Histórico do Controle de Constitucionalidade

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Histórico do Controle de Constitucionalidade.
Francisco de Salles Almeida Mafra Filho, advogado e professor universitário,
autor do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro:
Forense, no prelo.1
Sumário: Introdução. Desenvolvimento.
Introdução.
Na sua importante e original obra a respeito do processo constitucional, o professor
da UFMG, mineiro de Teófilo Otoni, José Alfredo de Oliveira Baracho, elabora uma teoria
geral dos controles constitucionais.2
A origem da teoria dos controles constitucionais estaria nos estudos doutrinários
estadunidenses. Isto porque os limites ali impostos ao poder político ajudaram muito para a
eficácia e a estabilidade das normas constitucionais e foram fundamentais para a
consolidação das estruturas democráticas.
A finalidade da Constituição seria a de limitar a concentração de poder e distribuir
as diversas funções estatais entre quem exercesse o poder público, a autoridade.3
De acordo com Lowenstein, os controles dos órgãos estatais são muito importantes
para o desempenho de instituições democráticas contrariamente aos processos de
concentração de poder.4
Para Montes, entende-se que o controle da constitucionalidade manifesta-se como
aspecto concreto do controle jurídico.5
Baracho lembra que são usadas de maneira indistinta as expressões “controle
constitucional” e “controle de constitucionalidade” para se nomear indistintamente o
1
[email protected]; [email protected] e no sítio http://spaces.msn.com/mambers/direitopublico.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional, Rio de Janeiro: Forense, 1984,pp. 146-190.
3
(1984:146).
4
LOWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitucion, Ediciones Ariel Barcelona, 1970, 2ª ed.,trad. Alfredo
Gallego Anabitarte pp 250-251 apud BARACHO (1984:146-147).
5
MONTES , F. J. Galvez. “El Control de la Constitucionalidad em Espana, La Espana de los años 70”, El
Estado y la Política, vol. III, tomo I – Editorial Moneda y Crédito, Madrid, 1974, pp. 1292-1293 apud
BARACHO (1984:148).
2
1
fenômeno do controle da legitimidade constitucional dos atos estatais. E ressalta que, na
doutrina comparada, a expressão “controle de constitucionalidade é considerada mais
apropriada.
É o que diz:
“Dentro de certo rigor terminológico, o controle da constitucionalidade é a categoria
que determina a fiscalização dos órgãos constitucionais, através (sic) do limite de suas
manifestações ou pronunciamentos”.6
Desenvolvimento.
Segundo Battaglini, em Esparta e Atenas não existia uma Corte Constitucional, nos
moldes italianos atuais, descendente direta da criada pela Constituição da Áustria e
influenciada por Hans Kelsen. O que havia na antiguidade era o choque entre a lei
fundamental do Estado e outras leis que disciplinavam as relações humanas.7
Estudando as instituições políticas antigas, desde a Grécia, Battaglini revela
aspectos úteis que podem mostrar alguma vinculação ao sistema de controle. Na Grécia a
sanção era contra o proponente da ação e não contra a norma. Ocorria apenas a
responsabilidade do cidadão pela atividade legislativa contrária à lei.8
Em Roma não havia um controle de constitucionalidade ou de legalidade, como na
Grécia. O que existia era tão somente o tribuni plebis que era uma magistratura criada para
proteger a plebe. Visava à defesa de uma classe e não da Constituição.9
No período medieval, o ato do soberano era limitado pelo direito natural, que o
declarava formalmente nulo e não vinculante, para o juiz competente para aplicar o direito.
Maquiavel alerta aos que constituírem uma República para a necessidade de
constituírem uma vigilância à liberdade.10
Battaglini aborda o Summus Magistratus, apesar de não considerá-lo verdadeiro e
específico controle de conformidade da lei à norma constitucional.
A primeira Constituição que tratou do controle de constitucionalidade por meio de
6
(1984:148).
BATTAGLINI, Mário. Contributi allá Storia del Controllo di Costituzionalità delle Leggi, Dott. A.
Giuffrè-Editore, Milão, 1962, p.10.
8
Idem.
9
(1962:10-11).
10
MAQUIAVEL, Discorsi sulla Prima Deca (Libro I, cap.V. apud BARACHO (1984:150).
7
2
órgão especificamente criado foi a da Pennsylvania do século XVIII.
