Lema. Seja k um corpo e seja E uma k-álgebra finitamente gerada. Se E é um corpo então a dimensão dimk (E) é finita. Demonstração. Atiyah-Macdonald Proposition 7.9. Teorema (Nullstellensatz - Versão fraca). Seja k um corpo algebricamente fechado. Se I é um ideal próprio de k[X1 , . . . , Xn ] então V (I) 6= ∅. Demonstração. Seja I um ideal próprio de A = k[X1 , . . . , Xn ] e seja J um ideal maximal de A contendo I. Então J é um ideal próprio de A e se V (J) 6= ∅ então V (I) 6= ∅ também (de fato V (I) ⊇ V (J)). Isso mostra que podemos supor I = J, ou seja, podemos supor que I seja um ideal maximal de A. Temos homomorfismos canonicos k → A → A/I e A/I é uma k-álgebra finitamente gerada. Por outro lado A/I é também um corpo pois I é um ideal maximal, assim o lema implica que o grau [A/I : k] é finito. Como k é algebricamente fechado isso mostra que a composição k → A/I é um isomorfismo. O núcleo da composição ϕ : A → A/I ∼ = k é exatamente I. Seja ai := ϕ(Xi ) ∈ k para i = 1, . . . , n e seja a = (a1 , . . . , an ). Vamos mostrar que a ∈ V (I). Se f ∈ I então ϕ(f ) = 0 logo 0 = ϕ(f (X1 , . . . , Xn )) = f (ϕ(X1 ), . . . , ϕ(Xn )) = f (a). Observe que a hipótese que k seja algebricamente fechado é necessaria pois por exemplo V (X 2 + 1) = ∅ se k = R. Uma consequência é a seguinte. Se k é algebricamente fechado e V ⊆ k n é um conjunto afim então existe uma bijeção ψ entre V e a famı́lia dos ideais maximais de Γ(V ) ∼ = k[X1 , . . . , Xn ]/I(V ), a que leva a ∈ V para I({a})/I(V ) = (X1 − a1 , . . . , Xn − an )/I(V ) (isso faz sentido pois a ∈ V implica I(V ) ⊆ I({a}) por contravariança). Em particular considerando V = k n obtemos uma bijeção entre k n e os ideais maximais de k[X1 , . . . , Xn ]: todo ideal maximal de k[X1 , . . . , Xn ] tem a forma (X1 − a1 , . . . , Xn − an ). 1 2 A função ψ é injetiva pois se ψ(a) = ψ(b) então I({a}) = I({b}) logo {a} = V (I({a})) = V (I({b})) = {b}. Mostraremos agora que ψ é sobrejetiva. Seja m/I(V ) um ideal maximal de Γ(V ) ∼ = A/I(V ). Em particular m é um ideal maximal de A, logo m 6= A assim V (m) 6= ∅ pelo Nullstellensatz versão fraca. Seja a = (a1 , . . . , an ) ∈ V (m). Assim m ⊆ I(V (m)) ⊆ I({(a1 , . . . , an )}) = (X1 − a1 , . . . , Xn − an ). Como m é maximal obtemos m = (X1 − a1 , . . . , Xn − an ). Versão forte. √ Dado um ideal I de um anel (comutativo, unitário) A, seja I (o “radical de A”) o conjunto dos elementos a ∈ A tais que am ∈ I para algum inteiro m ≥ 1. Se trata √ de um ideal de A contendo I. O ideal I é √chamado de radical se pI√= I.√ É claro que se I é um ideal qualquer então I é radical, I = I. Por exemplo é obvio que todos os ideais primos são ou seja radicais. √ Lema. I é igual à interseção dos ideais primos de A que contêm I. Demonstração. Atiyah-Macdonald, Proposition 1.8 aplicada ao quociênte A/I. Lema. Sejam k um corpo, A uma k-álgebra finitamente gerada, f ∈ A e seja Af = S −1 A (localizado) onde S é o conjunto das potências f m com m ≥ 0 inteiro. Então Af ∼ = A[T ]/(T f − 1) é também uma k-álgebra finitamente gerada. Demonstração. Para mostrar o isomorfismo no enunciado basta aplicar a propriedade universal de Af . Agora é claro que Af é finitamente gerado pois é um quociênte de