A força que faz o país avançar

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ARTIGO
A força que faz
o país avançar
Responsável pela editoria de arte da
Rumos desde 1983, Noel Faiad costuma
reclamar da obsessão dos colaboradores da revista pela palavra “desenvolvimento”. De fato, raras são as edições
que não trazem a palavra na capa ou
nas principais reportagens e entrevistas. Não poderia ser diferente: editada
pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), Rumos tem, como
a própria Associação, a missão de debater e promover o desenvolvimento.
No entanto, desenvolvimento não
é termo que se use impunemente – a
ampla utilização da palavra não implica necessariamente em concordância
e alinhamentos automáticos, carregando consigo substantivas variações
de significado, muitas vezes em disputa, a depender da abordagem teórica e
visão política do interlocutor e do período em que se situa o debate.
De fato, passeando pelas várias edições de Rumos, descobre-se que muitos
são os desenvolvimentos possíveis. Na
edição de maio/junho de 1989, o economista Ricardo Bielschowsky, ao comentar seu recém-lançado Pensamento
Econômico Brasileiro – O Ciclo Ideológico do Desenvolvimentismo, procura
oferecer uma resposta sistematizada
para a fascinante trajetória dos posicionamentos intelectuais estruturados
em torno do conceito de desenvolvimento, identificando, no pensamento
econômico brasileiro, cinco correntes
distintas: uma posicionada à direita, de
tendência liberal; três correntes desenvolvimentistas; e a quinta, à esquerda
dos desenvolvimentistas, classificada
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como socialista. Entre os desenvolvimentistas, Bielschowsky destaca três varia- Desenvolvimento
ções: uma corrente ligada ao setor privado, não é termo que se
outra não nacionalista, no setor público, e
use impunemente – a
uma última nacionalista, também no setor
ampla utilização da
público.
As correntes desenvolvimentistas iden- palavra não implica
tificadas têm em seu cerne a industrializa- necessariamente
ção integral como forma de superar a po- em concordância
breza, compartilhando o ideal de que esta e alinhamentos
industrialização não ocorrerá por meio das
automáticos
forças autônomas do mercado, sendo, portanto, necessária a intervenção do Estado,
por meio da orientação dos recursos financeiros,
ou mesmo da promoção direta dos investimentos.
Para as três correntes, o Estado assume papel relevante como responsável pelo planejamento da
expansão desejada de setores considerados estratégicos para a economia, mas há diferenças quanto à profundidade da intervenção estatal neste
processo, bem como quanto ao grau de participação dos capitais privado e estrangeiro.
O cerne da visão desenvolvimentista é bem explicitado por Ignácio Rangel, na edição de julho/
agosto de 1982. Preocupado com o futuro do desenvolvimento no Brasil, diante da crise que abrira
a década de 1980, Rangel argumentava que o processo de industrialização dependia de duas componentes: uma externa, dado que o país se inseria
na economia mundial; e outra interna, que refletia
as etapas da industrialização brasileira. O papel
destacado da intervenção estatal para o processo
de desenvolvimento se refletia nos investimentos
em serviços de utilidade pública, normalmente de
longo prazo e, por isso mesmo, realizados, direta
ou indiretamente, pelo Estado. Mais do que isso,
a sustentação dos investimentos industriais tinha
como centro gravitacional o BNDES, fundamental para o avanço da indústria pesada e exemplo
decisivo da importância da atuação do Estado no
MAIO | JUNHO 2016
RUMOS
trilhado rumo ao desenvolvimento.
Como se vê, a tradicional visão do processo de
desenvolvimento como industrialização e crescimento, apesar de ter sido importante durante o período de elevada expansão e diversificação econômica, nas décadas de 1960 e 1970, não corresponde
à potencialidade do conceito, como foi explorado
por figuras como Furtado, Rangel e Darcy Ribeiro,
sob outros ângulos.
