Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Adriene Melo - [email protected] MBA em Marketing – Instituto de Pós-Graduação e Graduação Resumo Este trabalho tem o objetivo de apresentar e discutir o Marketing Cultural como uma ferramenta produtiva e eficiente no campo do Marketing Institucional, cuja pertinência está intrinsecamente ligada às demandas de percepção e construção de valores de uma marca. Nesse sentido, o presente texto aborda a relação entre marketing e cultura, destacando suas possibilidades dentro do campo de ação do profissional de marketing, com ênfase no empreendimento de projetos culturais que se valem de benefícios advindos de mecanismos de incentivo fiscal estabelecidos por políticas públicas. A intenção é destacar a importância do marketing cultural no atual cenário que vivemos, no qual as relações simbólicas têm se tornado hegemônicas e determinantes na construção das relações materiais, e a cultura tem tido um lugar central no saber relacionado às ciências humanas. Palavras-chave: Marketing Cultural; Marketing Institucional; Mecanismos de Incentivo à Cultura. 1. Introdução Em suas considerações sobre As Vinte e Duas Consagradas Leis do Marketing, Ries e Trout (1993) nos lembram que “o marketing nunca é uma batalha de produtos, mas sim de percepção” (RIES e TROUT, 1993:17). De fato, os valores que estão em jogo quando fazemos nossas escolhas são baseados menos em critérios científicos que na apreciação subjetiva, sobretudo naquilo que reside como memória de impressões marcantes na nossa experiência de vida. Por isso, a marca de uma empresa é sempre o seu maior patrimônio, porque é ela que invoca, na memória, as imagens que guardamos sobre o que podemos adotar como valores dos produtos e a expectativa que podemos alimentar sobre eles. Nesse aspecto, é no campo mais amplo da cultura que construímos as percepções que temos das coisas e a partir disso, estabelecemos valores. E se valores são construções histórico-sociais ligadas a práticas, hábitos e costumes de um tempo, que tanto podem ser aprendidos nas relações sociais ou no seio mais íntimo das relações humanas, quanto podem ser disseminados por meio de programas, cuja eficiência está no poder de persuasão, então a relação entre marketing e cultura mostra-se como um campo promissor para se pensar em estratégias de percepção da marca. Não por acaso, Ries e Trout (1993), definem a ideia citada no início ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 deste parágrafo, como a Lei da Percepção, a quarta de suas vinte e duas leis imutáveis do marketing. Neste texto, iremos abordar o Marketing Cultural como uma ferramenta do Marketing Institucional, buscando evidenciar sua eficiência para agregar valor à marca, e destacando alguns fatores de sua aplicação no contexto brasileiro e local. Para tanto, nossa abordagem será dividida em dois eixos. O primeiro irá apresentar alguns conceitos relativos ao campo de ação do Marketing Cultural, destacando noções básicas sobre a terminologia adotada nesse segmento, e discutindo suas funções e abrangências. No segundo momento, vamos tratar dos mecanismos de incentivo fiscal como a principal e mais usual ferramenta do Marketing Cultural no Brasil, expondo e comentando os processos, leis e aplicativos mais utilizados no setor, buscando avaliar, por meio de constatações gerais, o impacto e a realidade do desenvolvimento de projetos dessa natureza no cenário brasileiro. Para finalizar, teceremos algumas considerações gerais sobre as questões levantadas no texto, com vistas a promover uma reflexão sobre o tema abordado e estimular futuros aprofundamentos no assunto. Nossa intenção é contribuir para a difusão e compreensão de um tema pouco explorado, mas muito pertinente no cenário contemporâneo, onde vivemos um contexto no qual alguns autores já sinalizaram a passagem do capitalismo industrial para um capitalismo cognitivo-cultural, devido ao impacto do desenvolvimento tecnológico nos modos de produção, principalmente relacionados ao trabalho e ao lazer. 