A[T ] que é finitamente gerado. Teorema (Nullstellensatz - versão forte). Seja k um corpo algebrica√ mente fechado e seja I um ideal de A = k[X1 , . . . , Xn ]. Então I(V (I)) = I. Observe que a versão forte√implica a versão √ fraca pois se I EA e V (I) = ∅ então A = I(∅) = I(V (I)) = I logo 1 ∈ I, assim 1 ∈ I ou seja I = A. √ √ Demonstração. A inclusão I ⊆ I(V (I)) é clara pois se g ∈ I então g m ∈ I para algum inteiro m ≥ 1 logo se x ∈ V (I) então g m (x) = 0 assim m = 0 o que implica g(x) = 0. Vamos mostrar a inclusão I(V (I)) ⊆ (g(x)) √ √ I. Basta mostrar√que se f ∈ A é tal que f 6∈ I então f 6∈ I(V (I)). Suponha então f 6∈ I. Pelo lema existe um ideal primo p de A que contem I e tal que f 6∈ p. Sejam B = A/p, f a imagem de f em B e C = Bf = B[1/f ]. Como 0 6= f ∈ B e B é um domı́nio de integridade, C = Bf 6= {0} (pois f não é nilpotente). Seja m um ideal maximal de C. Observe que pelo lema C é uma k-álgebra finitamente gerada, logo C/m também é uma kálgebra finitamente gerada. Como C/m é também um corpo, a composição 3 dos morfismos canonicos k → A → B → C → C/m é um isomorfismo (pelo lema, pois k é algebricamente fechado). Seja γ : A → C/m a composição acima e seja ai := γ(Xi ) para i = 1, . . . , n. Seja a := (a1 , . . . , an ) ∈ k n . Temos f (a) = f (γ(X1 ), . . . , γ(Xn )) = γ(f (X1 , . . . , Xn )) = γ(f ) 6= 0 pois f /1 6∈ m (de fato, f /1 é invertı́vel em C). Por outro lado se g ∈ I então g ∈ p (porque I ⊆ p) logo g = 0 em B, assim g(a) = γ(g) = 0 e isso mostra que a ∈ V (I). Deduzimos que f 6∈ I(V (I)). Uma consequência imediata é que se agora A é a famı́lia dos conjuntos algébricos afins de k n e B é a famı́lia dos ideais radicais de k[X1 , . . . , Xn ] então as funções I : A → B e V : B → A são uma a inversa √ da outra (agora sim!). De fato se I é um ideal radical então I(V (I)) = I = I. Nessa correspondência os conjuntos afins irredutı́veis correspondem aos ideais primos e os pontos correspondem aos ideais maximais. Uma outra consequẽncia é a seguinte. Proposição. Seja k um corpo algebricamente fechado. Se F e G são fechados disjuntos de k n então Γ(F ∪ G) ∼ = Γ(F ) × Γ(G). Demonstração. De fato escreva F = V (I), G = V (J) com I = I(F ) e J = I(G). Em√particular√I e J√ são ideais radicais, logo I ∩ J é radical = I ∩ J, e aplicando o Nullstellensatz também, de fato I ∩ J = I ∩ J √ versão forte obtemos I(V (I ∩ J)) = I ∩ J = I ∩ J. Assim ∅ = F ∩ G = V (I + J) logo I + J = A = k[X1 , . . . , Xn ] pelo Nullstellensatz versão fraca, assim I e J são ideais coprimos. Pelo teorema chinês temos então Γ(F ∪ G) = Γ(V (I ∩ J)) ∼ = A/I ∩ J ∼ = A/I × A/J ∼ = Γ(F ) × Γ(G). Isso conclui a demonstração. Por exemplo considere os fechados F = V (X) e G = V (X −1) em k 2 . Se f ∈ Γ(F ) e g ∈ Γ(G), a função polinomial h(x) = xg − (x − 1)f ∈ Γ(F ∪ G) tem a propriedade que h|F = f e h|G = g. Exercı́cios. (1) Seja k um corpo algebricamente fechado e seja f ∈ k[X1 , . . . , Xn ]. Calcule I(V (f )). (2) Dados dois pontos distintos a e b em k 2 construa uma função polinomial k 2 → k que vale 0 em a e 1 em b. (3) Mostre que Af ∼ = A[T ]/(T f − 1) (cf. o lema acima). (4) Seja A um anel √ Noetheriano e I um ideal de A. Mostre que existe m ≥ 1 tal que ( I)m = I.