A Convenção de Filadélfia de 1787 foi importante palco de discussões acerca do
controle de constitucionalidade da atividade legislativa, com reflexos no futuro Estado
federal: controle da lei do Estado Federal e sobre a lei federal.11
Em França, a questão do problema da constitucionalidade nasce juntamente como
período revolucionário daquele mesmo século. Siéyès escrevera projeto considerado o
melhor elaborado e mais completo. Previa-se a criação de um Senado que exerceria uma
espécie de poder moderador responsável pela prevenção e repressão contra quaisquer
abusos de autoridade. Falou-se até mesmo em uma Corte Constitucional: “A Suprema
Corte Constitucional provê à tutela da Constituição e da ordem interna do Estado em caso
de carência do poder executivo”.12
A Constituição de Nápoles teria um título acerca da “Custódia da Constituição”.
A Constituição italiana do período de Napoleão (Constituição da República
Cisalpina de 1797, art. 86) não teve influência a respeito do controle da legitimidade
constitucional. O que era previsto em seu texto apenas possibilitava a anulação de ato
legislativo por defeito de forma. Este poder pertencia ao Consiglio del seniori.
A Constituição Espanhola de 1812, no capítulo X, trazia instituto que objetivava o
controle de constitucionalidade da atividade legislativa. Tal instituto era conhecido como
Disputación permanente de Cortes.
Romagnosi, na Itália, contribui com a doutrina chamada antagonisti costituzionali,
em um regime de garantia constitucional. Nesta doutrina, o tribunal competente é o Senado,
que exerceria a vigilância constitucional, dentro e fora do Estado.
A doutrina de Rosmini manifestava-se a favor da existência de um órgão que ao
mesmo tempo que controlasse a constitucionalidade das leis,
protegesse os direitos
constitucionais dos cidadãos. 13
Já em relação às experiências e doutrinas do controle de constitucionalidade nos
países da antiga Germânia, basicamente os de língua alemã, Battaglini faz referência
obrigatória à Constituição da Áustria de 1920 e sua previsão da Corte Constitucional
austríaca, segundo influência direta de Hans Kelsen.
11
BARACHO (1984:150).
BATTAGLINI, Mario, ob. cit., p. 53 apud BARACHO (1984:150-151).
13
Idem.
12
3
No entanto, a Constituição imperial, de 1867, primeiramente se manifestou acerca
do Tribunal Constitucional.
Instituído pela lei constitucional de 21 de dezembro de 1867, regulamentado em 18
de abril de 1869, o Tribunal Constitucional ou Tribunal do Império era competente para
julgar conflito positivo de atribuições entre dois Estados-Federados; conflito positivo de
atribuição entre os Estados-Federados e órgãos estatais e julgar os recursos dos cidadãos
por violação dos direitos políticos garantidos pela Constituição, esgotado o trâmite no juízo
administrativo.14
Baracho observa que os estudos acerca do controle de constitucionalidade foram
intensos, sendo restritos apenas em regimes políticos não democráticos ou perdendo sua
importância em algumas fases de evolução de certos sistemas políticos.15
Cappelletti lembra que os povos europeus não devem se surpreender com a
atualidade das discussões a respeito do controle judicial da constitucionalidade nos Estados
Unidos da América. E lembra o raciocínio do Juiz Presidente da Corte Suprema, Marshal,
em Marbury vs. Madison, no sentido de que a Constituição é a lei superior e os juízes estão
obrigados a aplicá-la sobre a lei ordinária que a contrarie.16
Jorge Miranda faz importante estudo histórico a respeito dos sistemas de
fiscalização da constitucionalidade. Para o autor os grandes pressupostos da fiscalização da
constitucionalidade das leis e dos demais atos jurídicos de direito público são a existência
de uma Constituição em sentido formal e a consciência da necessidade de garantia dos seus
princípios e regras com a vontade de instituir meios adequados.
De outra forma, não basta que se crie uma Constituição formal para que o sistema
seja capaz de fiscalizar a sua observância. É necessário o estabelecimento da supremacia
constitucional.17
O constitucionalismo liberal europeu não tinha clara percepção da necessidade de
garantia constitucional por razões que vão desde o fato de se acreditar em uma espécie de
harmonia política e na força, ao mesmo tempo obrigatória e de dissuasão das Constituições
14
BATTAGLINI, Ob.cit. ant. pp. 160-161; EISENMANN, Charles.La Justice Constitutionnele et la Hault
Cour Constitutionnelle d’Autriche,Paris, 1928 apud BARACHO (1984:152).
15
BARACHO (1984:152).
16
CAPPELLETTI, Mauro. El ”Formidable Problema” del Control Judicial y la contribuición del Analisis
Comparado”, Revista de Estúdios Políticos, Centro de Estúdios Constitucionales,Madrid,Nova Época, nº 13,
jan/fev.,1980, pp. 61-62, trad. de Faustino González apud BARACHO (1984:153).