2. Marketing e Cultura: relações, afinidades e aplicações O conceito de marketing é bastante abrangente, mas de um modo geral envolve uma relação entre pessoas e organizações. Para Las Casas (2005), marketing significa ação no mercado. Segundo ele, "o marketing é uma atividade de comercialização que teve a sua base no conceito de troca. No momento em que os indivíduos e organizações de uma sociedade começaram a desenvolver-se e a necessitar de produtos e serviços, criaram-se especializações” (LAS CASAS, 2005: 03). Nessa concepção, fica clara a relação entre o marketing e o desenvolvimento cultural, uma vez que o progresso social e econômico implica ou precede uma transformação cultural. Já Kotler e Keller (2006), explicam que o marketing é uma arte de conquistar e manter clientes, associando a ideia de marketing ao campo relacional no qual a comunicação tem um papel primordial. A comunicação é sem dúvida o principal canal de transmissão cultural. Nas mais diversas linguagens, os homens interagem na esfera social construindo sua identidade a partir da assimilação de hábitos, costumes e valores, que são compartilhados nas práticas coletivas, que por sua vez são, portanto, comunicados. A cultura, nesse sentido, é o campo por excelência da ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 construção da subjetividade, sendo portanto um domínio incontornável para o profissional de marketing. É exatamente no campo da formação de uma identidade, na consolidação de uma imagem com a qual a pessoa se identifique, é que atua um dos mais importantes segmentos do marketing, o marketing institucional. Este é aquele que não está voltado diretamente para venda de um produto ou serviço, mas antes disso, dirige-se ao campo da percepção que o cliente, ou o potencial cliente, deve ter da marca de uma empresa. Poderíamos dizer que o marketing institucional atua primordialmente no campo do desejo relacionado ao "ser", ou seja, uma camada mais profunda que aquele voltado para o “ter”. Na dimensão do Marketing Institucional é que se insere o Marketing Cultural, como ferramenta para o desenvolvimento de projetos e ações, surgida pela necessidade de inovação do mercado que cada vez mais exige novos métodos e abordagens capazes de promover uma maior aproximação entre empresas e consumidores. O Marketing Cultural é uma ferramenta que opera com a comunicação por meio de ações culturais. Vaz (1995, apud Muylaert, 1995:27) define o marketing cultural como um conjunto de recursos capaz de “projetar a imagem de uma empresa ou entidade, através de ações culturais aplicadas tanto em relação aos objetivos e critérios que orientam a concessão de fundos como quanto a procedimentos para arrecadação de recursos”. No Marketing Cultural, a empresa não apenas investe na percepção da sua marca num contexto de relações espontâneas, mas sobretudo agrega a ela o valor de seu compromisso e responsabilidade social. O Marketing Cultural, segundo Trevisol e Pereira (2011), tem seus papéis representados e distribuídos por quatro grupos distintos: o Estado, os artistas, as instituições culturais e a iniciativa privada. Os autores explicam que: O papel do Estado implica principalmente em planejar, produzir e avaliar osprocessos culturais, podendo tanto agir de forma direta, realizando projetosoucriando e mantendo instituições culturais, quanto de forma indireta, incentivando a iniciativa privada ao apoio cultural, por meio das leis de incentivo cultural (TREVISOL e PEREIRA, 2011: 182). Historicamente, o Estado tem uma função político-cultural definida como direito fundamental do cidadão, da mesma forma que a educação, a saúde e a segurança pública. Suas atribuições são voltadas para o planejamento, a avaliação de processos e a produção cultural tanto de projetos próprios quanto de manutenção de instituições culturais e apoio a projetos de terceiros. Nesse sentido, os gestores estatais devem criar e consolidar políticas públicas voltadas para o setor cultural. Tal promoção se dá, comumente, por meio de Leis de Incentivo à Cultura, envolvendo a participação da iniciativa privada na realização dos projetos de ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 produção cultural elaborados, criados e desenvolvidos por artistas ou segmentos da comunidade voltados para as manifestações culturais. A relação entre a iniciativa privada e o artista é antiga, e ainda hoje se dá pela forma mais comum, conhecida como mecenato. O mecenas, desde o Império Romano, era