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Ano 1 | Número 19 | Terça, 14 de julho de 2015
Exame
Afinal, quem ganha com a política de
exportação do BNDES?
O governo do Brasil e o de Cuba fizeram em 2009 um acordo para reformar o porto
de Mariel, a 60 quilômetros de Havana
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O governo do Brasil e o de Cuba fizeram em 2009 um acordo para reformar o porto de Mariel, a 60
quilômetros de Havana. O projeto incluía a construção de 11 quilômetros de estradas e ferrovias e de um
terminal com capacidade para despachar 1 milhão de contêineres por ano. Executada pela construtora
Norberto Odebrecht, a obra foi inaugurada em janeiro de 2014.
O negócio foi bom para a empreiteira e para os cubanos, que agora dispõem de um porto moderno. Para o
contribuinte brasileiro, sobrou parte da conta. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
financiou 682 milhões de dólares para as obras — mais de dois terços do total investido.
Um cálculo feito por pesquisadores da escola de negócios Insper, de São Paulo, mostra que essa operação vai
custar ao país quase 1,2 bilhão de dólares nos próximos 25 anos, prazo que os cubanos têm para pagar o
empréstimo. O prejuízo ocorre porque os juros pagos pelo governo brasileiro na captação de dinheiro são
mais altos do que as taxas que o BNDES cobra nos financiamentos.
A origem dos recursos emprestados pelo BNDES é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), constituído
com os recursos arrecadados das empresas em favor de seus empregados. O fundo é deficitário, e seus
rombos são cobertos pelo Tesouro Nacional, aumentando a dívida pública. Faz sentido entrar num negócio
assim?
Antes de mais nada, um esclarecimento: não há novidade nenhuma nesse tipo de empréstimo. Uma corrente
entre os formuladores de políticas públicas defende que se financiem as exportações de bens e serviços com
recursos públicos — e a juros mais baixos do que os cobrados no mercado — para ajudar as empresas a se
desenvolver e gerar empregos.
Mesmo países mais liberais, onde o Estado interfere menos na economia, gastam bilhões de dólares por ano
com isso. Um estudo feito pelo Exim Bank americano — banco de fomento ao comércio exterior do governo
dos Estados Unidos — mostra que nesse quesito ninguém supera os chineses.
A China bancou no ano passado 58 bilhões de dólares em empréstimos para as exportações. Os Estados
Unidos destinaram 12 bilhões de dólares para financiar as vendas de empresas americanas a outros países. Os
financiamentos do BNDES chegaram a 2 bilhões de dólares em 2014. Numa lista de 19 países, só Canadá,
Espanha, Rússia e Áustria gastaram menos do que o Brasil.
O assunto é controverso. Nos Estados Unidos, os parlamentares travam há meses uma disputa em torno do
Exim Bank americano. Uma autorização precisava ser aprovada pelo Congresso até 30 de junho para que a
instituição recebesse recursos do orçamento federal e não tivesse de paralisar as atividades por falta de
fundos.
O Partido Republicano defende que bancos privados financiem as exportações. Para o rival Democrata, do
presidente Barack Obama, o fim do banco público prejudicaria pequenas e médias empresas, beneficiárias de
90% dos empréstimos. Até o fechamento desta edição, em 25 de junho, não havia saído uma decisão.
Há alguns aspectos que tornam a discussão mais complicada no Brasil. Aqui, 80% dos 14,5 bilhões de dólares
em créditos para exportação concedidos pelo BNDES de 2009 até o primeiro trimestre de 2015 foram para
apenas duas empresas: a fabricante de aviões Embraer e a construtora Norberto Odebrecht. Além disso, não
estão claros os benefícios resultantes dos incentivos.
É possível ter uma estimativa de seus custos. Um estudo do Insper avaliou 539 contratos de financiamento a
exportações de bens e serviços firmados de 2007 a 2015. Os pesquisadores concluíram que cobrir a diferença
entre os juros pagos na captação e os cobrados pelos créditos nesse conjunto de operações custou ao Tesouro
352 milhões de dólares nesse período.
Não é a única conta a pagar. O Insper calculou quanto esses recursos renderiam ao FAT se fossem aplicados
em títulos remunerados à taxa Selic. Nesse caso, o investimento renderia quase 1 bilhão de dólares a mais por
ano do que o fundo ganha com o dinheiro aplicado pelo BNDES.
“Os altos juros no Brasil tornam a operação bem menos vantajosa aqui do que seria em outros países”, diz o
economista Sérgio Lazzarini, um dos autores do estudo. O BNDES contesta os dados e afirma que os
financiamentos a exportações de bens e serviços de engenharia geraram um retorno de 2,4 bilhões de reais
para o FAT no intervalo de 2007 a 2014, acima do que seria obtido se os recursos tivessem sido direcionados
para títulos públicos.
“É preciso considerar que os financiamentos às exportações geram renda, empregos e melhoram o resultado
da balança comercial”, diz Luciene Machado, superintendente de exportação do BNDES.
É verdade que esses empréstimos são fundamentais para certas empresas. Um caso notório é o da Embraer,
uma das cinco maiores do mundo num setor em que precisa competir com gigantes como a americana Boeing
e a canadense Bombardier. De 2009 a 2014, a Embraer recebeu 6 bilhões de dólares em financiamentos do
­BNDES.
Os benefícios obtidos são distribuídos à economia do país ou se concentram nas companhias incentivadas?
Um estudo da consultoria LCA mostra que, desde 2009, as quatro maiores construtoras brasileiras —
Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez — levaram 7 bilhões de dólares em créditos para
exportação. As vendas externas representam 45% das receitas dessas empresas.
De acordo com a LCA, cada 100 milhões de dólares exportados ajudariam a manter 19 200 empregos. Para
alguns especialistas, isso ainda não basta para justificar os custos das operações. “Por essa lógica, todos os
negócios que geram empregos merecem subsídios”, diz o economista Vinícius Carrasco, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
É fato que aumentar as exportações é algo salutar, ainda mais num momento em que a economia brasileira
está caindo numa recessão. Nossa fatia no comércio global é de apenas 1,2% — o Brasil é o 25o exportador
do planeta. Mas pode haver maneiras mais eficientes de ampliar a participação.
No fim de junho, o governo anunciou um pacote para estimular as vendas externas. O plano prevê subsídios,
medidas para promover os produtos brasileiros no exterior e poda na burocracia, um dos principais obstáculos
aos negócios.
Uma das metas é cortar de 13 para oito dias, até 2017, os prazos dos trâmites necessários para exportar.
“Melhorar a competitividade do país pode ser a saída para que as empresas dependam menos de subsídios”,
afirma Maurício Canedo, pesquisador da Fundação Getulio Vargas. E, além disso, sairia bem mais barato.
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