ARTIGO História econômica em revista A revista Rumos completa 40 anos em 2016. Ao longo de sua história ela promoveu debates centrais ao processo de desenvolvimento brasileiro. Testemunha de muitas histórias, Rumos documentou ideias em constante transformação, reflexões teóricas confrontadas pela urgência da conjuntura econômica. Esta coluna pretende recuperar, nas próximas edições, alguns dos principais pontos do debate brasileiro sobre conjuntura e desenvolvimento econômico, na forma como apareceram nas páginas desta revista. A proximidade entre Rumos e a discussão sobre desenvolvimento faz das Instituições Financeiras de Desenvolvimento preocupação central da maior parte dos artigos e entrevistas veiculados. Constituindo-se enquanto espaço de reflexão sobre os problemas do desenvolvimento, de modo geral, mas também a respeito do papel das Instituições Financeiras de Desenvolvimento (IFDs) neste processo, a revista teve por hábito enfatizar a discussão sobre a importância deste conjunto de instituições que hoje chamamos de Sistema Nacional de Fomento (SNF). Dois dos maiores pensadores do Brasil, Ignácio Rangel e Celso Furtado, foram protagonistas de acaloradas discussões sobre o processo de desenvolvimento. A transição democrática foi em si um processo conflituoso e o período entre março e agosto de 1985 foi particularmente tumultuado. Tancredo Neves, eleito presidente da República, após duas décadas de ditadura militar, morre em 21 de abril, deixando ao vice, José Sarney, a tarefa de conduzir a tran48 sição democrática e estabilizar uma economia que enfrentava desafios crônicos. Mais do que isso, as forças políticas se articulavam em torno de projetos distintos para a Assembleia Constituinte, que definiria os contornos da Nova República. Período fértil em perguntas de difícil resposta e, portanto, rico em debates marcantes e decisivos. Neste contexto, Rangel e Furtado expõem suas divergências a respeito dos caminhos a seguir. Na edição de março/abril daquele ano, provocado a comentar a máxima de Tancredo – “É proibido gastar” –, Rangel inverte os termos do raciocínio e lança sua própria versão da Rumos documentou diretiva – “Urge buscar novas fontes de ideias em constante recursos”. Segundo ele, para viabilizar a continuidade do processo de desenvol- transformação, reflexões vimento, era necessário repactuar a re- teóricas confrontadas pela lação entre os setores público e privado, urgência da conjuntura fortalecendo o papel do Estado, no âm- econômica. bito da intermediação financeira, concomitantemente a diminuição de sua participação nas atividades produtivas, inclusive por meio da privatização de determinados serviços de utilidade pública. Nos dizeres de Rangel, o capitalismo financeiro, que se fortalecia, seria “o casamento de uma usina cada vez mais privada, com um banco cada vez mais estatal”. Na edição julho/agosto, Furtado questiona o argumento de Rangel e reafirma a inconveniência das privatizações, já que os serviços até então prestados pelo Estado dificilmente seriam integrados ao mercado. Para Furtado, só existiria a possibilidade de concessão se houvesse controle do Estado sobre a administração dos preços e, portanto, sobre os lucros, tratando-se, assim, não de privatização, mas de transferência de gestão. A solução era outra, fazia-se mister reduzir juros para então adotar medidas capazes de gerar emprego: “o verdadeiro problema do Brasil é a retomada do investimento e isto significa a redução das taxas de juros”. JANEIRO | FEVEREIRO 2016 RUMOS de longo prazo; e finalmente, em defesa dos bancos estaduais, por sua proximidade com os problemas locais, o que os colocava em posição privilegiada para avaliar cada projeto, para cada região. Na visão do constituinte, estas instituições mereciam a confiança da sociedade para enfrentar os desafios do presente e do futuro. Portanto, mais do que testemunha dos debates pelo desenvolvimento, Rumos acompanhou de perto as diversas transformações vivenciadas nos últimos 40 anos. Desenvolvimento regional, planejamento estratégico, fontes de recurso, papel das pequenas e médias empresas, planos de estabilização monetária e participação do Estado na intermediação financeira – uma ampla gama de temas que fazem da revista Rumos uma publicação singular, espaço em que a análise dos desafios atuais da economia sempre vem acompanhada de um convite a reflexões mais abrangentes. Mesmo diante das piores crises, as urgências do presente nunca afastaram Rumos de sua preocupação com o futuro do desenvolvimento brasileiro. Desafios do passado, recolocados no presente. A proposta desta coluna é, justamente, recuperar a discussão sobre o desenvolvimento interligado com esta rica história de defesa das instituições financeiras de desenvolvimento, como forma de prospectar caminhos para o futuro do Sistema Nacional de Fomento. FERNANDA FEIL É formada em economia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre na mesma área pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e gerente de Estudos Econômicos da ABDE. Noel Joaquim Faiad A temperatura do debate pode ser medida pelo tom provocativo com que Furtado questiona Rangel: “É evidente que o Ignácio, para pensar isso, deve ter hoje uma visão de desenvolvimento totalmente diferente da que ele teve no passado”. Furtado e Rangel, a despeito das divergências, concordavam quanto à importância do Sistema Nacional de Fomento para a economia brasileira e como saída para a crise. Na opinião de Rangel, era “uma peça essencial do sistema econômico brasileiro atual”, enquanto Furtado via em sua criação “um salto adiante”. Ambos, no entanto, faziam ressalvas e destacavam pontos de fragilidade que ainda precisavam ser equacionados: a questão regional, entendida por Rangel como o desafio da igualização espacial do desenvolvimento, cuja solução passava pela ação do BNDES no aproveitamento de oportunidades locais, inclusive pela intermediação dos Bancos de Desenvolvimento (BDs) regionais e estaduais; e o desafio do planejamento, fundamental, na leitura de Furtado, para evitar que os BDs se degradassem, distorcendo o foco de sua função essencial de promover o desenvolvimento econômico e social. Esse debate foi continuamente explorado pela Rumos. Nesse período de tensões na economia e de importantes redefinições políticas, muitos dos números da revista se dedicaram a reflexões sobre as crises e o futuro, do Brasil e dos Bancos de Desenvolvimento: Os BDs e a crise: uma proposta para reativar o desenvolvimento; Crise econômica torna ação dos BDs ainda mais importante; O papel futuro dos BDs; entre outras tantas entrevistas e artigos, que não se furtaram em estabelecer estreita relação entre a recuperação da economia brasileira e o resgate da capacidade de atuação dos Bancos de Desenvolvimento, sempre advogando em defesa da vocação sistêmica destas instituições. Na verdade, a crise econômica, associada ao processo de revisão constitucional, colocava sob risco a própria existência destas instituições. Assim, é significativo que uma das mais contundentes defesas do SNF, naquele momento, tenha partido de José Lins de Albuquerque, presidente da Comissão da Ordem Econômica da Constituinte. Na edição março/abril de 1987, o deputado sistematiza as principais razões para sua existência: primeiro, por ser instrumento de atuação dos Poderes Executivos, por meio dos quais era possível apoiar o desenvolvimento; segundo, por ser composto por instituições que se predispunham a trabalhar com visão ANDREJ SLIVNIK É economista, formado pela Universidade de Campinas (Unicamp), e mestre pela mesma instituição. Atua como técnico da Gerência de Estudos Econômicos da ABDE. 49