aquele que incentivava a produção artística, oferendo o que na época era considerado uma “proteção ao artista”. O uso da palavra mecenas nesse sentido é originalmente derivado do nome de um Caius Mecenas como estrategista de talentos múltiplos, é o responsável, entre 74 a.C e 8 d.C., por uma política inédita de relacionamento entre governo e sociedade dentro do Império. Para Mecenas, as questões de poder e da cultura são indissociáveis e cabe ao governo a proteção às diversas manifestações da arte. Na equação de trocas, cabe à arte um papel no âmbito desse poder (MENDES, apud CESNIK, …). O mecenato se constituiu ao longo da história como uma ponte entre o Estado, as instituições e os artistas e produtores culturais, promovendo uma coesão entre essa rede. É importante reconhecer o papel do Estado como viabilizador de ações que garantem a suscetibilidade da cadeia produtiva da cultura, possibilitando que produtores culturais se articulem junto à iniciativa privada, para que os fazeres e produtos artísticos e culturais encontrem um meio de se estabelecer no mercado, fomentando uma economia própria ou ainda se inserindo nos mecanismos e demandas do sistema de produção convencional. O Marketing Cultural tornase, nesse sentido, um campo de conhecimento imprescindível para a operacionalização e interação dos agentes da rede de produção da cultura. Uma vez que o profissional de marketing é aquele capaz de dar forma e planejar ações que atendam à diversidade de demandas que constituem os mercados. Trata-se portanto de um campo especializado multidisciplinar, que envolve a articulação de diferentes conhecimentos tendo como meta a conquista de resultados e objetivos definidos previamente. Philip Kotler (2003) explica que apesar do marketing ter se tornado extremamente importante no mundo dos negócios, ele ainda é um assunto tremendamente mal compreendido entre os agentes do mercado e na própria mente do público. Ele diz que “as empresas acham que o marketing existe apenas para ajudar os fabricantes a se livrarem de seus produtos. A verdade é o oposto, isto é, a produção existe para apoiar o marketing” (KOTLER, 2003:10). Segundo o autor, a prosperidade de uma empresa é determinada pelas ideias e ofertas criadas pelo marketing. Em vez de um esforço de venda a curto prazo, o marketing deve ser entendido como um investimento de recursos a longo prazo. Para Kotler(2003), ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 O marketing é um processo mais amplo que consiste em determinar de maneira sistemática o que produzir, como chamar atenção dos clientes para o produto ou serviço, como facilitar o acesso ao produto ou serviço e como reter o interesse do cliente para o produto ou serviço, de modo que sempre queira comprar mais. (KOTLER, 2003:12) Com vistas a oferecer um panorama dos principais conceitos e ideias que configuram o campo hipercompetitivo e mutável do marketing, Kotler(2003) apresenta um panorama do cenário contemporâneo, construído a partir de oitenta tópicos, dos quais destacamos alguns para demonstrar como o marketing cultural é uma ferramenta adequada e produtiva para empreender ações com foco nas questões destacadas do autor. Destacamos inicialmente a criatividade, como traço distintivo que caracteriza o marketing defendido por Kotler(2003). Segundo ele: Antigamente, as empresas ganhavam sua batalha em marketing sendo melhores em qualidade e eficiência. Hoje, a arma decisiva para a vitória é a criatividade. A superioridade da mesmice tornou-se irrelevante. O importante é a singularidade. Empresas vitoriosas como IKEA, Harley Davidson, e Southwest Airlines são singulares. A singularidade exige o desenvolvimento de uma cultura que celebre a criatividade. (KOTLER, 2003: 36) Não há evidência maior da afinidade entre o papel da criatividade no marketing e na produção artítisca, por exemplo. A arte é o lugar por excelência do exercício da singularidade e da criatividade. O profissional de marketing cultural tem a seu dispôr a força de expressão e a singularidade dos produtos culturais que financia a serviço de agregar valor à marca de seus clientes. A Petrobras, por exemplo, é um caso notório e bem sucedido de marketing cultural no Brasil. A marca é associada com as mais bem sucedidas produções nas diversas áreas artísticas da cultura brasileira (cinema, teatro, artes plásticas, dança, música), reforçando não apenas a identidade nacional do indivíduo com sua cultura, mas sobretudo a identificação desse indivíduo com a marca da empresa, que passa a adotá-la como um patrimônio seu, como símbolo de eficiência, realização e motivo de orgulho nacional. ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 Sendo a arte um sistema de produção eminentemente criativo, cabe a ela renovar a cultura, inserir nas práticas, hábitos, costumes e tradições, o elemento do novo, a ideia que produz uma transformação nos modos de sentir, de pensar e de ser. Esse princípio não poderia ser mais afim do que é às próprias funções do marketing cultural e institucional. Outro aspecto destacado por Kotler (2003), também relevante ao marketing cultural, é a relação entre imagem e marketing emocional. O autor destaca que muitas empresas buscam desenvolver imagens de suas marcas que estejam mais voltadas para o coração que para a mente, pois a mensagem que é estritamente racional, segundo ele, sempre enaltece os mesmos benefícios. Ele explica que: Hoje as empresas recorrem cada vez mais à image e ao marketing emocional para conquistar participação na mente (mind share) e no coração (heart share) dos clientes. Embora as emoções sempre tenham desempenhando papel importante em marketing, a tendência vem ganhando força. O velho mangra recomendava que as empresas superassem os concorrentes na oferta de alguns benefícios e que promovessem as vantagem competitivas daí decorrentes. (…) Mas, na economia de hoje, as empresas copiam rapidamente as vantagens competitivas de seus concorrentes, até que deixem de ser fator de diferenciação.”(KOTLER, 2003:90). Tal fator estimula a criação de campanhas que apelem mais para o lado afetivo que para o lado cognitivo. Kotler(2003) afirma que, em virtude dessa demanda, muitas empresas tem procurado psicólogos e antropólogos para desenvolver mensagens que afetem mais profundamente as emoções. Sublinhamos aqui a presença do antropólogo, como especialista do campo da cultura, uma evidência a mais da importância desse campo para o setor de marketing. Kotler(2003) destaca que”uma das abordagens [do marketing emocional] é construir a imagem de um produto em torno de algum arquétipo arraigado - o herói, o antiherói, a sereia, o velho sábio - que povoa o inconsciente coletivo” (KOTLER, 2003:91). Eis mais uma forte evidência da relevância do universo da arte para estratégias de marketing que atuem nessa perspectiva. As artes, de diversas linguagens e com diferentes modos de expressão, caracterizam-se como a grande matriz de mitos e arquétipos. Tanto as artes narrativas, como o cinema, a literatura, o teatro ou a canção, quanto as artes figurativas, como a fotografia, a pintura ou o design, trazem em si os instrumentos de produção e reprodução dos signos que compõem o imaginário coletivo de um povo ou cultura. O casamento entre a produção artística e a comunicação dos valores de uma marca é algo extremamente viável do ponto de vista da eficiência, pois ali onde as mensagens nascem e se estruturam como linguagem é o lugar ideal para que se construam as ideias. ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 3. Marketing Cultural e Mecanismos de Incentivo Fiscal O principal mecanismo de fomento à produção cultural no Brasil são as Leis de Incentivo à Cultura, que cedem benefícios fiscais à iniciativa privada, no sentido de fomento, apoio e patrocínio de projetos aprovados em editais públicos com essa finalidade. Apesar de termos no Brasil, desde o Império, ações de gestores que investiram na área da cultura, a preocupação e a participação da iniciativa privada com projetos de produção cultural só veio a acontecer a partir da década de 1990, quando se criaram pela primeira vez mecanismos vinculados a políticas públicas voltada para o setor. Nos Estados Unidos, por exemplo, a política de incentivo à cultura surgiu em 1917. A tax deduction permitia o abatimento de 100% no imposto de renda, do valor doado para ações culturais. Cesnik aponta que: Este sistema vigorou por cerca de setenta anos e hoje, como reflexo de seus efeitos estruturados, tem-se um sistema cultural desenvolvido e com