ARTIGO O vencedor do Prêmio Nobel estava certo A revista Rumos acaba de completar 40 anos, período no qual participou ativamente de discussões acerca dos mais relevantes temas sobre conjuntura, economia, sociedade, processos de financiamento e desenvolvimento. Durante as últimas quatro décadas, recebeu contribuições de grandes especialistas em distintos campos do saber, registrando importantes momentos da história do país. Naturalmente, seria impossível relembrar todos os temas tratados pela revista durante esse prolífico período. Ainda assim, diante deste rico acervo de ideias e de sua importância para a compreensão do período atual, procuramos resgatar, ao longo desse ano comemorativo, aqueles temas que possuem maior aderência aos desafios da atualidade. As últimas cinco edições desta coluna pretenderam, com isso, recuperar a história do debate sobre conjuntura e desenvolvimento econômico, registrada por Rumos, como inspiração para traçar novas perspectivas e caminhos para o futuro. O Brasil vive uma das mais graves crises de sua história econômica e, sem dúvida, a porta de saída é o desenvolvimento. Em nossas incursões pelo acervo de Rumos, discutimos tipos diversos de crise e distintas visões sobre estratégias para superá-las. Entre as muitas lições aprendidas, procuramos sempre destacar o papel central ocupado pelo Sistema Nacional de Fomento (SNF), não apenas como instrumento crucial para a superação dos desafios conjunturais da economia brasileira, mas sobretudo enquanto peça-chave para nosso processo de desenvolvimento. Em en36 trevista à Rumos, na edição Extra, Entre as muitas de outubro de 2001, o Prêmio Nolições aprendidas, bel em Economia, Joseph Stiglitz, procuramos sempre já afirma: “Instituições financeiras fortes não são somente importan- destacar o papel tes para uma eficiente alocação de central ocupado pelo recursos, mas sem esses organis- Sistema Nacional mos, os países ficam impossibili- de Fomento como tados de crescer. Se analisarmos instrumento crucial os países ao redor do mundo, vepara a superação remos enormes diferenças de níveis de desenvolvimento. Em todo dos desafios o Sudeste Asiático, por exemplo, conjunturais da houve crescimento fantástico nos economia brasileira. últimos 30 anos. O ponto chave desse sucesso está no fato de a região haver encontrado meios de autofinanciamento para criar novos negócios e expandir os já existentes. Sem boas e fortes instituições financeiras, esses países não teriam crescido tanto” (p. 4). Stiglitz segue defendendo a atuação do setor público nos mercados financeiros, como forma de mitigar as falhas em seu funcionamento, decorrentes principalmente de problemas relativos à informação. Em nova entrevista, na edição de maio/junho de 2006, Stiglitz complementa seu argumento, lembrando que sua pesquisa se originou a partir de um simples questionamento sobre as premissas dos modelos tradicionais: “[...] os pressupostos subjacentes de todos os modelos são a informação perfeita e a simetria de informação – todos saberiam a mesma coisa –, mas o que aconteceria se isso não fosse verdade?” Para o economista, “[...] todos os problemas interessantes de informação – quem é um bom trabalhador, quem é um mau trabalhador, o que é um bom investimento, o que é um grande risco – eram ignorados” (p. 5). Assim, seu trabalho passou a se debruçar sobre os meios como “a economia resolvia os problemas enfrentados, cotidianamente, por todo o mundo: quem contratar, quem não contratar, que investimento fazer”, ou seja “decisões a respeito de como alocar os recursos”, lembrando que “não se tratava de uma simples questão de oferta”, mas principalmente de “uma questão de informação” (p. 5). NOVEMBRO | DEZEMBRO 2016 RUMOS nhar para sairmos da crise. Se pudermos apontar um ponto de consenso, em meio a tantas divergências, destacamos a necessidade do país voltar a crescer, retomando sua rota rumo ao desenvolvimento, processo cuja viabilidade depende em larga medida da capacidade de financiamento da economia. Enquanto na conjuntura de 2008 o esforço imediato foi impedir a retração generalizada do mercado de crédito, no contexto atual o desafio está em garantir a sustentação dos investimentos produtivos e em infraestrutura. Recorremos novamente a Stiglitz: “Penso que [para estimular o crescimento sem comprometer a estabilidade] o governo brasileiro deveria estimular os investimentos utilizando o instrumento do financiamento de longo prazo”, edição maio/junho 2006 p. 9. Sabemos que, no Brasil, o crédito de longo prazo é fortemente marcado pela presença do Estado, por meio da participação das IFDs que compõem o SNF. O Prêmio Nobel estava certo naquela época... e o conselho continua valendo para a atualidade. FERNANDA FEIL É graduada em Business & Commerce pela Monash University/Australia e em economia pela USP. Possui mestrado em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é gerente de Estudos Econômicos (Gesec) da ABDE. Fotos: Noel Joaquim Faiad A ideia de falhas de mercado, decorrentes de problemas de informação, contribui na defesa de argumentos favoráveis à participação do Estado na intermediação financeira. Isto porque a assimetria de informações, característica natural do mercado de crédito, dificulta o equilíbrio entre a oferta e a demanda nesse mercado, já que os tomadores de empréstimos detêm informações mais acuradas do que os emprestadores acerca de sua capacidade de pagamento. Dessa forma, as instituições financeiras acabam por optar pelas operações mais seguras, de modo a maximizar seus retornos, sem, no entanto, levar em consideração as externalidades positivas decorrentes de uma distribuição mais equânime do crédito. Assim, as Instituições Financeiras de Desenvolvimento (IFDs) se mostram fundamentais no enfrentamento a este desafio, atuando no mercado de longo prazo, desconcentrando o crédito (setorial e regionalmente) e agindo contraciclicamente – ou seja, mitigando as imperfeições inerentes ao mercado de crédito. Interessante notar que ambas as entrevistas concedidas por Stiglitz à Rumos ocorreram antes da eclosão da crise financeira de 2007/2008, a partir de quando as ideias por ele defendidas ganharam novo momento. De fato, a crise evidenciou a importância de um SNF robusto e o caso do Brasil oferece exitoso exemplo. Sabe-se que, para evitar que o contágio sobre a economia brasileira se agravasse, as IFDs foram acionadas no sentido de garantir liquidez ao mercado, impedindo que a retração do crédito causasse danos ainda maiores, o que poderia ter levado a um círculo vicioso. No momento imediatamente posterior à eclosão da crise, a expansão do crédito público mostrou-se essencial para contrabalançar a retenção do crédito nos bancos privados, dando fôlego para a recuperação imediata da economia. Como efeito, entre o contágio da crise financeira internacional, em junho de 2008, e dezembro de 2015, a participação dos bancos públicos federais no saldo de operações de crédito do Sistema Financeiro Nacional cresceu 19,2 p.p., saltando de 33,9% para 53,1%. Novamente, vivemos período turbulento na história econômica nacional. E, como sempre, Rumos segue contribuindo ao estimular o debate sobre como superar os nossos desafios. Conforme nos ensina o rico acervo da revista, hoje, como antes, o SNF tem papel crucial a desempe- ANDREJ SLIVNIK É economista, formado pela Universidade de Campinas, e mestrando pela mesma instituição. Atua como técnico na Gesec. 37