Rumos sempre esteve atenta à amplitude do conceito. Já no artigo inaugural da primeira edição da
revista, em outubro de 1976, o então presidente do
BNDES e do Conselho dos Associados da ABDE,
Marcos Viana, antecipava que desenvolvimento é
um conceito móvel e dinâmico e procurava situar
os termos do debate de forma abrangente. Desenvolvimento, para ele, significava “romper o círculo
vicioso da pobreza e dar início à arrancada definitiva para o progresso”. O conceito carecia, contudo,
de uma compatibilização entre o objetivo do crescimento econômico e o ideal do “desenvolvimento
integrado”, que também abrangia desafios como o
bem-estar da população, a exploração racional dos
recursos naturais, a preservação do meio ambiente e
a atenuação das desigualdades espaciais e de renda.
De fato, hoje em dia, utilizamos geralmente
entendimento mais amplo, como o proposto por
Viana, englobando o econômico, o social e o ambiental – falamos em desenvolvimento sustentável. Rumos acompanhou, ao longo de sua história,
a evolução na acepção do termo, registrando em
suas páginas as variadas visões que povoam o debate. Tantas visões e abordagens parecem suscitar uma questão comum: em última instância, desenvolvimento é a força que faz o país avançar em
várias frentes.
FERNANDA FEIL
É formada em economia pela USP, mestre na
mesma área pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e gerente de Estudos Econômicos
da ABDE.
ANDREJ SLIVNIK
Noel Joaquim Faiad
processo de desenvolvimento, enquanto instrumento de orientação da poupança para a produção.
Celso Furtado, igualmente, defendia papel destacado para o Estado no processo de desenvolvimento, “o mais importante instrumento que a sociedade tem para agir sobre ela mesma”. Na edição
julho/agosto de 1985 ele defende a criação de empregos como o objetivo fundamental de qualquer
economia, ressaltando que, especialmente nos países subdesenvolvidos, o sistema de mercado não
era suficiente para atender a este desafio. Como
Rangel, ele acreditava na atuação do Estado, por
meio de bancos de desenvolvimento, reafirmando
apenas a importância de que sua atuação fosse adequadamente planejada.
Em nova entrevista, na edição de junho de 1996,
Furtado mantinha sua convicção acerca da centralidade do Estado para o desenvolvimento. Segundo
ele, “todo país subdesenvolvido tem que fazer um
esforço ordenado para sair do subdesenvolvimento
por intermédio de uma política que assume a sua
forma mais acabada num plano, e só o Estado pode
comandar esse processo”. Planejamento, intencionalidade, horizonte – o desenvolvimento partia do
pressuposto de uma visão de futuro, em direção à
qual deveriam ser organizados os esforços da sociedade. A crise do desenvolvimentismo, naqueles
anos difíceis da década de 1990, refletia esta perda:
“o que caracteriza a civilização atual é a sua falta de
imaginação para pensar o futuro e para criar uma
utopia nova”.
Em perspectiva diferente, Darcy Ribeiro reafirma a abrangência do conceito, em entrevista
histórica à edição de Rumos de julho de 1995: “Há
muitas teorias do desenvolvimento”. Para ele, a
perspectiva da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) era o ponto de partida da teoria
vigente na região, focada na industrialização substitutiva de importações, amplamente defendida no
Brasil durante o período de maior crescimento. O
problema desta visão, no entanto, restava na tendência concentradora do processo de crescimento
desenfreado do país, tanto do ponto de vista social
quanto regional. Para Darcy, o elemento-chave na
superação da situação de subdesenvolvimento é
o entendimento de que somos a alternativa para
evitar a perpetuidade desta realidade, viabilizando-nos por meio do uso eficiente dos nossos recursos e possibilidades. O domínio sobre a ciência e a
tecnologia e o aumento do nível educacional aparecem como aspectos fundamentais do caminho a ser
É economista, formado pela Universidade de
Campinas, e mestrando pela mesma instituição.
Atua como técnico da Gerência de Estudos
Econômicos da ABDE.
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