grande expressão, ao mesmo tempo que uma política forte de investimento em cultura. Alguns importantes investidores americanos surgiram nesse período, tais como: Fundação Rockfeller, University of Chicago, Fundação Guggenheim, além da iniciativa de famílias, tais como Carnegie, Morgan, Vanderbit, Ford e tantas outras. (CESNIK, 2002:2) Para se ter uma ideia do impacto social formativo do exemplo americano, em 1995, 80% dos dez bilhões de dólares doados para o setor de Artes e Humanidades no país foram desembolsados por indivíduos, além de uma forte presença de grandes empresas como investidoras da cadeia produtiva. Os americanos conseguiram não apenas montar um dos mais importantes acervos de obras de arte da humanidade, mas também viram no setor uma possibilidade de transformação e difusão da sua própria cultura, sendo que hoje a cultura é o terceiro produto de exportação do país, produzindo uma enorme geração de divisas. No Brasil, a realidade é outra, pois a política de investimento em cultura começou muito tardiamente. Nossa história apresenta alguns casos isolados de fomento à atividade cultural, desde a época do império, passando por empreendedores importantes como Franco Zampari e Fransciso Matarazzo, que criaram o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o Teatro ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 Brasileiro de Comédia, a Cinemateca Brasileira e a Companhia de Cinema Vera Cruz, tudo isso apenas no final da década de 1940. Também merece destaque o empresário Cicilio Matarazzo que, no início dos anos 1950, criou a Fundação Beinal de São Paulo e o Museu de Arte Moderna, hoje pertencente à USP. Na mesma época Assis Chateaubriand cria o MASP e Paulo Bittencourt e Niomar Moniz Sodré, inauguram o Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro. Após nos apresentar esse panorama, Cesnik (2002) afirma que os primeiros investimentos privados no campo da cultura na Brasil, surge a partir da década de 1950, por meio de empresas como a Shell, a Petrobras e o Banco do Brasil. Entretanto, a primeira de lei de incentivo fiscal do governo brasileiro surge somente em 1986, e dura até 1990. Era chamada Lei Sarney, e foi precursora como mecanismo de incentivo no país. A lei previa abatimentos fiscais distintos para doadores, patrocinadores e investidores, e foi extinta pelo governo Collor, que extinguiu todos os organismos culturais do setor público. Nessa ocasião, por pressão da classe artística, surge no estado de São Paulo, a Lei Mendonça, de incentivo estadual à cultura. Em 1991, o governo federal implementa a Lei Rouanet, que foi incrementada em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula, o setor público da cultura no âmbito federal se aparelhou ainda mais, ampliando mecanismos e buscando ainda mais uma maior democratização do sistema de financiamento e fomento a cultura no país. Hoje, a Lei Rouanet ainda em vigor, tem sido discutida em propostas de revisão, e não mais a única via de acesso a recursos públicos. Além de outras leis e diversos editais pontuais do governo federal, a maioria dos estados da federação, bem como as grandes cidades, contam com seus próprios mecanismos, estaduais e municipais, de incentivo à cultura. No Estado de Goiás, temos a Lei Goyazes desde 2001, e Lei Municipal de Incentivo à Cultura que vigora no município de Goiânia com edital próprio. Este ano, pela primeira vez, o governo de Goiás aprovou e está pondo em prática um Fundo Estadual de Cultura, na esteira das políticas públicas difundidas pelo Ministério da Cultura, que promete mudar o cenário da relação entre Estado e produtores culturais. O que vemos em relação ao contexto norteamericano, anteriormente apresentado e comentado neste texto, é que no Brasil a produção cultura ainda carece de incentivos fiscais, dada a experiência precoce de formação da consciência política e crítica da população e dos demais setores de produção sobre a importância e as potencialidades da cadeia produtiva da cultura. Sobre os incentivos fiscais, Cesnik (2002) explica que “são soluções criadas pelos governos para o estímulo a determinados setores da economia, de interesse estratégico. Sempre que há necessidade de investimento maciço em determinado setor, cria-se um estímulo tributário