17
(2002:522).
4
escritas, pelo fato de a Constituição não ser rigorosamente fundamento ou critério de
validade das leis, por considerar-se a lei fruto da razão e não da vontade e pela visão rígida
e mecanicista da teoria da separação dos poderes.18
O que havia eram garantias graciosas e políticas como o direito de petição à
vigilância do cumprimento da Constituição pelas Câmaras e à predisposição, esporádica, de
um outro órgão político com essa função. Na Grécia, a partir de 1859,na Noruega, desde
1890 e em Portugal, na mesma época, os tribunais invocaram o poder de não aplicar
normas inconstitucionais.
No século XX foi adquirida a convicção de que a Constituição só servirá de garantia
dos direitos fundamentais ou da ordem social e política se for garantida.
Citando diferentes autores como André Blondel, Edward Mc Whinney, Cappelletti,
William Cohen, Brewer Carrias, Nuno Rolo, Rui Medeiros, Gomes Canotilho, dentre
outros, Miranda estabelece observação histórico-comparativa e constata três grandes
modelos ou sistemas típicos de garantia de constitucionalidade: o modelo político, o
modelo judicialista e o modelo de Tribunal Constitucional.
No modelo político destaca-se a fiscalização exercida pelo próprio Parlamento,
realizada na maioria dos países europeus, União Soviética, Ásia e África. Também ocorre o
controle de constitucionalidade por órgão político especialmente constituído para tal, ligado
ou não ao Parlamento. França e Romênia conheceram este último modelo.
Em outros sistemas constitucionais como a monarquia constitucional com poder
moderador e a monarquia limitada aos sistemas de governo representativo simples,
entendeu-se que a garantia da Constituição cabia ao Chefe do Estado.19
Após a I Guerra Mundial, mesmo com o surgimento do modelo do Tribunal
Constitucional, na Alemanha foi preconizada a atribuição ao Chefe do Estado da função de
guardião da Constituição.
O modelo justicialista, segundo Miranda, é baseado no poder normal do juiz se
negar a aplicar leis inconstitucionais às causas que deve resolver. É Hamilton quem disse
que nenhum ato legislativo pode ser válido se contrariara Constituição. Os legisladores não
são juízes constitucionais de suas funções.
O modelo justicialista em seu estado puro de fiscalização difusa, concreta,
18
19
(2002:522-523)
(2002:526).
5
incidental e, primeiramente, por via incidental, propagou-se para a Grécia, Noruega,
Portugal, para os países anglo-saxônicos com Constituições escritas, para a América Latina,
Dinamarca, Romênia, Alemanha, Japão, Itália e Suécia.20
Finalmente, o modelo de Tribunal Constitucional agregaria elementos dos modelos
político e judicialista, em virtude do Tribunal possuir características de órgão jurisdicional
sem ser um tribunal como os demais.
Inicialmente, o Tribunal exerceria a fiscalização abstrata, principal e mediante ação
de constitucionalidade. Depois, assumiu o mesmo maiores competências de fiscalização
nos incidentes de constitucionalidade que fossem a ele enviados.
Exemplos firmes são os Tribunais Constitucionais da Itália e da Alemanha.
Atualmente pode se falar nos seguintes países dotados de tribunais constitucionais:
Portugal, Espanha, Equador, Peru, Guatemala, Colômbia, Chile, Bolívia, Hungria, Croácia,
Bulgária, Eslovênia, Romênia, Lituânia, Albânia, Macedônia, República Checa,
Eslováquia, Rússia, Moldávia, Ucrânia, Polônia, Coréia do Sul, Cabo Verde, Angola e
África do Sul.
Na Grécia, França, Bélgica e Moçambique também existem órgãos com bastantes
semelhanças com os Tribunais Constitucionais.21
No Brasil, a partir da proclamação da República em 1889, o Decreto nº 848,de 11 de
novembro de 1890 criou o controle judicial da constitucionalidade das leis copiando o
modelo estadunidense, com os controles difuso,concreto e incidental.
As Constituições seguintes consagraram-no e desenvolveram-no até que a
Constituição de 1988 completou o sistema com os institutos de controle de
inconstitucionalidade por ação, por omissão, pelo controle concreto ou abstrato. Segundo
Miranda, foi o início de uma nova fase do sistema de controle de constitucionalidade no
Brasil.22
20
(2002:527).
(2002:529).
22
(2002:530).
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