para que recursos sejam canalizados para segmento específico”(CESNIK, 2002:1). No Brasil, por sua realidade histórica e social, a cultura tem sido um desses setores que precisam de estímulo governamental. A expectativa é que, a partir desse estímulo inicial, a sociedade tome consciência da importância da cultura e passe a consumir e sustentar a cadeia produtiva da ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 cultura de forma espontânea e voluntária. Obviamente, a relação da empresa com essa cadeia produtiva pode variar em diferentes instâncias, e a caracterização das aplicações materiais dessa relação, como investimento ou custo, vai depender muito de como ela irá se constituir. Kotlher (2003) afirma que é comum o assédio a empresas para pedidos de patrocínios a eventos, atividades ou causas específicas, ao mesmo tempo em que elas buscam maneiras de projetar uma boa imagem para o público. Ele cita, por exemplo, a Coca-Cola, que há muito tempo patrocina grandes eventos, como Olimpíadas e Copa do Mundo, como estratégia de explicar a boa vontade do público e ainda oferecer ao seu pessoal a experiência de participar dos eventos, isso garantindo, é claro, um espaço de visibilidade e alcance gigantesco. O autor destaca que muitas empresas “estão dispostas a gastar muito dinheiro para por seus nomes em instalações públicas, como edifícios, universidades e estádios, a fim de sempre mantê-los bem visíveis”(KOTLER, 2003:168). Além disso, Kotler (2003) destaca ainda a eficiência comunicativa do marketing investir na aura de celebridades, ou no patrocínio de causas importantes que têm grande apoio e adesão da sociedade. Para ele, "se relacionar com uma causa que muitas pessoas acreditam melhora a reputação da empresa, reforça a consciência da marca, aumenta a fidelidade dos clientes, promove as vendas e amplia favoravelmente a cobertura da imprensa"(KOTLER, 2003:168). O patrocínio é uma ferramenta eficiente para o marketing, mas pode representar tanto um investimento quanto uma despesas para empresa, caso não seja fruto de um bom planejamento. A questão é definir com precisão a relação entre o produto/ação cultural, o tipo de produto/serviço da empresa patrocinadora e o mercado-alvo visado. Os objetivos devem ser claros no plano de marketing, e os resultados devem exercer um impacto positivo em termos de conscientização, imagem e fidelidade do cliente. Kotler afirma que, de alguma maneira, isso se converte em vendas. Para além disso, o Marketing Cultural não deixa de ser um instrumento de ação social da empresa, uma realização concreta de atuação no âmbito do contexto humano em que ela se insere. Trevisol e Pereira (2001) afirmam que: Quando uma empresa busca no Marketing Cultural uma alternativa de diferenciação da marca, ou de implementação das táticas de comunicação, ou mesmo aproximação com seu público, é comum que em determinado momento ela se dê conta de seu papel enquanto agente social. Até mesmo aqueles que buscam o Marketing Cultural apenas como pretexto para aproveitar as Leis de Incentivo Fiscal, muitas vezes, no meio do caminho, se apaixonam pela causa social que a cultura representa. Muito além de trocar um apoio a determinada manifestação ou arte por lucratividade a curto ou a longo prazo para a empresa ou para a marca, a ferramenta representa um todo muito maior e mais completo. A responsabilidade social é muito mais que uma charmosa artimanha para enaltecer a sua imagem corporativa. É perceber que cada engrenagem que move seus negócios tem matéria prima extraída diretamente da ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 comunidade em que se encontra, e é moldada por cada indivíduo que colabora direta ou indiretamente com a empresa (TREVISOL E PEREIRA, 2001:186). Os autores lembram o quanto é importante perceber que a cultura tem um importante papel econômico para a comunidade, pois ambas fazem parte de um ciclo que constitui a esfera social, de modo que o desenvolvimento da empresa tem uma estreita relação com o desenvolvimento econômico da comunidade. Como resultado final desse ciclo que o Marketing Cultural percorre para tornar-se uma ferramenta de comunicação, a sociedade enriquece sua cultura, aumentando o número de opções culturais disponíveis, e fazendo com que a identificação cultural dos indivíduos cresça ao mesmo tempo em que cresce o orgulho de fazer parte da sociedade em que está inserido. Envolver o Estado, os artistas, as instituições culturais e a iniciativa privada em um processo que vai além dos limites inicialmente denominados comunicacionais são uma forma de demonstrar a importância das relações sociais para o desenvolvimento de cada setor. Se esse processo, que envolve tantos interesses e responsabilidades, ao final, torna-se uma realidade bem sucedida, muitos mitos sobre incompatibilidade ideológica dos setores que compõem a sociedade perdem sua força. Logo, pode-se refletir e discutir uma importante possibilidade de união de forças e interesses em prol de outras questões sociais a exemplo da cultura ( (TREVISOL E PEREIRA, 2001, p. 184). Sem dúvida, a aliança entre o Marketing e a Cultura é um campo aberto de possibilidades produtivas difíceis de serem delineadas, pois o que ambos tem em comum é o ser humano como matéria de operação. 4. Considerações Finais Neste texto, buscamos tecer algumas considerações sobre a relação entre Marketing e Cultura, enfatizando o Marketing Cultural como uma ferramenta de ação disponível para o profissional de Marketing. Para tanto, construímos um percurso que partiu da relevância da percepção na construção de valores, pensando o Marketing Cultural como uma dimensão do Marketing Institucional, destacando a viabilidade de estratégias para projetar a imagem de uma empresa ou o valor de uma marca a partir de ações de marketing no âmbito da cultura. Destacamos a importância da esfera comunicacional no campo do Marketing Cultural, e sublinhamos como a cultura é o território de construção de subjetividades e de desejos, sendo portanto o campo ideal para realização de ações formativas. Buscamos ainda enfatizar a relação entre o setor público e o privado, inseridos na cadeia produtiva da cultura, juntamente com os artistas, ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 9ª Edição nº 010 Vol.01/2015 julho/2015 Marketing Cultural: Uma Ferramenta de Percepção e Construção de Valores Julho/2015 produtores e instituições culturais. Destacamos também a relação entre imagem e marketing emocional, como possibilidade de ação no setor do Marketing Cultural, periodizando e articulando aspectos afetivos sobre os aspectos cognitivos na comunicação. E finalmente, apresentamos superficialmente alguns mecanismos de incentivo à cultura, apontando as principais leis e âmbitos do governo, contextualizando historicamente o cenário no qual elas surgiram. Dada a proporção deste trabalho e os limites de sua abrangência, reconhecemos que as questões pertinentes que levantamos aqui foram tratadas de forma genérica e merecem aprofundamentos em futuros trabalhos. Nossa intenção maior foi apenas sinalizar o campo do Marketing Cultural, que elegemos para tratar neste trabalho, e chamar a atenção dos leitores para sua pertinência. Se houver interesse do leitor em posteriores aprofundamentos, então a missão foi cumprida. O que ficou claro para nós é que o Marketing Cultural, no contexto atual que vivemos, é um campo extremamente importante para o profissional de marketing, pois nunca estivemos tão susceptíveis ao apelos de imagens, sons e mensagens, como experimentamos hoje. E todo o universo dos signos e estratégias de comunicação nas quais eles são distribuídos são, sobretudo, produtos da cultura. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, José Mendes. Fundamentos do marketing cultural. In:ALMEIDA, José Mendes de; DA-RIN, Sílvio. Marketing cultural ao vivo: depoimentos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992, p.9-21 ASHLEY, Patrícia Almeida. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2003. CESNIK, Fábio de Sá. Guia do incentivo à cultura. São Paulo: Editora Malone, 2002. DIAS, Sérgio Roberto. Gestão de Marketing. São Paulo: Saraiva, 2003. FISCHER, Micky. Marketing Cultural: legislação, planejamento e exemplos práticos. São Paulo: Global, 2012. KOTLER, Philip. Marketing de A a Z: 80 conceitos que todo profissional precisa saber. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary. Princípios de marketing. São Paulo: Prentice Hall, 2007. 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